Parte III



Parte III


Ela sempre desejara que fizesse sol, que os pássaros cantassem, as borboletas voassem em volta, as árvores estivessem floridas, o gramado verde brilhante e que o sol sorrisse com seus raios de primavera, iluminando sem realmente esquentar, um dia de aparência amena, quase feliz.

Mas estava chovendo, e não era uma chuvinha, era a chuva. Lily falara que era algo como a chuva mais forte dos últimos 5 anos, alguns lugares na Inglaterra estavam alagados, mas ela não se importava, apenas registrou no inconsciente essa informação.

Naquele dia não queria acordar, não queria levantar, desejou ser um vegetal e poder apenas fazer fotossíntese, desejou não sentir, desejou não existir.

Porém as pessoas chegaram, e ela teve que se levantar para abrir a porta, embora tenha pensado seriamente em deixar todos do lado de fora, pouco se importava se o céu estava desabando em água e as pessoas lá fora ficariam molhadas.

Só que ela não tinha mais 15 anos, não era uma menininha infantil, por isso se levantou e foi lá, receber as pessoas, quando tudo que ela queria era ficar sozinha, sofrer sozinha, sentir sozinha.

Abraços, beijos, lágrimas. Como se ela precisasse de alguma que não fosse a dela, como se ela precisasse sentir a dor que não fosse a dela. Estava sendo egoísta e sabia disso, no momento não dava a mínima.

Então conversa, memórias, as malditas memórias, aquelas que nos últimos tempos ele só falava sobre. Braços que a acolhiam quando não conseguia evitar chorar, calor humano, mas nenhum calor era o que ela procurava.

Vieram mais pessoas, porém ela não se levantou mais, não foi atender, deixou que os outros o fizessem. Se lhe perguntassem depois quem tinha vindo na sua casa, ela não se lembraria senão pelos filhos.

Algumas pessoas choravam, outras estavam ali porque tinham que estar, mas ela não queria saber dos outros, só queria saber que enfim estava sozinha, vazia, e ele tinha avisado que esse dia chegaria, ele vinha avisando aquilo há meses. Não era fácil de aceitar, mesmo agora, mesmo com todos os avisos, mesmo com a despedida no telhado, mesmo com a promessa de espera-la, mesmo com tudo. Tudo não importava, importava a perda, importava a dor.

Talvez, se ainda lhe sobrasse um pouco daquela força da juventude, ela gritasse. Mas não era isso que verdadeiramente ansiava, queria apenas não ter sido deixada pra trás, por que era inevitável, se sentia assim: deixada para trás.

Então chegou a hora da última despedida, da última vez que o veria tão perto.

Não foi ela que decidiu o horário, não foi dela a iniciativa. Alguém a levantou do sofá, o quê? Minutos, horas, segundos, dias depois? Não poderia informar, apenas alguém a levantou com delicadeza do sofá, e depois se viu seguindo uma procissão, não eram só os amigos íntimos, não eram só quem merecia, estavam ali todos, ou todos que se importavam com aquele que mais de uma vez salvara a paz do mundo mágico, a maioria estava ali para ver uma última - ou pela primeira - vez o grande Sr. Potter, poucos estavam pelo Harry, seu Harry.

Alguém a segurava pelo braço enquanto caminhava, e ela era protegida por um guarda-chuva, porque mesmo debaixo de toda aquela aguaceira não estava molhada, a não ser seus pés, ela já não os sentia, não sabia que era pelo frio da água molhada, ou por simplesmente a dor do peito ter-se transferido para outras partes do corpo.

Sorrateiramente, começando de forma inocente, as memórias foram sussurrando em seu ouvido. A emoção de conhecer o famoso Harry Potter, o choque que foi vê-lo na própria cozinha, sentado no meio dos irmãos, como os anos foram passando, ele ficando cada vez mais bonito, como eles se juntaram, e depois se separam, porque ela amava um herói, ela amava alguém que tinha uma missão: salvar o mundo. E ela esperou de novo, ficou aguardando, lutou também, da forma como pôde, mas apenas aguardou com o coração na mão a volta dele, tinha medo de a qualquer momento ouvir sobre a morte, mas ele não morreu daquela vez, ele nunca foi fácil de se matar, nunca.

O sussurro se tornou mais frenético, não eram mais imagens, eram flashes: o beijo de reencontro, a volta para a Toca, o namoro de 3 anos, o pedido de casamento inusitado, o tão esperado momento, os sorrisos que ele dava com cada novidade boa, ele brincando com as crianças, o primeiro filho a ir para Hogwarts, a primeira viagem para o exterior, o primeiro braço quebrado, a primeira formatura dos filhos, o primeiro jogador famoso de quadribol da família, a primeira reforma na casa, as noites de fuga para o sótão....

Suas pernas tremeram, como se por um momento ela não pudesse mais controla-las, iria cair se naquele instantes várias mãos não a segurassem. Muitos: Você está bem? Está tudo certo? Dá para continuar? Apenas confirmou com a cabeça, agradeceu a quem quer que fosse, e seguiu o caminho, o braço que antes lhe dava apenas um pequeno apoio agora a segurava firmemente.

Eles subiram a colina, indo para trás da igreja que ficava do outro lado do vilarejo, suas pernas quase não permitiram subir a ladeira, mas ela não iria deixar de se despedir, nunca, não importava que o céu fosse contra, não importava a dor no peito, os pés congelados, os olhos inchados, importava chegar lá, arfante ou não.

Atrás da igreja, o cemitério. Foi quando ela se lembrou.

- Eu.... céus, eu não trouxe flores! – suas mãos percorreram freneticamente as próprias roupas, havia esquecido a varinha, não poderia ao menos conjurar uma flor...

As lágrimas aumentaram de fluxo. Pela primeira vez ela se tornou completamente consciente de onde estava, do momento, da chuva, das pessoas. Olhou para o filho Albus que a segurava pelo braço, ele pareceu preocupado, tentou sorrir para a mãe, ela pôde ver aquele olhos verdes! Ah, os olhos verdes de Harry!

Mas não havia tempo para nostalgias, ela tinha que achar flores, seus olhos procuraram freneticamente um canteiro, uma moita que tivesse, uma flor, uma florzinha que fosse.

Estavam já na porta do cemitério quando ela viu ali, no pé do portão, uma pequena moitinha, nela nasciam flores roxas, não eram bonitas, meio murchas, pequenas. Sem perder tempo ela se desvencilhou do braço de Albus, e mais rápido do que achava que podia, foi até a pequeníssima moita, com um fisgo na coluna se abaixou, recolheu todas que pôde.

- Mãe! Mãe! O que a senhora está fazendo? A chuva mãe! Você vai ficar gripada! – Albus correu na direção dela, pôs o guarda-chuva protegendo-a, mas não a atrapalhou no ato de recolher flores, quando se sentiu satisfeita com o buquê tosco que tinha formado e levantou-se, seu filho a encarou com aqueles olhos tão verdes...

- Albus! O que mamãe está fazendo?? Mãe, como você sai assim na chuva?! – era a voz de Lily, sorriu para a filha.

- Estava só colhendo flores, esqueci de trazer. – e sorriu, sorriu como não achava que fosse conseguir, de repente percebeu, estava sendo tola. Tola por ficar em tamanho desespero, tola por achar que aquele era o fim.

Entrou no cemitério, e não precisou mais do suporte de ninguém, assistiu a prelação de despedida, ouviu o que todos tinham a dizer, deixou que as lágrimas corressem soltas por seus olhos.

E quando chegou a hora da despedida final, ela jogou suas flores colhidas no instante junto com os buquês ou coroas que os outros haviam trazido, mas soube que Harry, estivesse aonde estivesse, a estaria assistindo, e sorriria, sabia que era com amor que ela jogava as flores.

Quando tudo acabou, e a lápide foi ser montada, ela não deixou que mais ninguém escrevesse nela, fez questão de ser sua varinha emprestada de James a marcar na pedra:

HARRY JAMES POTTER

Nascido em 31 de Julho de 1980
Morto em 20 de Setembro de 2047

Luminosas são as estrelas que brilham, escuro é o céu. Eu sei que este meu amor nunca morrerá.

FIM





N/A: Obg por ter chegado até aqui :) Espero que a história tenha sido satisfatória. Se puder, peço encarecidamente que deixe um comentário de aprovação ou reprovação, é bom sabermos se estamos indo no caminho certo ou não, e cada opinião é valiosa, principalmente agora que a história está enfim verdadeiramente terminada. Novamente, obg por ter vindo até aqui e, quem sabe, até a próxima fic o/.

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