Grandes Novidades



I

Apesar de Julliet e Dylan e seus filhos não estivessem em casa, essa tarde fora divertida. Certamente que a chegada de Susan Stringfellow e Ashley Kirst estava para revolucionar a vida pacata que Basilisk Hall vinha levando à anos (ou pelo menos a sua).
Tinha experiência com esse tipo de gente. Bajuladores. Geralmente acabavam conseguindo arrancar-lhe umas boas risadas, e estava precisando. Sim…
Susan era uma mistura estranha; era uma mulher de meia idade, não tão alta, cabelos encaracolados e castanho muito escuros até um pouco abaixo dos ombros, um pouco pálida (não tanto quanto ele próprio), olhos um tanto quanto espantados e castanhos acobreados, delineados desnecessariamente com lápis muito pretos. Lhe pareceu do tipo um pouco tímida, mas que pensava boas respostas prontamente, mesmo que não as dissesse.
Já Ashley era de uma estatura média para alta, cabelos muito lisos e castanhos claros até a cintura, pele clara, olhos esverdeados e atentos. Parecera um tipo que vezes age impulsivamente, como quando se conheceram, mas que não era sempre assim. De fato, parecia a pessoa que provocava Susan a deixar escapar o que pensava, sem se arrepender depois.
Sentia que teria um pouco de problemas com essas duas…
Era verdade que Lúcio ficara a tarde toda tirando sarro, mas o pior é que o desgraçado estava certo. Tinha que se contentar em dar um sorrisinho e revirar os olhos…
Lá pelas sete horas da tarde Dylan e os outros chegaram no castelo. Sete e vinte Richard chegava do Ministério. Às sete e trinta Erika e Roy voltavam de seu escritório em Hogsmeade. Sete e quarenta já estavam todos em casa e a janta já poderia ser servida.
Estava lendo na biblioteca quando o velho elfo Grabby avisou que todos já estavam prontos. Ultimamente era isso o que mais fazia para passar o tempo. De vez em quando dava umas voltas à cavalo pela propriedade (sim, Basilisk Hall tem um estábulo), mas os livros ainda eram sua atividade favorita, principalmente porque podia ficar admirando o perfeito retrato de Gina quando a leitura estava chata.
Quando estava no hall, quase virando a curva do arco abaixo da escada que daria para o salão de refeições, ouviu a voz de Susan Stringfellow num tom de espantada aprovação.
- Você, hum, está mais jovem agora.
Ele parou antes de se tornar visível. Com uma estranha suspeita, ouviu a resposta assustada de Richard.
- …Do que é, exatamente, que você está falando?
- Provavelmente de mim – respondeu Tom, enfim, entrando no salão.
Susan estava parada de frente para Richard, ao lado da amiga Ashley, e arregalou os olhos no momento em que ele entrou. Olhou de um para outro, até que parecia confusa demais para entender alguma coisa.
- São dois! – disse, por fim, estupefata.
Por um momento os olhos de Ashley brilharam – “Um p’ra mim e um p’ra você, amiga.
Disfarçando rápido e não pretendendo dizer assim tão cedo que tinha uma curiosa afinidade por Legilimancia, ele deu um sorriso.
- Na verdade, este aqui é Richard, meu filho mais velho – explicou, divertido, apoiando uma mão no ombro do outro, que parecia ainda não ter entendido quem eram aquelas.
- É, e sinto desapontá-las, ele já tem dona, garotas – falou uma voz, entre risadas, e Ellen apareceu por trás deles, dependurando-se no outro ombro de Rick.
As duas fizeram cara de entendidas e se entreolharam brevemente. Então Susan voltou a olhar para Richard, e abria um sorriso.
- Ah, meu cunhado! Que prazer em conhecê-lo, finalmente! – A mulher cumprimentou-o, animada.
- Então você é Susan? Que estava nos Estados Unidos? – falou Rick, parecendo estar finalmente entendendo alguma coisa.
- Sim! – respondeu ela, parecendo maravilhada. – E essa é minha amiga Ashley – apresentou.
Os dois se cumprimentaram com acendo de cabeça, o que pareceu à Tom muito estranho. Entretanto, ele não disse nada.
- Então, sejam bem-vindas em B.Hall – falou o outro, com gentileza.
As duas agradeceram e Rick e Ellen saíram para pegar um lugar à mesa. Tom, que não queria dar motivo para ficar sozinho com as duas por muito tempo, foi logo em seguida pegar sua cadeira.
Enquanto as pessoas pegavam seus lugares à mesa e as duas visitantes davam pulinhos de alegria em conhecer Bellatrix, Julliet sentou-se em uma das cadeiras quase na ponta, a mais próxima da sua.
- Como foi na festa? – perguntou interessado, já que a garota resolvera se sentar ali.
- Nada mal – respondeu a filha, pegando um garfo de prata e girando-o nos dedos. - O normal que se esperaria de uma festa dos gêmeos: muita bagunça e risadas.
Ele ficou olhando-a. Não percebera vestígios de mentira alguma na voz dela, no entanto os olhos dela estavam parados, fixos em algum ponto da parede por cima do ombro de Erika, e ficou assim por algum tempo.
- Está tudo bem com você? – perguntou, gentilmente, inclinando-se de modo que somente ele pudesse ouvir.
Julliet pareceu acordar de um grande devaneio. Piscou seus longos cílios claros e voltou os olhos para ele. O garfo de desequilibrou de seus dedos e caiu com estrépito sobre o prato.
- Hum? Ah, claro. Por que não estaria? – disse ela, rapidamente, enquanto colocava o talher disfarçadamente ao lado do seu prato. – Eu… Eu só estava pensando em ir amanhã ao Ministério, para fazer um teste.
- Teste? – repetiu ele, erguendo as sobrancelhas. – Teste para auror?
A filha mirava-o com os grandes olhos castanhos de um jeito como se pedisse desculpas.
- Hum… é. Me disseram que eu talvez eu pudesse conseguir um estágio no Ministério se eu passasse num teste, e eu achei… achei legal – falou ela, encolhendo os ombros.
- Ah, certo – murmurou ele. – Tudo bem. Mas quem te disse isso? O seu tio Rony ou a Sangue Ruim da mulher dele?
Julliet franziu a testa quando ele falou isso, mas não fez comentários.
- Bem, na verdade… foi Harry Potter.
- Quê?!
- Psiu! – ralhou a garota, olhando ao redor. Mas as pessoas estavam se servindo e não pareceram ouvir o silvo furioso dele. – Ele estava lá, eu disse que queria ser auror e ele só me deu algumas dicas.
- Eu não quero você andando com Harry Potter! – sibilou ele, perplexo. – Aquele idiota me odeia, você sabe muito bem porque. Vai querer te azarar quando estiver sozinha, ou…!
- Não seja ridículo! – retrucou a filha, dignamente. – Me pareceu um moço muito educado. Ele não faria isso.
Tom ia realmente responder, mas calou-se. A situação era extremamente imprópria para uma discussão dessas.
- Depois nos falamos – resmungou ele, olhando de um jeito furioso para a jovem. Inclinou-se para se servir de comida e tratou de não pensar no assunto, e tampouco olhou para a filha, para evitar ver caretas de indignação.
Mesmo que o maldito do Potter tivesse de fato estado na festa, dado as caras novamente no Reino Unido, nem Dylan e nem os garotos tiveram o bom censo de comentar. Ashley e Susan estavam na ponta oposta da mesa e olhavam para todos os lados, tentando acompanhar todas as conversas. Entrementes, Ashley parecia deliberadamente evitar encarar Richard e parecia mais séria do que pensou que fosse. Erika à sua esquerda parecia tão mau-humorada quanto sempre estivera, mesmo que Roy estivesse conversando animadamente com ela.
Depois de terem praticamente devorado tudo o que estava na mesa e todos estiverem demasiado sonolentos para continuar a conversa, todos se despediram e, aos poucos, foram se levantando para irem para seus quartos, aproveitar um banho quente ou ler um pouco antes de dormir (e talvez outras coisas também).
Decidindo também que já era demasiado tarde, desejou boa-noite para os outros moradores do castelo e subiu para seu quarto.


Poderia ter ido direto para cima dormir, mas resolveu passar antes na biblioteca e pegar algum grande livro que já não tivesse lido; podia estar errado, mas tinha o pressentimento que os anos de insônia não acabariam essa noite.
Estava descendo as escadas para o patamar do terceiro andar da Ala Norte quando ouviu um par de vozes sibilando raivosas cada vez mais perto, num tom de quem não queria acordar ninguém.
- Eu já disse que pegamos o corredor errado lá em baixo! – murmurava rispidamente uma voz feminina para outra pessoa. - Eu tenho certeza que nunca vi essas tapeçarias!…
- Psiu! Terceiro andar – informou a segunda voz, parecendo tão furiosa quanto a outra, mas querendo manter a calma. – Não estou vendo os nossos quartos.
- É claro que não! Eu estou dizendo isso desd’a primeira escadaria! – sussurrou a primeira, mas tão alto que a voz ecoou pelas paredes de pedra.
Tentando não sorrir do desespero das duas, desceu os dois últimos degraus, empurrando para o lado a beirada de uma tapeçaria negra mal colocada que sempre fazia as cordinhas baterem em seus olhos. As duas viraram correndo, ao ouvirem o ruído de seus passos, e ficaram olhando assustadas até ter certeza de quem era.
- Que susto! – sibilou Ashley, olhando para ele de cara feia, mas a amiga olhou-a com censura.
- Não foi isso que ela quis dizer – desculpou-se Susan, com um sorriso forçado. – Nós não, ah, acordamos você, acordamos?
- Não – respondeu Tom com sinceridade. – Na verdade eu estava passeando por aí faz algum tempo, cuidando do entretenimento noturno – disse, mostrando o livro que carregava em baixo do braço. Então, vendo que pareciam pouco convencidas, acrescentou, mais informalmente com um sorriso: - Mas vocês parecem estar com problemas, não?
As duas retribuíram o sorriso um pouco relutantes, com ar de culpadas.
- Será que poderia, por favor, nos mostrar o caminho de nossos quartos? Se isso não for muito incômodo, claro – acrescentou Ashley, rapidamente. – Ainda não decoramos a trajetória.
- Claro, incômodo nenhum – respondeu, cruzando patamar para chegar mais perto delas. – Meu quarto fica uma escadaria abaixo do vinte e cinco. Posso deixá-las bem perto.
- Agradecemos muito – disseram juntas, fazendo uma ligeira reverência.
A verdade é que achava aquelas duas muito engraçadas. Embora, se dissesse o quão divertidas elas eram poderiam tomar como ofensa, já que faziam rir naturalmente. Imaginando como haveriam de ter chegado ali, tão longe, tomou a liderança na caminhada aos quartos.
As duas estavam anormalmente quietas enquanto desciam as escadas. Imaginando ser por sua causa, comentou isso com elas.
- Falando sério, um pouco – disse Susan, corando.
- É que nunca estivemos tão perto de alguém importante como você – explicou Ashley, pulando dois degraus de vez para aparecer do seu lado. – Entende?
Ele revirou os olhos.
- Importante? Só porque eu matei alguns trouxas? Não deviam pensar assim… - resmungou, em voz baixa, mas que, como a voz da outra, ecoou pelos corredores.
- Hum, e por que parou, se me permite perguntar? – falou Susan, no encalço dos dois.
- Perdeu a graça – respondeu ele, dando ombros. As duas se entreolharam. – Certo, não perdeu a graça. Eu percebi que tinha passado dos limites à muito tempo.
- Como assim? – confundiu-se Ashley, cerrando as sobrancelhas. – Meu ídolo não é mais um assassino sanguinário?
Ele hesitou, e teve de pular um degrau para não cair.
- Assassino sanguinário? – repetiu, rindo-se. – Não – confessou, evitando olhá-las. - Mas ainda sei machucar quando me provocam.
Dissera em um tom displicente e as duas riram, mas estava falando sério.
- E por que o temido “Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado” se aposentou? Digo, fez isso mesmo correndo o risco de ser descoberto e condenado à viver o resto da vida em Azkaban? – perguntou Ashley, interessada.
- Pena perpétua? Você acha? Acho que não seriam tão bonzinhos assim… - comentou, displicente, mas lembrando-se do assunto emendou rapidamente: - Isso é verdade, tirando o detalhe que Harry Potter tem me encoberto – respondeu francamente.
- O quê? – disseram em uníssono, assombradas.
- É… Ele e Dumbledore foram os principais responsáveis por me fazer sumir do mapa. Desde o tempo que Draco Malfoy dominou a Ordem que todos pensam que estou morto – disse, não percebendo necessidade de não dizer a verdade.
- Sim, então… Mas então por quê? Você queria se passar por morto? Dizer que um fraco como aquele conseguiu te derrotar? – admirou-se Susan.
Ele deu um sorriso, que não foi completamente percebido no escuro corredor, iluminado ocasionalmente por algum archote que continuasse aceso.
- Bem, vocês nunca iriam entender – falou, contendo alongar o sorriso. – Eu quis, sabe, tirar uma folga. Além do mais, qualquer um que me vencesse que não fosse Potter eu não consideraria humilhação; não para mim. E Richard era recém-nascido, Gina não queria arriscar ter que cuidar de um bebê sozinha, e sabem, ela estava certa. Tenho certeza que eu ainda não estaria aqui se não tivesse decidido dar um tempo à algumas décadas atrás.
As duas ficaram em silêncio por um momento, como se absorvendo as palavras dele e tentando entender o sentido delas.
- Estranho… - começou Ashley, lentamente. – Eu não te acho um perdedor depois disso…
- Ash! – exclamou Susan, furiosa, mas acima de tudo, tentando conter o riso.
Tom entretanto não achou que ela estava-o ofendendo. Pelo contrário, achou até engraçado.
- Também não as acho retardadas por não encontrarem o caminho dos quartos sozinhas – comentou, com um sorrisinho.
Algo na voz dele fez as duas rirem; pararam quase que instantaneamente, quando se lembraram que passava da meia-noite.
Enquanto procurava um meio de demonstrar-se impassível às fracas tentativas das duas de tentar para de rir, olhou para os lados. Acabavam de descer para o hall principal, as fracas luzes dos archotes produziam sombras sinistras nas colunas e gárgulas e era quase impossível distinguir os últimos degraus da escadaria de mármore. Os vincos que formavam os talhes dos demônios e runas no granito acinzentado do arco da Ala Oeste estavam mais definidos que nunca. Tom então reparou numa coisa que nunca dera atenção antes: as luzes quase extintas dos archotes e candelabros prostrados ao redor do hall iluminavam fracamente as figuras, que refletiam numa cor esverdeada, e o bruxuleio do fogo dava a estranha impressão de que estavam se mexendo.
Estava tão absorto em sua nova descoberta que foi pego de surpresa quando viu um vulto passar veloz à sua frente. Inicialmente não entendeu o que estava acontecendo, então, olhando mais atenciosamente viu que alguém perdera completamente o equilíbrio e se esforçava para não rolar escada abaixo, girando os braços, sem voz de desespero.
Tom agiu à tempo de segurar a capa do indivíduo antes que este alcançasse os três últimos degraus e finalmente se estatelasse no chão. A pessoa ficou parada imóvel no degrau, enquanto percebia, ofegante, que não caíra. Então, muito lentamente, Ashley voltou os olhos espantados para ele.
- Valeu! – foi a única coisa que disse de imediato. Quando recuperou o fôlego, desatou a explicar: - E-eu não vi o degrau. Está escuro…!
- Tudo bem – disse rápido, porque ela parecia realmente espantada. – Tudo bem; já vi muita gente rolar dessa escada.
Os três ficaram em silêncio por um momento, então Susan começou a dar risadinhas que abafou com a mão. A outra ficou olhando abismada para a amiga, mas depois também começou a rir. Tom revirou os olhos – se repreendeu por não ter previsto que aquilo ia terminar em risada.
O resto do caminho foi o mais rápido que ele conseguiu proporcionar – sem dar corda para cada besteira que Ashley e Susan diziam ou faziam. No segundo andar parou em frente à porta de seu quarto e explicou-lhes breve e pacientemente que só precisavam subir uma escada para encontrar seus quartos. As duas iam se distanciando quando ele virou-se exausto para a porta e, sem perceber, como quase sempre o fazia, sibilou a senha em ofidioglossia e ouviu o clique da porta. Elas se viraram abruptamente, encarando-o com os olhos arregalados de entusiasmo. Ainda retribuindo o olhar das duas apreensivo, Tom entrou e fechou a porta do quarto número quinze. Foi só tirar a mão da maçaneta para ouviu um “uau!” excitado em uníssono lá fora.
Atravessou o quarto impassível, atirou o pesado livro sobre a cama já arrumada descuidadamente e se trocou. Quando sentou-se, aquele “uau!” penetrou em sua mente tão repentinamente que ele não pôde se conter; fixou os olhos no dossel verde escuro da cama e começou a rir. Riu daquilo como à muito não ria, e quando conseguiu parar, foi para ajeitar a roupa de cama e puxar as longas cortinas. Com um sorriso persistente, mirou o pesado livro sobre a cama, e logo, a última coisa que ouviu antes de se deitar foi o baque do objeto caindo sobre o tapete.
E não sentia nem um pingo de remorso por isso.


II

Era meio-dia, os funcionários do Ministério alvoroçavam-se para sair para o almoço, empurrando e disputando a primeira lareira, ou correndo para terminar a entrega de algum relatório antes de desaparatar. Todos que esbarravam insolentemente em Julliet Riddle e não olhavam duas vezes para pedir desculpas não tinham nem a vaga consciência que haviam encostado na filha caçula daquele cujo nome ainda impunha medo e, por vezes, ainda se mantinha impronunciável.
Sem muita convicção que alguém sabia quem ela era, acompanhou o irmão mais velho até pegar o elevador no fim do saguão. Ficou mirando os aviõezinhos de papel encantados rodopiarem no teto. Sua atenção vagou longinquamente enquanto os observava.
Desembarcaram no penúltimo andar mais próximo da superfície, Richard pigarreando alto para que ela visse que ele já havia saído do elevador. Com uma ligeira repreensão em si mesma, Julliet saiu do transporte no exato momento em que as grades fechavam e ele desaparecia de vista, descendo.
- Tem certeza que vai fazer isso? – perguntou o irmão, numa voz baixa, ao seu lado, enquanto se dirigiam ao Departamento dos Aurores.
- É… Acho que sim – respondeu, séria. Sua barriga dava cambalhotas, a sensação de indecisão assaltando-a novamente aquela manhã.
A jovem apertou os olhos quando viraram no estreito corredor escuro. Certamente que preferia B.Hall àquele lugarzinho encardido. Entretanto, sempre tivera uma curiosa afeição pela matéria de Defesa Contra as Artes das Trevas, um curso preparatório ótimo dado pelo seu pai que lhe permitira dominar todos os feitiços mais úteis e poderosos demais para a idade antes de entrar na escola e sempre lhe haviam dito que era realmente boa estrategista – o capitão do time de quadribol da Grifinória ia ter entrevistas com ela sempre que precisava. Seus N.O.M.s foram excelentes e não tinha muitas dúvidas que os N.I.E.M.s também haviam sido. Seu currículo escolar inevitavelmente levava-a à carreira de Auror.
Pararam em frente à uma porta aberta. Lá dentro, uma sala consideravelmente menor que seu quarto, equipada com um imenso painel onde piscavam pontinhos luminosos de cores variadas, recortes de fotos de revistas e jornais pregadas de qualquer jeito pela parede toda. Algumas escrivaninhas estavam prostradas aleatoriamente nos cantos, e havia apenas três bruxos presentes.
Julliet nunca pensara muito em como haveria de ser um quartel-general dos aurores, mas imaginava algo parecido com a velha e empoeirada sala de planejamentos de Basilisk Hall no auge de sua utilização. Mesmo não estando mais em uso, Julliet já entrara lá escondida algumas vezes. Seu pai não gostava de entrar, nem que outros entrassem - dizia que trazia más recordações. Julliet, particularmente tinha que concordar. Embora praticamente não houvesse o que recordar daquela sala, algo ruim e funesto pairava no ar. Talvez fosse a longa lista de Comensais da Morte pregada no mural, que parecia não ter fim, mas ainda assim demonstrava uma quantidade inacreditável de nomes cifrados com linhas firmes sobre eles; eram como representar a morte em papel, o fim de uma vida com um simples risco…
Julliet não tinha muita certeza do que estava pensando. A admiração total que tinha pelo seu pai pareceu vacilar por um momento. Ele, afinal, riscava os traços. Era como se a culpa, a responsabilidade por todas aquelas vidas fosse inteiramente dele… E Tom Riddle não parecera se preocupar nem um pouco em poupá-las.
Mas agora é diferente, pensou Julliet, com firmeza. Ele se importa agora…
Tentando manter isso em mente para não se sentir indigna demais à entrar na sede dos caçadores de bruxos das trevas, a garota voltou ao presente.
- Tio? – chamou Richard, da porta. Rony levantou os olhos do pergaminho o qual estava escrevendo e encarou-os por um momento, do lado oposto da saleta. Então, pousou a pena e levantou-se, vindo até eles.
- O que estão fazendo aqui? – perguntou, surpreso, olhando de um para outro, atentamente.
- Jully veio fazer o teste para estágio – explicou o irmão sem rodeios. – Escute, não posso me demorar; eu devia estar no Departamento de Cooperação em Magia, agora.
- Mas é hora do almoço – admirou-se a garota, fitando Richard, incrédula.
O irmão lançou-lhe um olhar de “não reclame” e voltou-se novamente para o tio.
Rony olhava Julliet no mínimo com curiosidade.
- Auror, é? Careira estranha para sua família – comentou o ruivo, lentamente, ainda olhando-a. A garota deu um sorrisinho desafiador.
- Eu vou indo, então. Dá um oi p’ro Harry e um beijo na minha madrinha por mim, o.k.? – falou amigavelmente para o tio. - Jully, te vejo no jantar – disse Richard, em voz baixa, apertando seu ombro com uma mão. Ficou olhando-lhe um breve instante antes de se virar, como se esperando que ela dissesse que não queria mais e que iria com ele. Como ela não o fez, o irmão largou-a e se distanciou até virar o corredor.
- Então? Estou ansiosa – comentou Julliet, virando-se para Rony.
- Que? – indagou ele, que também estivera observando o afilhado virar a esquina. – Ah, é… o teste.
Ele fez sinal para que ela entrasse. Julliet seguiu-o, encarando curiosamente cada canto da sala.
- Atarefado ele, não? – perguntou-lhe, levemente admirado, o tio. – Não me espantaria se ele for o próximo Ministro da Magia.
Julliet deu um sorrisinho torto.
- Acho que é isso que ele quer – respondeu a garota, indiferente, sentando-se na cadeira em frente à mesa do tio, que ele fizera sinal para que se acomodasse. – Mas vai morrer de tanto trabalhar antes disso.
Rony deu uma risadinha nasal. Julliet imaginou que seria pela lembrança de Percy, seu outro tio. Certamente que este e Richard eram muito parecidos nesse ponto.
- Ellen deve ficar furiosa.
- Hum, um pouco. Acho que mais aborrecida, por ele ficar tanto tempo aqui – esclareceu ela, com sinceridade.
O tio ficou um tempo organizando papéis sobre sua escrivaninha e ninguém falou nada por algum tempo. Os outros dois bruxos que estavam na sala agora se reuniram para conversar, tendo aparentemente terminado seus afazeres, e estavam falando do artigo sobre ervas mutantes que saíra no Profeta Diário de ontem, pelo que estava entreouvindo.
- Então, onde anda a tia Mione? – perguntou Julliet, procurando ter mais o que fazer ao escutar a conversa dos dois homens.
- Trabalhando no caso daquele bruxo psicótico que anda enfeitiçando os casais que vão para o parque namorar – respondeu Rony, roçando a ponta de uma pena no nariz. – Mas à essa hora, provavelmente, está almoçando.
Julliet tinha duas perguntas à fazer: uma era sobre o porque ele ainda não fora almoçar e a outra era sobre o caso que estava aparecendo nos jornais de todos os países, bruxos e trouxas. Sua curiosidade falou mais alto.
- Não andam falando sobre os detalhes no Profeta… Que é que essa pessoa faz, realmente, com os casais? – perguntou ela, inclinando-se um pouco mais para o outro.
- Bem, geralmente ataca-os pelas costas com um feitiço estranho que ainda não descobrimos qual é, mas que faz com que os dois troquem sua personalidade um com o outro… - comentou ele, parecendo desgostoso. – Não daríamos tanta atenção se ele não estivesse atacando também os casais trouxas; eles estão indo aos hospitais deles, histéricos, e estão sendo internados como loucos quando contam suas histórias.
- Já têm alguma pista? – perguntou ela, cada vez mais interessada. Sentia agora que realmente estava fazendo a coisa certa, se era para se envolver nesses tipos de coisa.
- Sabemos que é homem, não muito alto, que ataca com um capuz preto e uma máscara. Isso te lembra alguma coisa? – perguntou o tio, insinuante, levantando os olhos para ela.
- Claro – respondeu sorrindo. – Alguém tem muita inveja dos Comensais da Morte.
Ele retribuiu o sorriso de modo misterioso, e voltou para os papéis.
- Harry deve chegar à qualquer momento. Ele está cuidando dos novatos, agora – disse, para o formulário que estava separando.
O estômago dela deu uma cambalhota.
- Harry Potter está treinando os novatos? – perguntou ela, afobada.
- É, sim. Ele foi convocado para o cargo assim que voltou para o país – respondeu Rony, num tom de quem era óbvio. – Por quê? Isso te incomoda? – perguntou, parecendo displicente, mas deixando transparecer um quê de interesse que uma pessoa normal não ouviria.
- Não, a mim não – respondeu ele, desolada. – Mas papai vai ter um treco assim que souber disso.
Rony levantou os olhos e ficou fitando-a avaliadoramente.
- “Suponhando” que você passe no teste – disse ele lentamente.
- Supondo – corrigiu ela, impaciente, tentando não imaginar o que sua tia Hermione faria se o visse dizendo “suponhando”. – É, você está certo. Talvez eu não passe…
Mas ele e Julliet sabiam que essa probabilidade era quase nula. Ela era excepcionalmente inteligente e fora a melhor da turma em todas as matérias. Era humanamente impossível que a garota não passasse no teste – à não ser que ela não quisesse.
- Mais três anos de estudo e de treinamento. Você sabe disso, não é? – continuou o tio, ainda olhando-a, como se esperasse ouvir que ela resolvera desistir.
- Eu sei. Estou disposta a passar por tudo – confirmou, decidida.
- Essa sua decisão não tem nada à ver com certos bruxos das Trevas, espero – grunhiu ele, encarando-a nos olhos.
- Tio! – indignou-se ela, fechando a cara.
- Rony! – retrucou uma voz familiar às suas costas, fazendo-os sobressaltarem-se. – Espero que você não esteja acusando nosso amigo matador de mandar sua filha espionar!
A voz estava num tom estranho de aviso, mas Julliet riu. Rony fixou os olhos acima do ombro direito da sobrinha e deixou transparecer uma sombra se sorriso na expressão contrariada.
- Está atrasado – ladrou ele, recostando-se na cadeira de braços cruzados e fitando Harry Potter com um quê de chefe.
- Meu pai não é matador – riu-se a garota, virando para olhá-lo.
- Claro que não, eu disse isso? – admirou-se Harry, com um sorrisinho. – Ele só tentou rachar minha cabeça!
Os dois aurores no outro lado da sala calaram-se abruptamente de falar para olhá-los. Harry fez uma cara estranha de quem percebera que falara alto demais, então virou-se para os homens.
- Eu quis dizer Luke Brenen – esclareceu ele em voz alta, apontando para a parte de trás da cabeça. – Tentou me matar com um vaso chinês num museu de Paris. A cacetada me dói até hoje. - Os aurores se entreolharam e voltaram a conversar em voz baixa, não parecendo muito convencidos.
Julliet e Rony ficaram observando Harry. Ele tinha os braços largados dos lados do corpo e fitava os outros dois com uma cara incrédula. Virou-se, olhou para ela e deu ombros, com uma expressão culpada no rosto.
- Eu acho que devia parar de ser bobo, antes que estrague tudo – sibilou Rony, parecendo furioso.
- Certo, certo… - comentou ele, de pouco caso. – …Mas essa foi por pouco.
Os dois se entreolharam brevemente e seguraram o riso.
- O formulário para ela, Rony – lembrou Harry, com a voz ainda divertida. Então voltou a olhar para a garota, e dessa vez parecia ser com mais seriedade.
“Então? Está pronta para o teste?”


- Então?
- A melhor candidata desde 1995 – respondeu ela, radiante. Não conseguiu conter um grande sorriso.
Seu pai retribuiu-lhe um sorriso, mas ela percebeu que no fundo, isso não o agradava totalmente.
- Muito bem – disse Tom, ainda direcionando-lhe um fraco sorriso. – Atropelando todas as divergências de seu velho pai… - completou ele, num quê de drama que fez Julliet morder o lábio inferior para não rir.
- Ah, por que não esquecemos isso por um momento? Estou feliz, vou trabalhar! Isso não lhe agrada nem um pouquinho? – perguntou ela, insinuantemente, numa voz branda.
Mas seu pai não olhou-lhe. Continuou encarando o teto com insistência.
- Um pouquinho, talvez – respondeu ele displicente, girando os polegares.
Julliet abriu um sorriso levemente perplexo.
- Está bem, então. Posso fazer algo de seu gosto – disse lentamente, escolhendo as palavras. Nessa ora a voz de Harry Potter ressonou em sua mente. – Eu posso me infiltrar no Ministério, ninguém nunca suspeitaria de mim… Então, eu poderia mandá-los todos para o espaço!
Tom finalmente olhou para ela, parecendo de fato surpreso.
- De onde você tirou essa idéia? – perguntou ele, pasmo. – Digo, quem foi a criatura que colocou minhocas na sua cabeça?
Rindo, Julliet foi se sentar ao lado dele. Passou um braço por trás de seu pescoço e deitou a cabeça em seu ombro.
Estavam no grande hall. Tom estivera sentado na escada esperando-a retornar do Ministério para contar as novidades. Richard havia chegado meia hora antes, e Julliet tinha consciência da preocupação de seu pai. Pelo que sabia, desde que sua mãe, Gina Weasley, morrera, que ele achava que todo cuidado era pouco em relação à ela.
Mas não achava que se parecia com Gina. Pelo que via no retrato da biblioteca, Julliet se achava mais magra, seu rosto diferente e de gosto totalmente oposto. Claro, tirando os cabelos, as sardas, a cor dos olhos… De repente a garota parou de pensar, dando um sorriso confuso. Não, não havia como comparar isso; teria que tê-la conhecido direito para tirar algum tipo de conclusão.
- Onde estão todos? – perguntou, levantando-se do degrau e puxando o pai pela mão para que se levantasse também.
- Por aí – respondeu ele. Julliet revirou os olhos.
- Bela resposta – disse ela com sarcasmo.
- Ai, pára de me repreender – reclamou ele, lançando-lhe um olhar afetado. – Não basta o que me fez hoje?
A garota preferiu rir à responder.
- OK, então. Não te pergunto mais nada – disse a garota simplesmente.
Os dois começaram a subir as escadas, Julliet não perguntara nada sobre o rumo que estavam tomando e desconfiou que talvez não houvesse algum. Entretanto, continuou subindo, sem dizer nada.
Julliet sabia que, no fundo, seu pai estava satisfeito por ela. O seu sucesso, sabia, era o resultado de dezessete anos de esforços dele para convencer a si mesmo que a filha poderia ser alguém de respeito mesmo criada sem a mãe, a pessoa cujo senso de justiça daquela casa prevalecia inalterável. Ao invés de se deixar derrotar pelo desespero momentâneo que era se ver sem a mulher que cuidara dos outros três filhos e os tornara seres humanos dignos e respeitáveis, Tom Riddle se empenhara para conseguir esse mesmo efeito na única criança que restava para ser educada. Talvez todos pensassem que o repentino cargo de mãe adicionado ao de pai, ao mesmo tempo em que o destino tirava-lhe a única mulher que amara em toda a vida finalmente o levariam à loucura, mas Tom conseguiu provar de novo que não era um ser humano comum e que não compartia dos mesmos sentimentos das pessoas comuns. Até onde Julliet sabia, de vagas narrativas lamuriosas que obtera de seus irmãos, a única coisa que o fizera se destrancar do próprio quarto depois de três dias seguidos fora o choro dela ainda bebê ouvido do corredor. Se havia uma coisa que Julliet se orgulhava, era isso.
A garota olhou de esguelha para ele. Aos olhos de estranhos, o que parecia é que ele tinha cerca de quarenta anos, o que era espantoso. Os olhos cinzentos, os cabelos ainda negros na sua maioria e a quase ausência de rugas o faziam um homem atraente, mesmo depois de tantos anos, quase um século de existência. Julliet não sabia como, mas desde quando se lembrava de seu pai ele tinha essa aparência. Desconfiava que só a poção da juventude não o manteria assim por muito tempo…
Tom não sabia, mas Julliet estudava esse assunto em segredo. A maior parte das poções conhecidas que de alguma forma afetavam a aparência eram raras e caras, além de não manterem mais que cerca de três anos de efeito. Ela sabia que ou seu pai criara uma nova e extremamente potente fórmula de poção da juventude, ou então havia algo mais que ele mantinha em segredo.
Ela foi despertada de seus devaneios num momento assim que se depararam com uma cena um tanto quanto incomum: viravam a curva da escada do segundo andar da Ala Oeste quando avistaram uma figura solitária, meio curvada, de frente para a porta do quarto quinze. Julliet demorou apenas um instante para entender o que seus olhos viam, então ergueu uma sobrancelha.
Uma mulher de longos cabelos castanho escuros e encaracolados encontrava-se curvada num gesto sigiloso, enquanto claramente espiava pelo buraco da fechadura. Julliet não sabia se ela estava vendo o que queria ver, mas algo a impediu de perguntar em voz alta.
Julliet e Tom se entreolharam por alguns segundos, então voltaram a observar.
- Assédio excessivo sempre me desagradou imensamente... – sussurrou ele, quase sem voz.
- O que acha delas, pai? – perguntou ela, no mesmo tom de voz, se possível ainda mais baixo.
- Hmm... Pessoas normais um pouco excitadas demais? – disse o pai, ainda em voz baixa, como se duvidasse de si mesmo. – Jully? O que acha delas?
Julliet não sentiu muita necessidade em escolher as palavras.
- Me parecem espiãs fajutas.
Sentiu o olhar do pai queimar-lhe a nuca.
- Acha, é? – Houve uma pausa breve à essas palavras, como se pensasse no que acabara ela de dizer. – De uma forma ou de outra, eu vou fazer o favor de desaparecer. Acho que ela não suportaria descobrir que não estou no quarto à essa hora…
Julliet sentiu uma palmadinha no ombro, seguido de um ruído estranho, quase inaudível de alguém desaparatando às suas costas.
Ela continuou seu caminho como se nada tivesse acontecido para impedi-la, enquanto a figura à sua frente ia aumentando. Cerca de três metros depois, a outra interrompeu sua atividade bruscamente ao ouvir os passos e endireitou-se assustada para olha-la.
- O que está fazendo? – indagou a ruiva inocentemente.
- E-eu? Nada – apressou-se a outra à dizer, depois de um momento espantado em que toda pouca cor de seu rosto desaparecera.
Julliet conteve um sorriso. A boa atuação diante à cenas inesperadas sempre estivera em seu sangue. Olhou momentaneamente para a porta, depois voltou o olhar para a mulher. Encenou um sorriso gentil de entendimento.
- À essa hora, suponho que meu pai esteja tomando um chá em sua sala, Srta.… - parou, indagadoramente, estendendo a mão.
- Stringfellow – disse a outra, aceitando os cumprimentos e parecendo aliviada. – Susan Stringfellow!
- Foi o que imaginei… - comentou ela em voz baixa. – Bem, Susan… Posso te chamar de Susan, não é? Vai ficar feliz em saber que não vou te dedurar para ele – Um leve sorriso marcou seus lábios. – Mas você não devia fazer isso de novo, sabe… É como amiga que eu estou lhe dizendo que, se tem alguma intenção com meu pai, vá até ele e diga logo, pois se você for pega pelo próprio fazendo coisas como estas, acho que ele ficaria realmente chateado… para não dizer revoltado
Julliet curtiu momentaneamente a expressão amedrontada no rosto de Susan antes de continuar.
- Já conhece meus outros irmãos, suponho?
A outra desatou a falar, enquanto um ligeiro rubor cobria-lhe a face. Parecia repreender-se por ter desconfiado de alguém com tanta boa vontade, o que Julliet esforçou-se imensamente para manter impassível.
- Seu irmão Richard sim – confessou a outra. – Os outros de passagem.
- Entendo… Bem, vai gostar de conhecer Dylan. Quanto à Érika, é melhor você não conhecer – disse a garota num tom sombrio. – À propósito, sou Julliet. Se precisar de algo não hesite em me procurar – concluiu ela afetuosamente. – Agora, se me der licença, preciso de um banho. Nos vemos por aí, Susan.
Dizendo isso, dando um último sorriso cativante, passou por Susan e seguiu dois quartos à frente até o seu, sem olhar para trás ao entrar. Enquanto fechava a porta por dentro pôde ouvir passos apressados no corredor.
Sozinha, mirou o espelho do pequeno corredor que dava para o apartamento e viu sua imagem sorrindo de modo travesso para ela.
- Você não existe, Julliet Riddle – disse-lhe sua imagem, num misto de diversão e incredulidade.
- É… você está certa; eu não existo – concordou a garota, enquanto recomeçava seu caminho.


III

Harry não ficou surpreso quando viu o resultado do teste de Julliet. Nem esperava ficar.
Isso é bom, pensou. Embora tivesse certeza que a garota ainda não contara ao pai sobre o instrutor (pois saberia se isso tivesse acontecido), até lá poderia conseguir alguma amizade razoável com ela, antes que Voldemort pessoalmente a obrigasse à abandonar o estágio.
Era estranho vê-la uma mulher tão grande e bela… Era uma completa ironia do destino, o mesmo que o tornara um homem malandro e sem compromissos quando se tratava de mulher, que o fizera assim depois de tirar-lhe a única que amara um dia e dar ao seu mais detestado inimigo, que o fizera esperar tanto por alguém, em vão…
Mas agora se lembrar de Julliet Riddle, se lembrava que a última vez que a vira ainda era um bebê. Sim; a vira no dia em que Gina morrera…
Fora tão confuso para ele, naquele fim de tarde tão normal, chegar em casa e encontrar um bilhete breve de Rony dizendo que Gina estava morta, que fora assassinada aquela manhã… Harry não conseguia pensar direito, a lógica foi incrivelmente mais forte do que a razão. Quando leu a palavra “assassinada”, saiu em disparada pela porta, para pegar a capa e a varinha que deixara no hall da casa, para então desaparatar diretamente para Basilisk Hall. Mas chegando lá, fora somente para avançar em um homem tão desolado ao acontecimento que nem se moveu à tentativa de morte proporcionada por uma varinha apontada-lhe diretamente ao meio dos olhos. Parecia de alguma forma ainda mais infeliz do que os filhos, os amigos, os irmãos ou os pais de Gina, e olhou para ele de uma forma tão distante e cheia de tristeza que Harry se esqueceu por um instante o que estava fazendo ali, apontando a varinha para aquele homem. Parecia uma pessoa cujos piores receios se concluíram de uma forma terrível, e não parecia disposto a lutar nem pela própria vida. E foi neste momento que Harry finalmente compreendeu o quanto Voldemort mudara.
E sim, quando estava saindo, praticamente arrastado por Mione da sala, que tentava explicar-lhe aos murmúrios o que realmente matara Gina, uma mulher com longos cabelos pretos e desgrenhados, os olhos fundos e visivelmente desanimada subia as escadas, enquanto um bebezinho ruivo chorava em seus braços.
Harry parara, chocado, olhando fixamente para a criança, esta olhando-lhe de volta com um bico enorme, prestes a cair no choro de novo. Usava brinquinhos brilhantes nas orelhas. A menininha piscou os grandes olhos castanhos para ele, ainda com cara de choro, uma gorda lágrima pendurada num dos seus cílios inferiores.
Hermione parara de falar e se adiantara para Bellatrix Lestrange e a garotinha. Obviamente que estavam se revezando naquela tarefa, uma passou o bebê para a outra sem nem mesmo perguntar nada. Bellatrix ficou olhando por um tempo, até se esquecendo de ofender Hermione por motivos de sangue, depois suspirou e foi até a porta da sala de onde acabaram de sair. Os dois ficaram ali, quietos, enquanto a criança brincava com o cabelo de Mione.
- Eu e Rony adotaríamos ela com todo o prazer, mas algo diz que ele não vai querer deixar – dissera ela com desânimo, enquanto fitava tristemente a garotinha em seus braços. – Mas afinal, ele é o pai… - Depois de um suspiro trêmulo - Eu sinto muito, pequena… Sinto muito pela sua mãe… Muito mesmo. Ela era minha melhor amiga…
Tudo o que a menininha fizera fora encarar Hermione sem entender nenhuma palavra.
A imagem de Gina imóvel, os olhos fechados e os longos cabelos rubros estirados ao redor do rosto, vestida com longas vestes brancas ainda piscava insistentemente na frente de seus olhos…
Sim, Harry se lembrava. Entretanto aquela lembrança não fora o suficiente para faze-lo continuar na Grã-Bretanha, ao pedido de Dumbledore de dar aulas para todos os filhos de Voldemort. A verdade é que ele não se lembrara, e também não agüentava mais ficar no país. Depois que Gina morrera, ficara apenas cerca de dois anos, ante de aceitar o emprego no exterior. A verdade, é que sem a possibilidade da mulher resolver voltar para ele, não havia muito mais que o prendesse ali. Resolveu se afastar.
Agora, eu volto para enfrentar isso, pensou Harry, quieto, observando o teto de seu quarto. Estava escuro e apenas algumas luzes fracas dos lampiões de Hogsmeade entravam lá pela janela, fazendo estranhos desenhos onde ele estava olhando.
Mas pelo que soubera, não houve necessidade nem de ele estar por perto. Julliet sempre fora excepcional na escola, sempre muito bem educada e gentil, aplicada e estudiosa. Um pouco mais quieta do que o restante da turma, mas tinha todos como amigos em igual. Os professores a adoravam.
Sim, já lera a ficha dela, da escola, que era requisitada para o cargo.
Convinha também lembrar que o pai dela fora exatamente do mesmo jeito na escola, e se tornara um assassino antipático.
Harry deu um suspiro. Também havia as declarações de Rony, Hermione e do Sr. e Sra. Weasley… Fred e Jorge e Gui também disseram que Julliet era diferente. Era inteligente e esforçada como o pai, mas também era gentil e delicada como a mãe. E isso o punha numa situação complicada.
Também convinha lembrar que Gina fora gentil até certo ponto, para depois dar uma reviravolta inesperada e se casar com o assassino antipático.
Isso estava muito difícil.
Sem dizer que a garota fora criada pelo pai e, embora este tivesse dado sinais de que mudara, Harry ainda achava difícil acreditar no assassino de seus pais e de tantos outros, do homem que tentara matá-lo mais de uma vez. E ela era filha dele… Filha de dois dos maiores criminosos da história da magia.
Isso não significa nada, Harry, disse para si mesmo, cerrando as sobrancelhas. Lembrou-se de Rick e Dylan, e até de Erika, que embora fosse meio alterada, não chegava a ser exatamente uma criminosa. Os garotos eram ótimas pessoas e gente de muito prestígio na comunidade mágica. Sabia que Richard nunca se envolveria com nada que pudesse manchar sua reputação, e Dylan tinha horror a tudo que fizesse mal a outras pessoas. Pudera, era quase uma cópia dos pensamentos dos gêmeos…
Virou-se na cama, agitado. Sim, Julliet podia ser uma boa pessoa. Podia ser até quem estava esperando…
No que você está pensando, Harry Potter?, pegou-se imaginando.
- Não interessa - murmurou para si mesmo.
Você está com segundas intenções, seu cretino pervertido, sibilou uma vozinha no fundo da sua mente. Ela tem idade para ser sua filha!
Harry virou-se para o outro lado, incômodo. Não, não estava!
Ah, sim, você está, respondeu a mesma voz, num tom de superioridade.
- Ela… ela se parece com a Gina – explicou, baixinho, para o travesseiro.
Harry…
“O que foi agora?!”, perguntou-se, exasperado.
…você é patético, lamentou a voz.
- Cale a boca! – resmungou, mais alto do que das outras vezes. Furioso. Enfurecido com si mesmo.
A quilômetros dali, Tom Riddle se revirava de ódio em mais uma tentativa frustrada de conseguir dormir. Uma fúria inexplicável de si mesmo acabara por infligir num aborrecido fracasso…


- Bom dia, Harry. Minha nossa, você está com uma cara horrível.
Harry largou-se à sua mesa, no escritório ao lado da sede dos aurores. Com o tanto de prestígio na comunidade mágica que tinha, conseguira “comprar” um lugar só para ele dentro do Ministério. Hermione estava lá quando ele entrara, aparentemente levando-lhe alguns formulários.
- O que eu posso fazer? Não dá três dias que volto ao país e uma imitação de Gina cai na minha cabeça – resmungou, mau-humorado de sono.
A amiga lançou-lhe um olhar muito severo.
- Harry, se você está falando da Julliet…
- De quem mais eu poderia estar falando? – retrucou ele, cerrando as sobrancelhas e lançando um olhar feio para a própria escrivaninha.
Hermione pareceu apreensiva. Sentou-se na sua frente e ficou olhando-o como se fosse uma criança que não sabia que estava fazendo algo errado.
- Que foi? – grunhiu ele.
- Harry… acho melhor você tirar umas férias. Você devia ir para a América, sabe, conhecer o Brasil, ouvi dizer que é um país muito bonito…
- Mione, eu acabei de voltar de férias!
- Mas… Ah, o.k.! Você não devia se meter nisso! Aquela garota cometeu uma injustiça quando resolveu ser auror, eu diria um ato demoníaco se não a conhecesse direito! Não era para você conhece-la, para dizer a verdade. O destino a tirou do seu caminho até agora por algum motivo, que pelo jeito não é nem um pouco bom. Se você passou a noite em claro pensando nela é um mau presságio, Harry…
- Peraí – chamou ele, levantando o rosto dos braços que estivera deitado, para encarar a amiga. – Eu não disse que passei a noite em claro pensando na garota.
- Harry, olha para a sua cara! Está mais do que óbvio que você não dormiu essa noite – falou Hermione, impaciente.
Ele derrubou o rosto nos braços novamente. Esquecera-se que a amiga era mais esperta que ele.
- Vamos supor que você tenha razão – disse abafado, deitado nos próprios braços. – O que você sugere? Que eu me aposente ou eu a mande parar com o curso?
A mulher continuou olhando para sua cara.
- O que quer que eu diga? – exaltou-se ela, parecendo aflita.
Ah, ótimo. Ela vinha ali apenas para lhe criticar, mas não tinha nenhuma solução.
- Não se envolva demais – disse a amiga, finalmente, em algum lugar acima de sua cabeça. – É só isso que posso lhe dizer. Não é só um bom conselho, é uma boa maneira de manter sua vida.
Harry levantou os olhos para ela.
A amiga estava na porta.
- Voldemort vai querer arrancar sua cabeça se descobrir. – Ela fez um gesto de decapitação com a mão em frente ao pescoço.
Ele sorriu com desânimo enquanto ela saía. Hermione não precisava se dar ao trabalho de dizer aquilo, ele já sabia.
Alguém passou rindo pelo corredor, cuja voz entrou pela porta que Hermione deixara entreaberta. Aquela voz arrepiou Harry.
- Tia Mione! Você não estava aqui ontem! – dizia a voz feminina, enquanto se distanciava para o oeste.
- Trabalho de campo, é o que eu faço geralmente – respondeu Hermione, parecendo igualmente uma surpresa agradável. – Rony me contou que passou no teste. Deve estar feliz, afinal, é um teste difícil.
- Ah, sim, claro. Muito feliz. Meu pai não gostou muito, mas ele se acostuma. Gabriel também não gostou nada disso; disse que não vai poder me vigiar aqui, o que é uma lástima… - ironizou a garota, pela voz, parecendo aliviada em estar ali.
Hermione deu uma risadinha. Como todos os lugares no Ministério, aquela sala também era uma droga. Todos os ruídos do corredor ecoavam dez vezes ali.
- Bem, vou falar com Harry. Quero pedir permissão para que você saia comigo hoje. Vou entrevistar as vítimas do “comensal”, vai ser bom para seu primeiro dia de estágio…
- “Comensal”? – perguntou Julliet, num tom curioso.
Ouviu Hermione hesitar.
- É, bem, estamos chamando-o assim, por causa das roupas… Ainda não sabemos quem é, lógico, nem descobrimos nenhum contra-feitiço. Esse homem é inteligente…
Harry riu-se baixinho. Claro que Hermione devia estar furiosa. Fazia tempo desde a última vez que alguém conseguira fazer algo que ela não soubesse consertar.
Ouviram-se passos enquanto as duas vozes iam distanciando-se.
- Isso vai ser perfeito! – Foi a última coisa que ouviu, antes de provavelmente entrarem na sala dos aurores.
Harry mal respirara fundo e a porta de sua sala já estava se abrindo novamente.
Ele levantou a cabeça rápido e viu Richard olhando-lhe apreensivo.
- Desculpe não bater – disse ele, rapidamente. – Está tudo bem com você, Harry? Está com uma cara horrível.
Ele fungou e endireitou-se, passando a mão pelos cabelos.
- Ah, não se preocupe, eu estou bem – respondeu, não querendo tocar no assunto real. – O que o trás aqui à essa hora, Rick? Não infringi nenhum decreto internacional da magia, espero.
- Bem… - começou o outro, aproximando-se e pegando a cadeira onde Hermione estava instantes antes. Ignorou o último comentário de Harry. – Você me faça o favor de treinar minha irmã muito bem – disse Richard, como se ameaçasse -, e faça o favor de não dar nenhuma entrevista dizendo que é o instrutor dos aurores novos, pelo amor de Deus.
Harry ergueu as sobrancelhas.
- Por quê? – indagou, desconfiado.
- Por quê?! Eu vou te falar o porquê! Porque meu pai é capaz de querer arrancar sua cabeça se descobrir. Ele já está uma pilha porque você voltou ao país – disse Richard, debruçando-se sobre a escrivaninha dele.
Harry ficou calado. Será que seria abrigado a ouvir aquilo o dia todo?
- Olha, para sua informação, até hoje nunca reclamaram do meu profissionalismo e, segundo, eu não tenho medo do seu pai. Não se preocupe, eu não vou fugir da responsabilidade por motivos consangüíneos – disse ele por fim, de mau-humor, debruçando-se sobre a mesa também. – O que você devia saber.
- Eu não estou dizendo que você vá faze-lo. Estou avisando. Aliás, eu não me importo que você tenha se interessado por Julliet, ela é muito bonitinha, que nem minha mãe, mas meu pai vai matar um se descobrir que passou pela sua cabeça algum tipo de segundas intenções para com ela… - dizia o outro apressado, mas foi interrompido.
- Quem foi que te disse isso? – indignou-se ele, num tom que não convencia ninguém.
Rick lançou-lhe um olhar severo, parecido com o que a Prof-ª McGonagall costumava dar.
- Eu levei quando Dylan me insinuou que você estava dando em cima dela na festa d’A Toca – respondeu Richard, sem rodeios. – Por quê? Estou errado?
- Sim, está sim!
Mas hesitara demais.
Richard continuou olhando-o por alguns segundos antes de voltar a falar alguma coisa.
- Você é quem disse que não quer nada com Jully, é bom que cumpra sua palavra – falou o ex-aluno, levantando-se.
- Espera!
Rick virou-se.
- Você… você sabe que não falei sério! – confessou, arrependendo-se quase imediatamente.
Richard continuou de costas.
- Vou fingir que não ouvi isso, Harry – falou, muito sério. – Tenha um bom dia.
Dizendo isso, atravessou a primeira sala e desapareceu pela porta.
Harry sentiu-se corar.
Que papelão!
O dia estava agitado, pensou ele, quando a porta tornou a se abrir quase imediatamente. E não era nem oito horas da manhã ainda…
- Harry, vou levar sua aluna para o interrogatório das vítimas, tudo bem? – perguntou Hermione, entrando na sala pela segunda vez aquela manhã. Às costas dela a garota ruiva entrava timidamente.
Os olhos dos dois se encontraram por alguns segundos, antes que ele os desviasse rapidamente.
- Hum, certo. Você podia bater antes de entrar, não? Eu podia estar pelado aqui dentro…
- Com o Richard? – admirou-se Hermione, divertida. – Acho difícil. Ele não me parece esse tipo de pessoa.
Julliet abafou o riso com a mão.
- O.k., essa foi infeliz – resmungou ele, não perdendo a pose.
- O que meu irmão queria? – perguntou ela, curiosa.
- Se certificar de que eu não agiria como um imbecil perto de você, dá p’ra imaginar? – falou, fingindo incredulidade.
Ela abriu um sorriso que mostrava todos os dentes.
- A conversa foi um fracasso, suponho? – insinuou ela, enquanto Hermione ria.
Harry olhou para o teto.
- Não imagino porque esteja falando isso.
- Harry, não seja besta. Vai assustar a garota – falou Hermione provocante, de saída.
Levantando os olhos, viu a amiga à porta e Julliet ao lado.
- Te vejo mais tarde – disse Hermione, saindo.
Julliet hesitou. Quando esta saía, virou-se para ele e disse:
- Não é, não. Dylan é bem mais besta que você – confessou a garota, divertida, ates de sair e fechar a porta.
Harry ficou olhando para a porta.
Que é que ela quis dizer com isso?


IV

Susan acordou bem sedo aquela manhã. Fazia dois dias que estava em Basilisk Hall e ainda não se cansara. Sabia que tinha a carta branca de Ellen para explorar o castelo e isso fora a coisa mais adorável que já acontecera nos seus últimos dez anos.
Até agora já sabia ir ao salão de refeições e ao seu quarto e de Ashley, mas isso era definitivamente pouco. Tirando a vez constrangedora que as duas se perderam na primeira noite, não havia ido para nenhuma das outras alas do castelo além da Oeste, e se sentiria muito mal se não conhecesse aquele castelo todo até a hora de ir embora.
Ela saíra de manhãzinha, antes mesmo que qualquer um acordasse naquela casa. Pretendia tomar o café da manhã e ir vagar por aí, sem se aventurar a trombar com alguém enquanto fazia algo que não devia estar fazendo.
Quando saiu do quarto, deu um pulo de susto.
- Ai, que estresse – reclamou Ashley, olhando-a com um sorriso. A amiga estivera em frente à sua porta. – E aí, vamos?
Elas haviam combinado no dia anterior.
- Sim. Por que não bateu? – disse Susan, de mau-humor, massageando o próprio coração.
A outra deu ombros.
- Acha que tem um basilisco aqui? – perguntou a amiga, apontando para o teto.
Susan olhou e não viu nada além das pedras ao alto.
- Quê? Por que haveria de ter um basilisco aqui? – indagou, estranhando.
- Não sei – disse cinicamente. - Deve ser porque o nome do lugar é Basilisk Hall, não? – disse Ashley, encarando-a como se fosse óbvio.
Susan encarou-a também.
- Acho que já há serpentes gigantes demais em nossas vidas – disse sombriamente.
- Quê? – intrigou-se Ashley, como se não tivesse ouvido bem.
- Nada – respondeu Susan rapidamente, e saiu em direção as escadas.
Ashley alcançou-a com alguns passos grandes. As duas continuaram até as escadas sem dizer nada, provavelmente pelo horário, cedo demais para que estivessem realmente acordadas.
- Ah, não – resmungou Ashley, tristemente.
- Hum? – fez Susan, descendo os primeiros degraus da escadaria.
A amiga estava olhando parada para o fim da escada.
- Que preguiça de descer isso… - falou, em meio a um bocejo.
- Você está sempre morrendo – reclamou Susan, franzindo a testa.
- Claro que sim – respondeu Ashley, ainda desanimada com a expectativa de descer oitenta e cinco degraus até o térreo. – Culpa do fuso-horário.
Susan queria responder que Ashley sempre estivera morrendo, mas resolveu ignorar aquele pensamento.
As duas desceram quase silenciosamente as escadas até o hall de entrada. Claro, resmungando um pouco, mas no geral, em silêncio. Passaram quietas pelo arco do salão de refeições, guiadas pelo cheiro dos pães quentes e do suco de abóbora fresco, imaginando somente encontrar comida na cozinha com os elfos-domésticos, já acordados à uma hora antes, mas pararam de chofre quando viram a mesa servida. Ainda mais quando alguém sentado à mesa levantou os olhos para olhar quem havia acabado de entrar.
Susan sentiu-se corar quando dois olhos cinza-grafites se encontraram com os seus, mesmo do outro lado da mesa, parecendo demorar para focalizar alguma coisa, para depois volta-los para Ashley ao seu lado. Ele pareceu finalmente reconhece-las e fez um gesto de cabeça para que não se acanhassem e pegassem cadeiras.
As duas foram pegar dois lugares à mesa e, enquanto isso, ela disse:
- Não esperávamos encontrar alguém aqui tão cedo – confessou.
Ele baixou os olhos para, via Susan agora, o jornal que estava sobre a mesa à sua frente. Lord Voldemort parecia desgostoso consigo mesmo por algum motivo desconhecido.
- Estou aqui desde as quatro horas. Estava esperando o correio – comentou ele, indicando-lhes o jornal.
As duas se entreolharam por um instante. Mania estranha tinha limites.
Ele deu um sorrisinho indescritível.
- Na verdade, não estava conseguindo dormir, mas isso não é novidade – disse em voz baixa, agora apoiando o rosto numa das mãos.
- Nós íamos dar umas voltas por aí – disse Ashley, entregando o plano, enquanto se servia de uma rosquinha.
- Bom – respondeu ele, sem demonstrar nenhuma emoção em especial. – Vão descobrir que B.Hall tem oito andares, trinta e duas escadas públicas, trinta e sete salas, quatrocentos quartos, cinco torres e oitocentos e setenta quilômetros quadrados de jardins.
Susan estava olhando-o com a boca aberta.
- Uau – disse ela, esquecendo-se de comer seu pedaço de pão.
- O que você quis dizer com “escadas públicas”? – perguntou Ashley, interessada.
- Escadas que têm acesso normal, na área pública do castelo, ou melhor, que todos podem usar – respondeu ele, pacientemente.
- Está dizendo que há escadas escondidas aqui? Passagens secretas? – perguntou a amiga, na ponta da cadeira.
- Sem dúvidas. Não podia faltar, não é? – disse ele, parecendo se divertir com o entusiasmo dela.
- Alguma Câmara Secreta? – interrogou Susan, insinuante.
- Ah, não aqui – falou ele, revirando os olhos. – Uma já é o suficiente, e receio que se um trouxa entrar aqui eu possa ter o prazer de matar pessoalmente.
As duas deram risadinhas. Susan voltou a se concentrar nas suas torradas e levantou os olhos significativamente para Ashley.
- Er, então acho que já vamos. Precisamos ver tudo isso ainda hoje – disse a amiga, pegando alguma torradas e empilhando-as sobre um guardanapo. Susan já fazia o mesmo.
- Certo. Vocês vão realmente precisar – respondeu o Lord das Trevas ligeiramente desinteressado, retornando sua vaga atenção ao jornal.
As duas se levantaram de seus lugares e caminharam sem pressa até o hall de entrada. Àquela hora o silêncio do lugar chegava a ser assustador.
Elas olharam para dois arcos ao redor. Decidindo-se aonde ir, e acabaram escolhendo o arco à sua esquerda, que parecia ser a Ala Leste.
- Quatrocentos quartos, é? Como vamos saber quais são os fora de uso? – reclamou Susan em voz baixa, rumavam para as escadas lentamente. Ashley estava concentrada no seu café da manhã e não respondeu.
Foram subindo os andares e se deparavam somente com portas fechadas. Tentaram abrir algumas, mas só o que conseguiram foi fazer força em vão. A Ala Leste, diferente da Ala Oeste, que tinha tapeçarias verde escuras e detalhes em prata e tapetes iguais, esta tinha tapeçarias e tapetes negros e os archotes de ferro e acabamentos das portas pareciam várias vezes mais rústicas; de fato era um ala do castelo bem sombria.
Havia uma escadinha de pedra em que levava às masmorras. Estas eram um longo corredor estreito cercada de celas com grossas portas de ferro. Viram correntes presas nas paredes, e alguns fracos archotes mágicos estavam acesos numa luz esverdeada. Ao fim do corredor havia um arco meio lascado de pedras que dava para uma ampla sala, repleta de frascos, caldeirões e grandes lareiras. Imaginaram que seria uma sala onde se preparavam poções e venenos.
Mais acima, na parte social do castelo, encontraram várias portas trancadas e vidraças com as cortinas fechadas. Haviam alguns poucos quadros nas paredes, de bruxos mal-encarados que fitavam-nas de cara feia enquanto passavam. Encontraram algumas poucas portas abertas, que descobriram ser banheiros, armários de vassouras e, ocasionalmente, quartos fora de uso, por sinal bem inferiores aos delas. Estes tinham apenas duas camas de solteiros, uma lareira pequena, uma escrivaninha e um banheiro simples, sem chuveiro e nem muito menos banheira.
No último andar, elas encontraram uma grande porta dupla que descobriram dar para uma enorme…
- …Biblioteca! Oh, meu Deus, que incrível! – exclamou Ashley, olhando para o alto.
- Espantoso… - murmurou Susan, olhando ao redor.
A biblioteca de Basilisk Hall era uma sala ampla, as paredes repletas de estantes de livros. Por ser um salão alto, os outros quartos mais baixos ao lado pareciam suportar uma parte da biblioteca em cima, pois havia uma escada em caracol que levava à um segundo andar, um lugar com o teto mais baixo que tinha várias estantes. No centro da sala havia alguns sofás negros e uma mesinha de vidro que contrastava com o resto da ala. Aquele lugar era o mais próximo do luxo que tinham visto no castelo. A sala tinha quatro faixas de parede que se estendiam até o alto sem estantes de livros; bem de frente para a porta havia uma vidraça que ia do chão ao teto acompanhada pelas cortinas negras e as pedras do chão reluziam de tão polidas; também havia duas grandes lareiras ao longo do grande salão e grandes tapeçarias nas paredes sobre elas, com desenhos que se mexiam. A quarta faixa se dedicava à uma longa cortina negra que estava corrida, que provavelmente tampava outra vidraça.
As duas, loucas por leituras, foram para lados diferentes, observar aquilo tudo detalhadamente, ver que tipos de livros estavam ali, que depois de algumas dezenas de minutos descobriram ser todos os tipos. Era outro sonho demente que realizavam em menos de três dias.
- Ah, que coisa incrível! Que situação agradavelmente inacreditável – dizia Susan, com um sorriso excitado no rosto, enquanto sentava-se num sofá e colocava uma braçada de livros sobre a mesa. Ashley juntou-se a ela segundos depois.
- Com certeza. Só o que faltava agora era uma de nós se casar com o inominável – disse a amiga, sonhadora.
- Nada agora é impossível – respondeu Susan, alongando o sorriso. – Não seria nada mal.
- Não seria nada mal?! Seria o suficiente para que eu morresse feliz – riu-se Ashley, a cara enfiada num livro enorme.
- A aposta está de pé. Oras, talvez uma de nós consiga – disse, insinuante, se apressando a fazer o mesmo que a outra.
- Sim… Su, você viu como ele fica bonitinho mesmo com sono? – disse a outra, pousando o livro no colo.
Susan também baixou o seu.
- Eu vi – disse baixinho. – Ai que vergonha, Ash! Descer e encontrar ele lá, sozinho…!
- Eu sei, eu sei… Faz tempo que estamos encalhadas, mas comporte-se, mulher!
Susan estava dando pulinhos no sofá de emoção.
- Sorte teve essa aí que conseguiu alguma coisa com ele, digo, a mãe do seu cunhado – continuou Ashley, pronunciando o “cunhado” com bastante frieza. Mas Susan não percebeu.
- Sim, sim… ainda bem que morreu ou não teríamos chance. – Susan baixou a voz à um sussurro, que ecoou pelo salão deserto mesmo assim. – Ellen me disse que ele era completamente apaixonado por ela…
Ashley concordava distraída com a cabeça.
- Por que será que morreu? Me disseram que era mais nova…
Um movimento ao lado fez as duas erguerem a cabeça. As cortinas que estavam fechadas abriam-se devagarzinho. De início não viram nada, mas logo começaram a ver uma pintura grande que estava lá atrás.
Grandes olhos castanhos avermelhados piscaram para elas, espiando timidamente. Uma garota de uns dezenove anos com cabelos ruivos que batiam na sua cintura e um vestido cinza e dourado muito bonito estava olhando-as, parecendo confusa.
- Podemos ajudar? – perguntou Ashley, depois de algum tempo em que as duas encaravam o quadro e vice-versa.
- Hum… quem são vocês? – perguntou a pintura, curiosa.
As duas se entreolharam por um breve momento; Susan pensou ver um trejeito de sorriso nos lábios da amiga antes dessa voltar os olhos para a outra.
- Somos Comensais da Morte – respondeu Ashley, convincentemente.
A ruiva arregalou os olhos.
- Quê? – espantou-se.
- Isso mesmo. O Lord das Trevas achou melhor recomeçar a recrutar gente, sabe, porque ainda têm muitos trouxas mundo afora para matar…
- Ele não faria isso – interrompeu a garota, incrédula.
- Não acho que ele acharia importante te contar isso, não é? – respondeu Ashley friamente. Susan olhava de uma para outra.
A pintura fez uma cara muito indignada.
- Claro que ele me contaria – disse ela, parecendo magoada. – Ele não fez isso… Tom não faria isso sem e consultar.
As duas deram risadinhas.
- Essa aí se acha muito importante – murmurou Susan, dando uma risadinha para Ashley.
- E vocês pelo jeito se acham mais do que eu – retrucou o quadro com frieza.
- Claro. Somos namoradas dele – disse a amiga, divertida.
A garota do retrato pareceu precisar de vários segundos para entender o que ela falara.
- Ora, não seja ridícula, sua pirralha metida à besta! Ele é meu! MEU!
- Nossa, que estressada – disse Susan, calmamente. – E possessiva também.
- É mais fácil ele se interessar por gente de carne e osso do que por quadros, não acha queridinha? – disse Ashley com ironia.
A figura do quadro cerrou os punhos com raiva.
- Não sejam idiotas. Tom pode ter matado algumas centenas de pessoas, mas ele não se rebaixaria a esse ponto. Nunca soube que ele teve tendência a poligamia – retrucou a pintura da garota ruiva, secamente.
As duas riram mais um pouco. Ah, como gostavam de gozar com a cara dos outros…
- Aceite a derrota, garota. Ele é muito bonitinho mas não é pro seu bico – disse Susan com desdém, sorrindo sadicamente.
- ORA, SUA INSOLENTE IMUNDA! REPITA O QUE DISSE AGORA SE FOR MULHER! – gritou a pintura, fuzilando-a com os olhos.
As duas se sobressaltaram, mas não deram o braço a torcer.
- Ele é muito bonitinho mas não é para o seu bico! – repetiu Ashley, com um ar de que nada poderia afetá-la.
- QUEM VOCÊ PENSA QUE É? – urrou a outra, fora de si de ira.
- Ih, garota, você está por fora. Por que não se senta? Vai se cansar de ficar em pé, sabe. Eu sou Ashley Kirst e essa é Susan Stringfellow. Muito prazer em conhecê-la – Havia um sorrisinho cruel no seu rosto quando disse isso.
A pintura da ruiva parecia ter lágrimas de ódio nos olhos e prestes a explodir com a audácia quando algo desviou-lhes a atenção.
- O que é que está acontecendo aqui? – perguntou a voz autoritária de alguém que acabava de aparatar no meio do salão. – Gina, você me espanta; dá p’ra ouvir sua voz do hall.
Susan fixou os olhos em Tom Riddle e sentiu a cor e a satisfação daquela provocação esvair rapidamente como se tivesse tido varrida pelo vento. Estavam perdidas!
- Tom, seu babaca, quer dizer então que é só eu morrer e você já começa a criar um harém?! – explodiu a garota ruiva, os olhos apertados de fúria.
- Quê? – admirou-se ele, erguendo as sobrancelhas para o quadro.
- Não se faça de idiota, você sabe do que eu estou falando! – disse a garota, furiosa, parecendo inchar de tamanho com as mãos na cintura de modo ameaçador.
Ele ficou mirando-a meio boquiaberto por um instante, para depois voltar os olhos para as duas. Susan sentiu-se corar tanto que quis sair correndo dali. Mas ele somente deu um sorrisinho incrédulo.
- Não seja louca. É a irmã de Ellen e a amiga dela, eu nem as conheço direito – explicou, pacientemente, parecendo agora se divertir. – Que ciúmes, heim?
- Claro que tenho. E com todo o direito. Não quero você andando p’ra lá e p’ra cá com essas pirralhas, Tom, eu não quero! – sibilou a ruiva, as sobrancelhas cerradas e deixando-se cair na cadeira em que fora pintada com os braços cruzados.
- Peraí, quer dizer então que essa aí é a toda-poderosa Lady das Trevas? – perguntou Ashley, olhando para a pintura com uma expressão azeda no rosto.
- De certa forma, é – respondeu Tom, sem nenhuma emoção que pudessem definir no momento.
A garota do quadro virou-se para elas. Encarava-as ainda com desgosto.
- Era tudo mentira o que vocês disseram, não é? Era só uma brincadeirinha de mal-gosto, espero – resmungou ela, mirando-as de cara feia.
As duas hesitaram um pouco, engoliram seus orgulhos e responderam que sim com a cabeça.
- O que elas disseram? – perguntou Tom, parecendo curioso.
Susan e Ashley se entreolharam brevemente e depois levantaram os olhos para a pintura. Se ela contasse, Susan não sabia se seria capaz de conseguir olhar na cara dele de novo.
A moça da gravura pareceu pensar exatamente a mesma coisa, pois deu um sorrisinho cruel.
- Eu não conto se pedirem desculpas – sentenciou ela sombriamente.
- Golpe baixo – reclamou Ashley, cerrando as sobrancelhas e fazendo careta para os próprios sapatos.
- Não conta o quê? – perguntou o outro, ainda mais curioso.
- Peçam desculpas – disse a tal de Gina, num tom de voz muito irritante.
As duas grunhiram um pouco, antes de resmungar um “desculpe” muito seco para o chão.
- Muito bem! Não foi tão difícil, foi, garotas? – disse a outra num quê de superioridade.
- Acho que quero ver outra parte do castelo, você não, Susan? – disse Ashley, ignorando o comentário. – Vocês nos dão licença?
A moça saiu farfalhando da sala e Susan correu atrás dela.
- Acho que eu não me daria tão bem com essa daí se a encontrasse pessoalmente – resmungou Ashley, grunhindo, alguns passos à sua frente.


As duas voltaram para o castelo somente quando já estava escurecendo. Haviam passado bastante parte do dia pelos jardins, conhecendo as grandes extensões de terra que fazia parte da propriedade. Na verdade queriam achar o cemitério para depredar o túmulo de Gina Weasley mas não acharam, então tiveram que se contentar em dar umas voltas por aí.
Quando chegaram no hall, Ellen estava descendo para o café da tarde e veio apressada em direção a elas.
- O que foi que vocês aprontaram hoje de manhã? O castelo todo acordou com os gritos da Gina, e olha que a biblioteca fica longe…!
- Calma, Ellen, respira. Não aconteceu nada demais – disse Susan conformada. – Nós só tivemos uma discussão, só isso.
- Mas a coisa deve ter sido séria. Eu nunca vi um quadro gritar tanto em toda a minha vida.
Aquela tal de Gina é que é uma histérica, pensou Susan, enquanto fingia ignorar o comentário da irmã. A verdade é que quanto menos tocarem no assunto mais paz se teria.
- Estamos com fome, já está na hora do lanche? – perguntou Susan, admirando seu relógio de pulso que ganhara de aniversário e nem sabia que era trouxa.
- É, acho que já. Onde vocês estiveram? Têm certeza que não querem que eu as leve para ver o castelo todo? Eu…
- Ellen, sossega. Nós somos grandinhas o suficiente para andarmos sem a babá, não acha?
- Eu preciso responder?
- Não – disseram Susan e Ashley ao mesmo tempo, amarrando a cara.
- Dá um tempinho p’ra gente, OK? Já pagamos mico o suficiente por uma semana hoje – disse, desanimada.
Ellen agora parecia começar a se divertir.
- O que aconteceu? O quadro da Gina não quis me contar – disse ela, com um sorriso cúmplice –, mas eu suponho que só há uma coisa capaz de fazê-la se descontrolar desse jeito…
- Não espalha! – sibilou Ashley, encarando-a, depois checando se estavam sendo observadas. – Se você abrir a boca estamos fritas!
- Hum… - fez Ellen, encarando-as com visível diversão agora. – Se realmente querem alguma coisa nesse sentido, sugiro que falem com Dylan.
- Não é nele que estamos interessadas – resmungou Susan, mau-humorada.
- Não, não é isso que eu estou falando. Eu só acho que ele as ajudaria em algum plano para fazer isso dar certo. Ele vive dizendo ao Sr. Riddle para “partir p’ra outra”, se é que vocês me entendem.
As duas se entreolharam. Era uma informação valiosa.
- Ah, droga!
As duas se viraram para ver de quem era o praguejar furioso às suas costas e viram vários papéis no chão, parecendo relatórios e mapas.
- Ah, não, droga! – Julliet Riddle levantara os olhos para as três e pareceu aflita consigo mesma. Tinha uma pilha de pergaminhos e formulários estranhos nos braços. – A outra metade ficou no Ministério – explicou em um tom exausto.
Elas iam ajudar a recolher os pergaminhos quando a garota puxou a própria varinha e disse “arrumar papéis!” e tudo voou para seus braços já sobrecarregados. Bastou um “Retraccio!” para que todos os papéis saíssem flutuando pelo saguão e tomassem o arco da Ala Oeste em fila.
- Isso… Agora, o que eu estava para fazer mesmo? – perguntou-se, batendo a ponta da varinha na cabeça de cabelos ruivos enquanto pensava, de onde saiam fagulhas brancas. Com um “ah” de quem havia se lembrado, tornou a aparatar para algum lugar, deixando-as olhando para o nada.
- Parece que resolveram mandar o lixo para a casa dela, não? – disse Ashley sorrindo.
- Lixo? – indagou Ellen, ainda olhando para o lugar onde Julliet sumira. – Ah, não, deve ser trabalho.
Ashley e Susan deram risadinhas.
- É o primeiro emprego dela? – perguntou Susan, sorrindo.
- Sim. Por quê? – perguntou a irmã, curiosa.
- Pode crer, Ell: isso é lixo – disse, rindo, enquanto Ashley fazia o mesmo. – É o que fazem com os novatos. Provavelmente relatórios de quatro anos atrás e jornais velhos com fotos de alguém do departamento.
- Eles não fariam isso – disse a outra, horrorizada.
- Ah, onde está seu espírito sonserino, Ellen? Aliás, isso não é maldade, é somente um “boas-vindas” mais material, entende? – explicou Ashley, pacientemente, como se estivesse abrandando uma travessura terrível para ensiná-la a um irmão mais novo.
Susan começou a circular. Já estava cansada de ficar parada em pé.
As outras duas seguiram-na, ainda discutindo entre si. Elas seguiram caminho para o salão de refeições onde duas pessoas já estavam lá, sem se falarem, apenas fazendo suas refeições em silêncio.
- Olá, olá – saudou Susan, pegando uma cadeira.
Dylan e sua esposa, Emelly, cumprimentaram-na educadamente, mas não fizeram mais do que isso.
- Oi, Dylan, oi Emy – disse Ellen, também pegando um lugar à mesa. – Não sabem se Rick chegou, ou sabem?
- Bem, querida cunhada, pensei que já tinha aprendido que seu marido agora passou a própria casa para segundo plano. É possível que ele não venha para o jantar hoje – falou o outro calmamente enquanto cutucava seu sucrilhos, fazendo as duas rirem.
- Hum… e os garotos foram para a Toca, suponho – disse Ellen com uma expressão desgostosa. – Ultimamente ninguém fala mais nada para mim – reclamou ela, triste.
- Não se lamente, os jovens são mesmo insensíveis – disse Dylan solenemente. Ellen olhou para ele e deu uma risadinha.
- Certo, senhor adulto. Mas isso não explica Rick – disse, provocante.
- Ah, Ell… Richard é uma criança – falou, fingindo-se estar pensando seriamente em um assunto e ignorando a indireta dela.
As quatro riram.
Dylan olhou discretamente para a mulher mas ela parou de rir e desviou os olhos novamente para suas torradas.
Erika chegou segundos depois. Lançou um olhar mau-humorado para todos e pegou a cadeira mais longe de todos. As pessoas fizeram um silêncio momentâneo à chegada da moça.
As duas se entreolharam brevemente. Erika não parecia alguém em que se devesse chegar e puxar assunto se não quisesse levar uma azaração bem dada na cara. Aliás, já souberam que ela trabalhava com feitiços experimentais e que provavelmente quem brigasse com ela iria viver o resto da vida com maldições até que seus contra-feitiços fossem descobertos.
Roy Petterson, o marido dela, inda não havia chegado, e provavelmente era a pessoa que mais tinha domínio sobre ela naquela casa. Susan ainda não comparara sua convivência com o pai, mas provavelmente ela devia respeitá-lo também. Pelo menos o Lord das Trevas…
Mas seus pensamentos foram desviados pela chegada de Julliet. A moça deu oi a todos e se sentou ao lado de Dylan. Não passou mais de dez segundos, um rapaz um pouco mais velho entrou pela porta da Ala Leste e foi se sentar em frete à ruiva.
Podia ser paranóia de Susan, mas ele parecia olhar insistentemente para a garota. Não parava de lançar-lhe sorrisos e tirar uma mecha loura de cabelo dos olhos azuis claros, embora Julliet não lhe desse atenção. Ela então compreendeu, enquanto esforçava-se para não rir da cena: o rapaz parecia mais uma adolescente tentando atrair a atenção de um rapaz que não lhe dava a mínima. Julliet virou-se para o irmão e começou a conversar, deixando o louro ligeiramente desapontado. Mas este se recompôs rápido e pôs-se a passar geléia na sua torrada, conformado com a derrota.
Ao que ia entardecendo, conversa ia e vinha, as duas já estavam ficando enturmadas no meio da galera, que viram ser tão divertidos quanto seus amigos nos Estados Unidos. Quando terminavam o café a mesa já estava bem mais cheia, sendo que já haviam feito amizade com a maioria dos moradores do castelo.
No fim daquela refeição, todos se levantaram e Dylan, revelando-se um homem muitíssimo simpático e engraçado, convidou todos para continuarem a conversa na sala de estar da Ala Norte, sua preferida de acordo com ele próprio. Susan e Ashley foram, assim como Ellen, Julliet, os Malfoy, os Lestrange e os Riddle (na ocasião Dylan e Emelly).
A sala era um lugar aconchegante, tinha uma lareira grande no centro, dois armários com portas de vidro contendo livros e brasões, as paredes tinham uma tapeçaria roxa como em toda a Ala Norte e tinham castiçais bonitos de prata, onde as velas reluziam, mostrando os sofás e poltronas pretas e a mesinha reluzente de centro feita de uma madeira avermelhada muito bonita. No centro desta havia uma bandeja com garrafas de bebidas e taças, para a ocasião de um encontro social.
Já era bem tarde quando as pessoas começaram a ir para seus aposentos. Os Malfoy e os Lestrange saíram juntos. Emelly saiu logo em seguida, virando-se para encarar o marido com seus olhos castanho claros para dizer que estaria no quarto e que não entrasse no banheiro, o que foi imensamente estranho, tratando-se de um casal, mas que o homem concordou discretamente e deixou-a sair, privando a sala de seus curtos cabelos louros.
Ellen olhou de relance para Ashley, depois para Susan, e seus olhos tinham uma mensagem clara. Seria Julliet cúmplice do plano delas?
A irmã voltou-se para a cunhada, encarando-a com um ar importante.
- Jully, você sabe guardar segredo? – perguntou num tom urgente. Dylan até desencostou-se da cadeira para ouvir melhor.
- Com certeza – respondeu a jovem, devolvendo o olhar da amiga. – Por quê? O que está acontecendo agora?
Ellen indicou a irmã e Ashley com a cabeça, lançando-lhe um olhar significativo.
- Elas apostaram quem vai conseguir ficar primeiro com seu pai – disse, sem tomar ar.
Julliet levantou um pouco a cabeça, observando-as avidamente, enquanto Dylan quase caia da poltrona de tanto rir.
- Ah, meu Deus, vocês não fizeram isso! – disse, numa voz parecendo assustada, porém divertida.
Dylan teve que jogar para trás os cabelos que lhe caíram nos olhos enquanto estivera rindo. Pulou da poltrona onde estava para um lugar no sofá ao lado da Ashley, ainda incrédulo da notícia.
- Aí, gostei de vocês duas. Toquem aqui! – disse, enquanto trocava um toque de mão com as duas. – É assim que se fala, nada de ficar olhando de longe, tem que ir à caça! Jully, isso não é demais?
- Não sei, Dylan! – disse a irmã, ainda parecendo demasiada chocada para apoiar alguma coisa.
Dylan ignorou a resposta da irmã com um abano de mão, jogando novamente os longos cabelos negros para trás com a outra, enquanto voltava-se para Ashley e Susan.
- Não liguei para ela, está só um pouquinho assustada. Olhem – disse, pulando do sofá para sentar-se na beirada da mesinha, fazendo os cristais na bandeja tinirem. - Eu adorei a iniciativa de vocês. O que posso fazer para ajudar? Qualquer coisa, é só pedir.
Ellen abriu um sorriso.
- Sabia que podíamos contar com você, Dylan – falou, sorrido de orelha a orelha. – Só queríamos algum apoio, algum suporte para as picaretagens que queremos aprontar para que o plano seja bem sucedido, entende?
- “Queríamos”? – repetiu ele, sorrindo. – Ellen, sua moça assanhada! Richard é aquela seriedade toda mas não merece ser chifrado, ainda mais com o próprio pai!
Susan achou graça em ver a irmã corando.
- Não… Você entendeu o que eu quis dizer! – respondeu ela, sem-graça.
- Eu sei, cunhadinha. Estava brincando – disse o homem, gentilmente, quando viu ela corar mais ainda.
Virou-se então para as duas. Susan desde então nunca o vira tão contente.
- Vou ajudá-las, com certeza. Duas! Uau, o velho Tom estava precisando mesmo de um pouco de ação em sua vida pacata! Mas digam, sócias: como posso ajuda-las nesse plano diabólico?

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Resolvi postar o segundo capítulo; julguei que já demorei demais. Mas aviso que não me deu tempo de revisar o capítulo e que há ainda algumas coisas não acertadas, como a música do começo do capítulo (cada um vai ter uma). Pretendo arrumar tudo isso assim que eu terminar a fic e gostaria que visse ma versão final, depois de tudo. Bom, esse é meu recado. Peço desculpas por quem esteve esperando. Enfim, começarei a postar regularmente.
Atenciosamente,
Arkanusa

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