≈. Passado



O pôr-do-sol se infiltrava pelas janelas de uma antiga casa naquela tarde, fazendo com que os objetos de prata da mesa refletissem no teto uma variedade de luzes coloridas.
Uma garota de cabelos loiros e de aparência rebelde estava deitada no sofá, de cabeça para baixo e com os pés na parede. Ouviu de longe a voz da mãe, mas não se mexeu.

- Temos que organizar desde agora, uma dia ela herdará tudo o que tenho aqui e ... MANDY!

Kate parou ao ver o estado da filha. Amanda se sentou e passou a mão nos cabelos arrepiados, fitando desinteressada o homem que acompanhava sua mãe.

- Amanda, sente-se direito e cumprimente-o! - disse a mãe energicamente.

- E aí, cara? - murmurou ela, voltando a deitar no sofá de qualquer jeito. O homem piscou, atordoado.

- Chame-o de sr. Borgin, Amanda! - falou Kate em tom de censura.

- Ah, sim... Ele que te manda aquelas flores que me fazem espirrar? - Amanda ergueu a sobrancelha para o homem curvado. - Já conheço...

- Estávamos conversando sobre quando a senhorita tomará posse da herança de sua mãe, Amanda - disse ele, se sentindo importante. - Já que a senhorita...

- Ah, pópará! - exclamou ela aborrecida, olhando para a mãe . - Não sou senhorita nem quero ser dona de uma loja de antiguidades idiota.

- Mas você vai, já que é a única herdeira - retrucou Kate.

- Mãe, você nunca pensou que eu gostaria de ser outra coisa? - perguntou Amanda, olhado para o teto. - Eu tenho treze anos, não quero ter responsabilidades! Nunca passou pela sua cabeça que eu gostaria de ser, sei lá... dançarina de cabaré, mulher-bomba pra explodir aquela Beauxbatons, ou coisa assim?

- Amanda, comporte-se! - sibilou a mãe, enfurecida. O homem ao seu lado estava vermelho de constrangimento. - Estou falando sério! Você é a última descendente dos Hartwell, dona de uma fortuna que você nem imagina!

O sr. Borgin é um amigo da família, e está disposto a te ajudar em tudo em que você precisar. Ele é dono na Borgin & Burkes. - explicou Kate.

- Ele me ajudaria muito mais se te mandasse algo além de flores - respondeu ela sarcasticamente, vendo o homem corar. - Eu não quero o seu dinheiro nem a ajuda de ninguém - continuou Amanda, olhando no fundo dos olhos azuis de Kate. - Eu só preciso do meu pai. Cadê ele? Quando ele volta?

- Não sei - respondeu Kate se encaminhando para a porta e fazendo um sinal para que o sr. Borgin a acompanhasse. - E não volte a tocar nesse assunto.

Kate trancou a porta do escritório e andava nervosamente de um lado para o outro, com uma expressão preocupada no rosto. O sr. Borgin a seguia com os olhos.

- Ela é muito nova, Kate - murmurou ele. - Amanda ainda não entende...

- Não, ela entende muito bem - disse Kate impaciente. - Ela é determinada demais, o que ela quer, ela consegue...

- Ela confia muito no pai - disse ele olhando para fora da janela.

- E isso é um erro, eu sei - falou ela baixinho. - Mas agora é tarde... O que vai ser da Mandy?

- Eu juro a você que vou cuidar dela e proteger ela com a minha própria vida se for preciso - disse ele decididamente. Um brilho de esperança perspassou nos olhos de Kate.

- Promete?

- Prometo.

O que eles não sabiam é que Amanda ouvia tudo do outro lado da porta.

A mesma Amanda que lembrava dessa cena quatro anos depois de ter acontecido. A Amanda de dezessete anos, que acabava de acordar desse sonho. E descobria mais uma peça do quebra-cabeça que sua vida havia se tornado: Borgin & Burkes.



- Por favor, não seja verdade.

Era o pensamento de Gina enquanto andava sozinha, como que perdida pelos corredores de Hogwarts á procura de Harry. Não conseguia tirar da cabeça a conversa com Luna naquela manhã:

Gina estava na biblioteca, estudando para os NOM's quando Luna sentou-se ao seu lado, parecendo nervosa.

- Oi Luna! - falou Gina alegremente, mas mudou o tom ao ver a expressão de Luna. - O que houve?

Luna hesitou. Tentava achar as palavras certas para contar o que tinha visto à amiga, mas estava agora em uma situação delicada.

- Sabe, Gina - começou ela, embora ela nem soubesse como começar. - , na verdade não sei como contar isso, mas ontem de noite eu fui na sala comunal da Grifinória e...

- O que você foi fazer lá? - interrompeu Gina.

- Não importa - murmuro ela tristemente. - Só que quando eu abri aporta eu vi... o Harry ficando com outra garota.

- O QUÊ? - disse Gina, derrubando o tinteiro e fitando Luna com urgência. - Você tem certeza?

Luna confirmou com a cabeça, cruzando as mãos distraidamente sob o queixo, como se estivesse tentando enxergar algo além da mesa cheia de livros.

- Quem era a garota que estava com ele? - perguntou Gina estreitando os olhos e se esquecendo de falar baixo. - Por Merlim, me fala!

- Não sei - respondeu ela com a voz sumida. - Não reconheci...

Mas ao olhar para o lado, Gina já desaparecera.


E o que Gina queria agora era encontrar Harry. Precisava de uma explicação, mas não sabia como conseguiria falar com ele.
Ela o avistou de longe conversando com Hermione. Como em câmera lenta, ela se voltou para ele, decidida:

- Harry, preciso falar com você. Vem comigo.

Ele obedeceu, sem notar a frieza na voz dela.
Gina andava rápido pelo corredor e Harry já estava quase perguntando pra ela o motivo de tanta pressa, quando Amanda passou por ele nada despercebida - talvez porque usava uma lâmina de barbear pendurada na orelha esquerda - e lançou um olhar particularmente significativo, fazendo-o corar na mesma hora com lembranças da última noite. Ela estava diferente, concluiu ele, totalmente diferente daquela garota tímida de alguns meses atrás...

Gina entrou em uma pequena sala vazia, junto com Harry. Só então ele notou a expressão apreensiva nos olhos dela.

- O que foi? - perguntou ele, mas no fundo algo dizia o que lhe esperava.

- Harry, me diga a verdade... - disse ela quase num sussurro. - Ontem você... estava com outra pessoa?

Harry ficou mudo por um instante. Não entendia como ele acabara sabendo daquilo. Ele disse para Amanda não falar nada...

- Quem te falou... isso? - hesitou ele, nervoso.

- Não interessa quem me falou - respondeu ela. - Vamos, Harry! Me diz... - falou ela num tom tão magoado que deixou ele mal. - É verdade, então?

- Deixa eu explicar... - balbuciou ele á beira do desespero. - Não é o que você está pensando...

Gina o encarou. Ela lutava contra as lágrimas insistentes, desejando que alguém lhe dissesse que aquilo era mentira, que nada disso estava acontecendo...

- Não é o que eu estou pensando? Harry você me traiu! - ela gritou, fazendo força pra não chorar. - Eu te dei motivos pra você fazer isso comigo? E quem é ela?

- Por favor, Gina, eu posso explicar, me deixe...

- Explicar? - repetiu ela com a voz fraca. - Eu já entendi tudo, Harry... Acabou tudo aqui...

Ela se virou e bateu a porta com força ao sair, talvez pra ele não ouvir seus soluços.
Harry tentou ir atrás dela, mas não conseguiu se mexer. Idiota, ele pensou, eu sou um completo idiota. A pessoa que ele mais amava no mundo era também a que tão cedo não voltaria a olhá-lo nos olhos.

Gina entrou correndo no quarto e se jogou na cama. Custava acreditar no que acabara de acontecer. Harry... Por que você fez isso...?
Gina tinha tido muitas oportunidades para traí-lo, mas nunca se sentiu tentada. E era isso que recebia em troca...
Ela secou as lágrimas no lençol da cama e fixou seu olhar distante para fora da janela. Não pretendia contar a ninguém, mas sabia que mais cedo ou mais tarde alguém perceberia. Mas ela não se preocupava com isso.
Tudo estava acabado.
E Gina era a pessoa que menos se importava de viver agora.



Amanda já havia aprendido a entrar na Casa da Sonserina sem ligar para os olhares mortíferos dos alunos, ainda mais porque agora ela estava um tanto chamativa, por causa da lâmina de barbear pendurada na orelha esquerda. Se Vallery era importante ali, Amanda tinha certeza, porque a única coisa que impedia que eles a expulsassem de lá a pontapés era a amizade com ela.
Amanda mal entrou no quarto e notou as rotineiras penas de ganso no chão. Mia estava pulando alegremente depois de brincar de uma guerra solo de travesseiros. Amanda se perguntou por que Val não mandava ela se controlar.

- Vai no baile do tio Slugue, Mandy? - perguntou Mia, atirando a última almofada no ar e rasgando-a com um feitiço.

- Talvez, se alguém me convidar... - respondeu ela tentando se livrar de uma nova chuva de penas.

- Bom, se você for, você vai - concluiu Mia sabiamente. - Então, como diz a minha avó, trate de arranjar um par de calças e vá, ok?

Vallery arrumava algumas gavetas no canto e murmurou um "oi" desanimado, por causa da bagunça do quarto.

- Você vai sim, e não vai sozinha.

Três cabeças se viraram e três pares de olhos se arregalaram para a garota que falou; sua voz etérea poderia competir com voz a da professora Trelawney. A garota estava no canto oposto do quarto, lendo um livro em silêncio até então. Amanda se espantou com o modo como Natalie conseguia ficar particularmente invisível com aqueles cabelos compridos cor de Fanta Laranja.

- Essa pessoa que vai te convidar - continuou Natalie, olhando seriamente nos olhos azuis de Amanda. - Vai mudar completamente a sua vida - e ela voltou a ler o livro.

A "platéia" mergulhou num silêncio profundo. Amada fitava Natalie boquiaberta; Mia enterrou a cabeça nos restos mortais da almofada pra não cair na gargalhada.

- Ela anda estranha assim há um tempão - sibilou Valllery - Mas agora as coisas que ela prevê realmente acontecem.

- E eu, Nat? - replicou Mia, parecendo encantada e alcançando Natalie que já estava de saída. - Eu vou me casar? Eu vou ter filhos? Vou ter uma vaca de estimação? - as perguntas de Mia ecoaram no corredor.

- A Mia faz o Pirraça parecer um anjinho - disse Vallery olhando para a porta e tirando da gaveta uma foto desbotada. - Parece que passou o furacão Katrina aqui, minhas almofadas entraram em extinção...

Amanda já não ouvia Vallery. Seus olhos estavam fixos na fotografia em cima da cama. Uma fotografia que ela conhecia.

Amanda revirou nas mãos aquela foto. Mia já havia lhe mostrado uma parecida, com as mesmas três garotas, um pouco mais novas do que nesta, mas em situação totalmente diferente. Ela passou o dedo pela superfície desbotada. Lá estava uma Vallery mais nova, sem as mechas verdes no cabelo castanho, que ria se debruçando em uma mesa e com um cigarro entre os dedos. Alexy ao seu lado, com a mesma expressão arrogante de sempre, alta e com os cachos loiros e brilhantes, brincava com uma cereja dentro do copo.
Mas o que mais a interessou foi a garota no canto da foto. Tinha a pele branca que contrastava com os cabelos pretos presos em um rabo-de-cavalo. Ela bebia cerveja amanteigada numa garrafa, também rindo de alguma coisa; exibia uma bonita tatuagem floreada em forma de S no braço.
Amanda conseguia imaginar a risada dela só de olhar... notou também que a garota tinha os dentes caninos estranhamente afiados e olhava de um jeito desafiador para a câmera.
No verso da foto se lia em letras floreadas:

Venom, Formação Original.
Vallery Stevens
Sabrina Jeffs
Alexandra Bloom

(para sempre)


Sabrina Jeffs... era o nome que Mia havia lhe dito. Sabrina... olhando para ela, Amanda se assustou ao pensar que ela estava desaparecida fazia dois anos.

- Quantos anos você tinha quando tirou essa foto? - perguntou Amanda.

- Quinze - respondeu Vallery e fechou a última gaveta, erguendo os olhos para ela. - Quarto ano.

- E quem é essa garota? - tornou a perguntar, embora já soubesse quem era.

- Sabrina - ela olhava para Amanda. - Morreu dois dias depois de tirar essa foto.

Amanda se calou. Sabia que Vallery nunca dizia porquê tinha tanta certeza que Sabrina estava morta, e não desaparecida como diziam, mas via ali uma oportunidade para conhecer aquela história de que tanto se falava.

- Como isso aconteceu, Val? - perguntou Amanda com cautela. Vallery ficou em silêncio por alguns segundos, avaliando se poderia ou não contar alguma coisa.

- Ela era da Grifinória e foi expulsa de Hogwarts no quarto ano - respondeu ela finalmente, olhando para o chão. - Por ter atacado uma garota trouxa na frente dos irmãos. Um ataque no qual eu participei.

Amanda ficou quieta. Mia não lhe dissera isso...

- Uma família de gente esnobe - continuou ela, com desprezo na voz. - Corruptos, idiotas. A filha mais nova tinha a nossa idade na época e armou uma cilada para mim, Sabrina e Alexy...

Amanda se assustou ao ver que descia uma lágrima por trás dos óculos de aros coloridos de Vallery.
Amanda a abraçou. Agora que ela tinha começado a contar tudo, Amanda não queria perder essa chance. Então ela continuou a falar:

- Eu não pensei na hora, você não sabe como eu me arrependo disso... O ministério mandou uma carta para ela. Os pais da Sabrina são trouxas, não entendiam bem disso, e como éramos três, um funcionário do ministério foi examinar nossas varinhas;Priori Incantatem. - Ela juntou as mãos no queixo. - Sabrina não me acusou de nada, levou toda a culpa...

- Ela só quis proteger você - disse Amanda.

- Eu sei - disse ela num tom mais calmo. - Esse era o jeito dela... tão inteligente quanto a Nat, tão bonita quanto Alexy, tão engraçada quanto a Mia... e tão misteriosa quanto você - ela deu um meio sorriso. - Mas diferente de todas.

Vallery se deitou na cama e fixou seu olhar vago no pôr-do-sol pela janela.

- Quem tirou essa foto foi o irmão da Mia, namorado da Sabrina na época. Foi quem mais me ajudou depois da morte dela... ainda lembro do professor Snape, falando que nunca tinha visto uma garota da Sonserina chorar por uma da Grifinória, com aquele olhar de censura dele...

Ela deu um longo suspiro e continuou:

- E então quando Dumbledore deixou ela passar a última noite aqui para se despedir... ela falou que nunca me deixaria, mas eu entrei em pânico... ela não podia fazer isso, simplesmente não podia... - ela fez uma pausa. - Naquela noite ela fugiu para a floresta proibida... eu não consegui fazer ela ficar... eu fui a culpada, ela morreu por minha causa...

- Mas por quê você acredita tanto que ela pode estar morta? - perguntou Amanda olhando pra ela. - Nunca encontraram nenhuma pista... Val, você não pode se culpar assim. Por que tem tanta certeza que ela está morta?

- Fui covarde - falou ela com a voz embargada. - Covarde demais... Eram sete contra nós três.

Amanda não saia a que tipo de covardia ela se referia. Sete contra três?

- Quando a garota partiu pra cima da Sabrina eu me deseperei - disse ela apertando os joelhos com as mãos. - Peguei a varinha de Sabrina e ataquei a garota com um feitiço... Esse foi o meu pior erro...

Vallery estremeceu. Amanda sentiu que havia chegado ao ponto crucial. Vallery a encarou com o olhar decidido, mas também havia medo naqueles olhos escuros.

- Não se pode romper um Voto Perpétuo.

- O QUÊ? - Amanda se afastou bruscamente, fitando-a horrorizada. - Você fez um...

- Voto Perpétuo - confirmou ela. - Sabrina jurou que nunca me abandonaria. Fui eu que tive a idéia, foi uma coisa tão infantil... fizemos o Voto no começo do quarto ano. Eu nunca vou me perdoar por isso... mudei completamente depois do que aconteceu.

- Quem mais sabe disso? - perguntou Amanda, quase não acreditando no que ouvira.

- Eu, Alexy... e agora você - responde ela estreitando os olhos. - Mandy você não vai contar pra ninguém, entendido?

Amanda confirmou com a cabeça, lentamente assimilando as coisas. Então Vallery também tinha sido culpada... Alexy sabia de tudo. Elas haviam escondido a verdade dos pais de Sabrina fazia dois anos... era para Vallery ser expulsa e não ela, e o Voto Perpétuo...e Sabrina havia morrido por causa de uma promessa idiota.
E em silêncio, Vallery saiu do quarto e deixou Amanda sozinha.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.