Parte II



Parte II


Agora já fazem 16 meses de doença, não consigo mais levantar direito da cama. Pelo menos não na maioria dos dias, há alguns em que me esforço para descer e acompanhar Ginny indo de um lado para o outro da casa arrumando tudo.

Se antes ela brigava comigo pela minha passividade, agora ela vê, e tem a mesma certeza que eu, que o fim da minha existência está chegando. Claro que eu sabia disso muito antes que ela, eu via a vida passando pelos meus olhos. Ainda vejo essas cenas, às vezes relembro a mesma memória, mas na maior parte do tempo estou sendo rodeado por várias lembranças novas, que vão passando sobre o decorrer dos meus dias.

Estou tão feliz, tão em paz, que às vezes acredito que poderia morrer dormindo tamanha a minha serenidade, mas eu sei que não vai ser assim.

Dói muito, tenho crises de tosses asmáticas e parece às vezes que não sinto meu tórax. Meus filhos têm vindo me visitar com uma freqüência incrível, e já discutem a minha internação urgente no St. Mungus. Mas eu não quero ter que partir envolto em paredes brancas, num local frio, dividindo minha última respiração com outros que já estiveram ali antes de mim e com ou outros que ainda virão. Quero estar na minha casa, no meu local, envolto nas minhas lembranças, sentindo o lugar em que tudo de realmente importante aconteceu.

Minha senhora no começo até tentou me convencer a ir para o hospital, mas ela é esperta, não me casei com Ginny à toa, no momento, ela é a primeira a dissuadir os outros que sugerem a minha internação, entendeu que estou indo embora, mas acima de tudo, não grita, não zanga, nem briga mais, os últimos dias aqui tenho certeza que serão maravilhosos.

Ainda acordo com um carinho dela, as mãos passando pelos meus cabelos já ralos, os dedos delineando os meus contornos; um beijo nostálgico na bochecha, nos lábio, no pescoço; um abraço delicado e apertado.

Quando eu estou tossindo ela me olha preocupada, vez ou outra vejo uma lágrima fugitiva escorrendo disfarçada. Mas ela está agüentando bem. Minha doce Ginny.

Penso que a única coisa que ainda me prende aqui, dia após dia, é o desejo de jamais magoa-la, vejo-a se fingindo de durona, mas quando imagina que não estou olhando, pego-a a beira do pranto, ou com um ar cansado.

Alguns dias atrás eu acordei mal, por isso não pretendia me levantar, porém à tarde, depois daquele almoço tão bom, me senti melhor e resolvi encontrar minha querida. Encontrei-a no sótão, o mesmo sótão em que brincávamos de amantes há mais de um ano, mexendo nas tralhas antigas.

No chão à sua volta haviam fotos e mais fotos espalhadas, rodeando-a, como se ela fosse uma ilha no meio de uma mar de lembranças. Ginny ali, sentada no meio, era a realidade, era para onde todas as boas memórias das fotos levavam. Todos aqueles pedaços de papéis fotográficos contavam uma pequena narrativa, registravam um pequeno momento, e todos os momentos desencalhavam na minha dama: uma menininha ruiva no meio de 6 irmãos sorriu pra mim, na minha frente eu via em carne e osso uma mulher de cabelos esbranquiçados, os olhos iguaizinhos ao da jovem da foto, o rosto apenas mais enrugado, o corpo mais quadrado; Em outra vi um jovem casal se abraçando, ali estava eu em pé, separado pelas lembranças, de minha companheira; então uma mãe com três crianças me espiou, eu sorri para ela, as crianças haviam crescido, ido embora, mas a mãe estava ali na minha frente; Uma noiva agarrada no recém-marido piscou pra mim, eu soube que jamais poderia ter casado com alguém que não fosse ela, aquilo deu tão certo porque ela era perfeita.

Desviando das lembranças, tentando não pisar ou macular alguma, fui me aproximando do meu real objetivo, fui compreendendo que melhor do que deixar minha vida passando diante dos meus olhos enquanto eu morria, era abraçar o que eu tinha de concreto, era criar nossas lembranças... fui andando até Ginny, respeitando as memórias que levavam até ela, quando cheguei perto ela me notou, passei por todo nosso passado e cheguei ao meu presente, ele olhou pra mim e sorriu, no rosto um tom de nostalgia.

- Olha Harry – meu presente disse para mim mostrando um álbum que tinha no colo – São as fotos dos nossos primeiros anos de casados, antes das crianças chegarem...

Meu presente estava lembrando do passado, não, não era certo. Delicadamente eu tirei o álbum de suas mão, fiz com que minha não tão jovem esposa se levantasse e a levei para cima do telhado através da clarabóia. Ela não questionou, apesar de me olhar interrogativamente, lá em cima, com um pouco de dificuldade por conta de minha coluna debilitada, eu me deitei, Ginny também.

De casa temos um visão linda, moramos em cima de uma colina, à tarde vemos o sol se ponto atrás dos morros do outro lado do vilarejo, enquanto ilumina com uma cor alaranjada as casinhas entre os morros, foi essa paisagem que eu e minha senhora ficamos observando em silêncio por um longo tempo, tão longo que o sol já estava mais de 2/3 atrás dos morros.

- Ginny...? – minha voz não passava de um sussurro. Ao invés de responder ela só me encarou, naquele instante eu soube que iria sentir saudades mesmo se existisse vida além da morte e esta fosse o paraíso. – Eu.... não demore muito, tá?

Por um instante ela me observou sem entender o que eu estava dizendo. Eu desviei os olhos e voltei a observar nossa cidadezinha ir escurecendo sob a luz laranja do finzinho do sol. Um tempo depois senti Ginny se remexendo do meu lado.

- Eu.... eu vou o mais rápido que der, para o seu lado... – aquela era a única resposta que me importava, senti que se eu fechasse meus olhos ali, no preciso momento, um anjo viria até mim, um anjo de cabelos acobreados, olhos verdes como os meus, ele me pegaria pela mão, e eu não seria mais velho, voltaria a ter 17 anos, sorriria, no meu corpo não teria mais dor alguma, e então eu voaria lá para cima, para o local em que ficaria observando minha família, até que cada um deles pudesse se unir a mim.

Mas como eu bem sei, as coisas não necessariamente são como nós desejamos, nenhum anjo veio me buscar, eu ainda sofro com as tosses, não levanto da cama há três dias, e já faz cinco que eu me despedi de Ginny testemunhado pelo pôr-do-sol.

Agora minha vida passa na frente dos meus olhos de forma frenética, desde minha primeira lembrança na casa dos meus tios ao momento em que me encontro deitado, respirando com dificuldade.

Uma vez, numa daquelas em que eu não deveria ter saído vivo, o bruxo que pretendia me matar disse: “talvez seja até indolor... Eu não saberia dizer... eu nunca morri...”. Agora eu sei que dói um pouco, mas eu vou ficando mais tranqüilo a cada instante... estou indo embora, é um pouco incômodo, dói aqui, dói ali.... mas a consciência vai me deixando, então dores se tornam pinicadas, e assim eu vou indo... vou te esperar lá, Ginny.



N/A: Gostou, odiou, achou legal, achou ridícula? Comente. Aceito críticas, elogios ou o que você preferir :) Eu, pessoalmente, tenho para mim essa parte como a preferida... Mas sei lá, ficou bom? Eu não faço a menor idéia... Às vezes acho que não ficou tão legal assim =/ Bem, agora só falta a 3° e última parte. Obrigada a todos que comentaram a Parte I n_n

Andressa, exatamente isso, essa fic é uma pós Relíquias, como se fosse a continuação :)

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Comentários (1)

  • Be Weasley Potter

    É linda a fic, ou melhor, perfeita! Eu fiquei emocionada do começo ao fim, desde o primeiro parágrafo ao último cap! Eu amo esse shipper, eu fiquei encantada admirada com a forma como vc escreveu sobre eles. A melhor palavra para resumi-la seria: "Per-fei-ta!"

    2012-04-17
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