Monstros e Pesadelos

Monstros e Pesadelos



I


Tom estivera vagando pelos corredores e acabara por se sentar ao pé de uma estátua no meio do corredor escuro. Não suportava ficar naquele quarto. Cochilara enquanto lia um livro em sua cama protegida pelos dosséis e tivera um pesadelo muito perturbador no qual Gina caia sangrando aos seus pés e por mais que ele fizesse para salvá-la, a jovem não reagia, ia empalidecendo cada vez mais, ficando mais fria e mais inexpressiva até… até acordá-lo com as batidas do próprio coração.

Ele odiava esses sonhos mais do que tudo. Sempre que conseguia pregar os olhos eles chegavam para lhe assombrar, acordavam-no e lhe gritavam para olhar ao redor e procurar sua Gina, enquanto sentia o desespero tomar-lhe completamente, como se estivesse se salvando d’um afogamento por um fio. Sentia calafrios percorrerem-lhe a espinha sempre que se lembrava que não havia mais o que temer pela sua garota, por ela já não sentia nada…

O quarto, os travesseiros, o espelho… tudo lhe lembrava a mulher, tudo aquilo tinha a sua lembrança, algo vago e perdido pela memória de Tom que se encontrava quando ele olhava para alguma direção. Sempre tinha a impressão de que ela o estava a observar de algum ponto nas sombras ao seu redor e sentia-se pior do que nunca, embora nunca pudesse dizer que se sentia sozinho. Algo, uma vaga sombra, um vulto do que outrora fora Gina seguia-o por toda parte, ele sabia disso… Mas às vezes gostaria somente que ela o deixasse em paz e fosse ter a sua.

Não podia fugir disso, por mais que desejasse. Não importava o quanto corresse, ela sempre estaria ali, ao seu encalço, assombrando-o onde quer que fosse. Não podia dizer para o nada que fosse embora. Não podia simplesmente se livrar da culpa que era tê-la deixado morrer em seus braços…

Agarrou os cabelos com as mãos, respirando fundo. Sabia que estava ficando louco, mas não tinha o intuito de deixar que alguém ficasse sabendo disso. Não precisava de olhares piedosos e nenhum tipo de caridade para agravar sua situação. Não precisava ver o desapontamento dos filhos para sentir-se pior, nem nada. Quanto mais escondesse aquilo, melhor seria.

Ele abriu os olhos, sentia uma respiração muito real à sua frente. Sentindo que empalidecera de vez, cobriu o rosto com os braços e encolheu-se.

- Veio me buscar? Já não basta o que me fez passar, ainda quer me matar de pavor, sua alma penada? – murmurou, febrilmente.

A respiração continuava ali, embora usasse mais força para fazer isso.

- Você é sonâmbulo ou o quê? – perguntou uma voz feminina parecendo surpresa.

Ele parou de apertar os olhos. Fosse quem fosse, aquela voz não era a de Gina nem aqui nem no além. Lentamente, abriu uma fresta entre os braços para observar o que estava a fazer-lhe o mesmo.

Susan Stringfellow o observava com os olhos arregalados, parecendo um pouco preocupada. O castanho acobreado de seus olhos tentavam focalizar com dificuldade a expressão dele no escuro. Usava um camisão branco até as canelas e estava descalça; seus olhos estavam borrados pelos lápis que ela usava dando-lhe olheiras fúnebres, e seus cabelos estavam meio escorridos, meio embaraçados, o que a tornava praticamente mais horrenda do que qualquer alma penada.

Tentando acalmar a própria respiração, ele tratou de endireitar-se, levantando-se num segundo.

- O que está fazendo fora do quarto há essa hora? – perguntou, tentando desviar o rumo da conversa que temia suceder.

- Eu tenho insônia – respondeu a outra, prontamente, ainda observando-o com apreensão. – Você está passando bem?

Tom não via porque ela mentiria. Desviou os olhos dela e virou-se para o fim do corredor que perdia-se no escuro.

- Óbvio que não. Mas já vai passar, já estou acostumado com isso – respondeu com sinceridade, suspirando cansado.

Ouviu os passos da moça aproximando-se cautelosamente.

- Eu estava pensando em ir tomar um chá lá em baixo, se é que posso, você não quer vir comigo? – perguntou-lhe, parecendo gentil.

Tom pensou por um instante. Não havia nada de mal em dispersar um pouco seus pensamentos. Explodiria se pensasse em Gina mais um segundo.

- Tudo bem.

Sentiu a outra tocar seu braço e olhou, espantando-se com a ousadia. Mas ela não parecia presunçosa de alguma maneira. Dava um sorriso vago sem olhar-lhe nos olhos e disse, sonolentamente:

- O.k., espere só um momento, vou até meu quarto pegar minhas pantufas.

Ele ficou olhando-a desaparecer pela porta semi-oculta pelas sombras, atordoado com a sentença dela por um momento. Viu agora porque ela deveria tê-lo encontrado, estava no Corredor Oeste do terceiro andar, bem em frente ao quarto dela. Ficou olhando para madeira da porta enquanto a esperava, a cabeça cheia de pensamentos incompletos.

Fazia quase dez dias que ela e a amiga estavam em Basilisk Hall e já se acostumava com rapidez da presença das duas – aliás, aquele castelo já abrigara mais de quatrocentas pessoas no auge do poder da Ordem das Trevas e naquela época não podia se dar ao luxo de ter que se acostumar com cada rosto novo que chegava ali. Entretanto, para sua felicidade, haviam se aquietado um pouco, toda a euforia de conhecer a ele e ao resto dos moradores do lugar agora passando, e nada mais aprontaram depois do ataque de histeria do quadro de Gina na biblioteca. Estavam até se revelando pessoas muito legais, de acordo com as palavras de Julliet.

A porta tornou a se abrir e a moça saiu, usando pantufas roxas e peludas, bizarramente adicionadas à sua aparência fantasmagórica. Tentando não demonstrar nada a respeito, conduziu-se em silêncio em direção ao fim do corredor, seguindo o parapeito que mostrava o hall e a abóbada do teto, acima. Àquela hora o luar entrava pelos distantes vitrais que cercavam o teto do hall, e as placas metálicas quase invisíveis de dia agora se mostravam úteis, refletindo a fraca luz azulada em todas a direções, intercalando os feixes de modo que iluminasse todo o lugar, desde o primeiro andar até o último, visíveis à poeira que rodeava lentamente, como numa dança. Ele podia ficar ali por horas, admirando aquele efeito cintilante tremeluzindo pelo saguão de seu castelo…

- É muito bonito.

- Desculpe, o que disse? – perguntou Tom, acordando de seu transe momentâneo para olhar intrigado para ela.

- O hall, eu estou dizendo – disse Susan lentamente, apontando-o com a cabeça. Pareceu corar de leve.

- Ah, sim – disse, distraído.

Provavelmente deixara algum desapontamento transparecer na voz, porque ela ficou mais corada ainda e comentou:

- Não que você também não seja…

Foi a vez de ele disfarçar. Virou-se para o parapeito e ficou olhando para baixo, sem saber o que responder. Aquilo era sem dúvida muito desconcertante. Claro que aquela situação não o intimidaria a alguns anos atrás, mas nas circunstâncias que o rodeavam, ficou completamente sem ação.

- E-eu não queria dizer isso – apressou-se ela a consertar às suas costas, parecendo muito nervosa.

- Tudo bem – respondeu, fazendo uma careta que ela não viu. – Já me disseram coisas mais assustadoras do que isso.

Ela deu uma risada nervosa, indo prostrar-se ao seu lado, olhando admirada para o espaço à sua frente.

- Vamos, então? – perguntou-lhe, meio receosa.

- Claro.

Desceram os três andares, em silêncio. Tom não sabia dizer se ela estava tímida pela sua presença ou por outro motivo. Observava-a com o canto dos olhos, atentamente. Não que tivesse medo de estarem ali, a sós, mas sua presença o deixava receoso. Claro que já notara o interesse, não só dela, mas o da amiga também. Não sabia se estava preparado para algo desse tipo. Claro que quando era Lord Voldemort recebia muitas indiretas de suas Comensais por semana, mas sempre sabia fingir-se de ingênuo nesse assunto. Agora, porém, era difícil, tendo tido a vida que teve com Gina. Não se podia fazer de sonso nem se quisesse.

Mas Susan Stringfellow não parecia do tipo que chegava e se declarava. Enquanto nada acontecesse, não tinha porque temer. Queria deixá-la sem ação no momento, e estava conseguindo. Era difícil acontecer alguma coisa entre duas pessoas em silêncio.

- É um belo castelo – comentou ela, em voz baixa.

- Hum, é. Pertencia a Salazar Slytherin – disse, apreensivo.

- Mesmo? – perguntou ela, interessada. – Eu já tinha ouvido falar em Basilisk Hall, mas achei que fosse lenda.

Ele olhou-a, avaliadoramente.

- E era. Digo, como ninguém, por quase novecentos anos, não conseguiu provar que existia, as pessoas chegaram a conclusão que realmente era invenção de alguém. Precisava ver quando o encontrei. Mal dava para ver no meio do mato, e dentro, era centímetros e centímetros de poeira…

- Puxa – comentou ela, girando enquanto andava para olhar ao redor. – Bom trabalho!

Ele riu brevemente.

- Claro que eu não limpei tudo sozinho, imagine – disse, cerrando as sobrancelhas. – Tive muita ajuda nisso, sempre fui porcalhão demais para me importar com serviços domésticos. – Neste momento imaginou-se com avental de rendinhas, esfregando o chão com um pano molhado. Abanou o pensamento com uma sacudida perplexa de cabeça.

- Porcalhão? Então teve ajuda de uma mulher, suponho? – indagou ela, insinuante.

- Er, é. Bem, no começo não. Quando eu tinha uns vinte e tantos anos eu cheguei a morar aqui com uma amigo e, bem, era horrível… - ele dizia, enojado, enquanto ela ria. – Daí, há uns quarenta anos atrás, eu voltei para cá, sabe, para instalar a Ordem, já que estava sendo procurado de novo, agora com uma penca de Comensais dependendo de mim… Foi então que arrumamos o castelo, ou ele estaria inabitável até hoje. Bella e Narcissa foram de grande ajuda.

- Imagino. E os elfos-domésticos, de onde surgiram? – perguntou a moça, curiosa.

- Todos foram despedidos de outras casas. Nenhum elfo decente iria gostar de trabalhar aqui, é claro. Os elfos domésticos de alguns dos Comensais foram quem indicaram do lugar. Eles choveram aqui de um dia para outro.

- Boa idéia; recrutar os marginalizados pela sociedade. Realmente um ótimo negócio. Aposto que isso não foi apenas para elfos-domésticos. – Embora Susan tivesse um tom de voz atento, não parava de olhar aos lados, bastante interessada no sistema de iluminação natural do hall. – O arquiteto de Slytherin era um gênio!

Tom achou graça no comentário. Claro que B.Hall não era a coisa horrível que geralmente se imaginaria da sede dos Comensais da Morte, mas, acima de tudo, fora a casa de Salazar Slytherin, um dos bruxos mais importantes da época. Não se podia esperar uma gruta cavada numa pedra, seria querer muito.

B.Hall era uma coisa que se orgulhava de deixar para os seus filhos, pensou. Mas logo pensou novamente: poderia realmente deixar aquele castelo para alguém? Se era imortal, não iria viver nele para sempre? Sentiu-se estranho, por isso parou de refletir sobre o assunto. Deixaria os problemas para mais tarde.

Eles cruzaram o arco do salão. Estava um pouco escuro ali, mas no instante em que entrou, chamas azuladas e curtas surgiram nos archotes. Aquilo agora acontecia naturalmente onde quer que fosse, por causa do pentagrama, o objeto tão carregado de magia que esbanjava poder sem reparar. Anteriormente talvez conseguisse fazer o mesmo, mas precisaria se concentrar um pouco.

Foi até uma chaleira de cobre sobre uma badeja de prata ao lado de potes de biscoitos e, numa das mesinhas no canto da sala, bateu uma vez com a varinha e o vapor começou a sair pelo seu bico. Estalou os dedos; a bandeja se erguera, flutuando, e o seguira até a grande mesa do centro, pousando numa das pontas desta.

- É uma bela coleção de pacotinhos de chá – disse ela, parecendo se divertir ao olhar a bandeja.

- Os Malfoy é que gostam, Ellen incentiva… - respondeu Tom, sentando-se e não se servindo de nada além de uma xícara e fazendo aparecer café dentro dela.

- Não faça isso! É pior para a insônia – exasperou-se Susan, puxando a xícara antes que ele tocasse a boca. Sentada quase perpendicular à ele, a moça colocou a xícara fora de seu alcance e pegou outra, vazia, na bandeja.

“Leite”, disse ela, com energia.

- Hum?

- Faça aparecer leite! Eu não sou boa nessas coisas – falou, no mesmo tom de antes.

Ele obedeceu, mais para não contrariá-la do que por qualquer outra coisa, embora um pouco de curiosidade tenha passado por sua cabeça. Susan passou a escolher minuciosamente entre os pacotinhos de chá sob o olhar curioso dele. Pegou um e mergulhou no leite quente que agora havia na xícara, deixando-o meio escuro.

- Agora sim! Isso sim é bom para fazer dormir, acredite. Vivo há onze anos com insônia e já desenvolvi técnicas para contorná-la.

Tom ergueu um pouco os olhos.

- Tenho há dezesseis anos e descobri que é melhor ficar acordado – disse a ela. Susan ergueu uma sobrancelha.

- Bom, se não quer dormir, quem sou eu para dizer alguma coisa? – resmungou, dando ombros. Ela pegou a xícara dele e devolveu a sua de café. Trocaram um breve sorriso divertido e ela completou, surpresa: - Obrigada pelo leite.

- Disponha – respondeu ele, sorrindo.

Ficaram um momento em silêncio, tomando suas bebidas e tendo cuidado para não queimarem a boca.

- Se me permite perguntar, por que prefere ficar acordado? – perguntou Susan, um tempo depois. Parecia ter pensado no que ele dissera e percebera não estar compreendendo.

Tom hesitou. Era aquilo desde o começo que estivera evitando falar, e agora, com alguém perguntando, parecia não ter forças para resistir. Parecia que tudo o que queria, em muito tempo, era confessar aquilo que estava entalado dentro dele, que ninguém de B.Hall parecia reparar. Por que não dormia, afinal?

- Não sei ao certo. Tenho pesadelos e simplesmente tenho medo de dormir, eu acho – ouviu-se dizendo.
Susan encarou-o, parecendo surpresa, como se ele fosse a última pessoa no mundo que ela pensaria ter medo de pesadelos. Seus olhos borrados pareceram arregalar-se um pouquinho.

- Pesadelos, é? Devem ser realmente monstruosos, se te fazem perder o sono.

- É, são. – Tom não sabia o que o estava fazendo responder como se tivesse bebido Veritasserum. Piscando, olhou para seu café e então para a moça. Ela havia colocado a mão na sua xícara, era bem possível… Mas recusou a idéia quase instantaneamente. Um espião certamente não faria perguntas como aquelas.

- Hum… Que tipo de coisas horríveis aparecem em sonhos do maior bruxo de todos os tempos? – perguntou ela, baixinho.

Ele mirou-a avaliando-a por um momento.

- Todo tipo de coisa – respondeu lentamente. – As piores possíveis.

“Às vezes sonho com as pessoas que matei”, continuou, em voz baixa. “Às vezes sonho com as que eu devia matar mas não fiz. Às vezes, com as que deixei morrer e não fiz nada para impedir.”

Susan olhava-o com a boca meio aberta, perecendo mal acreditar que estivesse ouvindo aquilo de seu ídolo.

- Então… isso seria remorso? – perguntou por fim, apreensiva. – Quer dizer que se arrepende de tudo o que fez?

- De tudo não. De grande parte. Tirando uma, me arrependo de todas as mortes que cometi.

- Quem você não se arrependeu de ter matado? – interrogou a moça, não percebendo que começava a fazer perguntas pessoais demais.

- Não me arrependo de ter matado meu pai – respondeu, conformadamente.

Ela definitivamente arregalou os olhos com essa confissão.

- Matou seu próprio pai? – repetiu-se, espantada.

- Sim, e tive muito prazer nisso – retrucou ele, mais calmo. Lembrar-se que tinha matado aquele trouxa repugnante o deixava mais feliz.

- Eu não sabia disso – murmurou ela.

- Pouca gente sabe. Não tenho porquê ficar espalhando isso. Até admira alguns saber que eu tive pai. Não sei de onde as pessoas pensam que eu surgi…

Susan esqueceu-se que estava perplexa e riu.

- Sério, diziam que eu não era humano, etc… Deviam achar que nasci de um ovo.

Ela continuava rindo muito e Tom estava achando graça na risada dela.

- …Ou então que, só porque sou ofidioglota, devem pensar que nasci de um ovo de cobra. Não sei… Acho que eu iria preferir mil vezes.

Parecia que fazer os outros rirem deixava-o menos preocupado com outras coisas. Susan não parecia estar fazendo aquilo só para agradá-lo.

- Eu não sabia que tinha um lado engraçado – disse ela, por fim, ainda sustentando um sorriso sincero.

- Meu humor é um pouco negro – comentou Tom, revirando os olhos.

- Não parece.

- Não diria isso se me visse brincando com a vítima instantes antes do golpe final. Eu costumava achar muito divertido fazer os Comensais rirem – disse, desgostoso.

- Ah, bem… essas pessoas não devem ter morrido muito felizes – consolou ela, dando ombros. – Mas quem se importa?

Ele riu brevemente.

- Eu me importo.

- Pois não devia. Morreu mesmo, não sente mais nada – falou ela, como se fosse óbvio.

- Eu sei, mas me arrependo. Imagino o terror dessas pessoas…

Seus olhos tornaram-se muito sombrios. Ele encarou a mesa.

- Pelo menos eu fiz o que pude para proporcionar à Gina a melhor morte possível no momento…

- Tentando se redimir assim? – perguntou a outra, baixinho.

- Não exatamente. Eu a amava de verdade – respondeu, a voz ainda mais baixa do que a dela. – Eu quase morri junto de angústia. Se eu tivesse sido mais rápido…

- Não se culpe – cortou ela severamente. – O destino julgou que seria melhor assim.

- Melhor para quem? – resmungou, emburrado.

- Hum… - fez ela, pensativa. Tom encarou-a com o rosto baixo e desviou, sentindo-se um pouco mau-humorado. Ela estava pensando o que ele pensava que ela estava?

- Não se zangue – disse ela, e, por um momento, como se agisse instintiva e involuntariamente, colocou sua mão sobre as dele. – Ninguém tem culpa dessas coisas. Muito menos eu – resmungou por fim, num tom tão baixo que ele correu o risco de não ouvir.

Ele hesitou por um momento, olhando-a sem ação, mas então quase instantaneamente tirou as mãos do alcance dela.

- Bem, é melhor voltarmos para os nossos quartos. Uma dose de poção para dormir sem sonhos deve bastar por uma noite – disse, levantando-se.

- Ah – ela levantou-se também. – Por que não bebeu desde o começo?

- Não, tem que evitar o máximo que puder. Você se torna escravo da poção, é verdade. Vicia – disse por fim, dando a volta à mesa com passos descansados e indo prostrar-se ao lado do arco que dava para a passagem debaixo da escada do hall. – Bem, se quiser ir para o seu quarto agora… Eu ainda preciso buscar a poção no subterrâneo, sabe. Não vou poder te acompanhar.

- Oh, certo. Tudo bem – falou ela timidamente, olhando-o de esguelha. Tom se arrependeu por um momento em estar usando uma voz tão fria, afinal, ela não tinha culpa que ele estivesse amargurado há tantos anos pela morte da mulher. Mesmo assim os sentimentos impulsivos foram mais fortes e ele continuou parado, sem olhá-la, enquanto esta passava pelo arco parecendo cada vem mais constrangida.

Ele acompanhou-a até o hall. Os dois trocaram um olhar confidencial antes d’ela começar a subir, muito breve, mas que o deu certeza de segredo sobre sua conversa no salão instantes atrás. Não queria que seus segredos saíssem voando por aí de um dia para o outro, embora parecesse à ele Susan Stringfellow um tipo discreto que sabia distinguir corretamente o que era “fofocável” e o que não era.

Dando um último olhar às costas dela, que já desaparecia no primeiro andar, e virou-se para a Ala Leste, buscar seu remédio nas masmorras.



- Vai sair?

- Vou – respondeu simplesmente, sentando-se para almoçar.

Richard olhava-o espantado, do seu lugar no meio da mesa. Até parece que nunca o tinha visto bem arrumado.

- Onde você vai?

- Na Travessa do Tranco. Por quê? – indagou, olhando o filho com um olhar de interrogação por aquela intromissão à sua vida.

O filho cerrou as sobrancelhas.

- Lugarzinho suspeito para quem se regenerou – comentou ele, olhando-o desconfiado.

- Ainda tenho amigos lá, para sua informação. Aliás, eu não disse que me regenerei. Apenas me aposentei – respondeu, sabiamente.

Richard calou-se, ainda ficando a olhá-lo por algum tempo, antes de baixar os olhos para o próprio prato.

- Não se incomode comigo. Se alguém me reconhecer eu mato – falou, num tom casual, sorrindo.

Lúcio, Narcissa e Bellatrix riram, assim como Ellen, Julliet e Dylan.

- Não teve graça – retrucou o primogênito, fechando a cara.

- Ah, teve sim. Não teve, pessoal? – disse, ainda mais sarcástico do que antes.

Houve vários murmúrios de concordância. Richard ficou ainda mais emburrado.

- Que cara é essa? Olha, não vão me confundir com você e publicar na primeira página do Profeta amanhã que Richard Riddle estava passeando pela Travessa do Tranco. Aliás, mesmo se fosse, você terá álibis, não terá? – perguntou, insinuante.

- Claro que sim. Não sou de ficar passeando em horário de serviço – respondeu o outro, dignamente.

- Que pena – suspirou Ellen, ao seu lado. Richard virou-se para ela.

- Que foi?

- O quê? – murmurou a moça, levantando os olhos para o marido. – Eu não disse nada.

- Você disse “que pena”, eu ouvi – sibilou ele, furioso.

- E se tivesse dito? – desafiou ela, de nariz empinado agora. – Você não para em casa um segundo!

- Oras! Eu tenho mais o que fazer! – reclamou ele, olhando de cara feia.

- Sim, pois bem, tudo é mais importante que sua mulher e seus filhos! – grunhiu ela, contendo a fúria.

Todos na mesa olhavam espantados. Os dois não eram de brigar, ou, pelo menos, não faziam isso em público.

- Não é assim – retrucou Richard, como se ela fosse louca. – Claro que me preocupo com vocês. Por isso mesmo é que eu trabalho! Para ter dinheiro para sustentar vocês!

Houve um muxoxo uníssono na mesa toda enquanto a platéia continuava a olhá-los.

- Quê?! – alterou-se o homem, olhando de cara feia para todos.

- Um argumento furado, Richard – disse Tom, olhando-o enquanto servia-se da comida na mesa. – Você mora num castelo de oito andares auto-sustentável.

Ele corou um pouco.

Ellen levantou-se de repente.

- Perdi a fome. Com licença – disse ela, levantando-se com uma expressão dura no rosto, e afastando-se alguns passos com as costas bem retas, parecendo de fato mais alta do que era. Voltou-se por alguns segundos, para atirar o guardanapo que estivera apertando em sua mão na mesa, que errou o nariz de Richard por milímetros.

- Ei! Ellen! – exclamou, indignado, olhando para a mulher que desaparecia pelo arco do hall.

- Eu iria atrás dela se fosse você – comentou Tom, mais sério agora.

Richard parecia prestes a virar-se e gritar alguma resposta mal educada, mas conteve-se e viu que o pai tinha razão mais uma vez. Levantou-se rapidamente e andou com pressa até o arco, também desaparecendo do mesmo modo que a mulher instantes antes.
- Eu não devia ter começado – lamentou-se Tom.

- Não foi sua culpa. Richard é que tem obsessão por você – disse Dylan. – E Ellen está certa. Se eu fosse mulher, eu lhe daria uns cascudos – disse ele, numa voz azeda.

Algumas pessoas riram, talvez imaginando Dylan casado com Richard.

- Como se a mãe não soubesse que ele quer ser ministro da magia – disse Jason, com uma cara estranha.

- Para quê? – retrucou Erika, sem entender. – Francamente, ele quer provar para ele mesmo que é capaz? Ele não precisa do dinheiro. Podia ficar vida toda sem trabalhar, não podia?

- Por que você trabalha, então? Está na mesma situação que ele – disse Dylan.

- Eu gosto do que eu faço - respondeu, simplesmente.

- Ele pensa que sendo ministro vai poder mudar a sociedade – disse Tom, como se fosse óbvio.

Todos olharam para ele.

Ele não sabia de onde surgira isso, apenas disse. Piscou, surpreso consigo mesmo.

- Faz sentido – disse Lisa.

- Homem preocupado com o bem de todos, esse – comentou Dylan, sorrindo.

- Por minha causa, espero – falou ele. – Gina o criou com mais juízo possível, para que não se parecesse comigo.

Erika revirou os olhos, como se a mãe tivesse sido retardada.

- Também faz sentido – falou a neta mais nova, convencendo-se.

Ele olhou para esta, erguendo uma sobrancelha, como se perguntando o que ela queria dizer com aquilo, mas a garota apenas segurou o riso e voltou os olhos para seu prato.

As pessoas continuaram falando sobre Richard e Ellen ainda por um longo tempo, mas Tom não estava ouvindo nem participando da conversa. Estava certo que sempre tivera uma rixa pelo filho mais velho, mas desde que Gina morrera que esse desejo de disputa tornara-se menos freqüente dentro dele. Já não tinha tanto ânimo em fazer o rapaz ficar furioso, não tinha a mesma graça de antes, mas Richard ficara com a impressão que ele lhe queria mal, o que não era verdade. Às vezes ainda tinha a petulância de querer enchê-lo, mas nunca desejara que o filho se desse mal, fosse no trabalho, no casamento ou onde quer que fosse. As insinuações não eram sérias.

Mas Richard parecia achar que sim.

Agora, Ellen parecia prestes a pedir divórcio, e Tom sentia-se de algum forma culpado, mesmo que não tivesse culpa alguma. Queria realmente fazer algo para ajudar a evitar aquilo, e isso aumentava sua lista de problemas e preocupações no momento. Podia ser impressão dele, mas tudo parecia estar vergando perigosamente para baixo desde a morte de Gina. O clima parecia tenso, não só para ele, mas para os outros moradores de B.Hall também. Dylan e a mulher também não pareciam estar se dando tão bem.

Fora isso, em relação de convivência, o resto parecia bem. Claro que Gabriel não parecia estar se divertindo em ser ignorado por Julliet, mas, aliás, a escolha era dela.

Os Malfoy e os Lestrange estavam como sempre foram. Bellatrix às vezes tinha uns surtos de histeria e colocava Rodolphus para dormir no corredor, mas fora isso iam bem. Roy e Erika pareciam como sempre, o genro sempre muito calmo e paciente em relação à mulher que tinha. É, pareciam que com esses estavam tudo bem.

Quanto às hospedes, estavam obviamente com algum pensamento pervertido que o incluía, pois não haviam desviado os olhos dele desde que chegara. Entretanto, preferia fingir não estar vendo.

Sabia de alguma forma que o quadro de Gina lhe dera um sinal gritando daquele jeito, e a má impressão de que aquelas duas estavam conversando sobre ele na biblioteca naquele dia e que o assunto era capaz de provocar ciúmes no retrato ainda estava impertinente na sua cabeça. Deu um sorriso que não percebeu – Gina realmente tivera ciúmes dele, o que nunca vira acontecer antes. Ah, como queria estar cara à cara com ela para dizer o que estavam quites… Provavelmente aquela conversa terminaria em risadas, logo em beijos e abraços, para não dizer quando fossem mais adiante. Aliás, teriam que provar o porque tinham ciúmes um do outro e isso não seria realmente uma tarefa difícil.

Gina estava fazendo muita falta nesses solitários dezesseis anos.

Tendo terminado sua refeição e resolvido parar por ali com seus devaneios, Tom levantou-se e, saudando brevemente à todos, foi para o hall. Mentalizando rapidamente o ponto em que queria aparatar, fechou os olhos e desapareceu.

Aparatar e desaparatar era tão comum para ele que nem sentia mais nada quando fazia isso. Quando tornou a abrir os olhos, viu-se numa rua escura e cheia de gente. Levantando o capuz, Tom segui até um pouco mais adiante, até uma porta de vidro escuro que empurrou sem fazer força.

Era um bar. Uma espécie de “Caldeirão Furado” para freqüentadores adeptos à magia negra. Nenhum bruxo dos poucos que estavam ali olhou quando ele entrou, exceto um nos fundos que ergueu os olhos quase escondidos por um capuz e deu um pequeno sorriso para si mesmo, antes de voltar para o livro que estava lendo.

Ele não se deteve com nenhum deles, seguiu direto para o balcão. Um bruxo mais ou menos do seu tamanho, um pouco moreno com cabelos amarelados pelo sol chegou dos fundos, seus olhos castanho amarelados passando rapidamente em todos e indo por fim fixar-se nele.

- Pensei ter ouvido alguém entrar – disse o homem, abrindo um sorriso. – Como vai, mestre?

- Bem. Nada de muito interessante acontecendo no momento – comentou vagamente. – E você?

- Os negócios vão indo bem – disse o ex-Comensal, num tom satisfeito. – Sabe, eu pensei que viria só na semana que vem. Não imaginei que atenderia à carta tão rápido.

Ele sentou-se num banco alto, enquanto pensava na resposta. Jack Miller fora Comensal da Morte do grupo cinco no passado, mas com o fim da Ordem das Trevas ele se recusara educadamente a ficar no castelo. Tom tinha a suspeita de que ele sempre se interessara em Gina, e quando o caso dos dois tornou-se público ele quis sair do caminho. Ele imaginou se conseguiria viver debaixo do mesmo teto que alguém que gostava enquanto esta dormia no quarto de outro. Agora o homem tinha um negócio próprio na Travessa do Tranco e estava levando a vida como se nunca tivesse participado do grupo dos melhores seguidores do Lord das Trevas. Ele fizera parte do conselho de planejamentos, o cérebro que comandava tudo. Era especialista em espionagem.

- Ah, não, Basilisk Hall é um tédio, estou mesmo precisando dar umas voltas – disse ele, desleixado.

O outro sorriu.

- Imagino. Lamento que não tenha escolha, mestre – disse Jack, um pouco divertido.

- Ah, tudo bem – respondeu, fazendo um gesto de pouco caso com a mão. – Mas e então? Chegou, você disse.

Jack deu um sorrisinho cúmplice.

- Foi. Chegou ontem. Me dê um minuto. – Dizendo isso, voltou para os fundos, voltando em seguida com uma caixa de papelão.
Os dois ocultaram um pouco a visão dos outros clientes. Aquilo com certeza era ilegal, e como o lugar era público, poderia haver alguém ali do Ministério. Jack abriu a caixa, deixando à mostra um lugar forrado de pano, tendo no centro dois ovos aparentemente normais.

- Dois? – indagou ele, excitado, olhando os fixamente.

- Um é meu – disse Jack Miller, fazendo careta. – Vou vender.

- Ah… E quem você espera que compre? – disse, sorrindo insinuante.

- Tem um camarada de Gales que vai vir amanhã. Ele quer algo que proteja melhor o castelo dele. Diz que as quimeras não estão sendo eficientes.

Tom deu uma risadinha baixa.

- O bicho vai proteger a casa até dele mesmo – sussurrou, divertindo-se. – Há não ser que entenda a língua da cobras…
- Wildrian está ganhando uma nota com essas coisas – murmurou Jack, olhando pensativo para os preciosos ovos. – Está sabendo, não é? A casa dele naquela clareira da floresta, fazendo ovos de basilisco por encomenda… Só não sei para que ele precisa de dinheiro se não sai daquele lugar.

- Quando chocam? – perguntou, distraidamente.

- Disse ele que amanhã. Não pode pegar calor, sabe. E seria bom deixar inteiro até amanhã…

- Quê?! – sibilou, mas achando graça. – Está querendo dizer que sou estabanado, é? Como se eu fosse tropeçar e cair em cima dele assim que cruzar a porta.

- O.K., entenda como quiser – disse o outro em voz baixa, dando ombros.

- Ei, que pouco caso é esse?

- Não é mais meu mestre, mestre – divertiu-se Jack, rindo com a cara dele. – Ou se esqueceu?

- Verdade… Hum, você venceu. Fale comigo como quiser, então.

- Já estou falando.

Tom olhou para ele com uma cara de quem não estava achando graça. Jack ficou um pouquinho mais sério depois disso.

- Er, então? – perguntou o outro, disfarçando.

- Então o quê?

- Então que é bom eu sumir com isso que temos visita – falou Jack, em voz baixa, apontando a cabeça para o vidro.

Tom deu uma olhada. Dois aurores com emblemas do Ministério vinham descendo a ruela, olhando atentamente dentro de todas as lojas. Ele sabia que os lugares mágicos estavam sendo patrulhados depois da época em que andara aprontando, mas não tinha motivo para ter medo deles.

- Ah, certo. – Tom voltou-se para a caixa e pegou um dos ovos cuidadosamente. – Quer me dar um pano? Eu devolvo amanhã… Obrigado.

Enrolou cuidadosamente seu mais novo amigo e guardou-o com cuidado num dos bolsos de seu casaco, certificando-se de que não havia como quebrar. Notou que Jack já fizera a caixa desaparecer bem à tempo – os aurores haviam parado bem na porta, olhando pelo vidro. Tom esforçou-se para não parecer suspeito. Pediu um copo d’água, o que Jack fez com a maior naturalidade do mundo e continuou fingindo estar fazendo seu trabalho. Pouco tempo depois, Tom observava pelo conto do olho num espelho, os dois homens recomeçaram a andar e sumiram de vista.

- Acho que vou indo dar umas voltas – comentou ele para o amigo.

- Hum, não quer nem um pastel por conta da casa? – perguntou Jack, atenciosamente.

- Não, obrigado. Já almocei hoje. – Ele levantou-se. – Nos vemos. Por que não vai lá em B.Hall algum dia desses? – perguntou em voz baixa. – Digamos que tenho duas hospedes um pouquinho excitadas demais e eu só não sou capaz de controlar.

O outro ergueu as sobrancelhas, parecendo querer sorrir.

- Mesmo? Vou pensar no convite – murmurou Jack, trocando um sorriso confidente. – Até logo, mestre.

Ele despediu-se com um aceno da cabeça e, puxando mais o capuz para sair na rua apertada, virou-se para a porta.

Saiu, fechando a porta atrás de si. Seguiu pela rua escura, se camuflando perfeitamente pelos transeuntes vestidos de preto, até sair numa maior, ensolarada e apinhada de gente. As pessoas que passava por ele mal davam-lhe atenção, provavelmente pouco se importando com quem fosse e apressadas demais para reparar em um bruxo presumivelmente morto há quase trinta anos atrás.

As mãos nos bolsos, resolveu dar umas voltas pelo Beco Diagonal. Fazia um bom tempo que não saia de Basilisk Hall e um tempo muito maior que não pisava ali. As lojas haviam crescido, se tornado um tanto mais modernas. Gemialidades Weasley tomava quase a de um lado à outro da rua com um grande letreiro. O Gringotes se estendia um pouco mais para a esquerda, parecia ter comprado a loja do lado e aumentado seu espaço. Tudo parecia um tanto diferente, embora continuasse, de alguma forma, do mesmo jeito.

Caminhava vagarosamente, apenas observando as vitrines. Quantas daquelas já não havia assaltado no passado… E de pensar que achava engraçado ver os lojistas correrem desesperados enquanto tentavam evitar o saque. Que coisa prazerosamente detestável, pensou, censurando à si próprio.

Tinha várias lembranças daquele lugar. Tinha nítidas lembranças com algumas lojas, vagas de outras, algumas recordações eram de pessoas com reações esquisitas quando o avistavam. Até de seus próprios Comensais tinha do que recordar… Uma delas envolvia Gina… Parecia que todos os seus pensamentos envolviam Gina…

Enquanto andava distraído, um homem que passara por ele, voltou, aos tropeços, para olhá-lo direito. Tom, desconfiado com a inquietude do outro, olhou.

- Cunhado! Há quanto tempo! – falou o outro, parecendo encantado. Era Fred Weasley.

- Quer calar a boca? As pessoas vão olhar… - disse entre os dentes. A altura de voz do homem fora suficiente para despertar a curiosidade dos desocupados mais próximos.

- Não seja mal agradecido – disse o outro, fingindo-se indignado. – Eu pelo menos disse oi, ou queria que eu o ignorasse? Lembrando que você é o rejeitado da família e que se eu fizesse isso não estaria cometendo nenhum ato monstruoso.

- Está bem, eu não me importaria – esclareceu, revirando os olhos, querendo se livrar dele o mais rápido possível.

- Ah, bom – disse Fred, fazendo cara de entendido. – Sabe se o Dylan tem treino hoje?

- Tem sim, por quê? – respondeu secamente.

- Hum, nada, eu e o Jorge queríamos chamar ele para ver uma coisa, mas tudo bem, falamos com ele amanhã. Passeie comportadamente, ouviu?

- Quê? Ah…! Não abuse de sua sorte, seu infeliz – retrucou, rispidamente, recomeçando a andar.

- Dê lembranças ao Rick e à Jully por mim, sim? A Erika não precisa não, ela é mal agradecida que nem o pai – disse o ruivo em voz alta, fazendo metade da rua se virar para olhar.

Tom fez o que pôde para fingir que não estava ouvindo.

- Rapaz ridículo e insolente…! Controle-se, Tom Riddle, ele é tio de seus filhos… - murmurava para si mesmo, rilhando os dentes furioso, enquanto afastava-se em direção ao Caldeirão Furado. Sua mão direita apertava a varinha dentro do bolso, mas já passara do tempo em que não levava desaforo para casa.

As corujas em gaiolas da loja de animais mais próxima o observavam com seus grandes olhos amarelos, assim como dois grandes corvos atrás de grades prateadas. Pareciam censurá-lo enquanto esperavam que ele tentasse atacá-los. Mas Tom não ia se rebaixar à esse nível, mesmo porque não estava tão nervoso assim…

Enquanto chutava uma pedrinha no chão, passou em frente à um restaurante com amplas vidraças na fachada. Uma placa branca e dourada bem grande lhe chamou a atenção. Dizia “Amanhã, picadinho de cobra”. Fez cara de nojo inconscientemente. Aproximou-se, sem perceber. Como alguém podia comer cobras?!

Ele levantou os olhos para o vidro para ver a cara desses assassinos que freqüentavam o lugar. Havia bastante gente, era verdade, pessoas em mesas de quatro, almoçando enquanto conversavam um com os outros, garçons desviando das cadeiras dos clientes cheios de bandejas nas mãos. Obviamente que era um lugar bem freqüentado, embora o cardápio detestável. Para Tom, comer cobra seria o mesmo que comer gente.

Ia sair dali, mas um longo exemplar de cabelo ruivo de alguém que almoçava em uma mesa do restaurante a sua frente o interessou. Ultimamente cabelos longos e ruivos estavam chamando sua atenção.

Ficaria ali admirando, se não tivesse olhado as outras pessoas da mesa. Uma delas, à direita, era Hermione e, ao seu lado, à sua frente, o marido Rony Weasley, os padrinhos de Richard. À esquerda – encarou por um momento, enojado -, Harry Potter conversava com eles alegremente. Era inconfundível.

Então olhou mais uma vez para os longos cabelos ruivos e para o uniforme do restante dos ocupantes da mesa, com o emblema do Ministério. Um estranho pressentimento ocorreu-lhe…

Devia estar olhando muito insistentemente, porque Potter levou a mão à cicatriz e cerrou as sobrancelhas, imaginando o que estaria acontecendo. Então, desconfiado, quando retomou o fio do pensamento, este levantou os olhos e procurou ao redor. Ao mesmo tempo em que o par de olhos verdes encontrou os seus, os outros companheiros de mesa começaram a estranhar seu comportamento, provavelmente começaram a perguntar-lhe o que estava acontecendo. Então, a ruiva virou-se para olhar o que Potter estava vendo.

Tom semicerrou os olhos quando Julliet virou-se de frente para ele. Definitivamente era Julliet. A garota ficou muito pálida com a sua visão e virou-se rapidamente.

Que é que ela pensava que estava fazendo saindo para almoçar com Harry Potter? Sua expressão devia mesmo estar muito feia, porque Potter despertou de um transe de horror e voltou a encarar o próprio prato. Hermione olhou para ele pelo vidro, arregalou os olhos por um instante, então, passado um tempo, acenou, sinalizando para que se juntasse a eles. Essa sangue-ruim era mesmo muito atrevida…

Mas por que não? Poderia vigiar mais de perto. Mais vontade teve quando viu Harry Potter fazer careta para a amiga. Ah, isso seria divertido, muito divertido…

Ele foi. Certamente que ir puxar assunto com quatro aurores com um ovo ilegal de basilisco no bolso não era muito inteligente, mas se dependesse dele ninguém ia ter a liberdade de tentar revistá-lo – ninguém que quisesse sofrer. Ouviu a campainha tocar quando ele empurrou a porta. Custava saber que estava pisando naquele matadouro de criaturas inocentes, mas pelo menos poderia induzir a filha a sair dali.

Quando chegou perto da mesa deles, Potter desviou o rosto e não o cumprimentou. Aliás, mesmo se tivesse feito isso, seria em vão, porque ele também não cumprimentara e nem tinha a intenção de fazer isso. Saudou os outros brevemente com um movimento de cabeça e encarou Julliet, que retribuiu-lhe um olhar de quem sabia que estava fazendo coisa errada.

- O que está fazendo aqui? – perguntou a ruiva, em voz baixa.

- Cumprimentando os aurores – respondeu ele, cinicamente. – E você, pelo que vejo, está almoçando com eles.

- Eu sou um deles – falou ela, em tom de correção.

- Ah, verdade? Então pulou três anos de estudo e estágio e esqueceu de me contar, pelo que está me dizendo.

Ela calou-se. Tom encarou os outros.

- Que é que estão olhando? – perguntou, suavemente.

Potter olhou para ele.

- Pega leve. Ela já é grandinha o suficiente para vir a um restaurante sem o “papai” – falou o homem, desafiadoramente. Julliet deu um gemido de desaprovação para o colega auror.

Tom estreitou os olhos.

- Devo pedir educadamente para não se meter nessa conversa de família, Potter, pois, se ainda não percebeu, você não faz parte dela – comentou, secamente.

O outro corou muito e fechou a cara, constrangido. Valia ter chegado ali só para dar aquela resposta.

- OK. Tenha sua “conversa de família”. Eu vou ao banheiro – falou o outro, tão seco quanto ele, levantando-se de sua cadeira e afastando-se para os fundos do estabelecimento.

“Ótimo”, falou Tom, contendo o sorriso e pegando o lugar vago. Julliet repreendeu-o com um olhar que ele fingiu não entender.
- Então, Riddle, como vai? – perguntou Hermione Weasley, com educação.

- Satisfeito – respondeu ele, olhando de esguelha para a filha. Julliet olhou para ele também, e, para agradar mais a situação, ela parecia segurar o riso. – E vocês?

- Um pouco frustrados. Será que não tem idéia de quem seja o “maníaco do capuz”? – disse a bruxa, casualmente, mas ele percebeu um quê de ansiedade.

- Não, sinto muito, se for o do jornal, eu ainda não descobri quem é esse camarada – respondeu ele, revirando os olhos. – Seria legal trocar umas idéias, ele parece precisar de conselhos sobre como cometer um assassinato.

- Pai! – exclamou Julliet, censurando.

Mas os outros sorriram com o horror de Julliet. Tinham certeza que ele não estava falando sério e que nem pensava em fazer isso. A filha, porém, parecia achar vergonhoso aquele comportamento.

- Desculpem por aparecer de repente. Sabem, eu não estava seguindo a Jully. Foi coincidência – esclareceu ele, calmamente.

- Tudo bem, não achamos que fosse mesmo – respondeu Rony. – A sua cara de surpresa quando nos viu…

- E, certo, eu não posso impedir que vocês andem com o Potter, mas a Julliet bem que poderia ficar longe dele, não?

- Ah, quanto a isso, receio que será impossível que não se encontrem em algum lugar. Harry é o vice-líder do Departamento agora – informou Hermione, cautelosamente. – E não há nada para acontecer com eu e Rony por perto.

Tom olhou para Julliet de modo acusador. A garota desviou os olhos dele.

- Bem, se já terminaram, podemos ir embora, se me fazem o favor. Temos que visitar o local do crime, ainda – disse uma voz às suas costas, muito mal-humorada.

Os três levantaram-se, não atrevendo a contestar Harry Potter e seu estado de espírito no momento.

- Nos vemos em casa, papai – disse a ruiva, dando um beijinho no seu rosto. – Vai chegar antes de mim, não vai?

- Já estou voltando para B.Hall – disse ele, conformado.

Ela deu um sorriso e acompanhou os amigos em direção à saída. Potter voltou para tirar do bolso uma carteira e atirar sobre a mesa uma moeda de ouro e cinco de prata. Caíra um papel de seu bolso quando colocara de volta a carteira.

- Ei, Potter, você… - Mas o outro apenas ignorou-o e foi para a porta o mais rápido possível.

Mal agradecido! Queria apenas ajudar, embora o fizesse de má vontade. Pensando em pedir para Julliet entregar no dia seguinte, ele abaixou-se perto da mesa e apanhou o papel.

O verso era branco e parecia ter sido descolado de algum lugar. Tom virou-o para ver o que era e deparou-se com uma coisa que nunca imaginara encontrar ali, no bolso de seu mais odiado inimigo, Harry Potter: uma foto.

Mas não era uma foto qualquer. A pessoa que lhe sorria feliz do outro lado daquela figura fê-lo aproximar-se mais para encarar aqueles olhos castanhos emoldurados por claras sobrancelhas. Lisos cabelos vermelhos iam até seu ombro, vestido de negro, e olhos cintilantes que observava-no de volta sobre um nariz cheio de sardas harmonizavam naquele rosto junto ao sorriso estonteante de dentes brancos. Abaixo lia-se: “Ginevra Weasley, sétimo ano. Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.”

Tom não sentiu-se mal por ver aquilo de repente. Sorriu para a foto. Como ela era bela…

Olhando para os lados, atento, levantou-se e foi em direção à porta. Antes de sair, já tinha guardado-a no bolso.


II


- Julliet – chamou uma voz autoritária. Ela levantou o rosto da palma da mão, no qual estava apoiado, despertando de um devaneio longínquo.

“Seus papéis”, disse Harry, passando-lhe um médio maço de pergaminhos.

- O que é isso? – perguntou a garota, olhando para aquilo. Já percebera que quanto mais papéis lhe entregavam, menos utilidade tinham há não ser atiçar o fogo da lareira de seu quarto.

- Os regulamentos, regras dos aurores e apostilas. A base para seus estudos que começarão na próxima segunda-feira. É bom decorar os mandamentos, geralmente são pedidos nos testes e usaremos bastante durante algumas missões, nos referindo pelo número. Tudo bem? – perguntou ele, eficiente. Estava mais profissional agora do que há algumas semanas atrás.

- Sim, claro – respondeu ela, calma, olhando para as apostilas, um pouco desanimada. – Tudo certo. Obrigada.

Harry meneou com a cabeça distraidamente e virou-se, apalpando os bolsos. Parecia distante e um pouco preocupado.

- Alguns problema, Harry? – perguntou ela gentilmente.

- Ah… não, eu só… perdi, acho, uma coisa naquele dia no restaurante. – Ele pareceu um tanto apreensivo ao dizer aquilo. Provavelmente era algo de valor.

Enquanto ele enfiava as mãos nos bolsos, passou a olhar para ela, como se desconfiasse subitamente de algo. Então ficou branco de repente, arregalando ligeiramente os olhos verdes.

- Ai… - gemeu ele, parecendo ter percebido algo terrível.

- Meu Deus, o que foi? Que há com você? – perguntou ela, mais urgentemente.

- Nada! – respondeu Harry fininho, rapidamente. Ele virou-se e saiu pela porta do QG parecendo muito perturbado.

Julliet ficou mirando a porta por um tempo, como se esperasse vê-lo voltar e se explicar, mas isso não aconteceu nunca. A garota voltou para os seus afazeres, balançando a cabeça de leve. Afinal, não tinha nada com isso.

Estivera lendo uma reportagem do jornal antes de se distrair que falava sobre o maníaco que vinha atacando pelo país durante dois meses. A situação chegara a sair do controle do Ministério.

Já participara de dois interrogatórios de vítimas, ambos sem muitas novidades gerais. O que contava mais era a experiência.

Julliet puxou suas apostilas para mais perto e abriu, para ocupar o tempo. Havia uma para cada matéria: Vigilância e Rastreamento, Esconderijos e Disfarces, Táticas de Batalha, Duelos, Defesa Pessoal, Perícia em Magia, Venenos e Antídotos, Estudo da Magia Negra e Cura. As aulas eram divididas em dias da semana no período da manhã. Às tardes das segundas, terças e quartas-feiras tinham estágio junto aos aurores experientes, enquanto às das quintas e sextas-feiras tinham aulas de Duelos e Defesa Pessoal, respectivamente. As tardes dos sábados e os domingos eram livres.

A sorte de Julliet é que tinha um pai que era um dos maiores bruxos do mundo e também líder dos Comensais da Morte, o que significava que ele fora pior que todos eles, no melhor sentido do adjetivo. E de alguma forma significava que ter um pai desses tornara-se uma dádiva divina para sua carreira. Ela tivera muita, mas muita sorte, por ter aprendido alguma coisa com ele durante todos esses anos. O que outros podiam julgar inútil provara-se muito melhor do que pensava.

Afinal, quem já sabia ler e escrever aos quatro anos de idade para poder devorar metade da biblioteca? Quem sabia aparatar e desaparatar aos oito? Quem sabia lançar perfeitamente todas as Maldições Imperdoáveis em plenos dez anos? Quem aprendia a lutar de espadas desde os seis anos? Quem sabia da maioria dos feitiços e maldições úteis antes de entrar na escola? Com certeza sua criação não fora normal, assim como a dos irmãos. E agora, vendo que tudo que tinha que aprender naqueles três anos era basicamente o que aprendia em casa, agradeceu por ser quem era: Julliet Riddle, filha de Lord Voldemort.

Perdera a noção do tempo enquanto pensava. Ouviu soar muito distante a campainha para o término do expediente, e acordou de suas vagas memórias. Pegou suas coisas, colocou na sua bolsa e saiu, indo encontrar os tios no corredor.

- Hum, preparada para os estudos? – perguntou Hermione, com um sorriso maroto, mas tinha um tom de voz aprovador. Tinha os olhos na sua bolsa estufada de material para estudo.

- Praticamente formada – respondeu a garota, confiante, abrindo um grande sorriso. – Andei folheando as matérias e descobri que há muito pouco à aprender esse ano. As paranóias do Sr. Tom Riddle parecem ter revelado alguma utilidade… - comentou, lentamente.

Rony e Hermione trocaram breves olhares de riso.

- Que bom pra você, Julliet. Prova que as loucuras de seu pai têm fundamento. Ainda me lembro de chegar um dia em sua casa e me deparar com Rick e Dylan se matando de cansaço para fazer uma trilha interminável de velas se acenderem, sem a varinha. E seu pai lá, fiscalizando o trabalho. Deviam ter oito ou nove anos, mais ou menos. Ninguém com essa idade tem capacidade para tanto – exasperou-se Hermione, parecendo indignada.

Julliet sorriu, cúmplice.

- Exercícios de concentração – explicou ela, achando graça. – Todos têm capacidade para fazer as velas se acenderem. Geralmente meu pai conseguia nos passar as lições. Se não nos concentrássemos durante a lição que ele estava passando, tinha que fazer as velas se acenderem e ele não deixava comer até que conseguíssemos. Na minha primeira vez durou um dia inteiro. Richard conseguiu em doze horas, ele sempre foi bem esperto; Erika fez em vinte horas; à Dylan custou dois dias e três horas, foi o que me disseram.

Rony e Hermione pareceram mais espantados que antes, o que fez ela sorrir de indignação.

- Não é o que parecem. Trabalha o poder, sabe, você se sente bem melhor depois de conseguir, e nem é porque vai comer. Também adiciona aos seus poderes a capacidade de acender luzes sem varinha e a mover pequenos objetos. Também é útil para incinerar pessoas que tentam vir pelas costas aprontar alguma – completou ela, com um olhar travesso.

- Você não faz isso! – exasperou-se Rony, espantado.

- Claro que não – riu-se ela. – Foi só um dos exemplos que ele deu, ainda não tive a oportunidade de testar.

Os tios trocaram olhares nervosos.

- Mas ele não foi somente esse tirano que vocês pensam. Praticamos exercícios de lógica desde quando aprendemos a ler e isso foi realmente muito bom para todos nós. É só ver nossa reputação. E veja papai: ele pode ter sido o maior filho da mãe da história, mas é inteligente. Isso é o que importa. Calculo que ele poderia ter sido ministro da Magia se não tivesse feito aquelas coisas e se comportado como um cidadão decente.

Os dois olharam para ela, parecendo considerar seu ponto de vista.

- Entendemos o que você quer dizer. Está querendo dizer que todos os sacrifícios que seu pai os obriga a cumprir são úteis para a vida. Claro que vocês são inteligentes, Julliet, não estou negando isso – apressou-se Hermione em dizer -, mas acho que algumas coisas são dispensáveis. Vocês mais trabalharam do que se divertiram na infância de vocês. Tiveram que crescer muito depressa.

A garota desviou os olhos da tia. O que ela dissera não fora besteira, realmente…

- Apesar de eu ter crescido muito depressa, eu vou poder usar o que aprendi agora. E fui muito feliz todos esses anos, mesmo não tendo mãe. Eu realmente gosto do meu pai, acredito que tudo que ele fizer vai ser para meu bem – afirmou ela, convencida.

- Não estamos duvidando disso – disse Rony, calmamente. – Nós sabemos melhor que ninguém que ele te adora tanto quanto sua mãe. Ele nunca faria algo que te prejudicasse, Jully. Ele te ama mais do qualquer um, dá pra ver isso no jeito como ele te protege.

- Eu gostaria que ele não fizesse isso – falou, baixinho, olhando para o chão enquanto se misturavam à multidão do átrio ao saírem do elevador. – Erika tem ciúmes.

Os tios não disseram nada. Havia, porém, muitas pessoas ali para que dissessem algo sobre a família de Julliet, ou mesmo para que ela escutasse se dissessem. O fim do expediente era geralmente muito barulhento.

- Nos vemos segunda – disse a garota em voz alta, acenando para os tios que rumavam lentamente para outro lado.

Dizendo isso, desaparatou.

Reapareceu no saguão de Basilisk Hall. Se concentrava para aparatar em seu quarto diretamente, mas ouviu um estalinho e Richard apareceu ao seu lado.

- Oi Jully – disse ele brevemente, olhando ao redor. – Sexta-feira.

- Pois é – respondeu a ruiva, olhando admirada para o irmão. – Pensei que fosse ficar até mais tarde no Ministério. Ouvi dizer que haveria uma reunião com os chefes e sub-chefes dos departamentos.

- Ah, e vai – confirmou ele, com seriedade. - Mandei Roberts me representar. Ellen ameaçou se divorciar se eu não chegasse em casa cedo esse fim de semana. – Seus olhos se estreitaram, como se sua vontade fosse contrária ao que estava fazendo, mas que havia coisas mais importantes em jogo.

Julliet sabia bem o quanto aquilo era importante para o irmão. Prezava tanto o trabalho quanto a mulher que tinha, sabia que amava Ellen demais. Devia estar sendo uma decisão difícil.

- Fez uma boa escolha, Richard – falou ela, serenamente. – Sentimos sua falta nos jantares.

O irmão voltou os olhos para ela e dirigiu-lhe um pequeno sorriso. Pareceu muito satisfeito de ouvir aquilo.

- Vendo você falar assim, parece até a mamãe – falou com sinceridade. – Obrigado, Jully. Eu estava precisando ouvir isso. – Deu-lhe um beijo no rosto e virou-se para o arco da Ala Leste.

Julliet sentiu-se feliz consigo mesma. Gostava de fazer os outros se sentirem melhor. Mesmo que Richard tivesse dito que se parecera com sua mãe, sentira uma certa pontada de orgulho lá no fundo. Uma mãe era quem consolava e aconselhava nos momentos difíceis, e se Richard estava considerando-a como uma segunda mãe, talvez não fosse tão diferente de Ginevra Weasley quanto estava pensando.

Esquecera-se de aparatar para o quarto. Sua cabeça estava tão cheia de pensamentos bons que não se lembrara de se concentrar. Subia as escadas normalmente, mal se importando com o peso dos cadernos na bolsa. Lembrou-se que provavelmente precisaria de uma mochila dali para frente.

Despejou as coisas sobre sua cama e foi tomar um banho quente. Era tudo o que precisava depois de uma sexta-feira desinteressante de trabalho.

Estava louca para sair a serviço com Harry e os tios, mas isso provavelmente não aconteceria até terminar os três anos de treinamento. Teria que se contentar em achar as aulas interessantes, ou agüentar três anos de tédio até se profissionalizar na área. Ainda tinha o fato que era novata e o trio inseparável eram os melhores aurores que o Ministério tinham.

Mas, se dependesse dela… Queria poder desvendar um mistério muito grande, capturar alguém muito importante e se tornar independente. Uma bruxa de sucesso, à quem as pessoas recorreriam quando houvesse algo grave… Aquela pessoa quem não deixa passar uma.

Teria que se esforçar. Seu sonho não era tão impossível. Harry era a lenda viva do momento. Era possível ser como ele…

Saiu do banho. Chegara a conclusão de que pensava demais. Vestiu-se e sentou-se na cama, olhando ao redor. Trevas pulou no seu colo e ficou esperando que ela fizesse carinho na sua cabeça, o que ela fez distraída.

De repente deu-se conta que fora naquele quarto que Gina Weasley vivera por dois anos. Eram insignificantes se comparado aos outros anos em que vivera com seu pai no outro quarto, mas ainda sim, pertencera a ela. Às vezes sentia como se estivesse sendo observada, quando o castelo estava silencioso, de manhã ou na calada da noite. Parecia compartilhar aquele lugar com uma presença diferente das outras. Seria sua mãe, ali, rondando, vigiando? Ou seria meramente a impressão que dava os objetos e algumas das roupas que ainda permaneciam ali? A roupa de cama, as tapeçarias, os dosséis, os tapetes? Uma essência quase imperceptível deixada ali durante a vida de sua mãe?

Ela não sabia se era somente ela quem sentia aquilo. Não convivera realmente com sua mãe para conhecê-la bem e obviamente não conseguiria saber… Mas sentia, e sabia uma coisa: fosse o que fosse, não lhe queria mal ou já teria o feito. Ela não tinha medo. Sentia aquela presença desde quando se entendia por gente.

Seus olhos pousaram no seu material de estudos. Ah, realmente não tinha nada melhor para fazer no momento. Deitou-se de barriga na cama, tirou as apostilas da bolsa e começou a ler. O gato subiu nas suas costas e ficou brincando com seu cabelo enquanto ela estudava.

Tentou decorar as regras, que Harry dissera ser útil, e também anotara em um bloco de notas as coisas que já sabia fazer, folheando as matérias do ano todo. Confirmara o que já esperava e viu que sabia fazer a maior parte da matéria. Havia espadas no terceiro bimestre em Defesa Pessoal, considerada a matéria mais difícil pelo livro-texto. Sabia fazer três quartos das lições do ano todo de Perícia em Magia e duvidava que houvesse alguma coisa que já não tinha visto em Estudo da Magia Negra – não havia quem entendesse mais do assunto que seu pai. A única coisa em que pecava era Cura, que não sabia muita coisa. Curiosamente Magia Branca não vinha inclusa no pacote de ensinamentos de Tom Riddle. Perguntaria por que quando se encontrassem no hoje no jantar.

Bateram na porta ao mesmo instante em que Trevas dava uma mordida na sua orelha enquanto brincava. Fazendo cara feia para o bicho de estimação, Julliet levantou-se, indo calçar suas botas, e foi atender a porta.

- Vai descer para o jantar?

- Claro. Obrigada por me esperar – disse, sorrindo.

- De nada. Moramos no mesmo corredor – respondeu Tom, devolvendo o sorriso enquanto ela fechava a porta às suas costas.

- Por que será? – indagou ela sarcasticamente.

- Não sei, foi você quem escolheu o quarto – falou o outro, dando ombros.

- É? Achei bom te vigiar de perto – respondeu ela, os olhos faiscando.

Tom ergueu uma sobrancelha.

- Hum, devia confiar mais no seu pai e menos no Dylan. Se alguém merece ser vigiado, é ele – falou, dignamente.

- Hum-hum – fez ela, distraída. – Escuta, mudando de assunto, por que nunca nos ensinou Magia Branca?

Ele não respondeu de imediato, Parecia pensar na resposta.

- Ah, bem, para falar a verdade eu não me dou muito bem com essa área – esclareceu ele. – Por que pergunta?

- É que vou aprender Cura esse ano, é uma das matérias dos aurores, e vi que é a única coisa que eu não faça idéia de como seja em nove matérias – falou ela, pensativa.

- Ham… Magia Branca não é difícil, esse é o problema. É tão fácil que nunca consegui me concentrar para essas coisas. Também era dispensável para a carreira que escolhi.

- Entendo – fez ela, olhando de esguelha. Certamente que poderia considerar aquilo engraçado: o poderoso Voldemort não conseguia realmente fazer coisas fáceis; devia fazer de tudo para não se machucar, porque se acontecesse, morreria como um trouxa.

Ele estacou de repente no meio do corredor. Julliet parou, surpresa, e olhou para o pai, que olhava para uma tapeçaria fixamente, os olhos ligeiramente arregalados.

Ela olhou para onde ele estava olhando. Não viu nada de estranho. Tornou a olhar para ele. Tom estava mesmo mais pálido do que o normal.

- Também está sentindo que estamos sendo observados? – perguntou ele, numa voz baixa e estranha sem desviar os olhos para ela. Julliet continuou encarando-o, sem saber o que responder.

Ele moveu minimamente o olhar, como se temesse fazer movimentos bruscos. Aos poucos, foi virando a cabeça para olhar às costas.

- Er… ‘Ta tudo bem com você, pai? – perguntou, preocupada, adiantando-se alguns pequenos paços receosos.

- Sim… Eu acho – disse ele, ainda espreitando o fim do corredor escuro. Ele então olhou para ela e pareceu despertar de uma fantasia repentinamente. Pareceu um tanto desconcertado. – Vamos sair daqui logo – completou, baixinho.

- Vamos – disse ela, rapidamente, dando a mão para ele. Tom não recusou o gesto, e desceram as escadas de mãos dadas.

Era estranho a expressão receosa dos rostos deles, como se temessem algo. Julliet começava a sentir uma pontada de medo daquilo tudo. Olhou timidamente para o pai; ele estaria ali para protegê-la de que quer que fosse, e ela para ele.

A garota temia pensar nisso, mas acabara de descobrir que não era a única que sentia-se observada naquele castelo.



Acordou cedo com o sol batendo em seus olhos, por frestas que entravam pela vidraça do banheiro.

Julliet sentou-se, esfregando os olhos. Trevas, o gato, ergueu a cabeça de seu lugar perto dos pés da garota e piscou os olhos amarelos para ela. Logo se desenroscou e espreguiçou largamente, ronronando.

Ela desceu da cama para ir fazer sua higiene matinal e deixou o gato pular e esperar perto da porta. Estava pronta alguns minutos depois, com uma simples bata branca de algodão e saia longa de linho. Ela e Trevas desceram as escadas até o térreo para ir tomar café da manhã.

Havia gente rindo de vozes que vinham da escadaria da Ala Norte. Julliet desacelerou o passo para ver quem estava fazendo aquela algazarra e viu Erika e Dylan vindo às gargalhadas. Estranhou; Erika raramente abria um sorriso, quanto mais gargalhar em público.

- Posso saber por que estão rindo tanto? – indagou ela, com ar de suspeita, as mãos na cintura. Os irmãos olharam-na ainda sorrindo.

- Er… Uma longa história – falou Erika, agora tomando um ar digno.

- É – concordou Dylan, mas este sorrindo maldosamente ao deixa-se atrasar um passo da irmã. – Mas Erika, ainda tem uma no seu cabelo! – disse ele de repente, dando um peteleco na orelha dela.

- Ai, pára, pára, seu besta – disse a outra, tentando acertá-lo com tapas, enquanto este se esquivava às risadas. Erika acabou por se render e deixar-se rir também.

- Vão me contar o que está acontecendo? – perguntou Julliet, divertindo-se sem nem saber porque. Trevas sentara-se ao seu lado e assistia aos dois com um olhar de superioridade.

- Certo. Sabe aquele armário no terceiro andar? – perguntou Dylan, apontando com o polegar para a escada Norte. Julliet confirmou com a cabeça. – É que ele está cheio de baratas. Foi Erika quem abriu – completou ele com um sorriso travesso.

A ruiva segurou o riso. A coisa que Erika mais temia nessa vida eram baratas, e pela cara que ela fazia agora Julliet podia notar que quando Dylan dissera “cheio”, não estava usando nenhuma figura de linguagem.

- Esse idiota ficou chutando baratas em mim – disse Erika, dando uma volta no fim do corrimão. Sua expressão era de nojo e perplexidade. – Nunca vi tantas. Me salvei antes que fosse o fim – falou ela, estremecendo.

- Tradução: ela saiu correndo escada abaixo gritando feito louca. – Dylan fez uma imitação de Erika correndo na ponta dos pés e gritando sem voz. A irmã deu uma risada pelo nariz. Julliet riu também quando ele escorregou no último degrau e bateu o bumbum no chão duro.

- Ai – fez ele, depois de um tempo, enquanto as duas voluntariavam-se para levantá-lo. Elas começaram a rir de novo; Dylan ficava ainda mais engraçado quando a expressão idiota no rosto era genuína.

- Verdade, Jully, estou dizendo – falava Erika, com ar sério, depois de um tempo quando cruzavam o arco do Salão de Refeições. – Devia ter mais de mil, todas andando e voando… - ela estremeceu. – Foi horrível.

- É, foi sim. Até eu que não me importo achei a invasão de mal gosto. Se tiver mais ninhos como aquele vamos ter que interditar o andar – dizia Dylan, sério. – À não ser que alguém cuide do encargo de detoná-las. Alguém como… o pai, por exemplo – falou ele, a expressão de seu rosto iluminando-se de repente.

Haviam acabado de cruzar entrar no salão e o olhar do irmão se pousara no pai. Este levantou a cabeça ao ouvirem se referir à ele e ficou olhando como se esperasse que alguém explicasse o que estavam falando dele.

- Baratas – disse Dylan, encarando-o de volta com sarcasmo. – Milhares – falou, gesticulando, enquanto as duas davam risadinhas às suas costas. – Milhares e milhares de baratas feias e cascudas. – As pessoas na mesa olhavam-no com olhares estranhos, sem saber o que pensar.

- E? – indagou Tom, erguendo as sobrancelhas. – Que é que eu tenho a ver com isso?

- Você! – disse ele em voz alta, apontando ameaçadoramente, fazendo todos no salão se sobressaltarem. – Você vai acabar com elas! Vai praticar tiro ao alvo hoje com grandes baratas da Ala Norte.

Fez-se silêncio à essas palavras assim que foram ditas. No instante seguinte, porém, estavam todos rindo. Ninguém parecia fazer realmente idéia do que ele estava falando. Julliet sentiu até faltar fôlego de tanto que riu. Erika agarrou seu pescoço para não cair no chão e as duas ficaram rindo às gargalhadas junto com o resto das pessoas. O pai mirava Dylan com um misto de incredulidade e desprezo e não parecia com vontade de rir do tom ligeiramente retardado que o filho se dirigira à ele.

- Lamentável – disse Tom, friamente, numa voz baixa. – Suponho que não tenha “baratas” na comida, então, porque não se sentam e tomam seus cafés da manhã? – retrucou ele, mais cínico que Dylan.

As pessoas também riram daquela resposta. Os três tomaram lugares na mesa, Dylan ligeiramente envergonhado, mas todos divertindo-se.

Julliet colocou leite num pires para Trevas e concentrou-se na sua refeição pelo menos nos próximos dez minutos. Pegava as partes do jornal que seu pai já lera e ficava se entretendo. Era um cargo importante ser auror, devia estar informada sempre.

Os cafés da manhã em Basilisk Hall eram geralmente bem animados. Dylan sempre cuidava para que fosse um espetáculo diário. E precisava-se estar bem desperto para tomar café com ele, já que se não estivesse poderia cair em alguma das brincadeiras, e isso atrasaria o dia todo. Era um ótimo meio para perder o sono, sabendo-se que ele não perdoava ninguém.

- Vai ter treino hoje, Dylan? – perguntou Julliet, distraidamente, para poupar Ashley da gozação do irmão. A moça já estava ficando desconcertada.

- Jully, o trabalho está avariando seu cérebro? – perguntou ele, virando-se para ela. – Hoje é sábado. Dylan Riddle não treina sábado – completou ele, com um sorriso travesso.

- Não – disse Richard, num tom de descaso, enquanto servia açúcar no seu café. – Dylan Riddle fica atazanando as pobres pessoas que moram na mesma casa que ele…

Houveram alguma risadinhas com a cara que Dylan fez. Geralmente Rick era o motivo das risadas, não o causador do motivo delas. Este olhou para o irmão mais novo e deu um sorriso de vitória.

Tom não demonstrava sinal de divertimento naquela conversa. Levantou-se bem quieto e estava quase esgueirando-se para fora do salão quando Dylan deu um berro:

- Onde o senhor pensa que vai? – perguntou o irmão, numa voz que dava a entender que invertia suas funções de pai e filho.

- Aonde eu vou não é da sua conta – sibilou ele em resposta, sem se virar.

Aquele tom podia intimidar qualquer um, menos Dylan. Este pigarreou e disse numa voz autoritária:

- Você vai dar uma olhada naquelas baratas, e depois vai tomar um chá com nossas hóspedes – terminou ele, como se fosse óbvio, enquanto Ashley lançava-lhe um olhar espantado e Susan encolhia-se para debaixo da mesa, a cara vermelha como um tomate. Todos faziam um silêncio enorme, ouvindo a conversa.

Julliet viu o pai virar-se com um sorrisinho torto.

- É a segunda vez em quarenta minutos que tenta me fazer de idiota, Dylan. Será que vou ter que ser direto e dizer que não estou para brincadeira hoje? – falou, suavemente, numa voz que fez todos se arrepiarem.

O sorriso bobo de Dylan esvaeceu um pouco, mas não desapareceu completamente. Julliet sabia que o que o irmão tinha de mais persistente era a insistência, mas temia que este fosse longe demais. Até Erika olhava apreensiva.

No fundo todos sabiam que quando Tom Riddle ficava quieto e rude daquele jeito, era porque estava com muita saudade de Gina. Sempre saia do castelo cedo e voltava apenas à tarde. Julliet o pegara uma vez, quando resolvera ir procurá-lo num de seus sumiços. Vira o cavalo negro que ele costumava montar preso à uma árvore. A mureta de pedras sujas de musgo indicava que estavam perto do cemitério. Desmontou seu cavalo e debruçou-se, e viu.

Seu pai estava de costas para ela, parado, em pé de frente para uma sepultura. Ela não via a expressão no seu rosto, mas não devia ser das melhores. Era o túmulo de sua mãe que ele estava olhando. Enquanto ela observava, mal respirando com medo de fazer barulho, ele aproximou-se e tocou o mármore com a mão. Ainda estava assim quando ela resolveu ir embora, como se pudesse sentir alguma coisa ali. Julliet não se virou para ver se ele ouvira o arrancar de seu cavalo, nem tinha coragem para isso. Percebera que era algo muito secreto o que presenciara e que certamente ele não gostaria de saber que ela estivera ali. Tinha quinze anos quando vira aquilo.

Ela olhou bem para seu pai. Talvez matar umas baratas pudesse ser mais divertido do que ficar remoendo lembranças da mulher que ele amava. É, era uma possibilidade. Seria bom que desse certo.

- Papai, não vai ficar com mau-humor logo hoje, que eu tenho o dia livre para ficar em casa, não é? – arriscou, com aquele olhar de coitadinha que só ela conseguia fazer. – Pensei que pudéssemos fazer alguma coisa juntos, em família…

Ele ficou olhando para ela um longo tempo, calado. Julliet já perdia as esperanças de seu plano dar certo quando ele forçou um sorriso que parecia considerar gentil.

- OK, você venceu. O que sugere que façamos “em família”? – disse ele, conformado.

Ela sorriu. Conseguira! Sabia que ele não resistiria àquele olhar pidão.

Julliet levantou-se, seguida por Dylan e Erika. Trevas corria perto de seu calcanhar. O pai olhava-a com um olhar desafiador do arco do salão, como se perguntando em silêncio qual a saída dela para aquilo tudo. Julliet sorriu em resposta um belo sorriso de quem aceita o desafio.

Literalmente arrastaram-no até o terceiro andar da Ala Norte, citando motivos para que acompanhassem-nos à execução das baratas. Julliet e Erika seguravam cada um de seus braços, para impedir que fugisse, mas agora ele deixava-se levar, resignado com a situação.

Pararam em frente à um antigo armário de ébano do corredor Norte do terceiro andar. Ele estava vibrando estranhamente. Erika havia parado alguns metros atrás, receosa de ser pega por outro ataque de baratas. Dylan olhava ao redor.

- Não é possível que todas elas tenham voltado para o armário – disse ele, perplexo. – Haviam milhares e milhares voando para todo lado.

- As baratinhas adestradas de Basilisk Hall – ironizou Tom, calmamente, olhando para o móvel com um olhar malicioso. Julliet riu.

- Ah, já que está tão confiante, porque não tenta abrir o armário? Vai em frente, abre – disse Dylan com voz de quem não havia gostado do comentário. – Vai lá, Lord Voldemort

O irmão recuou vários passos quando o pai fez questão de levantar a mão para o puxador. Julliet, visando o senso de juízo, também deu alguns passos atrás. Erika continuava à metros de onde estavam.

Fez-se um longo silêncio, então Tom colocou a mão na maçaneta. Ele fez questão de fazer suspense antes de abrir, fazendo todos esperarem receosos.

Então ele baixou a mão ao mesmo tempo que abria a maçaneta. Deu alguns passos para trás, automaticamente, mas nenhuma barata saiu voando.

Ao invés disso, constatou Julliet com crescente espanto, lustrosos sapatos caminharam para fora do móvel. Tom arregalou os olhos. Um homem acabara de sair do armário, e ajeitava a roupa calmamente, como se não houvesse feito nada de estranho.

- Você! – sussurrou Tom, numa voz meio estrangulada de terror. Tinha os olhos cinzas fixos e arregalados na pessoa que acabara de aparecer no corredor.

Julliet olhou para aquele estranho. Tinha cabelos castanhos escuros bem penteados e olhos da mesma cor, frios, pelos qual correu pelo corredor com ar de superioridade. Usava roupas de um trouxa de elite e tinha mais ou menos a mesma altura de seu pai. Aliás, apesar de aparentar mais idade e algumas nítidas diferenças, alguns traços eram estranhamente semelhantes…

O trouxa pousou os olhos em Tom e abriu um sorriso cínico.

- Ah, é você – falou, numa voz que revelava desprezo. – Eu devia imaginar…

Julliet viu a mão do pai ir rapidamente em direção a varinha, no bolso da capa. Voltou os olhos para o estranho. Que perigo podia proporcionar aquele trouxa, por mais arrogante que parecesse?

- Quem foi que lhe mandou aqui? Aquela maldita compactuada com o demônio, não foi? Aquela idiota… - dizia maldosamente o estranho, os olhos fixos em Tom, que tinha os dentes cerrados de ódio. – Mandou o monstrenguinho para tentar me extorquir dinheiro, não é? Mas vai perder seu tempo, rapaz…

Julliet olhava com os olhos arregalados aquela cena pouco casual, e voltou os olhos para os irmãos para ver o que eles estavam entendendo. Não muito mais do que ela, foi o que constatou – Dylan olhou para Julliet, fazendo um gesto de desentendimento completo, meio assustado, com as mãos e Erika tinha os grandes olhos fixos no pai, que parecia mais perplexo do que todos.

- Ah, me esqueci – continuou o trouxa, os olhos agora faiscando de malícia, a voz suave, como se sentisse muito prazer em dizer aquilo. – Ela morreu, não foi? A bruxa da sua mãe foi conhecer o demônio em pessoa. E onde é que você esteve todo esse tempo? Numa escola de feitiçaria aprendendo a convocar suas “criaturas do inferno”? E agora veio vingar a honra de sua inocente mamãezinha…?

Havia tanto cinismo na voz desse homem que Julliet sentiu náuseas. Do que é que ele estava falando?

Tom semicerrara os olhos perigosamente.

- Não. Estive num orfanato trouxa e imundo que nem ao meu pai, tão bondoso que nunca foi me buscar – rosnou ele, numa expressão de profundo ódio.

Julliet arfou. Então era isso? Então aquele… aquele homem horrível era seu avô?

O homem deu uma risada fria. Tom recuou um passo, pálido de cólera; sua mão direita continuava em posição de alerta, segurando o cabo da varinha. O outro então terminou de rir, voltou a passar os olhos outra vez ao redor, mas agora detendo-se no rosto de cada um.

- Veja, eu tenho netos – disse, cinicamente, para si mesmo. Seus olhos passaram por Dylan, em Erika e por fim em Julliet. Alargou o sorriso maldoso ao encontrar o olhar dela.

“Essa não puxou seu lado da família, não é? Deve ter puxado a mãe, quem quer que seja essa vadia que tenha tido o esforço de se deitar com você”, dizia o trouxa, aproximando-se alguns passos.

Julliet mal teve tempo de sentir-se ofendida com aquilo.

- CALE ESSA BOCA, SEU CRETINO DEPRAVADO! NÃO TE DEI PERMISSÃO PARA FALAR DA MINHA MULHER COMO FALAVA COM MINHA MÃE! – gritou seu pai, parecendo tomado de ira tão intensa que Julliet chegou a tremer de medo. Agora apontava a varinha diretamente para o homem, que conseguia ainda manter seu ar debochado.

- Também não te dei permissão para gritar comigo, seu bastardinho metido à esperto – falou o outro, num tom tão calmo que até Julliet sentiu a raiva crescer.

Ainda que o homem permanecesse impassível, Tom começava a irradiar uma aura negra de modo que a garota nunca presenciara nada igual antes. Seu ódio era tão violento que todos podiam sentir. Havia um brilho avermelhado e maligno nos olhos dele, Julliet não sabia como o trouxa continuava encarando com tamanha audácia.

- Parece que vai me dar o prazer de te matar novamente, odiado pai – sibilou Tom, depois de um tempo, numa voz suave. Parecia ter recuperado a razão durante os segundos de silêncio. Endireitara-se. Corria os olhos do rosto maldoso do pai ao armário às contas deste, parecendo compreender algo repentinamente.

- Não tenho medo de você, odiado filho – disso o homem, mais frio do que nunca.

“Resposta errada, papai’, disse Tom calmamente. “Riddikulus.”

A garota e os irmãos deram um passo atrás. O homem não dera sinal imediato de que fora atingido por algum feitiço. Seu olhar tomou um ar de superioridade insuportável, mas quase instantaneamente depois disso – Julliet demorou a perceber -, muito vagarosamente, um fino filete de sangue começou a escorrer pelo seu nariz.

Ele não percebeu de imediato. Quando o fez, o vermelho agora passara por cima de sua boca, fora para limpar e olhar a mão, uma expressão surpresa estampando-se no rosto. Tentava estancar o sangue, em vão. Um olhar no sorriso satisfeito de Tom fora o suficiente para fazê-lo empalidecer e se preocupar.

O que mais assustava Julliet não era todo aquele sangue, mas o olhar fixo e ansiosamente exultante de seu pai, quieto no homem, parecendo curtir o repentino desespero daquele mais do que tudo, como se assistisse à um espetáculo extremamente agradável.

Julliet tornou a olhar para o outro. Ele agora levara as mãos à garganta, como se estivesse sufocando. Começou a tossir, espirrando sangue para todo lado. Seus joelhos então cederam e este caiu no chão, tendo horríveis convulsões, sufocando e se debatendo.

A garota estava achando aquilo terrivelmente monstruoso, mas foi antes de seu pai começar a rir. Foi uma risada fria e terrível que fez os cabelos dela arrepiarem. Julliet nunca vira o pai agir daquele modo, e logo sentia medo de ter sido a responsável por trazê-lo ali.

Foi por alguns milésimos de segundo que ela viu. Arregalou os olhos. A aura negra que se formava ao redor dele agora se misturava com uma estranha luz roxa na altura de seu peito. No instante seguinte via uma longa mecha de cabelos negros que se soltara sobre a luz. Espantada, levantou os olhos para o rosto dele, e via alguém, estranho, rindo, com longos cabelos que iam até os ombros…

Ele pareceu ter percebido. A estranha visão durou apenas alguns segundos. Julliet viu-o abrir os olhos, vermelhos como dois rubis e, ao mesmo tempo em que o bicho-papão virava fumaça ele parava de rir, um sorriso ainda brincando nos seus lábios finos, novamente ele mesmo, a aparência completamente normal.

Enquanto os três olhavam pálidos e espantados para a cena, o sorriso assassino que dava Tom se transformou num trejeito de nojo. Levantou os olhos negros e frios para cada um dos filhos e comentou, friamente:

- Ha, ha, ha. – O cinismo em sua voz chegava a ser irritante. – Brincadeira de muito bom gosto, essa. Suponho que queiram rir agora, foi muito divertido, não acham?

Fez-se um silêncio tenso por alguns segundos. Tom endireitou-se e virou, dando enfurecidos passos apressado em direção à escada para o segundo andar.

- Nós não sabíamos que era um bicho-papão – disse Erika, intimidada. – Desculpe…

- O que qualquer idiota perceberia! Baratas, Erika! Abrir um armário e receber um dilúvio das coisas que mais odeia! Vocês me admiram…! – dizia o pai, sem se virar, sua voz furiosa ecoando pelo corredor.

- Caraca, foi mal, nem todo mundo é sangue-frio que nem você, cara – disse Dylan, num tom defensivo e apreensivo que não cominava com ele. Isso provava a gravidade do que acabaram de presenciar.

- DANEM-SE! ME DEIXEM EM PAZ! – berrou o pai, enfurecido. Todos se encolheram e não ousaram se entreolhar ou trocar qualquer palavra até que ele e seus passos tivessem desaparecido de vista.

Ficaram mais um tempo calados, ainda chocados o suficiente para comentarem alguma coisa. Até Erika parecia mais pálida do que o de costume. Julliet sentia-se mal; nunca imaginara que o maior medo de seu pai pudesse ser algo tão pouco sólido, tão psicológico… Nem queria imaginar quais as outras coisas que ele temia. Essa já fora aterrorizante o suficiente…

- Vocês viram o que aconteceu com ele enquanto estava rindo? – perguntou Dylan, numa voz baixa e meio temerosa.
- Eu vi – disse Erika, trêmula. – O que foi aquilo?

Ninguém respondeu.

- Acham… acham que ele está escondendo alguma coisa da gente? – perguntou a garota, depois de mais um momento de silêncio.

- Acho.

- Eu também.

- Deve ser algo ilegal – sugeriu Erika.

- Ele nunca se importou com o que fosse legal ou ilegal para deixar que a gente ficasse sabendo – falou Julliet, ainda olhando para a parede do fim do corredor, sem sequer vê-la. – É alguma coisa que ele quer manter em segredo – disse, sem pensar direito nas palavras.

- A-algum poder especial? Ou alguma arma? – arriscou Dylan, a voz falha.

- Não sei… - respondeu Julliet pensativa.

“Provavelmente o segredo de sua poção da juventude”, completou, baixinha, para si mesma.

Os irmãos não entenderam do que ela estava falando.


III


Manhã de sábado n’A Toca.

Harry Potter se unira à família Weasley para o café da manhã, e agora estavam todos reunidos conversando na sala. Harry contava detalhadamente uma de suas famosas capturas enquanto estivera no exterior. Todos ouviam admirados.

- …foi quando ele me cortou com um pedaço de vidro – disse ele, mostrando uma cicatriz de cinco centímetros no braço, enquanto andava circulando a sala. – Mas eu apontei minha varinha por cima do ombro e consegui paralisá-lo com um Impedimenta. Sulink ainda resistiu antes de eu estuporá-lo, deu bastante trabalho, este… Ele tinha levado dementadores; eu não teria conseguido enfrentar todos eles se os outros não tivessem chegado à tempo.

- Sempre modesto – disse Hermione, com um sorriso acusador. Estava ouvindo a história encostada no ombro de Rony.

Harry abanou a mão, dispensando o comentário. Mas no fundo gostara de ouvir isto.

- Dementadores não são nada para você, cara – falou Rony, dando continuidade à opinião da esposa.

- Claro que não – completou Fred, que assistia à narrativa com os pés sobre a mesa. – Me lembro até hoje daquele Patrono que você lançou no Malfoy na nossa partida de quadribol contra Corvinal no meu quinto ano. Mano, o cara deve ter se molhado de medo – disse, sorrindo com gosto.

Harry também sorriu. Aquela lembrança certamente era prazerosa. Seu terceiro ano na escola fora sem dúvida um dos melhores de sua vida. Descobrira tantas coisas boas, fizera dois grandes e eternos amigos, ganhara a Taça de Quadribol, derrotara Draco…

E falando em Draco, gostava de lembrar que este estava preso e esquecido em Azkaban. Depois da loucura que dera nele à anos atrás, era melhor que estivesse assim mesmo. Não queria nem imaginar o caos que seria se mais um psicopata estivesse à solto, se escondendo por aí. O mundo já estava cheio deles.

- Vocês falando do Malfoy parece que foi assim muito divertido – interrompeu Rony, dando risadinhas. – Mas vocês não chegaram a invadir a festa dos Comensais da Morte, há anos atrás. O Harry lançou um Patrono adivinha em quem?

- No nosso amigo “matador”? – disse Jorge, com incredulidade, mas querendo rir.

- Não estão falando do meu pai, estão? – disse uma voz, às costas de Harry, que sucedeu um estalido quase inaudível.

Ele virou-se, surpreso. Julliet aparecera no meio do corredor.

A moça sorriu para todos, colocou sua bolsa sobre a mesinha de canto e cumprimentou todos informalmente.

- Olá, Harry. Que faz aqui tão cedo? – perguntou ela, sentando-se num lugar vago do sofá.

- Vim tomar café com meus melhores amigos – respondeu ele, na voz mais calma que conseguiu achar.

- Não parece estar com uma cara muito boa, querida – disse Molly, que aparecera da cozinha ao ouvir a voz da neta. – Parece meio triste.

A garota lançou um olhar surpreso à avó.

- Andou tendo aulas de Legilimancia, foi?

- Não, ela sempre foi assim – disse Fred, de qualquer jeito no sofá.

- Desde quando éramos pequeninos – complementou Jorge, indicando uma altura com a mão.

- Que bom, não? – disse Molly, os olhos faiscando em direção aos dois. – Julliet? – Ela voltara a olhar para a garota.

- Hum… acabou de acontecer uma coisa horrível e papai desapareceu. E foi minha culpa – disse ela, apoiando o rosto no braço com um ar aborrecido. Todos olharam estupefatos para ela com aquela notícia. Ela passou os olhos por eles e deu um sorrisinho fraco. – Não se preocupem, ele volta. Ele costuma fazer isso de vez em quando.

- Me preocupar? – disse Harry, baixinho, para Rony e Hermione. – Eu estava quase dando vivas.

Os dois abafaram risinhos, mas Julliet lançou a ele um olhar curioso que indicava que ela ouvira perfeitamente o que ele dissera.

- Não tiro sua razão – falou ela, aparentando mais calma do que ele. – Afinal, depois de tudo aquilo… - Ele sentiu os olhos dela passarem rapidamente pela sua cicatriz. – Mas depois do que eu vi hoje… - Ela deu um suspiro.

- O quê? – perguntaram Rony, Fred e Harry ao mesmo tempo.

- Não acho que eu deva comentar isso – disse ela com firmeza.

Fez-se um silêncio momentâneo, ao mesmo tempo em que eram audíveis passos descendo as escadas. Demeter apareceu no hall, olhando confuso para aquele tanto incomum de gente na sala de sua casa. Pelo cabelo amassado dava a entender que acabara de acordar.

- Tem comida na cozinha, filho – disse Hermione, eficiente.

- Um, dois, três… - murmurava Jorge.

- Finalmente, pensei que fosse acordar depois do almoço – retrucou Fred.

- …quatro, cinco, seis, sete. Aí, perfeito, temos um time de quadribol!

- Não, tem seis – disse Hermione, contando. – Mas, er, Molly não vai jogar, vai?

- Não. Não estou falando da mamãe – disse o ruivo, encarando a cunhada persistentemente.

As pessoas na sala davam risadinhas.

- Mas eu não jogo – exasperou-se Mione, parecendo indignada com a idéia, quando deu-se conta porque todos estavam rindo.

- Joga sim senhora – afirmou Jorge, decidido.

- Não pode me obrigar! – defendeu-se ela.

- Não, mas Julliet pode, não pode, Jully? Aquela Impérius que você me mostrou outro dia…

- Hum-hum – confirmou a garota, movendo a cabeça. Ela levou a mão à varinha no cinto.

Hermione arregalou os olhos.

- Posso sugerir uma coisa? – disse a auror, olhando bem para o sorriso demente da sobrinha. – Não sendo um jogo oficial, ele poderia ter um artilheiro à menos, não?

- Claro, mas que tem isso com você? – perguntou Fred.

- M-muito, assim eu não precisaria jogar – gaguejou ela, definhando sob os olhares ansiosos de todos.

- Ei, mas quem disse que íamos te colocar de artilheira? – disse Jorge, com um sorriso cínico.

- N-não iam? – disse ela, timidamente.

- Claro que não. O time precisa de um goleiro! – falou Fred, como se fosse obvio.

- É, um que encha o aro todo – confirmou Jorge.

Hermione corou como um rabanete, mas riu junto com os outros, e atirou almofadas nos cunhados. Rony ajudou.

- Não falem assim da Mionezinha – defendeu ele, abraçando a esposa.

- Que comovente – disseram os gêmeos juntos, rindo mais do que todos.

O clima n’A Toca era sempre tão divertido. Havia tempos que não se sentia bem daquele jeito.

- Julliet joga? - perguntou ele, virando-se surpreso para a garota. Havia tido um jogo na festa de aniversário de Rony e ninguém a chamara.

- O que, você está de gozação? – disse Fred, entusiasmado. – Você está falando com a sucessora de Gina Weasley no time da Grifinória, colega. Tem talento para ser tão famosa quanto Dylan, mas ela preferiu ir correr atrás de uns bruxos malignos.

Ela abanou modestamente com a mão, sorrindo.

- Que nada. Exagero dele, Harry.

- Não é, não – disse Rony. Hermione concordou com a cabeça.

- Parem com isso ou vão me ver corar – riu-se ela, fingindo acanhamento.

- ‘Ta aí uma coisa que nunca vi – disse Jorge, pensativo.

- O.k., temos um time de seis jogadores. – Harry interrompeu a futura discussão sobre ter visto Julliet corada. – Mas… posso perguntar qual é a graça disso se não tem time adversário?

- Não te aflijas, Potter. O outro time chegará em breve – Fred falou, solenemente.

Ouviu-se um estalo no hall novamente e alguém apareceu.

- Saudações, amigos. Perdi alguma coisa? – perguntou a voz nem um pouco séria de Dylan Riddle.

- O que foi que eu disse? Chegou o profissional – disse o ruivo, abrindo um sorriso maior que o anterior
.
Harry nunca soube se haviam combinado ou não, ou se todos vieram por pura vontade. Só o que soube foi que aos poucos não havia apenas ele, Rony, Fred, Jorge, Julliet e Demetri, mas também Dylan, Jason, Henry, Lisa, Gui e Gabriel Malfoy.

- Espero que tenha trazido sua Firebolt 500, Harry…



Era muito bom depois de tanto tempo relembrar seu talento para quadribol. Ficar voando por cima do morro dos Weasley para um lado e para o outro… Como famoso auror não tinha tempo e disposição para essas coisas, para sua infelicidade.

Mas tudo o que é bom volta um dia – dissera uma vez Luna Lovegood. Essas palavras permaneceram na mente de Harry por todos os anos em que permanecera fora e agora ele se relembrava delas com mais intensidade do que nunca. Como queria que isso fosse verdade…

Achou incrível que Julliet jogasse quadribol tão bem. Lembrava Gina e sua velha Shooting Star, mas tinha muito mais classe e profissionalismo que a mãe montada em uma vassoura.

Jogara como apanhadora e fora uma rival à altura. Ela tinha estilo, mas não foi páreo para ele. Entretanto, Harry tinha a impressão de que se não fosse dono do último modelo da melhor marca de vassouras de corrida do mundo, talvez ela tivesse chegado ao pomo antes…

Claro que se ofendia com o fato de que uma garota o rivalizasse em igual ou maior grau no esporte que mais gostava, mas ainda assim não conseguia odiar Julliet por isso. Ela lhe lembrava Gina, e nunca odiara Gina por ter pego seu lugar no time da Grifinória no seu quinto ano… Seria louco se fizesse isso, embora no momento eles ainda nem tivessem começado a namorar. Mas a ruiva fora conquistando-o aos poucos… Harry nem sabia direito quando se apaixonara por Gina Weasley.

Mas sabia muito bem porque ela o largara e se arrependia profundamente.

Porém… talvez tivesse sido melhor assim. Fora a vontade do destino, e agora todos estavam pagando. Começara com a morte de Gina, e já fora um castigo terrível. E Harry também pagava um preço pela vida desregrada que tivera. Fora tolo em se sentir rejeitado e tentar esquecer Gina com outras. De pessoa exemplar, passou à mau exemplo na vida social. Harry errara. Estava tentando se recuperar e estava tendo algum êxito até agora.

Sofrera um pequeno impacto ao encontrar uma pessoa tão parecida com Gina ao voltar para o país, mas agora já se acostumava. Afinal, via Julliet quase todos os dias. Com as aulas começando agora, iriam se ver com mais freqüência ainda. Talvez conhecendo-a melhor pudesse abandonar a pensamento imediato que era ligá-la com Gina, e esquecer a ex-noiva para sempre. Precisava disso.

- Parabéns pela captura – disse alguém, uma mão pousando no seu ombro pelas costas. – Lembrando que mais um pouco e eu pegava o pomo antes…

- É, eu admito que pensei que você fosse conseguir. Você joga muito bem – disse Harry, virando-se. Julliet deu um sorriso.

Ela levantou a capa e sentou-se no chão, à copa da árvore mais próxima. Olhou para ele com um sorriso.

- Não seja tímido. Senta aqui – disse ela, dando uma pancadinha na grama ao seu lado. Ele deu um sorriso curto e obedeceu. – Por que está aqui fora até agora?

- Eu estive pensando um pouco – respondeu, sinceramente. Entretanto achou que deviam mudar de assunto, não queria que ela soubesse daquelas coisas tolas que o atormentavam. - Mas… por que não tentou carreira de quadribol? Você leva jeito, Julliet – falou, tentando puxar conversa para outro assunto.

- Hum – fez ela, com uma expressão divertida. – Por que você não tentou?

Ele segurou um sorriso.

- Preferi ir caçar seu pai naquela oportunidade – respondeu, sem dar o braço a torcer.

- Ah, entendo… - disse Julliet, com um sorriso torto. – Então você me entende também, não?

- Acho que sim.

Harry olhou para frente. Seus olhos que há momentos atrás miravam ali ao viam exatamente a paisagem deslumbrante do entardecer em Ottery St. Catchpole. Os pássaros voltavam para as árvores enquanto as corujas abriam as asas, cortando o céu alaranjado até desaparecerem no escurecer distante. Ele não sabia que um outro casal se despedira debaixo daquela mesma árvore há quase quarenta anos atrás, banhados pelo mesmo céu infinito e belo.

Estranho o quanto aquela amplidão lhe dava a sensação de não ter limites. Olhou para Julliet. Ela tinha o olhar vago, mirando o horizonte. Sua expressão era pensativa e distante.

- No que está pensando? – perguntou-lhe em voz baixa.

Ela não respondeu de imediato. Deu um pequeno suspiro e então falou, sem olhar ao todo para ele.

- Às vezes me pergunto se estou fazendo a coisa certa… Digo, querer ser auror e… - ela hesitou – e tudo mais.

- Você deve fazer o que acha que deve – disse ele, calmamente.

- Eu sei – respondeu a garota, baixinho. – Mas eu não queria desagradar meu pai. Ele é a pessoa mais importante pra mim.

Harry sentiu uma leve sensação de… ciúmes? Como podia? Podia entender perfeitamente o que uma filha sentia em relação ao pai. Mas ainda assim, uma parte possessiva dentro dele dizia-se indignada por alguém gostar mais de Voldemort do que dele.

- Eu sei que para você deve parecer estranho – disse ela, que agora percebia observá-lo -, mas eu sempre pude contar com ele para tudo, já que minha mãe… Você sabe. Eu me apeguei demais, mais que meus irmãos, porque papai foi também uma espécie de mãe nas horas vagas. Eu não queria que ele ficasse mal comigo, por causa de bobeiras.

- Suas vontades não são bobeiras – falou, sério. – E se ele realmente te ama, ele vai entender.

Ela calou-se por um momento, observando os próprios joelhos.

- Não sei. Você não gostaria de ter um filho fora da lei, não é? – ela falou, depois de um tempo.

- Não. Mas eu não estaria errado em querer que ele seja uma boa pessoa. Seu pai deve saber disso.

Ela fungou. Com o pé deu impulso para trás e encostou-se na casca da árvore também.

- Eu acho que sim. Mas do mesmo jeito…

- Acha que ele te impediria de fazer algo que realmente queira fazer?

- Não, eu acho que não. Mas isso não o impediria de ficar realmente chateado. E eu acho que depois de tudo o que ele passou, merece pelo menos motivos de felicidade à mais do que os de tristeza.

- Eu sentiria orgulho de ter uma filha como você – disse Harry, encarando-a.

Viu um sorriso esboçar-lhe no rosto.

- Acha que ele tem orgulho de mim? – perguntou, ansiosa.

- Só não teria se fosse um tremendo idiota. E eu sei que esse adjetivo não cabe à ele – respondeu, com um sorriso.

Ela retribuiu-o meio acanhada.

- Você está sendo tão legal comigo, Harry. Posso te considerar um amigo, não posso? Daqueles para desabafar? Ouvi uma história uma vez que dizia que é arriscado possuir diários… - disse, com um olhar torto.

Eles riram.

- É, sua mãe que o diga – falou Harry, recostando-se na árvore também. – E de pensar que se não fosse eu para salvar aquela ingrata das garras malignas do seu pai você nem existiria agora…

- Você se importa com isso? – perguntou ela, calmamente.

- É, acho que sim. Você é uma pessoa legal, Julliet.

- Jully. Julliet é para os estranhos – corrigiu ela.

- Certo – respondeu, sorrindo. Voltou o olhar para a frente. – Que bom saber que não sou um estranho. Ainda mais vindo de você. Eu nunca pensei… - Mas parou. Não queria ter que dizer aquilo.

- Por causa dos meus pais? – perguntou ela, tranqüila. – Eles não têm que interferir em quem eu considero amigo ou não. À propósito, já sou maior de idade agora.

Claro que é, ressonou uma voz em sua cabeça, sem pensar duas vezes. É só olhar para você

No instante seguinte, porém, não podia pensar em mais nada. Sentiu esvaziar a cabeça em choque. Julliet encostara a cabeça no ombro dele!

- É difícil encontrar alguém que me entenda – murmurou ela, baixinho.

Ele prendeu a respiração. Ela encostara sua mão na dele, sendo que não sabia se era de propósito ou não, pois não via seu rosto.

Não faz isso, pediu ele, em silêncio, torturando-se por dentro. Olhou de esguelha para a ruiva. Ela parecia estar de olhos fechados.

Lamentou-se quieto. Voltou a olhar para a frente e tornou a encostar mais relaxado no tronco da árvore. Havia coisas na vida que só o que se tinha a fazer era aceitar…

…Por mais que desejasse o contrário.


IV


Susan já se encontrara mais duas vezes com Tom durante a noite. Claramente ele era mais sombrio durante essas horas do dia. Na maioria das vezes apenas dava respostas monossilábicas para suas perguntas e ficava calado envolto nos próprios pensamentos, o que era mal, pois Susan estava fazendo um esforço abissal para puxar assunto.

Entretanto, apenas descer para tomar um chá na companhia dele em altas horas da madrugada significava um pequeno passo na frente da Ashley, que não fazia idéia desses encontros. Provavelmente teria um troço se contasse que tinha se encontrado com Lord Voldemort três vezes na calada da noite enquanto todos dormiam. Mas pretendia contar em breve, apenas precisava encontrar um meio “leve” de fazer isso e não dar espaços para que a amiga entendesse outra coisa.

Ela sabia, porém, que a vontade consciente de poder encontrá-lo à sós por algumas horas por dia estava piorando sua insônia. Ficava ansiosa antes mesmo de terminar o jantar e já ficava se perguntando em pensamento qual robe colocar para o caso de encontrá-lo vagando no meio do corredor. Mal conseguia cochilar antes da hora em que geralmente acordava.

Tinha certeza que jamais sentira nada parecido por alguém antes. Mas afinal, ela era um dos seus grandes ídolos, mesmo tendo nascido depois de seu tempo.

Pressentia também que ele sabia dos seus sentimentos por ele, o que piorava as circunstâncias, já que fingia não saber de nada. Situação constrangedora, essa. Pelo menos se ele não evitasse olhá-la, talvez aquela sensação inquietante não chegaria a ser sentida.

Os caminhos que levavam aos lugares do castelo eram escuros e silenciosos nas noites, cortado apenas por muito ocasionais elfos domésticos fazendo algum serviço noturno de reacender os archotes ou pegar lixo de algum canto. No começo achara bem assustador aquele lugar, mas agora já se acostumara. Achava até bem legal vagar por aqueles caminhos sombrios…

Descia as escadas silenciosamente. Talvez ele pudesse fugir se a ouvisse descendo e se trancar no quarto. Já vira-o fazer isso uma vez, para seu desespero. A manha era pegá-lo distraído.

Entretanto e infelizmente, ele não estava no corredor do segundo andar. Cerrou as sobrancelhas. Isso era mal. Continuou seu caminho devagar, tentando não ficar tão desgostosa daquele fato. Ainda podia encontrá-lo mais para baixo.

Ainda pensava no aborrecimento daquilo quando passou em frente ao quarto dele e, como em todas as outras vezes, seus olhos passaram pela porta. Desta vez, porém, parou. Ela estava entreaberta. Saia um fraco filete de luz por ela, como se a lareira estivesse acesa e o fogo desta prestes a se apagar.

De repente de deparou com uma irresistível tentação: que será que encontraria além daquela porta?

Os olhos fixos na maçaneta, pensamentos diversos não paravam de lhe ocorrer, do tipo “não faça isso, pode ser perigoso” ou “Susan, você pode estar prestes a presenciar uma das coisas mais fantásticas da sua vida!”. Por fim, a curiosidade, como sempre, falou mais alto.

Interessada em espiar o quarto dele e o que ele estaria fazendo lá dentro que deixara a porta entreaberta, colocou a mão na maçaneta. Sem pensar direito, apenas preocupada em fazer com que a porta não rangesse, Susan prendeu a respiração e empurrou-a de levinho, ansiosa em espiar tudo o que não conseguira ver em outra ocasião pelo buraco da fechadura.

Por um momento glorioso viu-se dentro da maior e mais incrível suíte em que já colocara os pés. Petrificada de fascínio, finalmente compreendeu o que Ellen falara quando lhe dera o quarto um andar acima. O quarto dele era, sem dúvida alguma, “consideravelmente maior e mais confortável” do que o seu. Parecia, na verdade, mais um apartamento de hotel do que um quarto. Só faltava um bar.

O choque foi logo substituído por um sorriso satisfeito. O que Ashley diria se a visse ali?

Um barulho rastejante a fez sobressaltar-se bem na hora. No momento em que recuou a coisa errou por milímetros sua perna e atacou sua pantufa. Alarmada, tentou ver o que mordia seu calçado enquanto retorcia-se e mordia, quando ouviu um aviso.

- Não olhe para baixo!

Ofegante, sobressaltada, levantou os olhos. Era ele, Tom, quem dissera aquilo. Ele saíra de trás do espaço encoberto pelo dossel cerrado da cama e para alívio seu parecia mais preocupado do que furioso pela invasão. Paralisada com o ataque e com o aviso, ficou olhando, meio assustada, para frente.

Ele sibilou furioso para alguma coisa no chão, que parou quase instantaneamente de tentar estraçalhar sua pantufa preferida. Ela supôs que fosse ofidioglossia, pois não entendia nadinha do que ele estava falando. Não que seu tom fosse de quem estava mais bravo, mas a expressão de seu rosto o denunciava. A curiosidade comichava o canto de seus olhos para olhar, mas quando fez um pequeno movimento na direção do chão, ele voltou-se para ela.

- Stringfellow, você quer morrer? Eu disse para não olhar para baixo – falou, tão rispidamente que ela desistiu.

Culpa sua, Susan, pensou, de cara amarrada. Ele agachou-se e levantou em seguida, com alguma coisa na mão. Susan continuava imóvel.

- Posso olhar agora? – perguntou, insistente.

Ele hesitou por um instante, mas ela podia jurar que ele estava se divertindo agora.

- Pode.

Ela não perdeu tempo. Virou os olhos para a coisa que se enroscava no pulso dele e deu dois passos para trás, pasma. Ali estava uma cobrinha de uns cinqüenta centímetros, verde-vivo e brilhante. Tinha algo que lembrava uma meia de pano preto enfiado pela cabeça.

- Isso é uma lição que você devia tomar: nunca entre em lugares desconhecidos se ninguém te convidar – comentou ele, indiferente ao espanto dela.

- Você é o primeiro doido que eu conheço que cria cobras soltas no quarto – retrucou ela, ainda os olhos fixos no animal. Aquele bicho por pouco não arrancara sua perna.

Ele deu uma risadinha breve.

- Quem dera você isso fosse uma cobra comum. É um basilisco. Tem só alguns dias mas seu olhar já é letal o suficiente.

Ela recuou mais dois passos com aquela revelação.

Então Ashley estava certa;havia realmente um basilisco naquele lugar, pensou, mentalizando a informação.

- Não tinha, mas agora tem – falou ele, calmamente. Ela arregalou os olhos. Era a primeira experiência direta com Legilimancia que tinha na sua vida e, tinha que concordar, era ao mesmo tempo incrível e desconfortável. Como se nem seus pensamentos fossem mais seguros.

- Exatamente – continuou ele, como se respondesse ao seu pensamento. Ela levantou os olhos para ele e viu-o com um leve sorriso. – Nada no mundo é completamente seguro – o sorriso dele se alargou. – Não quando eu estou por perto.

- Hum, convencido – resmungou Susan, com desdém, erguendo uma sobrancelha.

- Bastante – respondeu ele.

- Sem nem um pingo de humildade – continuou, um ligeiro sorriso aparecendo no seu rosto.

- Não mesmo.

Ela riu.

- Nunca pensei que ia encontrar alguém que se acha mais do que eu – comentou, divertida.

- Acabou de achar – respondeu ele, afastando-se para os fundos do quarto. Ele colocou a cobrinha no chão, além da cama, sibilando alguma coisa para o bicho. Ela ouviu um rastejar para baixo da cama. – Eu ia descer quando você chegou. Fui pegar minha varinha.

Susan estava parada perto da porta. Deu uma olhada ao redor que fora interrompida durante o susto de segundos atrás. Havia uma, ela reparou, mais próximos de onde ela estava, dois sofás e uma mesa baixa onde não havia nada no momento. Mais para trás havia uma escrivaninha bem arrumada e ainda mais adiante estava um cabide de madeira vazio. Havia um espaço bem amplo entre os sofás e a cama, considerando que era um quarto, o que o tornava bem mais admirável. Havia uma armário de madeira do lado da porta aberta onde se dava para ver parte de um banheiro. À esquerda de Susan, havia uma porta semi-escondida por uma tapeçaria verde. Ela reparou que era a porta da provável escada que passava pela parede do seu quarto. Sentiu uma ligeira curiosidade sobre o que teria além daquela porta.

Ao invés de perguntar isso, entretanto, voltou os olhos para Tom, no fim do quarto, e perguntou:

- Por que você está criando esse bicho?

Ele não levantou os olhos para responder.

- Achei que seria bom ter companhia aqui no quarto. Eu tinha uma píton há uns anos atrás…

Susan cerrou as sobrancelhas discretamente. Tinha idéias diferentes do que gostaria de ter como companhia em seu quarto e achava que ele tinha opções bem menos nocivas nos tempos que se passavam. Uma delas estava ali, bem à disposição…

Ele levantou mais discretamente ainda os olhos e fitou-a por um momento com uma expressão que ela não soube definir. Depois, ainda lançando-lhe um olhar hesitante, Tom tornou a baixar os olhos.

Então Susan corou. Caramba, não podia se acostumar com a idéia de que seus pensamentos ecoavam como em voz alta para ele em dois minutos! Que tragédia!… Ela pensou em ir embora até, mas antes que se decidisse ele falou.

- Não precisa ficar na porta a noite inteira. Por que não se senta?

Parecia que estava corando mais ainda. Essa maldita timidez!

Ela encostou a porta e foi andando meio exasperada, meio acanhada, e sentou-se lá na pontinha da cama.

Ele não conseguiu refrear um sorriso.

- Eu dizia no sofá, mas pelo jeito você quer ter o gostinho de poder dizer que se sentou na cama da Lord Voldemort – falou ele, ironicamente.

Ela riu. Não sabia se realmente tinha resposta para uma coisa dessas.

- Se quiser eu saio – resmungou.

- Claro que não. Só tenha cuidado com o bicho; ele morde.

Susan levantou os pés do chão. Ele começou a rir.

- Não se preocupe. Ele só vai fazer isso se eu mandar – tranqüilizou ele.

- Então isso é um motivo para eu me preocupar – retorquiu Susan, fingindo medo.

Eles riram brevemente. Depois ela perguntou:

- Seu bichinho de estimação já tem nome?

- Não.

- Devia dar um.

- É… Estou meio sem criatividade no momento.

- Isso é mal.

- Pois é… Mas tudo bem, ele ainda é novinho o demais para entender que o estarei chamando se usar algum nome.

- Se precisar de ajuda – voluntariou-se ela, ansiosa.

- É, talvez eu precise.

- Estou à disposição para pensar em um. Mas agora não. Eu não penso muito bem à uma hora ma madrugada – disse ela, bocejando.

- Somos dois, então – respondeu ele, num tom ligeiramente entediado.

Ela sorriu. Duvidava que a conversa fosse além disso. Aliás, nem que fosse para tentar agarrá-lo ali, estava sob a proteção de um basilisco assustador e a idéia não era muito inteligente. Embora tivesse conseguido entrar no quarto dele… Bom, não havia muito o que fazer, na verdade. Resolveu voltar para seu quarto.

- Olha, me dei conta de que estou com sono essa noite. Vou voltar para meu quarto, OK? – disse Susan, na voz mais natural que conseguiu achar.

- Certo – respondeu ele, levantando os olhos para ela. – Boa noite.

- Boa noite – desejou em resposta. Levantou-se devagar para não assustar o réptil em baixo da cama e rumou para a porta.

Aquele não era mesmo o seu dia, pensou, saindo, mas pelo menos tomaria mais cuidado da próxima vez que entrasse por uma nova porta.



Devia fazer quase cinqüenta anos que não pisava na Grã-Bretanha. Também não era por menos: era a comunidade mágica mais bem protegida contra bruxos criminosos que se podia imaginar. Com exceção talvez da Espanha… Mas isso não vinha em questão agora.

Sabia que não devia ter chantageado seu mestre e muito menos atacado Arkehon, seu guarda-costas pessoal, pelas costas, mas não podia simplesmente ficar de braços cruzados enquanto a proibiam de praticar magia por dois anos. Nem fora tão imprudente assim quando lançara fogo no palácio real; pelo menos conseguira fazer com que Harif saísse do buraco onde se escondera. Não é que queriam pegar mesmo o ministro por ter tentado matar o mestre Khayladon e dar um golpe de estado em toda Rhane? Mas aqueles idiotas não conseguiam enxergar ali uma heroína nacional. Não! Haviam chamado-na de “louca incendiária”!

O absurdo de tudo aquilo ainda pasmava-a.

Fez um gesto de desaprovação com a cabeça. Khayladon sempre fora burro demais para perceber que suas decisões muitas vezes eram precipitadas. Principalmente a primeira e mais antiga delas, quando tirara dela a chance de ser uma de suas aprendizes e deu a vaga para aquele trasgo retardado do “Tom Riddle”. Francamente, o imbecil não era nem puro-sangue! Só porque era tataraneto ou coisa assim do tal do Salazar Slytherin, um desses velhos bruxos malvados britânicos… Ela que estudara por dez anos inteiros, desde criancinha, antes de aprender a falar direito, perdera uma oportunidade que era concedida à poucos rhanires de todas as gerações para um moleque ridículo meio-sangue que não entendia uma palavra do que ela falava.

Arreganhou os dentes. Khayladon nem fora competente o suficiente para tirar Arkehon ao invés dela. Haviam dois escolhidos, não haviam?! Por que raios resolveram tirar a mulher da festa? Achavam que ela não era capaz? Ela conseguira doze pontos de poder à mais que o melhor de sua turma nos últimas testes, não conseguira? Ficara em primeiro no ranking geral empatada com Arkehon, não ficara? Será que não provara que era tão boa quanto ele, ou será que o escolheram por ser homem? Os homens sempre foram supervalorizados, por nada, já que só têm a cabeça grande, sendo que cérebro mesmo não ocupava nem trinta por cento dela. E não tivera direito nem de disputar no par ou ímpar pela vaga. Cretinos miseráveis!

Então, já que nada dava certo para ela em Rhane, resolveu sair de lá (mais fugida do que qualquer outra coisa), e resolvera começar sua fuga pelo Reino Unido, que era mais perto. Pelo menos pensava que nenhum rhanire a procuraria ali, já que provavelmente pensariam que ela não se arriscaria à entrar em uma das maiores fortalezas mágicas já existente. Seu primeiro pensamento foi: “maior fortaleza nada. Se até o fracassado mental do Tom conseguiu deixar esses aurores de cabelos brancos, a coisa não pode ser assim tão difícil.”

Bom, ela se esquecera que a segurança fora reforçada justamente por culpa dele. E descobrira o sentido disso quando entrara no país. Parecia que invadir uma casa bruxa e prender a família no banheiro era crime. Depois de dois dias de paz e sossego passou dois dias correndo dos aurores. E eles conseguiram fazer o que ela julgava impossível: a capturaram.

Tudo culpa daquele imprestável do Tom! Se ele não tivesse causado calamidade pública no passado, ela estaria ali como uma simples estrangeira, sem levantar suspeitas. Claro, que o instinto do ser humano quando há um conflito é desenvolver seus conhecimentos bélicos; os maiores avanços, tanto na tecnologia trouxa quanto na magia, haviam acontecido em função das guerras. O idiota do Tom, ao voltar com aquela idéia de eliminar os trouxas e Sangue Ruins, como ele próprio, havia incentivado o crescimento da guarda bruxa do reino e até do mundo, que teve medo daquele verme. Agora mais do que nunca, a Grã-Bretanha contava com especialistas treinados em Rastreamento, Defesa e Espionagem tão bons a ponto de rivalizar um rhanire. Em outros tempos ela não seria pega, obviamente, mas ele tinha que ter provocado uma revolução para novamente estragar seus planos!

Ali, acorrentada à um grosso cano de ferro chumbado à parede do Ministério da Magia, estava uma moça que aparentava uns trinta anos no máximo, dona de pele muito clara e olhos negros, cabelos escuros e escorridos até os cotovelos. Vestia roupas justas, negras e semi transparentes nos braços, com estampas opacas e abstratas. Tinha vários brincos nas orelhas e outras peças de metal pelo rosto, na sobrancelha direita e na narina esquerda; estava despida de sua varinha e sua espada. Sua expressão fechada era por seus pensamentos.

No passado, Orin jurou para si mesma que se Tom Riddle já não estivesse morto, ela o mataria.

O relógio na parede oposta ao deserto Átrio informava que eram oito horas da manhã. Em Rhane seriam sete, o que explicava estar tão exausta, mesmo que acordasse cedo. Olhou então para o lado, desafiadora. O auror encarregado de seus registros estava terminando de preencher os papéis. Já haviam tirado fotos e impressões digitais. Faltava que ela fosse encaminhada à uma cela ali no Ministério até seu julgamento. Bando de imprestáveis! Todo mundo sabia que os crimes dela somados davam em uma pena perpétua em Azkaban, não precisava de julgamento. Mas eles não pareciam ter descoberto ainda quem ela era e aquilo só a faria ganhar tempo para pensar em sua fuga. Claro que não ia deixar ser presa. Anos de treinamento em magia negra não seriam encerrados em uma cela mofada fazendo companhia a loucos quaisquer. De jeito nenhum.

- Thonson, já terminou com esses papéis? Vim agora do Departamento dos Aurores e pediram para que levasse isso logo, já que a turma seis está saindo e você é o único que sabe onde estão os relatórios sobre explosivos que enviaram terça-feira.

- Ah, é mesmo! Ahn, se eu for você poderia dar uma olhada nessa aí para mim? Prometo que volto logo – disse o auror, olhando ansioso, depois de jogar a pena sobre o balcão.

- Claro. Não estava mesmo querendo ir para o escritório – respondeu o outro, parecendo um pouco desanimado por trás do tom de voz educado.

- Ótimo. Merlin lhe pague, Riddle. – Dizendo isso, o auror Thonson saiu correndo para o elevador.

Orin olhou para o outro homem.

Riddle, ela ouvira direito? Ele dissera Riddle?

Arregalou os olhos para o bruxo que evitava olhá-la. Cruzes, era o maldito desgraçado! Ou pelo menos era uma pessoa muito parecida e com o mesmo sobrenome. Encarou-o. O homem olhava distraidamente a ficha dela enquanto esperava, com uma expressão de desgosto na cara.

- Tom Riddle? – ela chamou, numa voz ligeiramente confidencial.

O outro olhou meio surpreso, meio desconfiado para ela. Bem, agora ela sabia que não era ele. Fosse quem fosse, era novo demais para ser o que ela conhecia. Certamente, como não era de Rhane, pessoas que agora beiravam aos cento e dez anos como ela, se não estivessem mortos, estariam murchando de tão velhos. E outra coisa, óbvia, era que Tom Riddle, depois de tudo o que aprontou, não estaria andando pelo Ministério britânico de amizades com os aurores.

- Conhece meu pai? – perguntou o bruxo, em voz baixa. Parecia admirado que alguém o confundisse com tal pessoa, até ligeiramente incrédulo.

Abriu um sorriso.

- Ah, se conheço… - respondeu, lentamente.

Seu plano de fuga acabara de se formar em sua cabeça.

Aquilo seria mais fácil do que pensara…


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Desculpem a demora, pessoal. Juro que tentei entregar o mais rápido possível, mas tava difpicil escrever. Eu pretendo entragar o capítulo 4 mais em breve.

Comentem, please!!!


Atenciosamente,

Arkanusa ;)

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