Parte I



Parte I


Dizem que quando se está morrendo, vê-se toda a vida passando em frente aos seus olhos, e eu posso te garantir que isto é verdade. A todo o momento eu revivo, dia após dia, uma nova lembrança, vejo passando na minha frente coisas que eu achava já ter esquecido, acontecimentos que estavam perdidos, amontoados em um canto junto com todas as memórias que eu carrego da vida.

Ginny não gosta de me ver falando assim, mas não podemos negar a verdade, eu estou morrendo, e isto é praticamente irremediável. Vejo minha vida passando diante dos meus olhos, revivo coisas há muito perdidas... isso é morrer certo?

Quando ela eventualmente segura a minha mão pela manhã, e eu vejo em seus olhos as lágrimas de antecipação, não posso evitar relembrar aquela menina ruiva, que de tímida e aparência frágil, tornou-se uma jovem de personalidade forte e indomável, depois a mulher madura e concisa, que tinha que consolar filha e marido quando os Chudley Cannons perdiam, ambos choramingando no colo dela. E agora, quando acorda, vejo suas rugas de tempo, seus cabelos já esbranquiçados, e eu lembro de tudo isso, de todo o caminho que ela percorreu até se tornar essa distinta senhora que segura minha mão, e eu ainda a acho linda, linda como quando dei meu primeiro beijo nela.

Sorrio ao reaver essa lembrança, e esta é uma das mais freqüentes, das que brincam na frente dos meus olhos quando admiro minha esposa fazendo algumas tarefas domésticas, ou quando a vejo soltando impropérios para o fogão que não quer funcionar.

Como eu pude esquecer aquela cena? Sim, pois perdido no meio do meu mar de lembranças: nosso casamento, lua-de-mel, nascimento do primeiro filho, primeira palavra, nascimento do segundo, primeira queda, primeiros dentinhos, a surpresa da terceira gravidez, a surpresa renovada quando nasceu uma menina, a primeira carta para Hogwarts, a primeira despedida, os primeiros dias de choro da mãe e dos filhos menores, tudo isso, todos esses detalhes fizeram com que a lembrança do primeiro beijo virasse algo esquecido, empoeirado, e talvez sem tanto significado. Mas a cena passou pelos meus olhos, e eu a agarrei, nosso primeiro beijo, como eu pude esquecer?

Nos beijamos na frente de toda a sala comunal da Grifinória, o irmão dela, meu melhor amigo, ali do lado, foi incrível, inesquecível. E ainda assim estava lá enterrado em algum lugar junto com meus primeiros dias de adolescentes.

Se me dessem a escolha de poder voltar a ser jovem, sinceramente, não sei se eu aceitaria. Oh, seria realmente bom poder voltar a voar em cima de uma vassoura, ter a agilidade, e os reflexos daqueles tempos, mas e a doçura de ser mais velho? Acho que todo o meu coração não caberia naquele corpo jovem, destemido e cheio de vontade de enfrentar o mundo.

Eu deveria ter morrido há muitos anos. Na verdade, eu deveria ter morrido quando tinha um ano. Confesso que essa parte da minha vida não passa pelos meus olhos, não lembro. Quando era menor, eu via uma luz verde, era isso que eu lembrava dos meus pais, e quando os dementadores estavam por perto, eu ouvia os gritos da minha mãe, e desejava, com todo o ímpeto da infância, que eu pudesse ouvir mais. Quando tinha quinze, depois com dezessete - acabava de me tornar um adulto magicamente falando - eu também deveria ter morrido. Mas não era meu destino.

Agora o grande Harry Potter, aquele que um dia foi o Menino-Que-Sobreviveu, e depois o milagroso e salvador da pátria Potter, está velho, enrugado, com dor na coluna e está morrendo, perdendo a luta contra uma “simples” gripe dragoniana. Simples, porque se eu a tivesse pego há uns 20 anos, teria ficado uma semana de cama, depois estaria pronto para mais uma boa partida de quadribol. Mas eu nunca peguei essa gripe quando era jovem, e agora estou morrendo. Nada de mais se me perguntarem, um grande amigo - que se estivesse vivo teria mais de 200 anos - costumava dizer algo como (desculpe a memória fraca): Para a alma bem estruturada, a morte é apenas a grande aventura seguinte.

Ginny, claro, não concorda, então a vejo triste, rondando pelos cantos da casa, abraçada ao meu antigo uniforme de quadribol, como se ele pudesse trazer de volta o jovem que um dia eu fui.

Eu não aceitei assim que peguei a gripe, que aquele era meu fim. Lutei contra a doença, lutei bravamente, mas ela foi me consumindo, ela está me consumindo. Tem dias que eu nem consigo levantar da cama, dói tudo, e nesses dias eu vejo minha vida passando pelos meus olhos com mais intensidade ainda, então eu sei que estou morrendo. E o mais importante, me sinto bem, me sinto feliz, acho que fiz tudo certo nessa vida.

James veio aqui em casa dia desses, trousse com ele a pequena Molly, quando a vejo, com seus cabelos laranjas, olhos castanhos, reconheço minha esposa, é uma pequena cópia de Ginny quando menor.

Foi ontem que eu lembrei com precisão como foi a primeira vez que eu a encontrei, minha esposa. Lá estava ela, ladeada por cinco irmãos mais velhos, todos ruivos como ela. Era a mais nova, eu ia embarcar pela primeira vez para Hogwarts, confesso que não realmente a notei. Só reparei verdadeiramente nela quando seus irmãos descobriram que eu era Harry Potter, então ela quis subir no trem para me ver. Claro, a mãe não deixou. Depois, quando a locomotiva começou a partir, ela correu pela plataforma dando adeus, era a caçula, a única que não estava indo a Hogwarts naquele ano. Se me perguntarem se ela era bonitinha ou feinha, diria que sinceramente não me lembro, só sei que ela era Ginny, minha futura esposa, um ano mais nova que eu.

Dia desses minha senhora me acordou com um beijo na testa, parece coisa boba, mas foi um beijo bom, não pude evitar acordar com um sorriso, a abracei, e ela caiu sobre mim. Vendo o sorriso divertido dela, encarando seus olhos felizes, lembrei de nossa lua-de-mel, nossa primeira vez.

Ela estava linda, vestida com uma camisola transparente (ponha transparente nisso) realmente bela. Não me questione a cor, já não lembro, às vezes nessa cena ela está de rosa, às vezes a vejo de azul, mas naquele dia eu a vi com uma camisola vermelha, luxúria.

Ela vinha linda na minha direção, pairava nela um ar perdido entre a timidez, e a certeza, Ginny sempre soube o que quis, e naquela noite estava escrito no rosto, no corpo, nos movimentos, ela queria a mim. Se contos de fada trouxa realmente existirem, naquele dia Ginny era minha história especial, meu devaneio, meu maior desejo realizado, minha dama encantada, eu me perdi nela, e ela se perdeu em mim. Beijos, mãos, carinhos, gracejos, prazer.

Abraçando minha esposa agora, revejo a noite especial, e me sinto triste pela doença, se não me seguro, meu coração velho e amolecido deixa escapar uma lágrima, que eu tento disfarçar. Queria ainda poder tê-la daquela forma, e até antes da doença ainda tínhamos as nossas pequenas aventuras noturnas, mas agora é impossível pra mim.

Meses antes da gripe dragoniana, eu e ela, nas noites mais impetuosas, nas noites em que brincávamos de fingir que ainda éramos jovens, fugíamos para o sótão, entre beijos, abraços, uma camisa no chão aqui, uma blusa ali, as calças acolá, lá estávamos nós, no local mais alto da casa, nos beijando, nos amando, as estrelas nos espiando pela clarabóia, nossas cúmplices, as testemunhas da fuga na calada da noite. A silenciosa fuga. Já que vez ou outra tínhamos parentes em casa, os filhos vindo visitar, os netos passando as férias, irmãos aparecendo pra jantar e estendendo a visita, então fugíamos, como dois jovens bobos, para cometer nosso crime noturno. E eu dormia vendo o céu estrelado, lembrando vagamente que em algum momento da minha vida já havia aprendido astronomia, havia aprendido a identificar as constelações, minha esposa apoiada em mim, adormecendo, às vezes jogando conversa fora. Bons tempos, acho que é deles que eu sinto mais falta, não da minha juventude, não da lua-de-mel, mas desses momentos de amantes maduros.

Agora há também brigas. Na verdade, sempre houveram, e eu posso dizer que eu odiava e amava as brigas. Odiava ver Ginny chorando, aquilo me irritava profundamente, dava vontade de sumir, de fugir. Mas eu nunca fiz isso, ou pelo menos não na maioria das vezes. E eu amava as brigas, só pela reconciliação. De noite, eu dormia no sofá, de vez em quando ficava umas belas semanas dormindo lá. Tentava de dia a reconciliação, a reaproximação, ela negava. Mas um dia, algum dia, ela ia de noite até mim no sofá, me despertava caso eu estivesse adormecido, me encarava zangada, e eu sabia que estava perdoado. Mas claro, ela não podia saber que a conhecia tão bem, então eu fingia que ainda estava preocupado, dava tenros beijos nela, primeiro em lugares inocentes, como na mão, no braço, na bochecha. Depois vinha a conversa, falávamos, emburrávamos, sorríamos; eu pedia desculpa, às vezes ela também se dava ao trabalho de assumir os erros que cometera, então os beijos iam para lugares como pescoço, barriga, boca. Estávamos reconciliados, no dia seguinte eu acordava com um sorriso de canto a canto do rosto, aquelas noites de reconciliação eram as melhores, as que menos faziam frio.

Mas hoje em dia as brigas não terminam assim. Pra falar a verdade, há muitos anos que não tínhamos uma briga de verdade, mas agora ela está sempre triste, nervosa, zangada. Não que eu a culpe, mas também não vejo motivo para tanto.

Ginny diz que estou apático, que virei um velho idiota, que estou querendo morrer. Mas isso é uma mentira enorme, por que eu iria querer uma coisa dessas? Tenho uma vida boa, bons amigos, uma boa esposa, bons filhos, bons netos, boa casa, boa comida, se a escolha ainda estivesse em minhas mãos eu optaria por continuar vivendo, até ser bem velho, bem velho mesmo, como uma passa enrugada. Mas não depende mais de mim.

Tem algo que eu sempre estabeleci: quando chegasse a minha hora, não iria ficar me prendendo a vida em desespero, não iria ficar tentando acreditar que tudo ia acabar bem. É isso, no começo eu estava bem, forte, acreditava que iria superar, mas já fazem 10 meses de doença, e ela está ficando pior. Dessa vez não vai passar, eu sei, sinto em cada célula, mas eu estou triste, apático? Não.

Só que Ginny não aceita, não quer ouvir quando tento dizer para ela o que meu deve ser passado a quem, e ela fica de cara fechada quando chega uma visita aqui em casa e eu resolvo dizer logo de uma vez o que penso/sinto por aquela pessoa, para que esta possa ter a impressão certa antes que eu me vá.

Alguns dias nós brigamos feio, com gritos e tudo o mais, ela com raiva da minha aceitação, querendo exigir que eu me cure... como se ainda estivesse nas minhas mãos. Quando tudo fica realmente feio, é ela que vai dormir em outro quarto, já que devido ao meu estado não posso ficar me locomovendo toda vez que ela não quiser dormir comigo.

Quando ela briga dessa forma, lembro da primeira gravidez, foi exatamente assim, e se nós não estivéssemos muito além da idade de ter filhos... eu suspeitaria que é esse o motivo de tanta emotividade.

A primeira gravidez foi bem tensa, porque foi a primeira, éramos iniciantes, não fazíamos idéia do que nos esperava. Assim que Ginny descobriu foi uma festa, os Weasley em massa vieram até nossa casa, Molly (minha sogra) veio aqui e discorreu sobre dicas e mais dicas, Artur me deu conselhos, e George fez brincadeiras e descontraiu o ambiente, contando como foi quando ele virou pai, fez tudo parecer bem engraçado.

Veio o segundo mês, e junto vieram as brigas, muitas brigas, gritos, sentimentos a flor da pele, esquecer a porta do banheiro aberta era um crime pior do que xingar todas as gerações Weasley. Teve dias que fui obrigado a passar na casa de Ron e Mione, Ginny me expulsou. Eu tinha esquecido de avisar que o leite havia acabado.

Nem todos os dias eram brigas, havia as épocas de choro, eram as piores. Eu chegava do trabalho e ela estava sentada no sofá chorando, uma pilha de papel do lado, às vezes era porque queimou algo enquanto cozinhava, às vezes era quando ela parava para olhar nosso álbum de casamento, ou então podia ser por causa de uma música, um filme, uma borboleta pousada na janela...

Não podemos esquecer dos dias de euforia! Eles eram muito bons, ela acordava assoviado, me fazia carinho, ou me acordava com beijos, às vezes beijos tenros, porém, com uma boa freqüência eram beijos cheios de fogo, então eu relembrava através de que fenômeno ela havia engravidado. Depois ela cozinhava, limpava a casa, colocava no rádio uma música romântica, nós dançávamos, com sorte teríamos um jantar a dois, e eu relembraria mais um pouco a causa da gravidez.

Claro que também tinham os dias mesclados, ela acordava de um jeito, feliz talvez, me beijando, fazendo pequenos agrados, depois por alguma besteira brigava, e no fim ia dormir chorando horrores. Dias confusos... dias realmente ruins...

O tempo foi passando, e quando a barriga começou a aparecer nós estávamos no natal, a barriga crescer fez bem, o segundo mês (o pior de todos) passou, e levou com ele todos aqueles hormônios que a transformavam num monstro maluco. No entanto, vieram os desejos.

Na noite de natal, enquanto eu ajudava os Weasley a montar a típica árvore de natal, Ginny, com a barriga de 5 meses vira para mim:

- Harry, eu quero neve.

Sim, foi estranho desse jeito. Um anjinho de natal pendeu na minha mão, ele estava prestes a ser posto na árvore, mas eu esqueci de completar o movimento.

- Oi?

- Neve Harry, eu quero neve.... com torta de maçã. Você está sentido o cheiro? Mamãe está fazendo torta...

- Neve.... como torta...?

- Sim sim, vá buscar um pouco pra mim. Eu não posso sair, está muito frio lá fora...

Não que o pedido dela fizesse muito sentido, mas eu já estava me acostumando. Na verdade, Ginny não chegava a ter muitos desejos, no geral só sentia uma súbita vontade de comer chocolate, ou peixe, ou sorvete, ou feijão... coisas bem normais, só vez ou outra ela tinha essas idéias de estranhas combinações, e claro, eu sempre tinha que atender. Deixei o pobre anjinho de lado, vesti o casaco e fui catar neve... para ser comida com torta de maçã.

Então vieram os primeiros chutes, no começo era emocionante, cada chute era uma festa, chegamos até a enviar uma carta para Ron e Mione, uns dois dias depois eles vieram nos visitar, infelizmente o bebê não chutou naquele dia. Acho que desde antes de nascer James era dado a pregar peças...

Assim chegou a hora do nascimento.

Essa cena voltou a minha mente, como se eu pudesse assisti-la direto em uma TV quando James veio nos visitar, sua esposa está grávida do segundo filho deles, foi então que essa memória da vida pulou do meu cérebro, caiu sobre meus pés e começou a rodar, como um velho filme trouxa.

As contrações começaram de noite, umas 10 da noite. Mandei uma carta imediata para Molly, mãe de Ginny, e ela chegou correndo, o curandeiro em seguida. Mas não era hora do bebê nascer, de novo parece que James gostava de pregar peças ainda que nem nascido. Passamos o dia seguinte numa quase normalidade, Hermione chegou para o almoço, esperava ficar conosco quando o bebê nascesse, Ron viria de noite se pudesse, depois do trabalho. Meu filho nasceu às 7 da noite, gordo, saudável, pouco cabelo, um menino, ganhou o nome do avô: James. Foi uma das noites mais felizes da minha vida. Quando essa lembrança veio, e vi meu filho, hoje pai, na minha frente, sorrindo, algo nele que lembrava a mim mesmo na juventude, não pude conter as mesmas lágrimas que me emocionaram naquela noite agora tão distante voltassem. Havia dado vida a um ser, eu era pai, acho que fui um bom pai, o sucesso dos meus filhos é a prova disso.

Nós dois já brigamos algumas vezes, Ginny diz que somos dois cabeça dura, tão parecidos que nos repelimos, mas James sabe que o amo, foi o que eu disse naquele dia de visita, eu tinha consciência de que estava morrendo, por tanto preferi deixar esse mundo sabendo que ficara bem claro o que eu sentia por cada pessoa. Ginny ficou uns bons três dias sem falar direito comigo, irritadíssima. Mas acho que valeu a pena, James gostou de ouvir, me abraçou, disse palavras de conforto, e aquelas frases piegas de: “Você é o melhor pai do mundo” e seus subgêneros. Eu gostei.

James deve ter dito para Albus que eu estava mal, ou foi o que meu segundo filho me deu a entender quando veio nos visitar uma semana depois.

A segunda gravidez de Ginny. Essa memória já tinha voltado antes de Albus me visitar, mas quando ele chegou, e eu abracei o rapaz que agora era mais alto que eu, lembrei de como um dia fora do tamanho de uma caixa de sapato.

A segunda gravidez foi bem mais tranqüila, alguns elementos da conturbada primeira ainda estavam lá, mas minha senhora estava bem mais serena, e eu já sabia lidar perfeitamente bem com os problemas que surgiam.

Albus nasceu apressado, e continuou assim mesmo depois de grande, veio ao mundo com sete meses e meio. Esse foi o maior nervosismo do nascimento dele, eu estava em pânico, quase esperando o pior. Mas nada de mais aconteceu, a diferença foi que ele não nasceu em casa. Quis garantir que tudo daria certo, então fomos para o St. Mungus, lá ele nasceu, ficou poucos dias tomando poções mágicas e permaneceu um tempo na maternidade, mas pouco tempo depois já voltávamos pra casa.

Quando ficou grande o suficiente para abrir os olhos, vi que eram verdes, como os meus, como os de minha mãe. Ele cresceu e ficou bem parecido comigo, embora tivesse as sardas e o sorriso de Ginny, aquele sorriso que eu amo tanto.

Albus nunca se casou, acho que nunca quis e não quererá tão cedo, embora a mãe insista que deveria escolher uma bela e boa garota para casar, ela, como uma boa Weasley, quer ver a família grande. Às vezes concordo, mas sinto que não é o que Albus verdadeiramente deseja, e percebo que ele é feliz dessa forma, então, pra quê insistir?

Com a vinda dos filhos, a confusão dos primeiros anos, eu e Ginny nos perdemos um do outro, quando chegava a noite estávamos realmente cansados. Por isso resolvemos que dois era um número suficientemente bom. Na época em que as crianças estavam grandinhas e não choravam o dia todo atrás de atenção, eu e minha doce mulher descobrimos o quanto sentíamos falta de nos divertimos noite a fora, sozinhos, eu, ela e as estrelas que entravam pela janela do quarto, a luz do luar nos acompanhando intrometida.

Assim nosso terceiro e inesperado filho foi concebido. Devo dizer que foi uma surpresa, um susto, e que por um momento pensei: Mais um?!

Claro que Ginny sentiu a minha insegurança, chorou de tristeza, saiu de casa, foi morar com a mãe por uns tempos. No instante em que vi a casa vazia, sem James e Albus fazendo a habitual bagunça, me senti vazio, incompleto. Quando tinha sido mesmo que aquela família era tanto pra mim?

Óbvio, a resposta é simples, e assim como as memórias da minha vida passam agora pelos meus olhos, a resposta atravessou minha frente naquele segundo: Aquela família era tudo pra mim desde o momento em que ela havia tido início.

Corri, ou melhor, desaparatei na casa dos meus sogros, agarrei meu filhos, reencontrei minha esposa, senti o cheio dela, revi seu rosto, e soube que eu amava aquele filho que ainda nem tinha se formado direito, da mesma forma como eu amava todos, James, Albus, Ginny.

Antes eu não lembrava direito dessa briga que tive com Ginny, sabia só que havíamos tido um desentendimento na época da gravidez da Lily, mas como a minha vida tem passado na frente dos meus olhos, a lembrança precisa do que aconteceu voltou em uma noite que eu estava sem sono, observava o teto escuro, PLOC! a lembrança pulou de dentro de mim, à noite eu fui revendo aquilo tudo, e quando dormi, soube que não esqueceria mais o que tinha acontecido. Na manhã seguinte contei para minha companheira, ela sorriu, também não lembrava direito da briga.

- Tão imaturos... tão jovens.... – disse com aquele sorriso que eu amava, os olhos brilhando. Ah, os olhos dela... não envelheceram um ano desde a primeira vez que reparei na beleza deles. Envolta deles agora há rugas, pés-de-galinha que nem o melhor feitiço ou poção escondem, mas eu não falo do entorno dos olhos, falo deles em si, e ali, nada mudou, Ginny ainda é linda.

Se a gravidez de Albus fora tranqüila, a de Lily foi especialmente pacífica, nem desejos minha esposa tinha direito, nenhum ataque de nervos estremo, nem de choro. Mas ela estava sempre feliz, sempre enfeitando a casa, decorando o quarto do bebê. Confesso que fiquei desconfiado quando ela o decorou com muitas flores, perguntei:

- E se for um menino, ele vai ter um quarto tão... florido?

- Se for, nós tiramos um pouco das flores, mas eu sei que não vai ser.

Ela estava tão certa, tão serenamente certa que eu preferi deixar pra lá. Mas não deu outra, nasceu uma menina, chamamo-na de Lily, o nome da minha mãe.

Isso tudo eu lembrei antes de Lily vir nos visitar, o que demorou a acontecer, já que ela mora na Irlanda, usualmente ficamos meses sem vê-la.

Dessa vez que ela veio, lembrei de sua primeira mágica, ela e Ginny faziam um chá, eu estava sentado no sofá, meu genro lendo o Profeta Diário, seu filho (meu neto) brincando lá fora com a vassoura que acabara de ganhar como presente atrasado de natal.

Eu via da minha poltrona na sala, as duas mulheres da minha vida conversando na cozinha, rido, pondo as fofocas em dia, Lily com os cabelos ruivos balançando de um lado para o outro, então PUFT! mais uma memória escapou de mim, brincou comigo, me fez senti-la, para depois vê-la.

Minha menininha estava com 3 aninhos, James e Albus brincavam no chão com ela e com os brinquedos, Teddy, meu afilhado, que passava alguns dias conosco por conta das férias de Hogwarts, estava deitado no sofá ao lado lendo um livro qualquer.

Eu e Ginny conversávamos na cozinha quando ouvimos alguns gritos e sinais de uma briga eminente, quando se tem três filhos passa a ser fácil perceber quando algo vai mal, corremos para a sala a tempo de ver que Albus puxava uma boneca da mão de Lily, ambos disputavam o brinquedo, a menina gritava zangada, minha esposa já ia ralhar com as crianças, o dedo no ar em forma ameaçadora, a boca aberta num princípio de bronca: um estrondo, Albus saiu voando, caiu em cima de Teddy, Lily abraçou a boneca. Por um momento eu e Ginny esquecemos da bronca, da briga, da preocupação, Lily fazia sua primeira mágica, ela quase estuporara o irmão.

Só para constar, Albus ficou bem, ele não foi realmente estuporado, só foi jogado para longe, mas Teddy aparou bem a queda... mesmo que de forma involuntária. Naquele dia nós comemoramos, Lily ganhou sua comida preferida, torta de caramelo.


N/A: Gostou, odiou, achou legal, achou ridícula? Comente. Aceito críticas, elogios ou o que você preferir :) Para os mais curiosos, a história tem três partes, essa é a mais cumprida, as outras serão menorzinhas ;/

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