Ciúmes



Capítulo XIV – Ciúmes


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 Ciúme
Transformando santos em oceanos
Nadando por doentes canções de ninar
Sufocando em seus álibis
Mas é apenas o preço que eu pago
Destino está me chamando
Abra meus olhos ansiosos
Porque eu sou o Sr. Otimista


(Mr. Brightside – The Killers)


 


Nicole Carrew


 


Um fato: fins de semana passam tão rápido quanto pomos de ouro.


Por isso não me surpreendi quando, num piscar de olhos, estava sentada à mesa da Grifinória para o café da manhã de segunda-feira.


 


- Então James sumiu mesmo? – perguntei a uma Lily sonolenta que estava a minha frente.


- Como se tivesse evaporado – respondeu enquanto brincava tediosamente com seu mingau.


- Acha que tem dedo do Sr. Estrela nisso?


 
Ela deu de ombros e brincou mais um pouco antes de voltar a falar.


- Não deixa ele te ouvir. – comentou rindo fracamente – Embora me surpreenda muito você lembrar do nome de alguém tão depressa...


- Não lembro. – respondi – Mas tem algo a ver com estrelas e... Falando em Sr. Estrela, onde está Jéssica?


Lily me lançou um olhar divertido.


- É segunda de manhã, onde você acha?


Outro fato: algumas pessoas nunca se acostumam com o primeiro fato.


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Jéssica Buttler



- EU TO ATRASADAAAA!!! – gritei em desespero para o dormitório vazio enquanto tentava pôr os sapatos e pentear o cabelo ao mesmo tempo.


 


Toda segunda-feira é a mesma coisa: Lily tenta me acordar, eu fico enrolando, Lily sai, eu acordo (no mínimo) meia hora depois e constato que...


 


- To atrasada, to atrasada... – dizia repetidamente como se fosse mudar algo – Eu juro que vou parar de dormir tanto! – disse com seriedade apesar de já ter feito este juramento umas dezenove vezes só este semestre.


 


Quando entrei arfando (por causa da correria) na sala de Aritmancia a aula estava para começar. Lily e Nick me aguardavam em nossa mesa habitual com uma trouxinha de guardanapo cheia de comida. Adoro estas garotas.


 


XxXxXxXxXxXxXxX


 


Segundas-feiras são dias deploráveis. Não só por acabarem com o fim de semana, não só por ser o dia com as piores aulas, não só por ser o Dia Mundial da Preguiça. Mas porque, se algo de ruim tiver de te acontecer, será na segunda.


Não, não é drama. Pra você pode ser diferente, mas por aqui é sempre assim. Isso porque na segunda nós geralmente temos que encarar as porcarias que aconteceram (ou que fizemos) durante o fim de semana, incluindo aquelas que não foram sua culpa.


Veja Lily, por exemplo. Por Black ser um idiota que não a deixou dizer a James que eles estavam saindo ela agora está possessa ao meu lado olhando ele e Ariane Lensher trabalhando juntos na aula de Feitiços. E não é que ela seja ciumenta, é o jeito que eles estão trabalhando que incomoda. Brincadeirinhas, intimidades... Como se estivessem saindo.


 


- Eu poderia azará-la daqui. – a ruiva concluiu de repente – Ninguém vai reparar.


- Lily! – Nick a repreendeu.


- Eu estou de acordo. – sussurrei para Lily.


- Jeh! – me repreendeu também.


- Só uma bem pequena, sem causar muitos danos... – Lily comentou.


- Francamente, qual o problema de vocês? – Nick perguntou irritada – Isto não é uma guerra! Jéssica, não crucifique a garota só porque não gosta dela. E Lily, se James realmente gostar e você, não interessa quem se joga pra cima dele ou o que ela faça, é com você que ele vai ficar. – fez uma pausa para nos olhar com severidade – Sem falar que duvido que ela esteja ali por total iniciativa própria, a Nani não é assim, deve ter havido um convite. – ela fez outra pausa e suavizou a expressão – Sei que dá raiva e é difícil e tudo mais... – disse se dirigindo apenas a Lily agora – Mas azarações não vão resolver seu problema. Fale com ele de novo, faça-o lembrar o que aconteceu antes do jogo, sei lá, mas não perca a cabeça por isso, ok? – concluiu dando-lhe um beijo na bochecha e um sorriso doce.


Apesar do enorme barulho na sala de aula, os sons pareciam distantes. Nicole, com todo seu avoamento, consegue ser bem mais madura e racional e chega a nos deixar bem envergonhadas quando quer.


XxXxXxXxXxXxXxX


 


Quando as aulas acabaram e chegamos ao dormitório, Lily se jogou na cama alegando estar morrendo de enxaqueca e, antes de descer para o jantar, eu lhe prometi trazer algo para comer mais tarde.


Para minha surpresa, Alice veio sentar ao meu lado poucos minutos depois que cheguei à mesa. Percebi que Ariane não estava no salão e, tomando as dores de Lily, fiquei irritada que James também não estivesse. Do grupo, apenas Peter e Sirius estavam sentados a alguns metros de nós rindo disfarçadamente de um terceiranista sonserino a quem tinham enfeitiçado os talheres para jogar-lhe a comida na cara. Não passei mais que alguns segundos pensando nisto, Alice conquistou minha atenção quando perguntou se eu já sabia da última fofoca dos corredores.


A compainha de Alice tornou o jantar agradável, já que só Merlin sabe onde se meteu Nicole. Mas, indubitavelmente, a melhor parte da noite foi quando um Frank desavisado não percebeu quem estava sentada comigo e sentou em minha frente contando sobre um evento extremamente nojento que ocorrera na Estufa Três esta tarde. Bem, vocês tinham que estar lá para ver a cara dele quando percebeu quem era a loira ao meu lado e seu deu conta da situação. Passou o resto do jantar em silêncio e tentando esconder o rosto apesar de Alice se esforçar para não excluí-lo da conversa.


Nicole chegou bem no fim, com mechas finas de várias cores claras misturadas ao mogno natural de seu cabelo. Fica explicado onde esteve. Como mal sentou-se à mesa e a comida desapareceu, combinamos de nos encontrar dentro de uma hora na biblioteca para fazer os deveres. Assim ela teria tempo de ir a cozinha e eu, de levar a comida de Lily e pegar os livros.


Eu queria questionar Alice sobre os encontros de Ariane, ela devia saber já que eram super amigas, embora talvez não me dissesse exatamente por causa disto. De qualquer forma, a presença de Frank me impedia de puxar este assunto e não tive coragem de perguntar na presença de Lily quando chegamos ao dormitório.


Alice disse que não queria ir à biblioteca e Lily ficaria dormindo, então, segui sozinha com alguns muitos livros nas mãos. Estavam bem pesados, mas, por sorte, não precisei carregá-los por muito tempo.


 


- Jeeh! – a voz conhecida de um garoto soou perto de mim.


 


William Frey é um grande amigo meu desde o segundo ano quando o salvei de um ataque de fúria de Nicole por falar mal dos Beatles (faça o que fizer, não ofenda os Beatles na frente da Nick). Ela não vai muito com a cara dele até hoje. Mas voltando ao assunto, costumávamos passar bastante tempo juntos. “Costumávamos”, no passado, porque no quinto ano ele resolveu que queria ser Auror e se aplicou bastante nos estudos para conseguir isto, o que o deixou meio sem tempo para tudo o mais. Porém, tirando a frequencia com que nos vemos, as coisas não mudaram entre nós.


 


- Will! – exclamei com alegria e já ia me precipitando para ele quando percebi que se o abraçasse, derrubaria todos os livros – Eu não te vejo desde o fim do sexto ano, como você está? – perguntei empolgada.


- Melhor que você, pelo que vejo. – falou sorrindo indicando os livros com a cabeça – Vamos, passe isso pra cá. – e estendeu os braços.


- Ah, não precisa, não está pesado. – menti.


- Seus pertences nunca precisaram estar pesados para eu carregá-los pra você. – argumentou revirando os olhos. Sempre tínhamos a mesma discussão.


- Já que você insiste... – dei minha resposta habitual e lhe passei os livros. Will é sempre tão cavalheiro.


- Wow! E você disse que não estava pesado? – exclamou arfando quando joguei tudo em seus braços de uma vez.


- Sou uma menina forte! – brinquei mostrando-lhe meu antebraço.


- Claro que é... Escute, pode segurar isto só por um momento? – pediu se preparando para me passar os livros de volta.


- Já desistiu? – brinquei enquanto, já com os braços cheios de novo, o observava pegar a varinha.


- Não. – respondeu simplesmente – Estou apenas facilitando as coisas. – e com um floreio da varinha, os livros começaram a flutuar ao meu lado.


 


Olhei para a pilha suspensa ao meu lado e depois para Will.


 


- Ok, agora eu me sinto idiota. – comentei com um fundo de verdade na voz.


- Não seja boba, é tudo parte do seu charme! – disse antes de agarrar minha cabeça e bagunçar meus cabelos. Estava demorando, esse safado sempre se aproveita de ser bem mais alto que eu. – Além do mais, com os braços livres, posso abraçar você. – finalizou sorrindo ao passar o braço por cima de meus ombros. Sorri de volta para ele. Absolutamente nada havia mudado.


 


Se fosse outro garoto a fazer isso, eu provavelmente ficaria apavorada que ele estivesse dando em cima de mim, mas Will não é assim. A presença dele é... Confortável.


 


- Mas então, me conte o que tem feito. – pedi.


- Estou estudando, como sempre. – respondeu meio entediado.


- Qual é? Vai dizer que não há nenhuma garota atrás destes lindos olhos azuis? – perguntei.


 


Eu ainda não falei sobre a aparência de William Frey, certo? Ele tem 1,85m, cabelos pretos curtos e olhos azuis muito claros. E está me abraçando. Isso mesmo, podem babar.


 


- Nenhuma com o sorriso certo. – respondeu com ar cansado.


- Cara, isso foi tão... Metidoo!! – falei sem acreditar.


- Não é minha culpa! – se defendeu em tom de brincadeira – Não consigo parar de me achar com você me olhando deste jeito! Fico até constrangido.


- Ah, Will, você sabe que é quase impossível me controlar perto de você. – rebati fingindo falta de ar enquanto o olhava.


 


Nos encaramos por um segundo antes de cair na gargalhada e seguirmos para a biblioteca conversando trivialidades.



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Lily Evans


 


A parte chata de ser monitora é que você tem que fazer rondas e rondas têm a mania de ser inconvenientes. Quando você está mais cansada, mais ocupada, mais estressada... Tenha certeza que é dia de ronda.


Fazer ronda consiste, basicamente, em caminhar pelos arredores da sua casa procurando desordeiros, verificando se as salas foram trancadas, se ninguém está fazendo uso indevido delas (já peguei cada coisa...) e, principalmente, em ser inconveniente para os outros, já que você provavelmente está de mal humor.


Às nove horas, quando comecei a verificar o quinto andar. Na verdade, esta área já não é mais minha obrigação, mas eu não estava prestando bem atenção aonde estava indo. Agora pensem: eu estou fazendo ronda numa segunda-feira... Qual a probabilidade de algo ruim acontecer? Eu digo: alta.


Tão alta que não demorou muito a acontecer. Depois de andar uns três corredores sem nem olhar pra nada, pensando em minha cama e meu colchão me esperando no dormitório, uma crise de risinhos próximos me despertou para a realidade. Olhei para os lados atordoada e, atrás de uma estátua de Bóris, o Pasmo, Ariane Lensher e James se encontravam em poses muito sugestivas.


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Jéssica Buttler


 


Will não ficou muito mais tempo comigo depois que chegamos à biblioteca. Disse que só pegaria um livro e voltou para seu salão comunal, mas combinamos de nos encontrar em Hogsmead no fim de semana.


Estava concentrada nos títulos a minha frente, procurando algo que me socorresse em transfiguração, por isso não vi ou ouvi a chegada de mais um indivíduo no recinto e quase morri de susto (por pouco não gritei) o tal se pronunciou.


 


- Sempre no meio dos livros.


 


Os poucos livros que eu ainda não havia devolvido às estantes caíram no chão com o susto. Rick Murray me encarava encostado na estante atrás de mim com os braços cruzados sobre o peito.


 


- Sempre aparecendo do nada. – respondi.


- Continua com a obsessão por estórias românticas de trouxas? – falou observando um dos livros que havia caído aos seus pés.


- Não é obsessão. – falei apanhado o volume de O Morro dos Ventos Uivantes do chão – É bom gosto.


 


O garoto lançou um olhar de menosprezo, depois, descrença.


 


- Tantos volumes cheios de magia e novos poderes, e você perde seu tempo com histórias para seres não mágicos... Quase me deixa angustiado. – disse em seu tom debochado habitual.


- Tantas garotas no castelo e você perde seu tempo aborrecendo a mim, a nascida trouxa da casa rival... É meio deprimente, não? – olhei com uma sobrancelha erguida – O que seus pais diriam se vissem tal cena?


- Você bem sabe que não dou a mínima para o que meus pais dizem, Buttler. – praticamente cuspiu.


- Sei... Não na frente dos outros. – falei revirando os olhos – Mas então, você veio aqui só pra tentar, outra vez, me encantar com seu “charme irresistível” – fiz as aspas com os dedos – ou tem, finalmente, algo de útil a dizer?


- Tenho algo a dizer. – afirmou me olhando com um sorriso presunçoso estampado no rosto. Ele retirou uma rosa vermelha da capa e estendeu para mim – Quer ir à Hogsmead comigo, Srtª. Buttler?


 


Eu olhei dele para a flor e da flor para ele umas três vezes antes de cair na gargalhada. Sem chance, ele só podia estar curtindo com a minha cara. Passei uns dois minutos rindo antes de conseguir me controlar, mas não foi rápido o suficiente para evitar que Madame Pince aparecesse e nos expulsasse da biblioteca. Sério, essa bibliotecária tem que parar com essa mania de expulsar todo mundo daqui. Há dois anos achei que ela era tão rigorosa por ser nova no emprego, mas agora não faz mais sentido. Bem, mas deixando de lado Madame Pince e suas manias chatas...


 Rick e eu agora nos encontrávamos sozinhos no corredor, ele me encarava de forma azeda.


 


- O quê? – perguntei sem entender porque ele me olhava daquele jeito.


- Do que você estava rindo? – perguntou emburrado.


- Da sua piada? – sugeri – Do que mais seria?


- Eu não estava brincando, Buttler, você vai comigo à Hogsmead.


 


Eu o olhei mais incrédula a cada segundo.


 


- Espera aí, agora é uma afirmação? Porque eu não me lembro de ter respondido.


- E você vai dizer não? – perguntou como se fosse uma idéia absurda.


 


Pensei por alguns segundos se valia à pena responder a algo deste tipo e decidi que não.


 


- Tchau, Murray. – disse antes de lhe virar as costas e tomar o caminho para a torre da Grifinória.


- Nós ainda temos que combinar a que horas e onde eu vou te encontrar. – disse, graças a Merlin, sem me seguir.


- Eu disse “tchau”, Murray. – respondi por cima do ombro.


- Sendo difícil... Gosto disso! – rebateu antes de seguir seu próprio caminho. Pensei seriamente em gritar um “f***-**!” em resposta, mas havia um grupo de primeiranistas passando.


 


Revirei os olhos e bufei algumas vezes antes de me acalmar e pensar sobre o que acabara de acontecer. Que foi que eu falei sobre segundas? Ok, deixe-me explicar.


Rick Murray é um garoto do sétimo ano da Sonserina (isto mesmo, da Sonserina) que no ano passado começou a, vez por outra, me importunar por fatal de algo melhor para fazer, ou assim eu acredito. Não é nada demais, geralmente fica só nisso de criticar algo que me vê fazendo, ou se vangloriando sobre qualquer coisa da Sonserina ou, até mesmo, me dando pequenas aulas de etiqueta bruxa. Eu nunca o azarei porque... Bem, primeiro porque não é tão irritante quanto soa, eu até me divirto rebatendo as coisas que ele diz e, segundo, ele até que é bem gatinho (alto, cabelos pretos, olhos castanhos, ar debochado... Quase tão charmoso quanto Black) e toda garota, sem exceção, precisa de um cara gato no seu pé as vezes. Certo?


Mas ele nunca tinha me chamado pra sair antes... Isso é estranho. Será que tava falando sério? Com a rosa e tudo? Nãããããão... Jéssica, sua idiota, pára de pensar bobagens!


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Lily Evans



Eu sou uma pessoa impulsiva com reações sempre exageradas, todo mundo sabe disso. Então por que eu não conseguia me mover!? Por que eu estou parada no meio do corredor com cara de pateta olhando James e Ariane trocarem carinhos?


Não conseguia raciocinar direito. Todo tipo de pensamento invadia minha mente, um após o outro, em tão alta velocidade que pareciam apenas palavras soltas. Eu estava presa ali e continuava olhando para algo que realmente não queria ver.


Nossa noite juntos, todas as brigas, os pedidos pra sair, tudo que ele disse, que eu disse, que comentei com as amigas... Tudo girava em torno de mim sem fazer sentido com a cena diante dos meus olhos. Havia algo completamente fora do lugar ali e era isso que me prendia meus pés no chão apesar de eu querer deixar aquele lugar agora mesmo.


 


- Oh... Oi, Lily. – Ariane me notou primeiro e sorriu envergonhada – Não tinha visto você aí.


- É... Oi, Lily. – disse James um tanto mais sorridente que Ariane. Demorei vários segundos para conseguir produzir um “oi” em resposta.


- Então... O que está fazendo por aqui? – Nani perguntou.


- Eu... – precisava de uma boa desculpa pra estar ali com aquela cara – Estava fazendo ronda e... Bem, - finalmente pensei em algo – faltam cinco minutos para o toque de recolher, é melhor se apressarem aí. – conclui e saí andando rapidamente.


 


“O relógio dela tá meio adiantado, não?” ainda escutei James perguntar antes de virar o corredor. Eu precisava de um lugar vazio... Corri para os jardins tomando o cuidado de pegar os corredores mais vazios e só parei quando cheguei à beira do lago.


Estava uma noite muito fria e minhas bochechas ardiam com o vento, a lua cheia estava refletida na superfície do lago. Seria uma paisagem de tirar o fôlego se eu não estivesse concentrada em tentar parar as lágrimas que teimavam em descer e bloquear as imagens da noite antes do jogo que se misturavam com as de hoje.


 


- Hey! O que está fazendo aqui fora tão tarde? – ouvi uma voz grossa e amiga não muito distante às minhas costas. Dei um sorriso leve.


- Sou eu, Hagrid. – falei olhando para trás para que ele visse meu rosto.


- Lily! – ele exclamou feliz – É bom vê-la, mas os tempos estão muito perigosos para andar sozinha a noite... Venha, eu te acompanho até o castelo.


 


Olhei triste para o meio gigante, sempre foi tão gentil comigo. Há tempos que não o visitava.


 


- Não quero voltar ao castelo agora, Hagrid... – respondi triste voltando a encarar o lago – Não podemos... Sei lá, ir à sua casa por algum tempo? – Hagrid me olhou com mais atenção antes de falar.


- Você parece mal, Lily, o que aconteceu?


- Aqui não...


- Tudo bem, então. Vamos, te preparo um chá e você me conta o que tanto te aborrece.


 


Segui Hagrid até sua cabana na orla da floresta. Estava quente e aconchegante lá dentro, quando me sentei na enorme cadeira, já estava me sentindo um pouco melhor. Aguardei em silêncio enquanto o observava preparar o chá e pegar um pote de biscoitos para colocar em cima da mesa.


Gosto disso no Hagrid. Ele não te pressiona a falar sobre qualquer coisa nem fica fazendo perguntas, só espera que você diga e escuta. Quando o meio gigante finalmente colocou as xícaras (que mais pareciam baldes) sobre a mesa, comecei a lhe contar toda a história, desde o fim do sexto ano até os acontecimentos mais recentes.


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Nicole Carrew



Jéssica não estava na biblioteca quando cheguei. Procurei por todos os lugares e esperei bastante tempo antes de desistir e fazer meus deveres sozinha. Ela deve ter caído no sono ou qualquer coisa do gênero, depois a ajudarei, se precisar.


Terminei minhas atividades bem antes do esperado, por isso guardei minhas coisas e fui às estantes procurar algo interessante para me distrair mais tarde.


Enquanto observava os títulos dos volumes nas prateleiras, ouvi vozes conhecidas que me fizeram parar o que estava fazendo e prestar atenção.


 


- Quando você vai esquecer aquela essa pra finalmente sair comigo? – perguntou Butcher numa voz irritada.


- Eu só preciso de um tempo, ok? É importante, não dá pra descartar assim! – David respondeu. Peraí, aquelazinha está ME chamando de coisa!?


- Não quero ficar pra depois, David, sou o tipo de garota que vai direto ao ponto.


- Mas eu já disse que não dá pra deixar pra lá! – agora era ele que parecia irritado – Deixa passar, tá bom? Eu já disse que é importante!


- Shhhh! – uma terceira voz ralhou com os dois.


 


Ficaram em silêncio por um tempo e decidi que já havia escutado o suficiente. Estava irritada com a Butcher por dar um em cima do meu garoto, mas, ao mesmo tempo, feliz por ver que David ainda dava valor ao que tivemos e estava resistindo ainda que não tivéssemos mais nada. Talvez minhas suspeitas sobre o envolvimento dos dois fosse injusta, afinal.


Saí da biblioteca com um leve sorriso no rosto. Eu sabia que não era o fim.


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Sirius Black


 


Estava na biblioteca há algumas horas tentando fazer uma maldita redação de poções que o Slughorn me passou por não acertar algumas perguntas, mas parecia impossível! A toda hora apareciam pessoas importunando umas as outras perto de onde estou. Um tempo atrás foi um sonserino nojento chamando a Buttler pra sair, agora tive que pedir silêncio a um casal desconhecido cuja a garota estava dando um pití porque o cara precisava treinar quadribol no fim de semana e não poderia sair com ela.


Francamente, quando estas garotas vão aprender que não se compete com quadribol? Como costumo dizer, são todas iguais. Fúteis, frescas, carentes, interesseiras... Eu me pergunto como os caras daqui conseguem se sentir atraídos por tipos como estes. Muito mais o meu jeito: passe o dia (ou uma noite, depende da oportunidade) com uma garota trouxa e desapareça quando ela começar a fazer perguntas pessoais, sempre dá certo. Por que se envolver com alguém num lugar onde você não pode sumir quando quiser? Só vai te causar dor de cabeça.


Consultei o relógio de pulso. Droga! Não tinha mais tempo. Preciso arrancar o Pontas daquela garota nova... Não lembro o nome dela, mas não parece muito melhor do que a Evans. Enfim, preciso estar na Casa dos Gritos em meia hora, Aluado vai se transformar em breve.


Fechei os livros que estava usando e saí da biblioteca andando rápido. Vislumbrei o casal que antes discutia sobre quadribol agora se agarrando no meio das estantes... Acho que conheço aquela garota de algum lugar... Pensarei nisso depois, não deve ser importante.


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Lily Evans


 


- E agora está tudo acabado. – conclui – Como vou conseguir encará-lo depois de hoje? – pus a xícara-balde na mesa e escondi o rosto nas mãos – Alguém lá em cima me odeia, sério. – Hagrid riu da minha desgraça.


- Não fale assim, Lily. Nem parece você.


- Como assim “não parece eu”? – perguntei tirando as mãos do rosto para olhá-lo.


- Bem, a Lily que eu conheci anos atrás era uma verdadeira grifinória. Corajosa, persistente, forte. É difícil de acreditar que você vai desistir só porque apareceu um pequeno obstáculo no caminho. – disse me lançando com um olhar cúmplice. Eu sorri fracamente.


- Obrigada, Hagrid. Mas acho que você não está entendendo bem a situação...


- Acho que você é que não vê as coisas claramente, pequena. – ele sorriu compreensivo – Vou te contar um segredo, mas você tem que prometer que nunca repetirá isto a ninguém. – disse baixando a voz e se aproximando.


 


Eu afirmei com a cabeça e esperei que ele continuasse.


 


- No começo do ano letivo, James estava sentado nesta mesma cadeira que você falando em como estava determinado a fazer as coisas certas para que você gostasse dele, visse que ele não é um idiota e que era capaz de te fazer feliz. – ele fez uma pequena pausa, eu o olhava bestificada – Há algumas semanas atrás, esteve aqui de novo pedindo uma explicação pra o que você tinha feito em Hogsmead e dizendo que estava com raiva de si mesmo porque não conseguia ficar irritado com você. Triste e magoado, mas não com raiva.


Um grande silêncio sequenciou o discurso de Hagrid. Eu não tinha palavras e ele me observava com um sorriso discreto, concluindo que havia feito a coisa certa, o que significava que, de alguma maneira, minha expressão era boa.


Minha mente trabalhava rápido. Tudo que escutei fazia sentindo se eu pensasse em antes do acidente e até alguns momentos após. Mas os sumiços e a cena de hoje... Eu sentia que haviam segredos demais nesta história e me perguntava se valia mesmo a pena lutar por algo que me abalava tanto por tão pouco. Suas atitudes recentes confundiam tudo, mas eu tinha que considerar o problema da memória... Bem, não podia realmente culpá-lo por isso, mas a expressão no rosto dele...


E então eu tive um “click”. O que é que eu estava pensando!? Eu pertenço à Grifinória, não? Eu fui criada com meu pai dizendo a vida toda que devemos lutar quando é fácil ceder¹ e o que eu estava fazendo agora? Querendo desistir na primeira vez que fui posta à prova? Essa não era eu. Definitivamente.


 


- Vou falar com ele de novo! – anunciei de repente, mas apenas eu estava surpresa com isso.


 


Hagrid apenas sorriu abertamente e deu um longo gole de sua xícara como se brindasse minha decisão. Então, depois de passados alguns segundos, me olhou confuso.


 


- E o que ainda estamos fazendo aqui? – perguntou mais a si mesmo do que a mim.


- Nós?


- Não seja boba, Lily. Está tarde. Vou te levar ao castelo. – falou enquanto se levantava e vestia o casaco peludo.


 


A caminhada de volta ao castelo foi silenciosa, mas agitada. Me despedi de Hagrid na porta do salão principal e corri até a torre da Grifinória. Ou, ao menos, tentei. Não é qualquer um que consegue subir sete andares de escada correndo se não tem o costume de fazer isso.


 Enquanto subia o último lance ofegante. Não tinha idéia do que faria quando chegasse ao salão comunal, não tinha idéia de onde James estava... Mas onde mais eu podia ir?


 Felizmente, por uma sorte rara de me atingir, não precisei sequer chegar à torre. James descia as escadas apressado e parecia nem ter reparado minha presença.


 


- James! – chamei.


 


O pequeno susto o fez parar por alguns segundos, mas logo estava correndo escada abaixo de novo enquanto acenava um “Ah... Oi Lily” por cima do ombro.


 


- Hey, espera! Eu preciso falar com você! – desci atrás dele.


- Agora realmente não dá, Lily. – parou a corrida brevemente para responder – Amanhã a gente conversa, ok?


 


Fiquei alguns segundos perplexa sua atitude, mas então resolvi segui-lo até que me ouvisse.


 


- Por favor, James, é importante! – disse com a voz urgente quando o alcancei e pus a mão em seu ombro – Não vai demorar.


 


Eu precisava falar naquele momento. Sabia que se deixasse passar perderia a coragem. Ele parou e me analisou por quatro segundos.


 


- Tudo bem. – disse sorrindo – Mas seja breve, por favor.


- Eu preciso que você se lembre de algo. – falei o encarando. Meu coração batia com tanta força que podia quebrar minhas costelas.


- E isso seria...? – ele incentivou.


 


Eu tinha que ser rápida, mas não tinha a mínima idéia de por onde começar. Havia tanta coisa a dizer... Meus pensamentos estavam totalmente desorganizados!


E então meu corpo encontrou uma resposta mais rápido que meu cérebro. Eu não lembrava de ter  me movido, só sabia, no segundo seguinte, que meus olhos estavam fechados e meus lábios estavam suavemente colados aos de James. Eu podia perceber o quanto o havia pego de surpresa. Na verdade, eu também havia sido pega.


Não durou mais que alguns segundos, mas foi tempo suficiente pra me fazer sentir como se flutuasse. James me olhava mais confuso do que qualquer outra coisa e eu não podia tirar a razão dele, afinal, não é normal ter ruivas loucas se atirando no seu pescoço no meio de corredores vazios.


Ele permanecia calado e não olhava para mim, então resolvi quebrar o silêncio.


 


- Um dia antes de você perder a memória nós saímos. – falei devagar, ele me olhou como se surpreendesse que eu ainda estivesse ali – Foi mágico, James! Você disse que estava apaixonado por mim e... Ok, na verdade, não disse, mas deixou bem claro! E nós dançamos e conversamos e nos beijamos a noite toda! – ele permanecia em silêncio – E eu não sabia como te dizer isso porque você não se lembrava de nada, mas finalmente tomei coragem.


James permanecia calado me olhando perplexo demais para dizer qualquer coisa.


- Eu precisava te fazer lembrar de tudo porque você finalmente conseguiu! Eu estou... Totalmente apaixonada por você. – eu finalmente parei de falar, mas ele continuava só me encarando – E nós podemos ficar juntos agora... Por favor, fala alguma coisa!


 


Ele abriu e fechou a boca várias vezes antes de produzir algum som.


 


- Lily... Eu... Você... Você tá brincando de novo, né? – finalmente concluiu. Foi um senhor “tapa na cara”.


- Não! É sério! Você não se lembra? – perguntei beirando o desespero.


- Não... Lily, isso na faz nenhum sentido! – retrucou – Acho que eu me lembraria de alguém por quem era “apaixonado”, não acha? – as palavras não foram escolhidas a dedo, mas a frase não era agressiva. Eu fiquei sem resposta – E principalmente de algo pelo o que esperei tanto tempo. Não se esquece dessas coisas assim.


- Mas... Mas você disse que... – eu não conseguia pensar em nada coerente para dizer. Uma enorme vergonha acompanhada de vontade de chorar me invadiam rapidamente.


- Olha, eu acho que houve algum mal entendido aqui... Você mesma falou que eu não cheguei a dizer que gostava de você... E nada disso faz sentido, Lily, eu... Eu estou apaixonado pela Ariane. – as palavras me atingiram com tanta força que achei que fosse cair – E sinto como se tivesse gostado só dela a minha vida inteira... Desculpe se dei a entender outra coisa, nunca foi minha intenção. – eu não respondi – Espero que as coisas não fiquem estranhas entre a gente... Eu tenho mesmo que ir agora, ok? Desculpe. – e, dizendo isso, voltou a descer os degraus apressadamente.


A sensação é a mesma de ser atingida com força por uma enorme quantidade de água prestes a congelar. Tira seu fôlego, te deixa desnorteado, a dor se espalha rapidamente e, o pior, o frio não passa simplesmente por você se enxugar.


 


 


1 – Frase da música Sonho Impossível, de Chico Buarque.


 


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N/A: Gente, desculpa pela demora. Desta vez foi por causa da faculdade, fim de semestre é de matar! Mas to de férias agora e, provavelmente, os caps vão sair mais rápido :D

Beijooos e muito obrigada pelos comentários.

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