ARGUMENTANDO EM FAMÍLIA



Apesar de todos os esforços de número Seis, número Dois não dava sinais de que iria acordar tão cedo. Mesmo estando com sinais vitais controlados e dentro da normalidade, ele havia entrado em um sono tão profundo que não reagia a nenhum estímulo externo. Era como se sua consciência o tivesse abandonado, não dando perspectivas de melhora. Número Seis consultara diversos livros referentes ao assunto, mas não estava encontrando uma explicação coerente com a situação, portanto, acabou convocando uma reunião de urgência com os outros cinco membros da Aliança e em menos de meia hora todos eles já tinham aparatado no local.

- Seu relatório completo, Seis. O que é tão urgente?

- Número Dois provavelmente não acordará mais. Já faz pouco mais de uma semana desde que iniciei o tratamento e ele ainda não despertou. Num caso normal de estafa mágica, um bruxo recupera sua consciência em aproximadamente dois dias, com alguns relatos de no máximo cinco dias. Há dez dias nós lacramos aquele Espírito Negro!

- Ele está em coma?

- Não, ele não precisa mais de medicamentos nem de feitiços ou poções. É como se ele estivesse dormindo profundamente. Tentei diversas técnicas de reanimação, mas não obtive sucesso em nenhuma delas. O caso é mais grave do que eu poderia imaginar, não possuo referências concretas nas quais possa basear um novo tipo de tratamento, por isso formulei por conta própria uma teoria que apresento agora a vocês: ao que parece o Espírito Negro é composto da essência maligna de diversos seres mágicos – bruxos, dragões, basiliscos, testrálios, etc. – ele devora tudo que considera proveitoso e depois descarta os restos. Começo a acreditar que sua fonte de comida são os instintos animais sedentos de poder, e ele tende a se aproveitar de diversos seres que visam o domínio sobre seus semelhantes, cujos comportamentos são primordialmente perversos. Considerando a alma de número Dois composta essencialmente de maldade, a parte absorvida pela entidade que convocamos o deixou praticamente um recipiente vazio, e a porção benigna de sua personalidade é suficiente apenas para mantê-lo nesse sono eterno.

- Isso nos deixa em um dilema. Nós não podemos matá-lo por causa do nosso juramento, mas com um homem a menos também não conseguiremos dominar esse ser que batalhamos tanto para conjurar.

- Já prevendo essa questão, sugiro que convoquemos um substituto para o lugar de número Dois.

- Não podemos substituir alguém a não ser em caso de óbito. Nosso juramento é bem claro quanto a isso, evitando golpes internos.

- Tenho uma proposta: convencemos o novo membro a matar nosso companheiro inválido como condição para sua entrada na Aliança. Por conta do nosso juramento, seremos impelidos a protegê-lo o que nos fará duelar com o candidato. Mesmo forçados a combater, não juramos usar a plenitude de nossas forças em todos os combates, ou seja, vamos testar o indivíduo, e se ele for bom o suficiente para entrar em nosso grupo, matará número Dois. Se não for bom, morrerá.

- Certo, mas não vamos sair por aí chamando qualquer bruxo para nossa seleção. Escolheremos a dedo nossos candidatos, e após essa triagem, eles terão a oportunidade de compor a Aliança. Quem está de acordo? – todos levantaram a mão, em sinal afirmativo.

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Assim que terminaram de tomar o café da manhã com seus pais, Alvo, Rose e James foram informados das mudanças que haveriam nos planos de fim de ano, e sua volta precoce para Hogwarts. A notícia foi assimilada com diferentes reações de cada um: Alvo sentiu-se um pouco assustado, mas acima de tudo confiante em superar aquele desafio; James estava empolgado parecendo um macaquinho ao ver pela primeira vez um cacho de bananas; e Rose estava super disposta em provar para seus pais que já não era nenhuma criancinha.

No fim da tarde do mesmo dia, Harry, Hermione e as crianças haviam chegado à entrada do Cabeça de Javali. O cheiro do lugar parecia ter ficado ainda mais insuportável com o passar do tempo, ao passo que ficava praticamente impossível evitar ânsias de vômito se você permanecesse muito tempo naquele local. As janelas pareciam não ser lavadas há no mínimo um ano, e a pintura externa estava totalmente deteriorada, com diversos pontos descascados e rachaduras que já acumulavam bastante mofo. A placa pendurada acima da porta era a única coisa que Harry considerou igual desde a primeira vez que observou o local, as feições de um javali talhado em madeira com o nome do bar logo abaixo não tinham mudado nada desde sua última visita.

Harry empurrou a porta para entrar no pub, ela respondeu rangendo e soltando um estalo estridente que chamou a atenção dos freqüentadores e do dono do lugar. Aberforth reconheceu Harry Potter e direcionou a ele um olhar entediado, resmungando baixinho algo incompreensível. Os cinco entraram rapidamente, suportando o semblante mal encarado dos bruxos que bebiam por ali e prestavam tanta atenção neles que chegava a incomodar. De um dos cantos do salão um sonoro arroto tornou-se audível, fazendo Rose contorcer-se em uma cara de nojo e Hermione praguejar algo sobre a educação daquelas pessoas. Eles se aproximaram do balcão e antes que puxassem conversa Aberforth anunciou:

- Vamos subir. – depois bradou em direção à cozinha – Rick! Assuma as coisas aqui na frente por um momento! – então se dirigiu para a escada, seguido pelos visitantes.

- Você tem um assistente agora, Aberforth? – indagou Hermione.

- É um faz-tudo que trabalha aqui comigo. Apareceu há uns dois ou três anos... Eu estava precisando mesmo de uma mãozinha, afinal, minha idade já está um pouco avançada.

“Um pouco?!” pensou James, mordendo o beiço para não dizer nada.

- Como não ganho tanto dinheiro assim – continuou o velho bruxo – ele fica com 20% dos lucros e tem o direito de comer suas refeições por conta da casa. Realmente não é um emprego bom, mas ele conseguiu se arranjar por aqui, passa o dia aqui e depois dorme num casebre abandonado um pouco mais para baixo nessa mesma rua.

- Você está totalmente irregular! É uma relação de emprego que despreza as leis do Ministério e...

- Quem liga para o Ministério? – ele resmungou em tom cortante.

Harry deu o seu melhor olhar “deixa disso” para Hermione, visto que eles iriam ter que passar algum tempo convivendo sem brigas com o Dumbledore caçula. Assim que entraram no quarto com o quadro de Ariana, Harry explicou toda a situação em detalhes, demonstrando a real necessidade que tinham do lugar.

- Não precisa palestrar tanto, Potter. Só me pague cinco galeões por noite e pode fazer o que quiser nesse quarto, contanto que não apareça no meio da noite tentando me matar.

- Feito. – antecipou-se Harry, vendo que Hermione estava prestes a expor sua indignação.

- Mercenário. – ela disse, rangendo os dentes assim que Aberforth saiu do quarto.

- Cuide da segurança do quarto enquanto eu deixo os meninos em Hogwarts, não devo demorar. Tente não pensar muito nesse idiota, esse comportamento arrogante já era esperado.

Dando um abraço apertado em cada um dos garotos, Hermione despediu-se sem conseguir esconder sua insatisfação. Harry guiou-os em direção da escola enquanto a maioria dos estabelecimentos de Hogsmeade estava fechando suas portas. O poderoso bruxo despediu-se de seus filhos e sua sobrinha, entregando nas mãos de James o Mapa do Maroto e ensinando aos três como usá-lo. Assim que viu seus filhos serem recepcionados por Neville perante as grandes portas do castelo, ele ficou calmo e desaparatou em frente ao quarto que dividiria com Hermione no Cabeça de Javali.

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Os três adentraram o castelo, escoltados pelo professor de Herbologia e também acompanhados pelo fantasma da Grifinória, Nick Quase Sem Cabeça. O castelo estava praticamente vazio, e os poucos alunos que haviam permanecido durante o feriado já estavam recolhidos em seus respectivos Salões Comunais. Chegaram em frente ao retrato da Mulher Gorda, ao que Neville anunciou, acordando-a: “Essência de mirtilo”. Aborrecida, ela deu espaço para eles passarem para o lado de dentro.

- Boa noite crianças, tenho que voltar para minha sala. – despediu-se Neville – Amanhã conversaremos melhor.

Os três atravessaram o buraco do quadro, que girou nos eixos fechando a passagem assim que o último atravessou. Os passos dos garotos ecoavam no piso de pedra, e os dois irmãos se despediram de Rose assim que se aproximaram do acesso aos dormitórios. Alvo entrou no quarto do primeiro ano enquanto James entrava no do segundo. Para surpresa de Alvo, havia uma sombra sentada na beira da janela do seu quarto. Ele tentou reconhecer a silhueta, mas ao se aproximar um pouco mais ela se esvaneceu ao vento.

A manhã do dia seguinte apareceu com um vento frio vindo do norte, trazendo alguns esparsos flocos de neve que iam se acumulando nos jardins da escola. Os terrenos do castelo mesclavam-se em verde e branco, dando uma beleza exótica à paisagem. Rose observava a vista enquanto levantava da cama se preparando para iniciar uma nova temporada em Hogwarts. Ela desceu para tomar o café e encontrou Alvo sentado em frente à lareira apagada, treinando seu Vingardium Leviosa em um dos pedaços de madeira.

- É raro você acordar mais cedo que eu. O que aconteceu, Al? Caiu da cama hoje de manhã?

- Que nada... Só estava meio preocupado, não é nada de mais. Parece que James não vai levantar em breve, então estava esperando você para não tomar o café da manhã sozinho.

- Hum, entendo... Vamos logo, pois parece que meu estômago está prestes a gritar.

- Você e Hugo têm um apetite fenomenal, me pergunto quantos quilos vocês comem a cada almoço. – disse ele, fingindo um tom extremamente sério – Seus pais devem comprar quase uma tonelada de comida por mês.

- E você também não exagera nem um pouquinho, não é mesmo? – ela perguntou sorridente, dando um leve empurrão no primo.

As quatro grandes mesas do Salão Principal apresentavam diversos lugares vagos, e os dois primos sentaram-se lado a lado, mas não puderam evitar ficar distantes dos outros raros alunos que ocupavam a mesma mesa. Os melhores amigos deles em Hogwarts – Phillip e Molly – haviam voltado para suas respectivas famílias e retornariam ao castelo apenas na véspera do início do ano letivo, de modo que a única companhia mais próxima deles seria James, ou algum outro aluno do primeiro ano de outra casa que por acaso viessem a encontrar.

Ao fim do dia, na Sala Comunal da Grifinória, os três se reuniram em volta do Mapa do Maroto para utilizá-lo pela primeira vez. James, na ânsia de botar em funcionamento o pedaço de pergaminho aparentemente em branco, acabou falando a frase errada.

- Juro solenemente não fazer nada de bom. – recitou Alvo – Você estava esquecendo o “solenemente”.

O mapa se abriu, mostrando os diferentes pavimentos de Hogwarts, com pequenos pontos indicando a localização, além do nome das respectivas pessoas em cima deles. Eles viram o símbolo de Dylan Chalmers rondando os corredores atrás de Neville, enquanto que na Sala da Diretoria, aparecia apenas um nome: Daniel Stirling.

- Quem são essas pessoas? – questionou James.

- Não é o momento de mexer com ninguém. Vamos procurar algum caminho livre para o sétimo andar e convocar a Sala Precisa. Mamãe e tio Harry devem estar esperando.

- Você vai para onde quiser Rose. Eu vou tirar isso a limpo. – o primo mais velho disse, apontando o dedo no nome de Stirling – Eu gosto da Profª. Minerva, apesar de seu temperamento difícil. Estou indo.

- Chegando lá vai fazer o quê? – Alvo segurou forte o braço de seu irmão – Vai convencer ele a se entregar? Deixa de ser idiota!

- Covarde! Desde quando eu fujo de uma boa briga? Eu vou lá e mostro a eles do que um verdadeiro Potter é feito. Diferente de você, seu maricas.
Movimentando-se rapidamente, Alvo tirou a varinha do bolso e apontou-a no meio da testa do irmão. Rose, chocada, não sabia o que fazer e tentava raciocinar um jeito de evitar aquele conflito inútil.

- Vai em frente! Eu sei que você não vai me azarar! É assim que você é! Um grande molenga! Deveria ter nascido um aborto, assim sua inutilidade seria explicada!

- PLAFT!

A mão de Rose acertara a face de James com um grande barulho, deixando rubro um dos lados da bochecha do garoto. Ele olhava para a prima, ainda sem compreender o que ela havia feito. Alvo, apesar de manter firme a posição de seu braço, forçando a varinha a permanecer apontada para o espaço entre os olhos de seu irmão, esforçava-se mais ainda para evitar as lágrimas que estavam a um passo de embaçar sua visão.

- Pode ir! Não precisamos de sua companhia, cérebro de minhoca! – gritou Rose, com a face corada de raiva.

- São dois grandes medrosos! Voltem pro colinho da mamãe, pois ainda são duas criancinhas! – irado, James saiu correndo e levou consigo o Mapa do Maroto. Porém, antes que se distanciasse muito, Alvo apontou a varinha de novo em direção a James.

- Petrificus Totalus! – o feitiço criado por Alvo acertou em cheio as costas do irmão, fazendo-o cair de cara no chão, petrificado.

- Porque fez isso? Deixe-o ir! Depois do que ele falou, seria bom ele pegar uns bons sopapos de um bruxo adulto!

- Sim, seria. Contanto que esse bruxo fosse o papai, e não algum mago das trevas que não se importaria em assassiná-lo.

- Não adianta! Ele que se dane, por mim eu acho pouco levar um castigo em casa. Ele deveria...

- Ele ainda é meu irmão! – rispidamente, Alvo acabou com a fala da prima – E isso por enquanto é suficiente para mim.

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