Obrigada Lucy,muito obrigada.

Obrigada Lucy,muito obrigada.



Ela disse que não tinha intenção de me prejudicar. Disse que encontrou os desenhos no meu quarto e os achou tão bons que não pôde fazer outra coisa além de mostrar para a mamãe.

Claro que não passou pela cabeça da Lucy que ela não deveria entrar no meu quarto, para começo de conversa. Quando a acusei de violar meu direito garantido pela Constituição de ter minha privacidade, ela só olhou pra mim tipo Hein?Apesar de estar tendo aulas de política e governo neste semestre.

A desculpa dela foi que estava procurando o curvex.

Até parece. Como se eu fosse lá pegar qualquer coisa emprestada dela. Principalmente alguma coisa que chega bem pertinho dos olhões saltados dela.

Em vez do curvex, que obviamente não estava comigo, a Lucy encontrou o meu estoque secreto de desenhos da semana e mostrou tudo para a mamãe, na hora do jantar.

- Bom – começou mamãe, com a voz bem seca. – Agora a gente já sabe por que você tirou uma nota tão baixa em alemão, não é mesmo, Mione?
A observação deveu-se ao fato de os desenhos estarem dentro do meu caderno de alemão.

- Este aqui é aquele cara de O Patriota? – meu pai quis saber. - Quem é essa que você desenhou com ele? É a... é a Luna?

- Alemão é uma língua idiota – afirmei, achando que eles não entendiam nada do que estava rolando.

- Alemão não é idiota – informou minha irmãzinha Rebecca. – Os alemães são capazes de retraçar suas origens a grupos étnicos que existiam na época do Império Romano. A língua deles é antiga e bela, e foi criada há milhares de anos.

- Sei lá – respondi. – Sabia que eles colocam todos os substantivos em letras maiúsculas? O que é que você acha disso?

- Hmmm – fez minha mãe, dando uma folheada no meu caderno de alemão. – O que é isto aqui?

Meu pai perguntou:

- Mione, por que você fez um desenho de Luna montada em um cavalo com aquele cara de O Patriota?

- Acho que isso aqui vai responder à sua pergunta, Richard – disse a minha mãe, devolvendo o caderno para o meu pai.

Em minha defesa, posso afirmar que, para o bem ou para o mal, vivemos em uma sociedade capitalista. Eu estava apenas exercendo meu direito à iniciativa privada de fornecer ao público (a maior parte da população estudantil da Escola Preparatória John Adams) um produto para o qual eu detectei uma demanda. Era de se esperar que o meu pai, economista internacional do Banco Mundial, fosse entender isso.

Mas, quando ele leu em voz alta o que estava escrito no caderno de alemão, em tom de espanto, percebi na hora que ele não entendia. Ele não entendia nada mesmo.

- Você e Josh Hartnett – leu meu pai – US$15. Você e Josh Hartnett em uma ilha deserta, US$20. Você e Justin Timberlake, US$10. Você e Justin Timberlake embaixo de uma cachoeira, US$15. Você e Keanu Reeves, US$15. Você e... – Meu pai ergueu os olhos – Por que o Keanu e o Josh custam mais caro que o Justin?

- Porque – expliquei – o Justin tem menos cabelo.

- Ah – fez meu pai. – Entendi. – E voltou à lista. – Você e Keanu de Barco, nas corredeiras, US$20. Você e James Van Der Beek, US$15. Você e James Van Der Beek andando de asa delta, US$20...

Mas minha mãe não permitiu que ele fosse adiante.

- Está bem claro que Hermione tem problemas para se concentrar na aula de alemão – declarou minha mãe, em tom de tribunal (ele é advogada ambientalista; ninguém em sã consciência iria querer provoca-la para que usasse esse tom de voz). – Parece bastante claro que a dificuldade em se concentrar na aula de alemão se deve á ausência de uma válvula de escape apropriada para tanta energia criativa. Acredito que, se a tal válvula de escape lhe fosse fornecida, suas notas em alemão subiriam consideravelmente.

O que explica por que, no dia seguinte, minha mãe chegou em casa do trabalho, apontou para mim e mandou:

- Terça e quinta, das três e meia às cinco e meia. A partir de agora, você vai ter aula de arte, mocinha.

Uau. Quanta sutileza!

Não ocorreu à minha mãe que eu sou capaz de desenhar perfeitamente bem sem aula nenhuma. A não ser pelas aulas da escola, sabe como é. Minha mãe não percebe que as aulas de arte, em vez que oferecer uma válvula de escape para minha energia criativa, só vão acabar totalmente com qualquer habilidade natural e estilo individual que eu possa ter. Como é que eu vou poder continuar fiel à minha vida pessoal, tipo o Van Gogh, com alguém olhando por cima do meu ombro e dizendo o que eu tenho que fazer?

- Obrigada – sussurrei a Lucy quando cruzei com ela um pouco depois, no banheiro que dividíamos. Ela estava separando os cílios com um alfinete na frente do espelho, apesar de nossa empregada, Molly, ter dito mil vezes que uma prima sua, a Rosa, tinha furado um olho assim.

A Lucy olhou para mim através do alfinete:

- O que foi que eu fiz?

Não dava pra acreditar que ela não sabia.

- Você me dedurou – gritei – Aquele negócio dos desenhos.

- Credo, sua retardada, - Lucy respondeu, começando a trabalhar nos cílios inferiores. – nem vem me dizer que ficou brava com aquilo. Eu fiz tipo um favor pra você.

- Um favor? – fiquei chocada. – Eu me ferrei por causa do que você fez! Agora tenho que ir a uma droga, uma porcaria de aula de arte duas vezes por semana, depois da escola, quando eu bem podia, sei lá... Ficar assistindo á TV.

Lucy revirou os olhos.

- Você não saca nada, não é mesmo? Você é minha irmã. Não posso ficar lá parada enquanto você se transforma na maior esquisitona da escola. Você não participa de nenhuma atividade extracurricular. Você se veste com essas roupas pretas horrorosas o tempo todo. Você não deixa eu arrumar o seu cabelo. Tipo assim, eu precisava fazer alguma coisa. Agora, quem sabe? Talvez você vire uma artista famosa. Tipo a Geórgia O’Keeffe.

- Por acaso você sabe o que a Geogia O’Keeffe pintou para ficar famosa, Lucy?

Quando ela respondeu negativamente, expliquei.

- Vaginas. É por isso que ela é famosa.

Ou, como bem colocou Rebecca, quando passou pela porta com o nariz enfiado no último livro da saga de Jornada nas Estrelas:

- Na verdade, as imagens orgânicas abstratas de O’Keeffe são representações luxuriantes de flores que têm forte conteúdo sexual.

Eu disse a Lucy que perguntasse ao Draco, se não acreditava em mim. Mas Lucy respondeu que ela e Draco não conversam sobre coisas desse tipo.

Eu fiquei meio assim.

- O quê? Vagina?

Mas Lucy respondeu - não, arte.

Eu não entendo. Ela namora um artista e, mesmo assim, os dois nunca conversam sobre arte? Fala sério, se algum dia eu arrumar um namorado, nós vamos conversar sobre tudo. Até sobre arte. Até sobre vaginas.

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