Visita Inesperada



I



Não dormira nada essa noite. Desejava que Susan Stringfellow não tivesse tido a mesma sorte que ele, embora soubesse que ela estava mentindo quando disse que tinha sono. Mas aprovara a iniciativa dela e desconfiava que a mulher poderia até acalmar os ânimos agora. Se bem que aquela situação estava se tornando bem engraçada…


Descia pensativo para o café da manhã quando uma coisa interrompeu seus pensamentos. Ou melhor, uma pessoa.


Ele arregalou os olhos para a visão mais bizarra que tinha em anos. Apertou os olhos para enxergar direito. Não era possível, seus olhos deviam estar vendo coisas. Coisas horríveis, pelo jeito.


Por um momento tinha a certeza de que enlouquecera. Mas por que isso agora? Que visão estranha e sem sentido. Só se tornaria uma coisa racional se… não. Aquilo não podia ser real!


- …Orin? – perguntou, depois de algum tempo. Repreendia a si mesmo por desconfiar que aquilo era de verdade.


A mulher que o encarava com uma cara estranha deu um sorriso ainda mais estranho. Um sorrisinho de deboche horrível.


- Tom! Como você ‘tá velho! – riu-se ela, parecendo achar graça.


- Você é real ou é apenas um fruto podre da minha imaginação? – perguntou ele, atônito.


- Receio que você esteja mais psicótico do que quando te conheci, porque eu não estou aqui, não – respondeu a outra, com sarcasmo. – Mas minha espada está, quer ver? – perguntou, insinuante, dando uns tapinhas na bainha que levava afivelada na cintura.


Ele ainda estava abismado demais para responder à altura.


- O que diabos você está fazendo na minha casa? – perguntou com veemência, em voz alta.


- Ah, bem… Achei melhor vir te contar uma coisa. Faz anos que estou tentando me decidir, sabe… Lembra daquele dia perto do lago?... - perguntou ela, com uma expressão inocente.


Tom cerrou as sobrancelhas. Claro que ele lembrava. Ainda dava nojo.


- Lembro. O que tem?


- É que eu fiquei grávida – disse ela, ainda com aquela cara de culpada. – Achei que devia saber que tem mais um filho.


Ele não compreendeu por uns cinco segundos o que ela estava dizendo. Então…


- O quê?! – exasperou-se, a voz fraca. – Você está brincando!


- É claro que estou – riu-se ela num tom maldoso. – Imagine só, mesmo se essa tragédia acontecesse, eu jogaria o bebê do primeiro penhasco que encontrasse.


- Você é nojenta – concluiu ele, numa voz que demonstrava o que estava achando.


- É… Decididamente você não achava isso antigamente, não é? – retorquiu ela, dando uma volta completa onde estava, as mãos na cintura, para mostrar o traseiro.


- Eu me recuso a acreditar que um dia toquei em você – inconformou-se ele, sacudindo a cabeça incrédulo.


Ela deu uma risadinha.


- Igualmente – respondeu, desdenhosa. – Agora, onde eu posso colocar minhas coisas?


- O quê?! – disse, perplexo. – Como assim “onde posso colocar minhas coisas”?! Aliás, ao que devo o desgosto de sua visita? – perguntou, as mãos na cintura ameaçadoramente.


- Ah, sim – falou Orin com um sorriso. – Devemos deixar isso bem claro: você me convidou para vir passar uns tempos, sabe, sua amiga de infância muito querida, mas não me avisou dos perigos de invadir a Grã-Bretanha sendo procurada, então me deve mil desculpas e uma estadia prazerosa em sua “humilde casa” – concluiu, revirado os olhos para cima.


- Ãh?! Como é? – engasgou-se ele com o absurdo daquela afirmação.


- Bom, pelo menos foi essa história que eu contei ao Riddle Jr., e acho que ele acreditou – comentou casualmente a outra. – Afinal, não seria justo que eu ficasse presa no Ministério da Magia por sua culpa, não é? Então aquela pessoa amável fez questão de usar sua grande influência política para me livrar do julgamento, com a condição de que eu ficasse sob sua responsabilidade. Que bom menino você tem em casa, Tom. É comovente ver como você ainda tenta se redimir, embora eu continue achando que de ovo podre não nasce passarinho – terminou, com um sorriso satisfeito da expressão dele.


Tom estava perplexo. Não acreditava que por um momento Orin Sky estivesse prestes a apodrecer em Azkaban e desaparecer para sempre de sua vida e no outro ela estava ali na sua casa porque o mala do Richard acreditara numa mentira descarada e fizera questão de mandar soltar aquele traste, pondo em risco sua própria reputação. Esse era o grande mal das pessoas boas!


- O que eu quero saber – disse ele displicente, devagar - é qual o real motivo de você estar aqui e não em Rhane?


O sorriso dela amarelou um pouco.


- Bom… Não te devo satisfações, Riddle!


- Ah, deve sim, senhora! Se pensa que vai ficar alojada em B.Hall sem me dar motivos para permitir essa loucura, está muitíssimo enganada! Anda, desembucha! – disse com firmeza, encarando-a nos olhos.


- Se você quer mesmo saber, eu… eu cansei de Rhane! É isso, quis mudar um pouco de paisagem, não agüento mais ver neve!


- Mentira. Eu quero a verdade. Agora! – sibilou, batendo um pé no chão, em sinal de espera.


Ela não gostou nada daquela pressão. Amarrou a cara para ele, cruzou os braços com ar emburrado.


- Fugi. Queriam me impedir de fazer magia – confessou ela, com cara de desaprovação.


Ele sorriu.


- Finalmente alguém ouviu a voz da razão naquele lugar – aprovou ele, aumentando o sorriso.


Ela cerrou as sobrancelhas.


- Não me provoque… - alertou, séria. – Já estou sendo boazinha em poupar sua vida. Agora, queira ser gentil e retribua a caridade. Preciso ficar apenas alguns dias.


Ele ergueu uma sobrancelha.


- Sei… Tenho outra versão dos fatos, quer ouvir? – falou ele, com ironia.


- Não.


- Certo. Pessoalmente - começou ele, não dando ouvidos à resposta -, eu acho que você não agüentou de saudades do amor da sua vida, eu, e inventou essa história ridícula só para vir ficar perto de mim. Claro, porque eu sou irresistível, todo mundo sabe disso – concluiu, um sorriso cada vez maior à cara de profunda perplexidade que ela fazia.


- Se eu não te conhecesse bem, diria que colocaram Poção da Bobeira em sua bebida… - disse ela, enojada. – Nunca diga uma coisa dessas.


- Você bebeu se acha que vou te sustentar por “uns dias” – retrucou ele no mesmo tom. – Já tem foragidos da lei demais nesse castelo. Eu não importaria de acolher mais um – sibilou, movendo as mãos de modo veemente –, o único problema é que eu te odeio!


- Ótimo, estamos quites! – disse ela calmamente.


- Não seja cínica. A casa é minha!


- Vamos lá, só preciso ficar longe de aurores por algum tempo…!


- Minha filha mais nova é auror!


- Não diga – espantou-se ela, parecendo genuinamente surpresa agora. – Que decadência…


- Isso não vem ao caso. Minha palavra final é não! Não vai ficar aqui!


- Que menino mau… - lamentou-se ela, sacudindo de leve a cabeça. – Decididamente vamos ter que decidir isso em um duelo.


Ele interrompeu os pensamentos. É, a idéia não era nada má. Pelo menos seria uma disputa justa.


Endireitou-se. Ia tirando a varinha do bolso quando Orin deu uma risadinha.


- Não de varinhas, seu idiota.


Ela tirava a espada do cinto, fazendo o corredor ecoar em um ruído longo e cortante do metal saindo da bainha. Tom arregalou os olhos para a cena e olhou ao redor.


- Espere aí!- sibilou, recuando enquanto ela avançava com um ar de psicopata no rosto, a espada em punho. – Eu estou desarmado!


- O problema é seu – comentou ela, fazendo a arma cortar o ar em sua direção, de cima para baixo, tanto que ele teve que desviar rapidamente. Ela brandiu novamente a espada e dessa vez errou seu pescoço por centímetros, acertando a parede com estrépito.


- Pára com isso, sua louca! – sussurrou ele. Queria ter a chance de sumir com ela antes que alguém visse, mas se continuasse a fazer o barulho que ela estava fazendo, duvidava que fosse possível.


Ela investiu novamente, dessa vez dando um urro de fúria enquanto tornava a tentar acertá-lo com a lâmina de sua arma. Tom queria realmente dar-lhe uns tapas, mas não conseguia chegar perto o suficiente sem que a coisa tentasse arrancar seus dedos. Fugiu dos golpes por uns seis metros pelo corredor, quando ela golpeou com violência por cima de sua cabeça meio segundo antes que ele se abaixasse. Um elmo de prata caiu por cima de sua cabeça com estrépito. Orin devia ter decapitado uma armadura.


Então, em segundos, teve uma idéia. Sacou a varinha e lançou contra ela uma Azaração do Tropeço. Assim que ela caía dava-lhe tempo para pegar a espada da armadura sem capacete.


- Seu grande trapaceiro! – rugiu a outra, levantando-se furiosa. Mas Tom já tinha o que queria.


- Trapaça não, esperteza – respondeu ele, afiado, com um sorriso que a desafiava. Orin cerrou os dentes.


A verdade é que encontrariam duas pessoas se encarando com espadas afiadas nas mãos, enquanto apontavam estas um para o outro exatamente da mesma forma e posição, se alguém subisse para o corredor no momento. Ambos pareciam uma questão de vida ou morte não desviar os olhos se quer um segundo do oponente. Qualquer erro ali poderia ser fatal e, mais do que isso, ocasionar uma derrota. E nenhum dos dois tinha uma derrota em mente…


O encarar durou apenas alguns segundos de concentração. Assim que souberam o que iam fazer, avançaram para atacar. E tentavam se atacar com os mesmos golpes, tornando aquilo tudo muito confuso e irritante, pois cada um era mais previsível do que o outro, dando oportunidade para prepararem suas defesas. Finalmente, um deles teve uma vantagem.


- Golpe de Farhell – informou ele, depois de um golpe pesado que errou o rosto dela por milímetros, fazendo-a desequilibrar para trás. - Só os dois aprendizes de Khayladon aprendem.


- Sabia que você perde tempo falando? – ofegou ela, voltando com uma pancada em direção ao seu pescoço que acertou a espada dele. O barulho foi alto e ele teve que usar muita força para que não fosse cortado com a própria espada. Ela não estava brincando.


Orin lhe passara a perna antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, e, atordoado, rolou para o lado antes que a outra lhe fatiasse ao meio. Levantou-se de um salto, esperando não ter hesitado um segundo sequer.


- Movimento de Decapitação número oito, 1989; você não estava lá nessa época – vociferou ela, ameaçadora.


Ele ficou em posição. Não queria ser pego por outro daqueles. Mas Orin deu um sorriso triunfante e recuou vários passos. Ele não pensou que ela fosse fazer nada parecido.


- Ilusão da Morte número seis – informou Orin, ofegante, encarando-o à uns metros de distância. – Golpe especial da guarda de Rhane. Esse você também não sabe.


Orin começou a girar a espada acima da cabeça. Depois inclinou-a para trás. No instante seguinte ela voltou à posição inicial de um duelo em espadas, e esta começou a crescer em suas mãos. Mas não verdade ela não fizera isso…


Ela a lançara.


Ele percebeu um segundo tarde demais. Dera um começo de passo para a direita, mas uma dor terrível o fizera ter certeza de que não dava mais tempo. Quando teve coragem de olhar, desejou não ter feito. A espada estava atravessada por mais da metade em sua barriga.


Tom olhou para Orin, incrédulo. Ela tinha os olhos arregalados para o que fizera. Ele escutou o sangue começar a pingar no chão, mas não teve coragem de olhar de novo. Aquela, com certeza, era a dor física mais lacerante que já sentira na vida.


Tinha levado as mãos ao ferimento antes que seus joelhos cedessem de agonia. Ainda mantia os olhos nela, a cabeça baixa. Orin estava mais pálida do que o normal quando correu para ele.


- Tom! – esganiçou-se ela, a voz trêmula, desmontando perto dele. – D-desculpe, eu… eu me empolguei!… - gaguejou ela, tentando se explicar. A impressão é que ela lutava para não consolá-lo durante aquele momento, enquanto se remoia de culpa.


- Sua filha-da-mãe desgraçada – sibilou ele, a voz fraca. Orin não revidou ao xingamento, o que resumia a gravidade da situação. Notava-se como a mulher estava aflita. Olhava para o lugar onde sua espada estava transpassada e ia empalidecendo gradativamente. De fato parecia prestes a desmaiar, mas se contia. – Faz alguma coisa!


Ela olhou espantada para ele, uma expressão de tormento misturada com pena surgiu em seu rosto. Então ela cautelosamente tocou no braço dele, respirando fundo.


- Tom, Tom… Olha, eu sinto muito mesmo, mas infelizmente essa espada atravessou seu estômago e um pedaço do seu rim, então…hum… você vai morrer – disse ela, meio que não gostando muito daquela idéia.


Ele começou a dar uma risada, mas parou pouco depois porque aquilo fazia doer ainda mais.


- ‘Tá certo. Você não vai me ajudar. Mas agora… dá licença – ofegou ele. Orin fez um gesto involuntário quando ele segurou o cabo da espada com as duas mãos ensangüentadas, como se quisesse impedi-lo.


- Riddle, você não devia se mexer. É possível que seja teimoso até quando está morrendo? – reclamou a outra, parecendo irritada.


Ele não lhe deu atenção. Fechou os olhos por um momento para tomar coragem ao que estava prestes a fazer, afinal, não podia passar o resto da eternidade com uma lâmina de um metro atravessada pela barriga.


Ele gostaria que a imortalidade não doesse tanto. Fechou os olhos e puxou.


Aquilo doeu como se tivessem-lhe enfiado outra espada. Ouviu um gemido saindo pelos próprios dentes cerrados. Droga, aquilo ia deixar uma cicatriz horrorosa. Orin recuou perplexa, como se estivesse assistindo uma alguma aberração da natureza. Tom viu com o canto dos olhos ela recuar até a parede.


- Que tipo de monstro você se tornou? – perguntou ela, petrificada, enquanto ele fazia uma careta de dor ao apoiar uma mão no chão para se levantar. – Como foi que você fez isso? – perguntou, pasma.


- Acha que eu vou te contar? – disse ele, meio furioso, meio agoniado. – Você faz idéia de quantas escadas eu teria que descer com um buraco na barriga se não soubesse quebrar barreiras anti-desaparatação?


Orin não respondeu.


Ele fechou os olhos e desaparatou.






- Como foi mesmo que isso aconteceu? – perguntou o curandeiro, tão perplexo que começava a achar graça, enquanto terminava o curativo.


- Já ouviu falar em pessoas mentalmente perturbadas com uma arma na mão querendo invadir sua casa? – respondeu ele, ironicamente, com outra pergunta.


- Eu me referia ao fato de o senhor continuar vivo – disse o outro com veemência.


- Desculpe, mas pensei que você era o profissional aqui, amigo – respondeu com azedume.


O outro calou-se. Na verdade, duvidava que ele fosse contratado para fazer perguntas.


Começou a vestir a camisa quando o curandeiro se afastou. Havia neutralizado a visão do pentagrama temporariamente. Duvidava que pudesse viver por mais de quinze minutos se retirasse o pingente. Mas sua identidade não era realmente o que o incomodava no momento; o que o incomodava era o fato de Orin Sky ter vencido o duelo. O que significava que ela poderia ficar em Basilisk Hall.


Tom sentiu um desânimo enorme. Teria que encarar aquela cara boba em todo café da manhã, almoço e jantar agora. Ai, que droga!


Ele a conhecera em Rhane, o lugar onde fora aprender Magia Negra no início. Não tinha mais que dezenove anos. Ele sabia que ela não contaria nada sobre o caso antiguíssimo que tiveram lá há dezenas de anos atrás - ela própria detestava aquele momento da vida dela com todas as forças -, mas isso não o impedia de fazer desgosto da estadia dela em sua casa. O que acontecera fora que o momento em que romperam o quase inexistente “caso” – não era nada mais do que isso – fora numa briga terrível que terminara em “NUNCA MAIS APAREÇA NA MINHA FRENTE!”. À partir desse dia, a relação social que não passava de formais cumprimentos pelo sobrenome passara à total ausência de um simples “oi” e até a troca de um pequeno olhar. Quando o faziam, era para fulminar à distância. A sorte fora que isso acontecera no seu último ano de estudo lá, o que significou que ele foi embora depois de alguns meses e nunca mais precisou ver Orin Sky. Isso resumia a gravidade da situação.


Não que quisesse fugir dela; Orin era apenas uma mulher irritante e encrenqueira, nada o suficiente para lhe pôr medo. Mas apenas lembrar-se dela o fazia recordar de uma fase de sua vida que simplesmente queria esquecer para sempre: a fase antes de conhecer Gina. Estava tendo um pouco de sucesso até agora, mas a chegada da velha conhecida fizera tudo voltar como uma avalanche. Lembrava-se do dia em que fora para Rhane, para aprender técnicas da mais pura Magia Negra, o que permitiria à ele fazer mais mal às pessoas do que até aquele momento então. Matara duas delas naquele dia. Quase matara alguém que viria a ser um grande amigo, de verdade. Não se lembrava do que fazia uma pessoa agir daquela forma para alcançar objetivos desprezíveis como aqueles. Aquilo fazia parte de um passado tão distante que Tom quase podia jurar que não era a mesma pessoa que cometera aqueles assassinatos. Ele mudara.


Descobrira que não precisava tanto assim de poder e, de repente, largou tudo o que vinha buscando para buscar um amor que o completava. Quando estava com Gina, era como se não precisasse de mais nada, lembrou ele, com um sorriso fraco. Mas devia saber que as pessoas não viviam para sempre. Todos tinham que ir um dia, e esse dia aconteceu mais cedo para ela. Embora ele já tivesse em parte se conformado – faziam quase vinte anos, afinal -, uma pequena parcela lá no fundo dele desejava com todas as forças que tudo não tivesse passado de um sonho ruim. E essa pequena parte era quem o fazia se martirizar mesmo contra vontade, se culpando pela morte da mulher.


“Prometo ser fiel, amar e respeitar, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe”. Tom nunca dissera essas palavras, mas tinha a certeza de que fora o que fizera durante os felizes anos que estivera com a garota. Enquanto tantos outros faziam quebrar aquela promessa, ele, que nunca as proclamara, tinha cumprido-as, e acreditava que Gina também. E de repente, ela se fora. Enfim, a morte os separou. Nunca apostaria que fosse ela a ir primeiro. Não era certo. Queria que Gina soubesse o quanto sentia por ela antes que isso acontecesse, mas desconfiava que não havia palavras para tanto. Mas mesmo assim… desejava que tivesse acontecido o contrário. Em todo caso, era muito melhor que seus filhos tivessem continuado com uma mãe jovem e boa, do que com um pai velho e desajeitado. Sabia que o era; ouvira Gina rir uma vez quando ele tentava fazer com que Julliet parasse de chorar.


Ele se levantou de sua cama, pegando a varinha no colchão, e pôs-se de pé. O curandeiro, que cuidava de outro paciente bem pior do que ele (alguma coisa lhe decepara a mão e, embora não corresse risco de vida, devia estar doendo bastante) virou-se na mesma hora.


- O que pensa que está fazendo? – perguntou, num quê de superioridade que Tom não gostou nada.


- Me levantando – disse sarcasticamente.


- Você tem que ficar quieto um pouco. Não percebe que podia ter morrido? – disse o outro num tom de sermão.


- Escuta aqui, eu tenho que avisar alguém que estou aqui, certo? Caso contrário, vão ficar sem seu pagamento – retrucou ele.


O curandeiro pareceu pensar um pouco.


- Não é necessário, podemos sacar da sua conta no Gringotes. É só dar o número do cofre.


Tom ficou encarando o curandeiro.


- Acha mesmo que vou dar o número do meu cofre à estranhos?! – disse ele, ríspido. Na verdade, se soubessem de algum modo que ele estava vivo…


- Mas…


- Não adianta, eu não vou permitir uma coisa dessas! – sibilou, cruzando os braços sobre o peito.


- Ah, está bem! Vai avisar seus parentes! Tem uma sala dos curandeiros no fim do corredor. Diga que o Dr. Collins deixou você usar a lareira – desistiu o bruxo, irritado. Deu um muxoxo e complementou: - E depois volte para preencher o formulário. - Tom deu um sorrisinho quando ele se virou para o outro.


Saiu do quarto calmamente. Olhou para os dois lados no corredor. Cheio, observou, com uma pontada de desgosto. Atravessou o lugar escuro e se encaminhou à uma bifurcação onde lia-se em placas que eram os sanitários. Perfeito. Afastou-se para as sombras e desaparatou.


Ou pelo menos tentou.


Seu corpo oscilou entre o Sto. Mungus e Basilisk Hall, depois, naquela sensação de que parecia feito de luz por alguns segundos, voltou para onde estava. Ele sentiu que o coração batia depressa. O que raios dera errado? Se tivesse ficado preso no espaço… Não queria nem imaginar. Isso nunca acontecera antes. Provavelmente estaria perdido se o Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais o encontrariam e então… fim. Certamente que seria o fim.


Então ele leu na parede oposta à que estava encostado. Uma placa dourada e reluzente dizia: “PRÉDIO PROTEGIDO CONTRA APARATAÇÃO E DESAPARATAÇÃO COM FEITIÇO SUPERCONCENTRADO. NÃO TENTE PRATICAR NENHUMA DAS ATIVIDADES CITADAS ACIMA.”


Era isso! Mas que droga! Tom olhou para os lados, procurando uma escapatória. Estava cheio de gente ali. Pensou em ir até a sala dos curandeiros, realmente, e chamar alguém pela lareira. Já tinha dado alguns passos quando se lembrou que era perigoso mostrar seu rosto em lugares desconhecidos e que arriscaria seu segredo. Richard não iria em seu socorro de imediato, sabia ele. Esperaria o fim do expediente. Erika era tão malvada que era capaz de fazer o mesmo, mas por pura sacanagem, já que buscava chamar sua atenção desde que tivera que se tornar mãe e pai de Julliet. A última estava tendo aulas no Departamento dos Aurores e Tom não achava sensato dar as caras por lá, literalmente. O que faria? Não havia ninguém que pudesse ajudar em B.Hall aquela hora que não estivesse encrencado com o Ministério...


Então,tudo se fez claro. Como não pensara nisso antes?! A técnica da Transmissão de Pensamentos! Era tão óbvio...


Tom entrou no banheiro e se trancou. Sentou-se no tampo do sanitário e se concentrou um pouco. Só precisava que Julliet ouvisse o que ele queria e viesse em seu auxílio. Fechou os olhos então e forçou o pensamento no que queria e no destinatário desejado.


“Jullliet”, chamou ele. Esperou alguns segundos só para ter certeza, então… “Julliet, preciso de sua ajuda. Estou no St. Mungus completamente sem dinheiro. Não vão me deixar sair daqui se souberem quem eu sou. Por favor, me ajude.”


Ele ainda estava concentrado quando ouviu a resposta dela.


“Como é que isso foi acontecer?” Parecia espantada. “O que foi que aconteceu?!”


“Explico mais tarde”, apressou-se ele. “Estou no térreo, corredor dois, se não me engano. Traga dinheiro para pagar o hospital e venha rápido. O curandeiro responsável já está desconfiando de mim”.


“Está bem. Não saia daí…”


A transmissão foi encerrada, dando um espaço a um pequeno vazio no seus pensamentos. Demorou alguns segundos para se lembrar o que estava fazendo num banheiro quando abriu os olhos.


Ok, já estava tudo feito. Agora era só esperar…


Na verdade Julliet era tão eficiente que apenas deu tempo para inventar uma desculpa para ser dispensada da aula, passar em B.Hall para pegar dinheiro e aparatar no hospital. A garota chegou até ele em mais ou menos vinte minutos, o que foi muito bom, pois Tom estava começando a reparar que o quarto onde estava ficava ao lado do que quase matara Gina uma vez, há muito tempo atrás, e aquela descoberta estava provocando nele um incômodo começo de pânico.


Saíram de lá em uns dez minutos. As normas do hospital, de ter que preencher uma ficha com os dados do paciente, tiveram que ser cumpridas. Na verdade, a pessoa da ficha nunca existiu, então, não poderia haver qualquer forma de reconhecimento; o dinheiro fora pago em espécie e não poderia haver complicações quanto a irem retirar no seu cofre. Mas parecia que seus problemas estavam só começando.


Teria que encontrar Orin Sky no castelo, agora…


Além de tudo, Julliet quis saber o que ele fazia no hospital assim que chegaram no saguão de B.Hall. Parecia desconfiar de que ele estava com algum problema de saúde e não contara a ninguém. Demorou algum tempo para explicar que seu problema era uma louca com uma espada que aparecera depois de três quartos de século querendo guarida. Mas Julliet pareceu desconfiada ainda assim, pois haviam vários homicidas condenados morando no castelo e ele nunca achara ruim, então teve que contar uma parte da convivência com Orin Sky em Rhane para a filha entender. E isso demorou um bocado.


- Então… - disse Julliet por fim, ambos parados em pé no meio do saguão. – Deixa eu ver se entendi direito: uma mulher te furou com uma espada?


- Na verdade… foi – admitiu ele, com uma expressão de desgosto.


- E… onde está essa tal de Orin? – O tom da ruiva era de suspeita.


Tom ergueu a cabeça para encara um par de olhos escuros que acabavam de despontar no arco da Ala Oeste, por cima do ombro da filha. Deu um suspiro de derrota e disse, cansado.


- Atrás de você.


Julliet virou-se num salto. As duas ficaram um tempo que pareceu a ele uma eternidade se encarando. Por fim, Orin desviou os olhos para ele e disse, secamente:


- Está com ciúmes de você. Sua mulher?


Tom arregalou os olhos, mas acabou dando um sorrisinho.


- Não – quase pôde ver um ligeiro alívio se formar em seu rosto. Entreouviu um “Sorte dela”, desdenhoso, mas ignorou -, mas se parece bastante com a mãe.


E ficou satisfeito ao notar que ela não pareceu gostar de resposta. Ficou séria, uma expressão fechada lavou seu rosto branco. Parecia lívida de fúria.


- Que foi? Parece estranha. Talvez seja o choque de descobrir que você não foi a única a descobrir meus encantos… Não esperava que eu fosse ficar me prendendo por sua causa, não é? – disse, suavemente, fazendo força para não piscar enquanto a encarava.


- Diga quanta bobagem quiser, Riddle – disse Orin, displicente. – Mas eu quero saber se tem um quarto decente nessa espelunca. Você sabe, trato é trato.


- Não vou quebrar promessa nenhuma – “mesmo que minha vontade seja contrária”, pensou ele. – Pegue um na Ala Leste – disse, por fim, apontando para a passagem.


- Não vai me mostrar o caminho? – indagou ela, quando ele começou a se deslocar na direção contrária. Julliet seguiu seu encalço, parecendo receosa que ele estivesse fraco de alguma forma pelo ferimento.


- Você não é a esperta? – debochou ele, quando passou por uma Orin perplexa. – Ache!


- Eu acho sim – bufou ela, pegando a bagagem em cada mão e, desembestada, passou pelo arco de mármore.




II



Ela levantou-se cedo, agora que precisava ter as aulas no Departamento dos Aurores. Estava tendo muito pouco tempo livre e tinha que aproveita-los muito bem. À propósito, o pedido do pai no dia anterior fora uma perfeita intervenção divina para tirá-la daquela aula maçante de Vigilância e Rastreamento. Harry compreendera na mesma hora quando disse que teria que abandonar a aula por motivos “familiares” e foi muito generoso deixando-a sair; não tinha muita certeza se o pai o teria feito no seu lugar. Falando em Harry, ele anda meio nervoso porque saíra o resultado de uma pesquisa sobre Bruxos Bem Sucedidos Mais Cobiçados Pela Mulherada, e ele estava entre os resultados. Julliet acha muito engraçado quando alguém cita o fato, porque ele fica todo vermelho e começa a gaguejar, coisa que os engraçadinhos da classe já perceberam.


Nos estágios do período da tarde, eram designados pequenos grupos de estagiários para um grupo de aurores. Achava que a influência de ser sobrinha da Hermione e do Rony tenham feito seu grupo cair sob os cuidados dos três. Harry se incluia nesse grupo de aurores experientes. Ouviu dizer que eram chamados de Trio Parada Dura no tempo do seu pai e só porque se separaram diversas vezes e agora Harry era o treinador, não significava que não pudessem continuar o trabalho juntos. Já o grupo de estagiários incluía ela e Roger Smigglons, um cara que fez o teste três anos consecutivos para conseguir entrar na turma. Ela toda consistia em mais cinco alunos, cujos melhores amigos na hora dos intervalos são Nathanael Douglas, que era um colega nascido trouxa da Corvinal em Hogwarts, e Deodora Longbotton, filha do professor de Herbologia, Neville Longbotton que, ouviu dizer, também já teve seu tempo de auror na época que seu querido papai aprontava. Mas não sabia se era verdade, nunca perguntou à amiga.


Apesar de ser muito cedo, Julliet encontrou seu pai e Richard numa discussão aos sussurros no corredor que antecedia a entrada para o hall. Tom parecia inteiramente furioso que o filho mais velho tivesse sido burro o suficiente para cair na artimanha de Orin e soltá-la. Richard retrucava impaciente que não era problema dele que todos os criminosos procurados fossem conhecidos dele e usassem disso para se dar bem. Acabaram se dando conta de que a garota observava e pararam de discutir; fizeram cara feia um para o outro e saíram para o saguão. Julliet seguiu-os contendo o riso. Na verdade fora bem engraçado.


Assim que eles sentaram-se à mesa para o café da manhã, ela notou que fazia um grupo interessante. Era ela, Tom, Richard, Susan e Ashley. Mas não passou cinco minutos depois, alguém apareceu inesperadamente para a refeição: Orin Sky.


A mulher sorriu de modo vitorioso assim que Tom fez uma expressão feíssima ao vê-la entrar no salão. Disse um bom dia provocador para Richard e sentou-se na outra ponta da mesa. O pai parecia querer sair dali, mas forçou-se na cadeira até terminar seu café para não dar a satisfação à outra. Estes trocaram olhares feios durante toda a refeição. Ela e Richard trocavam olhares cômicos de vez em quando, mas as outras duas mulheres pareciam não gostar nada da antipatia de Tom pela novata, como se achassem que ela estava tendo mais atenção do que as duas.


Quando deram oito horas ela se despediu de todos e subiu para pegar seu material e então aparatar para o Ministério. Encontrou Richard no saguão. Os dois trocaram sorrisos cúmplices antes de desaparecerem.


Julliet chegou no Departamento dos Aurores antes da maioria dos colegas. Deles, apenas Deodora já havia chegado. Estava encostada na porta enquanto ocorria uma anormal movimentação lá dentro. Olhou meio entediada para os lados e abriu um pequeno sorriso ao vê-la.


- Oi, Jully – saudou a amiga. Era levemente gordinha e dona de cabelos louros escuros e encaracolados.


- O que está acontecendo aqui? – indagou, olhando os aurores irem de uma mesa à outra e ocasionalmente parar para consultar rapidamente o mapa da parede.


- O “Comensal” atacou de novo, dessa vez um bruxo de família tradicional enquanto saia de um restaurante – informou Deodora, parecendo levemente entediada. Julliet segurou-se para não demonstrar o quanto achava aquele apelido engraçado. – As aulas foram suspensas.


A ruiva arregalou os olhos.


- As aulas foram suspensas?! – admirou-se.


- Claro. O Sr. Potter está ajudando nas investigações, não vai dar aula hoje.


- Bom, como seja. Vou ver se posso ajudar.


Ouviu uma risadinha da amiga antes de entrar na sala, mas não se deteve por ela. Caminhou diretamente até Rony e Hermione, que estavam de pé conversando entre si em voz baixa. A tia parou abruptamente de falar quando viu-a chegando perto.


- Oi – cumprimentou-os, ansiosa. - Eu soube o que está acontecendo. Eu posso ajudar de alguma forma?


- Você ajuda ficando fora disso tudo – disse uma voz rouca às suas costas. Viu Harry puxar Rony para um canto, depois de lançar a ela um olhar severo. Sentiu uma pontada de raiva por ele tê-la tratado como criança. Mas achou melhor não responder, de acordo com a educação que recebera de seu pai. Às vezes não era prudente exprimir sua opinião.


Mas Harry não falou com Rony, como se se lembrasse de algo mais urgente do que tinha para falar com o colega. Voltou-se mais uma vez para ela, que encarou-o surpresa. Ele parecia pensar por um momento no que ia dizer, depois falou finalmente, de modo ríspido.


- O que seu pai estava pensando quando mandou Richard soltar a Sky? Faz idéia de há quanto tempo estávamos tentando capturar aquela criminosa? – disse, meio irritado, como se a culpa fosse dela.


- Ei, vai com calma. Meu pai não mandou soltar Orin! – Julliet disse, defendendo-o, sentindo uma pontadinha de raiva. – Se quiser, pode ir prender ela lá em casa. Aquela mulher enganou Richard e meu pai está furioso com ele por causa disso, se quer saber. E com razão, ela é insuportável.


- Ela está na sua casa? E seu pai está nervoso por causa disso? – admirou-se ele, como se não fosse a resposta que esperava.


- Exato. Eu já disse que pode prendê-la se quiser, vai ser um grande favor que faz à todos nós.


Harry então deu um sorrisinho pouco perceptível. Julliet não entendeu de início, mas então ele falou, maldosamente:


- Acho que não há problema em deixar ela um pouquinho em seus cuidados. Pra que estragar uma amizade tão grande entre ela e seu pai, não?


- Oh, Harry, você é mau – comentou ela em voz baixa, depois de um tempo.


- Ele não mediria esforços para fazer o mesmo que eu, querida Julliet – explicou Harry, os olhos faiscando de um modo que ela reconheceria em outras pessoas, como os tios Fred e Jorge; olhos de quem acabara de fazer alguma coisa errada mas que estava adorando a idéia. Depois de um tempo, pareceu lembrar-se que tinha mais coisas à fazer.


“Ah, sim, agora estamos ocupados com outra coisa.”, disse, virando-se para Rony e deixando-a olhando para suas costas.


Ela ia dizer em voz alta para nunca dar às costas à filha caçula de seu pior inimigo quando tocaram seu ombro. Hermione olhava-a com cara de quem estava fazendo força para se manter séria e chamou-a com um gesto para se juntar à ela no fim da sala.


- Não deixa ele irritar você. Sabe o tanto de culpa que seu pai tem nisso – disse Hermione simplesmente.


- Isso é perseguição pessoal. A lei diz que um auror nunca pode utilizar de seu poder por vingança pessoal – indignou-se ela, cruzando os braços. Era de se espantar que sua tia não soubesse disso.


Mas Hermione concordou com a cabeça. Puxou a sobrinha para mais perto e disse no seu ouvido.


- Mas de acordo com a lei, seu pai foi dado como desaparecido e morto em 2008. Ninguém utiliza de seus poderes para prejudicar uma pessoa morta, estou certa?


Julliet piscou. Demorou um pouco para entender o que a tia estava falando, depois lembrou-se que era verdade. Lembrava de ter tido que decorar isso para a prova de História da Magia no sétimo ano.


- Mas isso é injustiça – protestou a garota.


- Que quer que façamos? Mandemos uma coruja para o Departamento de Execução da Magia e digamos que queremos que os aurores sejam punidos por prejudicar os mortos? – Hermione deu uma risada áspera. – Insanidade é o suficiente para que no mínimo percamos o emprego, querida.


Julliet olhou para a mesa à sua frente. Fazia sentido, claro, mas não queria simplesmente admitir derrota.


- E não me olhe com essa cara – censurou Hermione, quando Julliet voltou a olhar para a tia.


- Não é isso – disse a ruiva, pensativa. – Eu só estava pensando se eu não poderia ajudar de alguma forma no que está acontecendo.


A mulher olhou para os lados sigilosa.


- Você ajudaria me dando uma lista completa de todos os Comensais da Morte que ficaram livres de Azkaban.


Julliet deu um sorrisinho.


- Sinto muito, tia, as informações de que você precisa são tão confidencias que nem eu sei. E mesmo se eu soubesse, papai me esganaria… - disse ela, conformada. – Não acha mesmo que isso tem alguma coisa à ver com os Comensais de verdade, acha?


- Pode ter alguma ligação – falou a tia, impaciente.


- Não creio. A pessoa que está fazendo essas coisas parece mais um imitador grotesco. Talvez para passar as suspeitas para os Comensais da Morte que não foram para a prisão, como a senhora fez.


Houve a impressão de que Hermione corara levemente. Deu uma tosse forçada, como se para ter tempo de pensar numa resposta, mas Rony chamou assim que ela abriu a boca. Pareceu bastante apressada em atender ao chamado do marido, pois saiu bem aliviada de perto dela.


Julliet sorriu. Parecia estar no sangue um certo prazer por fazer os outros ficarem constrangidos.


Sentou-se à mesa da tia, observando a movimentação. Tentava capitar um pouco das conversas aos cochichos que os aurores trocavam rapidamente, mas parecia quase impossível. Era de certo algum tipo de operação que não confiavam nem aos estagiários. Todos punham os olhos nela assim que se aproximavam para cochichar com alguém e não desviavam até que tivesse dito tudo em volume bem mais baixo que o normal. O zumbido que persistia na sala incomodava um bocado, mesmo porque Julliet não conseguia se concentrar em nenhum deles. Ela se repreendeu por isso. Estava achando que não estava dando o máximo de si. Seu pai obviamente já teria sacado o que estava acontecendo em dois tempos. Mas Julliet estava com a cabeça cheia demais no momento.


Resignada que não faria nada, a garota levantou-se da mesa e ia atravessando a sala em direção à porta de saída. Ia voltar para a casa e fazer algo útil. Seria divertido se descobrisse o que estava acontecendo sozinha. Nunca mais iam subestimá-la por alguma coisa se desvendasse esse caso. E era isso que ela estava disposta a fazer.


Não deu atenção quando Hermione chamou seu nome. Não queria se desconcentrar do que estava planejando fazer. Talvez nunca mais tivesse coragem para isso novamente.


Acenou com a cabeça para a amiga ao passar pela porta. Deodora retribuiu o aceno, entediada.


A idéia ainda estava tão iluminada em sua cabeça que Julliet ainda tinha dificuldade para ver onde estava indo. Bem, julgando começar por onde ela queria, era uma idéia arriscada, mas depois disso teria apenas que cuidar para que nada fosse reparado. E esse era o problema…


Ela desaparatou do Átrio do Ministério para o saguão de Basilisk Hall. Olhou aos lados e viu-se sozinha. Perfeito, pensou. Silenciosa e sorrateira, atravessou o hall e chegou à escada que levava à Ala Norte. Respirou fundo e fechou os olhos por um momento. Daria uma trabalheira para explicar se a apanhassem enquanto fazia o que viera fazer, principalmente se seu pai o fizesse…


Abriu os olhos, decidida.


Era hora de visitar a velha Sala de Planejamentos.






Julliet estava arfante no jardim. Sentara num banco de pedra para poder respirar e apertava na mão um velho pergaminho enrolado, do mesmo modo que apertava com a outra mão suas vestes na altura do peito. Mas depois de ofegar bastante, um sorriso histérico apareceu em seu rosto.


Na tensão de ter consciência de que fazia algo errado, ela se esquecera de que podia perfeitamente aparatar e desaparatar da porta da sala, ao invés de percorrer o castelo inteiro com o coração saindo pela boca. Não podia fazer isso diretamente da Sala de Planejamentos porque estava protegida com um feitiço. A porta também estava, mas Julliet já sabia como abrir.


Estava estritamente claro que a Sala de Planejamentos era a sala mais proibida de Basilisk Hall. Por um segundo, Julliet estremeceu por pensar nisso.


Já entrara lá algumas vezes, mas nunca tirara nada de seu lugar. Agora que fora trancada, a magia de proteção de arquivos pessoais não existia mais. Podia tirar qualquer coisa que estivesse naquela sala, de cima de escrivaninhas com nomes em dourado, de estantes e prateleiras que cobriam as paredes, de armários de vidro como muitos daquele lugar e, principalmente, do grande mural de madeira que ficava perto da porta.


Talvez fosso porque sabia que ninguém ia entrar lá, mas às vezes quando queria ficar sozinha, ia escondida à Sala de Planejamentos. Era uma sala grande e meio escura, embora as inúmeras vidraças no alto que não eram comuns na arquitetura do castelo, contendo uma grande mesa no centro e diversas escrivaninhas individuais mais ao fundo. Todas pertenciam aos Comensais do grupo cinco, o mais importante de todos. Lembrava-se particularmente de uma ao fim da sala, a que tinha escrito “G. Weasley”. Lembrava-se bastante bem de ter encontrado uma lixa de unha entre as penas de escrever e ainda se admirava por ninguém do tempo dela ter sacado que G.W. era uma mulher só de olhar para sua escrivaninha. Tinha até um prendedor de cabelos e dois brincos desaparelhados, se olhasse bem por toda a extensão do móvel. Lembrava até de ter mexido nos papéis que estavam lá em cima e um bilhete dizendo “Me encontre às nove, você sabe aonde” ter caído lá do meio. Realmente rira nessa hora, lembrando-se do caso escondido que seus pais estavam tendo na época. Aquilo era tão romântico!


Mas agora retirara uma coisa de dentro da sala, praticamente roubara, algo que sabia que era importante. E aquilo estava na sua mão, o que ela constatou, enquanto ficava mais calma. Ela abriu o pergaminho devagar, as mãos levemente trêmulas. A primeira coisa que via escrito era “Comensais da Morte” numa caligrafia de dar medo. Julliet a conhecia muito bem.


Dando uma última olhada para os lados, colocou cuidadosamente o pergaminho de lado e pegou sua bolsa. Como uma aspirante à auror, devia pensar em todas as possibilidades. Não acreditava realmente nesta, mas se arriscara sua reputação dentro de sua própria casa, tinha que ver se valia alguma coisa. Afinal, sua tia Hermione era quem menos se podia chamar de burra, e fora ela quem dera a idéia. Se por acaso a pessoa que ela procurava estivesse ali, então teria valido cem vezes a pena.


Pegou uma pena e um tinteiro e começou a passar à limpo os nomes. A letra saiu meio trêmula no começo, mas já estava regular no fim. A manhã estava geladinha, embora fosse verão e o sol a cobrisse; essa combinação deixava o clima bastante agradável. Outra coisa que ajudava era a paisagem: uma imensidão de árvores enormes que se estendiam abaixo da linha dos seus pés e continuavam até onde ela só conseguia enxergar montanhas do tamanho do seu dedão. Ali já fora uma muralha de pedras, sobre aquele belo penhasco, que a centenas de anos sucumbira. Sobrava apenas as ruínas de tal construção, com a qual alguém antes de ela nascer construíra aquele banco para admirar a paisagem. O sol nascia radiante à sua direita e deixava tudo dourado, mostrando a magnificência de seus domínios. Todas essas coisas juntas quase puderam deixar Julliet calma.


Depois de copiar tudo, enrolou o pergaminho e colocou-o no bolso. Nem queria imaginar se um vento batesse e jogasse o papel planalto abaixo. Nunca mais iria achar e então nunca poderia voltar o documento para o seu lugar original – e pretendia fazer isso no ainda hoje.


Tirou então uma coleção completa de páginas de jornal onde o “comensal” aparecia e uma folha de anotações. Registrou nesta todos os lugares onde ele já atacara, perfil das vítimas e descartou da sua lista de nomes todos aqueles que sabia já ter morrido, que julgava incapaz de cometer algum outro crime ou que estava fora do país com certeza. Terminado o trabalho, sabia já ser hora do almoço. Mas não tinha a intenção de entrar. Não agora.


Devia estar feliz por ter resumido o pergaminho de mais de quatrocentos nomes em apenas uma folha, mas não estava. Ali estavam somente nomes de pessoas que ela não fazia idéia de quem eram ou que não poderia provar nunca que já estivera metido com Magia Negra ou qualquer facção criminosa. Além do mais, da outra parte da pesquisa só concluíra que o “comensal” não atacava em qualquer ordem ou não tinha preferências por algum tipo de raça, idade, altura, religião ou se era bruxo ou trouxa. Ele parecia simplesmente escolher suas vítimas ao acaso no lugar que lhe convinha na hora. Isso não estava sendo nada fácil.


Quando deixou de lado a pena e cobriu o rosto com as mãos para acalmar as idéias, Julliet ouviu uma exclamação que a fez dar um pulo do banco onde estava e arregalar os olhos castanhos para a pessoas à suas costas.


- Puxa, por um momento pensei que fosse nossa mãe – disse lhe Erika, parecendo genuinamente espantada. A irmã lhe deu um sorriso nervoso e continuou: - Eu costumava encontrá-la sempre sentada aí, escrevendo em seu diário…


Julliet piscou.


- A mãe tinha um diário?


- Tinha. Bem, não sei onde está, provavelmente em alguma gaveta lá do quarto quinze. – A morena parou de falar, detendo os olhos no amontoado de papéis e jornal ao lado da irmã mais nova. – O que está fazendo? O almoço já foi servido.


- Hum, trabalhando – respondeu Julliet de má vontade.


Para seu receio, Erika chegou mais perto e se sentou na pontinha do banco. A ruiva notou que a irmã olhava atenta para tudo aquilo que estivera fazendo. Por um momento pareceu que a outra estava mais pálida do que o normal, mas concluiu que era apenas a luz que batia em seu rosto. Não havia o que as sombreasse ali, estavam à mercê do sol.


- Jully, você está investigando essa pessoa? – perguntou baixinho a irmã. Decididamente havia um tom estranho na voz da outra e a ruiva começou a achar que não era efeito da luz a palidez acima do normal de Erika.


- Qual o problema? – perguntou, temerosa. Pela voz dela, algo muito estranho estava acontecendo.


Erika ergueu os olhos para ela. Eram cinzas escuro e enormes, pareciam duas vezes mais irreais que os de seu pai. Estavam arregalados, alarmados, indiferente de tudo o que já vira a irmã fazer.


- Não acha estranho todos esses ataques? – disse a irmã por fim, a voz baixa. – Não tem a impressão de que tudo isso é familiar demais?


- Também acha isso? – perguntou Julliet, sentindo a cor esvair de seu rosto também. – A tia Mione também acha.


Erika mirou-a parecendo aflita, depois continuou.


- Não lhe parece que essa pessoa está aqui dentro de casa? – perguntou mais baixo do que antes.


Julliet arregalou os olhos.


- Aqui?!


- Claro… - A outra pareceu desconcertada de repente, como se duvidar de sua família não fosse o que tinha em mente.


- M-mas… Porque você acha isso?


Erika se endireitou e deu um sorrisinho nervoso que pareceu meio lunático. Julliet concluiu que ela tivesse aprendido com Bellatrix.


- Ninguém realmente morreu até agora… Se fosse um Comensal de verdade já teria matado há muito tempo, mas talvez essa pessoa quisesse apenas pregar peças.


Julliet boquiabriu-se.


- Acha que o Dylan…? – espantou-se, nervosa.


- Eu não acho nada – apressou-se a dizer Erika, mas alisando o cabelo de modo impulsivo. – Mas é estranho que agora que o casamento dele começa a ir mal e o Jason ‘tá voltando pra escola esses ataques comecem de modo tão grotesco. Como se fosse pra… chamar a atenção ou para provocar o pai. – Ela olhou para a caçula como se não acreditasse no que falara e calou-se.


Julliet engoliu em seco.


- Erika, esses ataques deixaram várias pessoas internadas com problemas sérios e ninguém nunca viu nada parecido! Acha mesmo que Dylan seria tão… tão mimado à esse ponto? As brincadeiras dele sempre foram tão inocentes…


- Talvez… ele não saiba o quanto está causando más conseqüências – disse a irmã, baixinho.


Julliet negou com a cabeça.


- Não pode ser nosso irmão, Erika. Não pode. Dylan nunca teve juízo, mas nunca machucou ninguém; digo, não por querer – argumentou, querendo por tudo não se deixar envenenar pela insinuação da irmã.


- Desculpe, eu não devia ter dito nada – disse Erika, se levantando. – Mas… - ela parou e virou-se de novo para Julliet. – Você prenderia algum de nós?


Julliet olhou admirada para a irmã.


- Claro que não! – respondeu, em voz alta.


A outra ficou encarando-a como se a estivesse vendo pela primeira vez.


- Tem certeza? – perguntou, desconfiada.


- Eu… Eu não sei! – disse, irritada. – Olha, eu não quero pensar nessa hipótese, ok?


- Ok – disse Erika, com um olhar vago. – Nos vemos mais tarde. Você devia ir almoçar, Jully.


Ela não respondeu. Esperou a irmã sumir de vista entre as árvores para voltar-se para os seus papéis. Guardou todos na bolsa e tentou se levantar. Ao invés disso ficou mirando o chão sem vê-lo.


Será que as suspeitas de Erika tinham algum fundamento? Faria sentido dizer que o casamento de Dylan estava mesmo acabando, embora todas as evidências à favor? Será que o irmão estava passando por uma “crise de atenção”, o que nunca acontecera antes?


Ela não sabia, e não queria pensar nisso. Nunca pensara que poderia se envolver nesse tipo de problema.


Pela primeira vez tentou imaginar o que sua mãe faria. Ela estivera mesmo tantas vezes ali no mesmo banco que ela, admirando aquela vista onde a mente podia vagar por além daquelas montanhas lá longe, no horizonte?… Pelo jeito tinham muito mais em comum do que ela imaginava.




III



Harry voltou para a casa exausto. Eles todos haviam ficado horas no Ministério e na cena do crime procurando pistas. Ele, Rony e Mione nem haviam almoçado. Jogou a capa no sofá e subiu meio tonto pelas escadas. Tudo, tudo mesmo, o que desejava no momento era um banho quente onde pudesse relaxar e tirar aquele cheiro horrível de suor.


Empurrou a porta do quarto e entrou. Abriu a janela para deixar entrar o ar fresco e foi para o banheiro. Enquanto a água do chuveiro esquentava, ele permitia que seus pensamentos vagassem. Estavam talvez dando um passo para descobrir quem era o “comensal”, entretanto estavam ainda tão longe…


Ele deixara uma marca de lama no chão, com a impressão da sola do sapato. Parecera que aparatara de algum lugar onde havia muita terra molhada, mas, na Inglaterra… Ele poderia facilmente ter apartado de qualquer lugar. Ali mesmo em Hogsmeade, por exemplo, era cheio de lama por todos os lados. Ainda mais nessa época do ano. Não era uma pista das melhores. Só o que podiam deduzir é que era uma pessoa alta, ou com um pé muito desproporcionalmente grande.


Despiu-se e entrou na banheira, tomando cuidado para deixar a varinha por perto. O contato com a água era agradável, pra quem estava sujo. A tensão entranhada em seu corpo pareceu desanuviar-se um pouco e pôde sentir-se quase totalmente relaxado. O pensamento do trabalho desapareceu de sua mente. Um outro pensamento, talvez até mais perturbador, tomou conta dela.


Ele se lembrava de ver Julliet Riddle saindo do Departamento dos Aurores, perfeitamente, como se uma imagem de TV estivesse em frente aos seus olhos abertos. Estivera escutando informações dos os colegas naquela hora, mas seus olhos conseguiram ver apenas Julliet quando aquele borrão vermelho passou pela sala e saiu pela porta. De alguma forma quisera destruir qualquer futuro envolvimento mais íntimo com sua aluna, sendo mais grosso que o normal, mas mesmo assim não conseguia impedir que os pensamentos viessem. A incrível semelhança entre Julliet e Gina o confundia cada vez mais, e não seria justo fazer-se sentir pela moça o que sentia pela mãe dela. E o pior de tudo, ela parecia acostumada com a grosseria e continuava tratando-o como um grande amigo ou coisa do tipo. E quanto mais Julliet o tratava com desmerecida atenção e gentileza, mais perigosos ficavam seus sentimentos por ela.


Seria possível que os Riddle desejassem sempre vencê-lo de alguma forma?


- Certamente – respondeu uma voz no mesmo cômodo.


Harry levou um dos maiores sobressaltos de sua vida. Cuspiu um tanto de água e puxou a cortina da banheira para se cobrir. Tom Riddle estava se divertindo com seus esforços, se estivesse traduzindo bem aquele sorriso medonho.


Ele tateou cegamente o chão ao lado da banheira, mas não havia nada ali.


- Procurando isso? – perguntou o outro, calmamente, com um sorriso. Harry percebeu a própria varinha entre aqueles dedos compridos.


- Por que será que eu já ouvi essa fala antes? – grunhiu Harry, furioso.


- Não sei do que está falando – disse Tom, mirando-o com fingida preocupação. – Agora, você passou um bocado de tempo pensando na minha filha, Potter. Espero que não esteja com más intenções.


Ele não respondeu. Admitir que estava tendo sonhos acordados com a filha do pior inimigo era a última coisa que tinha em mente.


- O que está fazendo aqui? Não foi para me ver pelado, acredito – disse, azedo.


- Não se preocupe, não vou abusar de você; mesmo se eu fosse chegado não há muito para se ver aí, não é? – debochou Tom, maldosamente. – Mas, você está certo, eu não vim aqui para isso.


- Então? – perguntou, ríspido. – Eu gostaria que fosse direto ao assunto porque, se percebeu, estou no meio de um banho e não acredito que seja a melhor hora para receber uma visita.


- Sim, eu sei. Porque acha que vim numa hora tão imprópria? – perguntou o outro. Harry teve que concordar, embora não gostasse nada disso. Estava inibido fisicamente (se ao menos a maldita raça humana não inventasse de usar roupas!) e distraído, o que permitiu perdeu sua varinha, e agora estava sem defesa também. A cena era simplesmente ridícula: uma conversa no banheiro onde ele estava nu e desarmado numa banheira enquanto Voldemort desdenhava dele duplamente armado e rindo de sua triste situação.


Mas Tom Riddle não foi direto ao assunto. Harry tinha se esquecido que o maior prazer do outro era vê-lo furioso, e essa sensação certamente chegou ao ápice quando este sorriu irônico e encostou-se na parede como se não tivesse pressa alguma. Ele fechou os olhos e contou até dez, para tornar a abri-los com forças para suportar encarar aquela expressão de diversão no rosto do outro.


- Então, você demorou um bom tempo pra chegar. Muito trabalho com o mais novo caso de vocês? – perguntou-lhe, calmamente. – Me parece que estão longe de descobrir alguma coisa…


- Você ficou passeando pela minha casa?! – irritou-se Harry, fazendo a água se movimentar.


- Claro que sim. Não há nada para se fazer na minha – respondeu Tom, fazendo pouco caso daquele fato.


- Mas é muito cara-de-pau…! – rosnou, olhando o outro de cara feia.


- Obrigado. Bom, mas o que realmente me trás aqui é uma coisinha que você esqueceu num restaurante à uns dias atrás…


Harry empalideceu. Então, realmente estava com ele. Viu o outro tirar uma foto do bolso.


- Onde conseguiu isso? – perguntou-lhe, mostrando a velha foto de Gina que ele arrancara do álbum de fotografias dos Weasley há muitos anos, quando ela fugira para a Ordem das Trevas.


- Molly me deu depois que ela morreu.


Tom sorriu.


- Você sempre foi um mal oclumante, Potter – desaprovou, mas parecendo achar graça. – Molly nunca daria uma foto dela pra você; daria pra mim que sou o pai dos netos dela. Então, os Weasley têm um álbum de fotografias?


Harry amarrou a cara.


- Não, imagine… Eles deixaram os filhos crescerem e se formarem na escola e não tiraram nenhuma foto – ironizou, raivoso.


O outro se desencostou da parede. Observou-o quieto.


- Que foi? – sibilou Harry.


- É que eu me perguntei muitas vezes durante esse tempo todo, Potter. O que é que você estava fazendo carregando isso no bolso?


- Guardando – ele respondeu, rapidamente. Depois completou: - Guardando para me lembrar dela.


Tom continuou quieto. Deu alguns passos para lugar nenhum e então disse:


- Eu entendo o que você sente.


Aquilo soava um tanto irreal para Harry. O homem que matara seus pais estava dizendo que entendia o que ele sentia, quase num tom de consolo. Foi estranho ver ele deixar a foto na beira da pia e falar “Fique com ela. Já tenho a minha”, e depois sair pela porta. De alguma forma sabia que o outro tinha desaparatado, mas ainda assim ficou quieto escutando por um tempo.


Que loucura era essa?! Harry esperava que ele tivesse pelo menos deixado sua varinha. Felizmente ela estava em cima da cama quando ele saiu do banho. Mas então, enquanto se enxugava e vestia, começou a divagar sobre porque sua cicatriz não doera ao colocar os pés em casa. Era um aviso muito bom, porque falhou?


E agora seu inimigo conhecia sua casa. O que podia ser pior? E outra coisa que estava deixando-o desconfiado era o fato de Voldemort ter citado o caso que ele estava investigando. Ele sabia de alguma coisa! Claro que sabia! E vinha tirar sarro com a cara de Harry! Mas que raiva ele tinha disso…!


Ele foi ao banheiro apanhar a foto em cima a pia. Não queria que o vapor estragasse a fotografia da garota. Sem ela, não tinha mais nada para se recordar de cada sarda de sua Gina. A lembrança muitas vezes deixava à desejar. Sempre se esquecia de algum detalhe. Ou pior, toda vez que tentava se recordar de Gina via Julliet…


Colocou o pedaço de papel sobre a cômoda cuidadosamente e pegou a toalha para estender lá em baixo. Desceu para preparar alguma coisa pra comer enquanto terminava uns relatórios, mas as preocupações não o abandonaram.






Eram seis e dez quando Harry saiu para o Ministério. Era estranho como o lugar nunca ficava vazio. Precisava organizar alguns documentos em sua sala, para que seu trabalho pudesse render mais.


Mas isso não era somente o verdadeiro e único motivo. Na realidade, ele não conseguiria ficar em casa nem mais um minuto, já que não conseguira dormir. Depois daquela visita importuna da noite passada, muitas coisas estavam girando em sua cabeça fazendo-a latejar de forma desconfortável. Não aprovava que Voldemort ficasse passeando pela sua casa quando não tinha nada para fazer e nem que sua cicatriz não doesse quando isso acontecia. Desaprovava o fato de que a legilimancia do outro estivesse melhor à cada ano e que utilizasse isso para saber exatamente o que estava ocorrendo em seus pensamentos. Condenava a idéia de que o pior inimigo estivesse à par de seus sentimentos pela falecida mulher dele ou, o que era ainda pior, pela filha.


Que tipo de gente perversa gostava de alunas anos mais novas? Isso não era nem um pouco certo, não mesmo.


E se Gina tivesse preferido ele, nada disso estaria acontecendo.


Lembrava-se da época da escola. Demorara exatos seis anos para perceber que a irmã de seu melhor amigo era uma pretendente à altura. Aliás, ela adorava-o, mesmo, como um ídolo. Mas, enfim, não devia ter dado à ela a atenção necessária, porque a idolatria não durou muito tempo. Desde que cometera a burrice de tentar protegê-la cortando relações que Gina havia seguido outro e péssimo caminho. Mas, afinal, Voldemort devia ter dado a ela muito mais cuidado do que ele. Talvez estivesse destinado há muito tempo que isso acontecesse. O final de tudo aquilo ia sempre permanecer memorável nas lembranças de Harry: ela trocando-o por seu pior inimigo, fazendo o mesmo ficar dócil como ninguém nunca imaginara, ambos unidos por breves instantes contra Draco Malfoy… A reviravolta por qual todos passaram não era nada que acontecesse todos os dias. E era muito, muito estranho, já que de um dia para o outro sua vida mudara completamente.


Entretanto, imaginou por um momento que talvez o destino soubesse exatamente o que estava fazendo. Talvez fosse apenas uma questão de continuar, seguir em frente para em breve conhecer alguém que o fizesse se esquecer de Gina. Mas isso era uma divagação muito improvável…


Harry agora não era mais o auror jovem e no auge da carreira que fora há alguns anos. Agora era uma pessoa que estava dando os últimos esforços de trabalho para juntar um bom dinheiro e finalmente curtir sua aposentadoria em paz na sua casa em Hogsmeade. Claro que atenderia aos chamados do Ministério sempre que precisassem de sua ajuda. Talvez pensasse em aceitar o cargo de Defesa Contra as Artes das Trevas no futuro. Não pretendia jogar fora toda sua sabedoria adquirida ao longo dos anos sem partilhá-la com outras pessoas. Seria muito egoísmo de sua parte.


Terminou sua arrumação à altura em que as outras pessoas entravam para o itinerário. Colocou o último relatório dentro da segunda gaveta e admirou seu trabalho por um momento. Ao mesmo tempo que agradeceu poder andar três passos sem tropeçar num amontoado de papéis, desagradou-lhe o fato de que agora estava muito mais complicado achar as coisas. Não era seu forte viver na organização, mas achava legal, embora o pequeno trauma na casa dos Dursley; dava uma impressão melhor à seu respeito.


Hermione foi a primeira à interromper seu descanso. A amiga não bateu na porta, apenas entrou.


- Minha nossa, o que você fez com ela? – exclamou, parecendo admirada.


- Dei uma ajeitada – respondeu, sem emoção.


- Eu não chamaria isso de “ajeitada”, mas sim de reforma! Você liberou uns três metros quadrados aqui…


- Então quer dizer que ficou bom?


- Ficou ótimo – aprovou ela, olhando ao redor. – Que feitiço você usou?


Harry olhou para ela.


- Feitiço?


Hermione arregalou os olhos para ele.


- Você… não usou feitiço? – gaguejou, espantada.


- Não, eu não. Não dá pra pensar quando se faz tudo muito rápido…


- Você arrumou tudo à mão?!


- Claro. Eu tive bastante prática com os Dursley, não é? – indagou ele. Não entendia o porque do espanto.


Ela olhou para o amigo preocupada.


- Harry, você está mesmo mal…


- Qual o problema? Tem gente que prefere meditar pra por as idéias em ordem, eu prefiro arrumar a sala. O que tem de tão assustador nisso?


Mas Mione continuou encarando-o.


- Nada – respondeu ela. – Nada mesmo. Aliás, isso deve ser muito bom. Não é qualquer homem que sai arrumando a casa quando fica com a cabeça cheia. As garotas devem adorar – brincou ela.


Mas Harry fechou a cara.


- Elas nunca ficam para o dia seguinte – resmungou.


- Você não escolhe as garotas certas, Harry.


- Certo, o que você considera “uma garota certa”? – perguntou, sem muito ânimo. Sabia o que queria ouvir, mas sabia que a amiga não ia dizê-lo.


- Eu não vou te dizer que é quem você está pensando, Harry, porque isso ia te colocar numa grande enrascada. Mas alguém parecida. Você tem mania de se interessar por quem não pode – avisou Hermione, severa.


Ele se sentou na ponta da mesa e olhou de cara feia.


- Você devia ir se juntar ao nosso amiguinho assassino. Ele também anda achando legal ler o pensamento dos outros ultimamente… - disse, seco.


Hermione ergueu uma sobrancelha.


- Que foi que você disse? – admirou-se ela.


Harry sorriu. A amiga cerrou as sobrancelhas.


- Quando foi que ele fez isso? – perguntou ela, interessada.


- Ontem à noite – confessou. Talvez se dissesse à alguém o que o estava atormentando, sua cabeça ficasse mais leve. Então Harry contou tudo o que acontecera ontem e que estava atormentando seus pensamentos e a outra não disse nada até que ele tivesse terminado.


Ela ficou olhando Harry de um modo bem avaliador por um tempo antes de falar alguma coisa.


- Sua cicatriz não doeu? – estranhou ela. – Por quê?


- Se eu soubesse não estaria preocupado – resmungou ele, num tom de censura. – Só de imaginar que ele está talvez conseguindo controlar essas coisas me dá embrulho no estômago.


- Ou talvez – arriscou Hermione, pensativa – ele tenha melhorado tanto que a presença dele já seja suportável para você. Ora, vamos, desencana, Harry. Temos um psicopata para apanhar – lembrou ela.


- E como espera que eu me concentre se um urubu do passado pousou na minha cabeça? Eu realmente não gosto nada disso – reclamou.


- Você está assim porque ele te visitou ontem ou porque descobriu que você pensa na Julliet? – perguntou Hermione, por fim.


Ele não respondeu.


Ele saltou da mesa e começou a dar voltas pela sala. Na verdade ele não sabia o que estava pensando. Não sabia se o outro estivera somente brincando com a cara dele ou não. Não sabia se fora apenas um chute de sorte. E geralmente quando não se sabe a verdadeira cara dos fatos, o natural é temer.


E embora não fosse nunca admitir isso, Harry estava com medo. Conhecia suficientemente Voldemort para isso.


Mas Hermione parou-o com uma mão no seu ombro. Apenas olhou-o e disse:


- Não se preocupe com isso agora. Se preocupe somente com o seu trabalho, sim? Você tem um monte de coisa pra fazer. Sua turma vai chegar logo, logo. É bom arrumar alguma coisa para as aulas de hoje, e depois vamos sair para vigiar um parque. Kilmer acha que descobriu como o “comensal” ataca.


Ele ficou olhando-a por um tempo.


- Você está certa, como sempre. – Ele respirou fundo. – Nunca pensei que voltar ao país fosse me fazer tão mal.




IV



Ashley acordou às nove. À medida que se acostumava com o quarto e com o colchão, mais perdia o café da manhã com mais tempo de atraso. Mas não se importava muito com isso, afinal, só precisaria se preocupar quando passasse a perder o almoço. Mas isso não estava em seus planos por enquanto. Queria perder menos tempo possível naquele castelo e decidira que nem o sono iria impedir (e isso era uma grande coisa).


Aprontou-se meio sonolenta, para depois ir lavar o rosto e escovar os dentes. Esperava que Susan não tivesse saído do quarto ainda, senão teria que procurar pelo castelo inteiro e não gostava nem um pouco daquelas escadarias. Infelizmente constatou ao contrário ao procurar pela amiga no quarto ao lado.


Depois de pensar se era mais lucrativo procurar Susan ou voltar e dormir até a janta, decidiu-se pela primeira opção. Se conformou em descer as escadas até o térreo e começar sua busca. Para sua felicidade, não precisou fazer muito esforço. Assim que pisara no saguão, viu Susan e Ellen descendo as escadas da Ala Norte. As irmãs conversavam animadas.


Susan deu um gritinho quando viu-a parada ali em baixo e desceu correndo.


- O travesseiro te agarrou de novo, foi? – perguntou-lhe, rindo. – Você perdeu o café pela terceira vez seguida, menina…


- O que posso fazer? Não tenho aqueles “desterpadores” dos trouxas, meu cérebro simplesmente não sabe quando me acordar – defendeu-se, dando ombros. – O que vão fazer? Posso ir junto?


- Isso não se pergunta – disse Susan, séria. – Nós estávamos indo ver Dylan treinar, sabe? Ellen me disse que tem um pequeno campo de quadribol aqui na propriedade e, como nós não vimos nada parecido da outra vez que nós saímos, eu estou indo checar isso agora.


- Hum, boa idéia. – respondeu, virando-se para sair com as duas. – O almoço já vai sair?


- Daqui á três horas – informou Ellen, parecendo achar graça na sua pergunta. – Mas se quiser o elfo lá da cozinha pode arranjar alguma coisa pra você comer.


- Não seja por isso – bocejou, espreguiçando. – Já estamos na porta mesmo.


A caminhada pelos jardins foi agradável. Tinham ido conversando até a entrada da floresta e por ela adentro. Quem visse as três rindo daquele jeito pensaria que haviam aprontado algo muito cabeludo mesmo, mas Susan apenas contara o que lhe acontecera na noite anterior. No começo Ashley pensou em esticar a perna na frente da outra por ter participado de tão emocionante aventura ao quarto do Inominável e não tê-la acordado para ir junto, mas depois lembrou do basilisco e não se sentiu mais tão animada.


As três chegaram quinze minutos depois no seu destino. Havia uma trilha por entre as árvores que levavam até uma clareira e lá estavam somente três aros não muito oficias para a prática de quadribol. Jason estava no gol pegando as bolas que o pai jogava, embora desse para perceber que o garoto não chegava à altura de comparação. Dylan marcou todas as vezes em que arremessou. Por fim, talvez o rapaz tivesse cansado, mas pediu tempo assim que as avistou. Quando Dylan se virou para olhar, ele aproveitou para pousar e se interessar por uma garrafa d’água, o que Ashley achou muito esperto de sua parte (embora se tivesse sido com ela, não tinha certeza de que ficaria esperando uma grande oportunidade para disfarçar – ela podia não aparecer).


- Então, à que devo a honra da visita de minhas sócias? – perguntou Dylan, pousando na frente delas. Ele saltou no chão com um pouco de força demais, fazendo espirrar lama nelas. – Ah, desculpe.


Ela conteve torcer a cara e resmungou um “não foi nada” junto com as outras. Susan riu da boa vontade com que ela pronunciou a frase, fazendo o outro perceber a falta de sinceridade. Mas Dylan não a espancou por isso, apenas deu um sorriso conformado.


- Viemos ver se já temos um plano – disse Susan, interferindo no encarar constrangedor dos dois.


- Ah – disse ele, sorrindo de um modo diferente. – Eu imaginei que fosse isso. Fico feliz que tenham vindo.


Ela olhou.


- Já pensou em alguma coisa? – perguntou, surpresa. Não estava confiando realmente que Dylan, ocupado como era, tivesse paciência para pensar nisso. Mas pelo jeito ele tinha.


- Ah… não – disse ele, irônico. As três encararam-no, friamente. Ele apenas recuou um passo e riu. – Brincadeira, garotas. Não fiquem bravas comigo.


- Então fala logo!


Ele parou, deu um sorriso enviesado. Então, com um leve pigarro, disse:


- É surpresa.


- Ah, vamos! – riu-se Susan. – Precisamos saber como é que vamos agarrar aquela gostosura humana! – Mas Dylan apenas meneou com a cabeça, sorrindo.


Ashley poderia bater, mas não achou muito apropriado. Ao invés disso começou a argumentar à favor de que a história fosse contada, mas antes que pudesse surtir algum efeito um ruído alto distraiu todos.


Fazendo com que Jason desse um pulo para o lado de susto, Ashley olhou aquela que pelo que sabia se chamava Orin Sky, que saltou da árvore mais próxima, caindo no chão como um gato. A nova hóspede de Basilisk Hall levantou-se calmamente e ficou observando-os com um ar de quem sabia das coisas.


- Interessante – disse ela, com poucas palavras, parecendo levemente se divertir com a coisa.


Ashley e Susan se entreolharam. Pelo que parecia, aquela pessoa agora sabia do segredo delas.


- Hum, o que é interessante? – perguntou ela, fingindo não saber de nada.


A outra apenas deu um sorriso enigmático.


Para dizer a verdade, ela não gostou muito dessa mulher.


- Será que a tal “gostosura humana” é quem eu penso que é? – devaneou a outra, baixinho, como se falasse consigo mesma. Viu Susan ficar pálida que nem papel e desconfiava que acontecia o mesmo consigo. Aquilo não era divertido. Fora sim, mas quando quem sabia era de confiança. Agora… Achava que não ia se conter de constrangimento se chegasse aos ouvidos dele que as duas hóspedes haviam apostado-no.


- Vem cá – disse Dylan, parecendo frustrado. – Eu não sei direito quem você é mas na minha terra quem escuta a conversa dos outros é xereta. Então, vê se desinfeta, ou caso contrário, nós vamos para uma sala à prova de som.


A outra apenas revirou os olhos, sorrindo superiormente.


- Logo se vê que seu pai é tão retardado que não lhe disse nada sobre a magia rhanire – disse ela, tão baixo que Dylan teve que se inclinar um pouco para ouvir o que estava dizendo.


- Ele é a pessoa mais inteligente que eu conheço – sibilou Dylan de volta. – E por sua causa está sofrendo de estresse! Sua bruxa pervertida!


O tom de voz que ele usou foi engraçado, e as pessoas começaram a rir, com exceção de Orin. Ela fez uma cara de quem dizia “patético” e desaparatou.


- Bom, tivemos um pequeno contratempo, mas acaba de ser resolvido. – Dylan disse isso calmamente, mas vislumbrando os contos dos galhos das árvores ao redor com seus olhos de jogador, desconfiado. Depois de certificar-se que não estavam sendo espionados, ele voltou a falar.


“Vai ter que ser hoje à noite, porque amanhã vou ter jogo.”


Ele abriu um sorriso enquanto as duas se entreolhavam, nervosas.


- Vai ser divertido, vocês vão ver… - disse, tranqüilizando. - Eu já sei o que vou fazer, só se preocupem com a parte de vocês, ok? Agora, espero que tenham boa atuação…






Voltaram na hora do almoço com suas partes do plano na ponta da língua. Susan não conseguira entender quando Dylan contou as circunstâncias. Ashley não estava preocupada com entender, contanto que desse certo. Ellen não achara graça, embora quisesse ver.


Não que elas pudessem dizer que sabiam onde estavam se metendo. Dylan fizera-as prometer que deixariam tudo por conta dele. Deixara claro que não era exatamente um plano para fazê-las conseguir de cara o que queriam, apenas uma palhinha. Iria “entrosá-las no espírito da coisa, como um ritual de iniciação”. Fora essas as palavras do mentor do crime. E embora não soubesse realmente se as intenções de Dylan eram sérias, pouco importava isso agora. O que não podia era passar as férias todas ali e não acontecer nada de inesquecível.


Enquanto comiam não podiam deixar de se entreolharem à cada instante. Tom parecia longe de desconfiar que estavam tramando contra ele para essa noite, e isso era engraçado. Talvez parecessem mais bobas que o normal, mas não estavam realmente chamando a atenção. Orin ficou a maior parte do tempo com um sorriso estranho no rosto e constantemente olhava para as duas. Susan começou a desconfiar de que ela podia ficar invisível e se perguntou se ela não haveria de estar tramando uma sabotagem. Pela cara ela ouvira onde e quando o grande acontecimento da noite ia ocorrer, e não ia deixar quieto. Não sabia qual era a dela.


Dylan chegou no fim do almoço todo sujo. Piscou pra elas quando se cruzaram perto da saída do salão. As duas subiram para a biblioteca. Não era uma boa tática para não perder a hora, mas pelo menos não dormiriam.


- O que você está achando de tudo isso? – perguntou-lhe Ashley, depois de sentarem-se no sofá com o livro que queriam.


- Não sei. Parece que meu almoço estava vivo – disse Susan em voz baixa, nervosa.


Ashley deu uma risadinha que deixava transparecer que ela estava sentindo a mesma coisa.


- Ansiosa?


Susan olhou de cara feia.


- Que é que você acha? – retrucou, impaciente.


A outra apenas deu um sorriso torto.


- A gente vai se ferrar – disse, ainda sorrindo daquele modo estranho. Parecia que havia dado-lhe um colapso nos nervos da face.


- Cala a boca, sua demente! – Susan foi ríspida; aquele pessimismo estava fazendo-a se sentir pior.


- ‘Tá bom…


Ficaram em silêncio por um longo tempo. A biblioteca silenciosa apenas ecoava o movimento dos ponteiros do relógio, que estalava num ruído oco, bem baixo, mas que se tornava audível na ausência de outros sons. Cada uma entretera-se com um livro e ficaram lá até o sol se pôr, cada uma apenas saindo do lugar para achar uma posição mais confortável ou para ir brevemente ao banheiro e voltar. A pintura na parede apenas abria as cortinas de tempo em tempo para observar o que estava acontecendo, chamando seus olhares, mas não criou caso com elas. Parecia que no silêncio as três encontravam uma convivência pacífica. Susan nem tentou e nem quis dizer nada; mais uma cena de ação por hoje era muito, melhor que estivessem divididas homogeneamente ao longo da semana. Grandes acontecimentos concentrados num só dia terminavam por deixá-la num grande desgaste físico e emocional, o que a fazia querer as coisas pacíficas até então. Mas Gina Weasley não parecia querer disputar território.


Julliet apareceu por lá por volta das quatro horas da tarde, cumprimentou, desapareceu por entre as prateleiras e voltou com um grande livro de magia. Antes de sair desejou boa sorte. As duas se entreolharam, voltando a sentir a tensão percorrer o corpo. Demorou até que se concentrasse novamente no livro.


Passado algum tempo, Ellen entrou na biblioteca, e veio falar com elas.


- Está na hora? – perguntou Susan, sentindo-se muito mal de repente.


- Ainda tem uns quarenta minutos – disse a irmã, despreocupadamente, mas bastante interessada no nervosismo das duas. – Só vim dizer que foi bom conhece-la, Ashley, e que mamãe vai sentir sua falta, Su.


As duas ficaram encarando a outra, tensas demais para expressar o repúdio por aquela brincadeira infame. Susan fechou o livro e franziu as sobrancelhas, sentindo a garganta seca de repente.


- Obrigada por ajudar, sua idiota – resmungou para Ellen, de mau-humor.


Ashley tinha fogo nos olhos ao encará-la.


- Morrerei feliz se for pelas mãos do Lord – disse, com uma voz rouca, ligeiramente fanática.


As duas encararam-na. Ela devolveu aquele sorriso estranho.


Susan desviou os olhos, balançando a cabeça negativamente. Era muito nova pra morrer.


Ellen dava risadas enquanto as duas arrumavam os livros um sobre o outro, para então levantarem-se e darem voltas pela biblioteca. O quadro de Weasley abriu uma brecha para espiar o que estava acontecendo.


- Oi, Gina – disse Ellen, acenando. – Essas duas são umas loucas, não acha?


Weasley lançou um olhar maligno e resmungou que eram umas retardadas. Susan não estava com cabeça para se importar e ignorou o comentário. Seria bom que não falassem nada a respeito do que estavam tramando, porque agora estavam sendo observados pelo principal inimigo.


- Bom, Dylan me pediu para ver onde estavam. Então, eu estou indo. Tchauzinho, nos vemos depois – se estiverem vivas


Ellen acenou um tchau e saiu do salão, deixando-as a sós com aquela sensação de formigas vivas no estômago.


As duas ficaram olhando para ao chão, quietas, por um longo tempo.


- Aposto que estão aprontando merda – disse Gina, provocadora. – E aposto que tem a ver com o Tom. Deviam deixar o coitado em paz. Apesar de tudo ele não merece pagar tão caro assim…


Ashley e Susan se entreolharam. Não tinham o direito de responder, por isso ficaram quietas.


Os minutos se passaram longos até que a hora chegasse. Quando faltavam quatro minutos, as duas saíram da biblioteca e começaram a descer. Já estava escuro lá fora. Nenhuma das duas falou nada até encontrarem Dylan na escada do corredor do segundo para o terceiro andar. Susan desejou boa sorte, antes de alcançarem-no.


- Parecem nervosas, filhas. Ânimo! – disse ele, desinibido como sempre. Tinha uma cordinha avermelhada passada por cima dos ombros. – É, são Orelhas Extensíveis – disse ele, vendo onde o olhar dela se detinha. – Estive fazendo um pequeno trabalho de espionagem, estudando o território, fazendo alguns cálculos de tempo e espaço… Parece que vamos arrasar hoje – terminou, com um sorriso.


- É só o mínimo necessário – disse Ashley, severa.


- Vai dar tudo certo, ou não me chamo Dylan Riddle! – disse ele, fazendo um gesto para que seguissem caminho abaixo. Colocou as mãos num ombro de cada uma e guiou-as até a beira da escada de pedra. – Agora, meninas, quero que mantenham a calma e andem em linha reta até o fim do corredor, naquela velocidade que ensaiamos de manhã. Certo? Então, boa sorte!


Ele soltou-as e elas foram descendo a escada, nervosas. Não parecia haver nada de errado com o corredor, mas mesmo assim Dylan dava medo. Olhou para trás; ele não estava mais à vista. Engoliu em seco e voltou a olhar para a frente.


Mal cruzaram metade do corredor, porém, Ashley deu um grito de gelar o sangue, que ecoou mil vezes pelo corredor e pelo saguão. Susan pulou para o lado, o coração quase rasgando a roupa de susto, e fitou a amiga nervosa. Ela pulava e gritava, batendo no cabelo com a mão, como se algo estivesse arrancando um pedaço da sua cabeça, desesperada. Mal percebeu o que estava acontecendo a amiga e sentiu algo andar no seu rosto. Bateu, nervosa, e viu um besourinho cair no chão.


Depois não viu mais nada.


Não era de fazer escândalo, mas foi impossível não gritar. Sentia agora milhares daquelas patinhas andando na sua nuca, subindo pela cabeça e entrando dentro da roupa. Embora sacudisse, elas não paravam de cair aos montes, e algumas começaram a voar. Não conseguia abrir os olhos de pavor, enquanto tentava sacudi-las do seu corpo meio paralisada. Os gritos das duas fizeram um escarcéu dos diabos no castelo todo.


Abriu os olhos um pouco e viu pessoas nos outros corredores, olhando sobre o parapeito, que saíram de seus quartos curiosos, alguns em andares acima. Ashley ia se matar se não abrisse os olhos, pois estava perto do parapeito e podia facilmente cair lá em baixo. Mas não podia fazer nada por ela no momento porque um dos bichos acabara de entrar na sua orelha. Choramingou em voz alta, batendo com a mão na própria cabeça e sentindo alguns dos bichinhos esmagarem nojentamente nos seus cabelos, com barulhos horríveis.


Ouviu uma porta bem perto se abrir, mas não teve capacidade para olhar. Estava ocupada demais gritando por um bichinho que entrara dentro do seu decote e tentava passar por uma saída inexistente. Pensou ouvir a risada de Dylan entre os ecos confusos dos gritos. Abriu os olhos furiosa, quase virando-se para trás, mas deparou-se com uma visão ao mesmo tempo inesperada e maravilhosa: Lord Voldemort, semi-nu e molhado, com uma toalha enrolada na cintura e uma varinha na mão, à porta de seu quarto.


Estava com a boca aberta, segurando a camisa puxada onde estivera implorando ao besouro para sair dali, mas esquecia-se de gritar. Ashley ainda não vira o mesmo que ela e continuava a espernear e gritar, correndo cega e doida em círculos. Dessa vez ela caía de lá de cima se Tom não tivesse enfiado a varinha na toalha e segurado-a pela gola da blusa e puxado. Susan podia sentir os besouros explodindo no pescoço de Ashley quando ele fez isso, e esse pensamento fez-se visível na sua expressão. Mas ele soltou quando os bichos começaram a subir na sua mão e deu um breve e discreto ataque de nojo para jogá-los dali. Parecia que ainda não tinha percebido porque estavam naquele estado desesperado, mas acabara de descobrir.


A amiga congelou de nojo ao mesmo tempo que ele tentava ajudar espanando os bichos de seus ombros. No começo pareceu à ele uma tarefa asquerosa, como se preferisse não tocar naqueles bichinhos nojentos, mas depois de jogar alguns deles no chão, começou a se divertir. Percebendo a deixa, Susan, impedida de raciocinar como uma pessoa decente, apelou para a intuição feminina e voltou a gritar, mesmo porque eles começavam a entrar em lugares realmente estranhos.


Tom fora socorrê-la em dois segundos. Ela sentiu que ele fizera uma coisa audaciosa demais indo capturar o bicho que entrara no seu decote com a mão, antes de perceber que ainda estava arreganhando a própria camisa e que já mostrara o sutiã para quem quisesse ver. Não teve tempo de sentir vergonha, porque eles agora corriam pelo seu pescoço fazendo cócegas infernais com aquele monte de pinças que chamavam de patas. Ele tentava jogar todos longe, mas pareciam não parar de aparecer. Por vários segundos Susan ficou parada – em termos – esperando que Tom soubesse o que fazer, até que sentiu que ele parara de fazer qualquer tentativa para livrá-la dos bichos, e virou-se. Eles estava parado com uma coisa que lembrava uma bola de gude com pernas e um buraco por onde não paravam de sair os besourinhos.


- Isso cheira à Gemialidades Weasley – disse ele, segurando a coisa por uma perna e mantendo à alguma distância de si mesmo enquanto observava. Deu um sorriso e jogou por cima da do parapeito, fazendo o objeto voar até o meio do hall e se espatifar, pelo barulho. – Não andaram com o Dylan, andaram?


Susan disse que sim com a cabeça, espanando os besouros restantes da roupa e dos cabelos, enquanto ele dirigia-se à Ashley, agora que sabia a causa daquilo. Dylan apareceu aos saltos, gritando.


- NÃÃÃO! O QUE VOCÊ FEZ? ERA UM PROTÓTIPO! – dizia ele, desesperado.


Mas Tom já tirara o outro objeto do cabelo de Ashley e já dava à este o mesmo destino que o outro.


- SEU LOUCO! – gritou Dylan, saltando sobre o parapeito e mergulhando atrás do brinquedo. Susan correu para a beirada, prendendo a respiração. Apesar de tudo aquilo, não queria que Dylan se matasse!


Viu-o em tempo de pegar a bolinha no ar e desaparatar. Tom estava rindo da preocupação das duas. Ashley também correra para ver.


- Não se preocupem, ele não é tão idiota assim – disse Tom, divertindo-se. – Agora, deviam saber que ele é o testador preferido dos tios se quiserem continuar andando com ele.


Elas viraram-se para olhá-lo.


Ashley parecia ter reparado agora nas vestes dele, ou melhor, na ausência delas. Encarou-o, mesmo com os cabelos bagunçados na frente da cara e ofegante, com um sorriso interessado.


- Nossa, você fica bem assim – disse ela, numa voz estranha. Susan olhou, espantada. A amiga devia ter perdido a razão.


Ele olhou para si mesmo e de volta para Ashley e entendeu o que ela estava insinuando.


- Er… Se já não estão mais com problemas eu… já vou voltar pro meu banho – disse, sem-graça, e recuou até a porta do quarto. Virou-se rapidamente e fechou-a à suas costas.


As duas se entreolharam, brevemente, sentindo vontade de rir.


Mal sentiram isso, porém, ouviu-se um gritinho agudo, a porta se abriu novamente e uma mão empurrou alguém pra fora. As duas fitaram Orin Sky.


- Louca! – disse ele, irritado, e bateu a porta.


Chocadas demais para dizer alguma coisa, as três desceram as escadas juntas. Só quando pisaram no térreo é que Ashley cortou o silêncio.


- Ele me salvou – ela disse, numa expressão sonhadora.


As outras duas encararam-na.


- Ele pegou meu peito – disse Susan, querendo se gabar mais.


A amiga arregalou os olhos pra ela. Olharam para Orin. Ela parecia pálida. Esta olhou de volta e deu ombros.


- Ele tirou a toalha na minha frente.


Ao mesmo tempo surpresas e furiosas, Ashley e Susan se entreolharam.


Por que raios ela tinha que pegar a melhor parte?!



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Desculpem pela demora. Caprichei nesse capítulo. Espero que tenham gostado.

Ark (www.bhall.weblogger.com.br)

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