Dezesseis Odiados Anos

Dezesseis Odiados Anos



I


“Hold on to me love

You know I can’t stay long

All I wanted to say was I love you and I’m not afraid

Can you hear me?

Can you feel me in your arms?”


Holdin my last breath

Safe inside myself

Are all my thoughts of you

Sweet raptured light

It ends here tonight”


My Last Breath, Evanescence



Tom não se lembrava de algum dia ter sido tão feliz com alguém como estava sendo agora, Tinha quatro filhos lindos, dividia um castelo de oito andares com seus melhores amigos, com uma mulher maravilhosa que ele amava mais do que tudo no mundo.

Agora tinha-a nos braços, na tranqüilidade daquela tarde, na calma e carinho que tinham um pelo outro. Ambos miravam, deitados na grama, o céu anil e suas nuvens rosadas que eram visíveis além das cinco torres do castelo.

Ele não sabia descrever o que era aquilo. Não sabia dizer como a calma e o sossego eram melhor que a ação e a agitação que quisera a vida toda.

Gina se mexeu, gemendo ociosa, e levantou a cabeça de seu ombro. Ela piscou sonolenta para ele, esticou o pescoço e arrancou-lhe um beijo de tirar o fôlego.

- Por que é que está me beijando? – perguntou, embevecido, assim que ela despregou a boca da dele. – Por acaso não está pensando em entrar e perder esse pôr-do-sol maravilhoso, está?

- Julliet já deve ter acordado – respondeu ela com um sorriso cansado, sentando-se e ajeitando as vestes e os cabelos. – Tenho que dar-lhe de comer.

Ele deixou a cabeça cair na grama novamente. Estava mesmo bom demais para continuar por muito tempo.

- Pelo menos me dê outro beijo antes de ir – disse Tom, com receio de perder a deliciosa tranqüilidade daquele pôr-do-sol se fosse com ela.

- Apenas se disser que me ama – respondeu Gina, sorrindo com malícia.

- Eu te amo.

Ela inclinou-se sobre ele e Tom tomou-lhe os lábios doces num beijo caloroso que demorou o suficiente para que ambos estivessem satisfeitos.

- Também te amo – ele escutou, de olhos fechados, da voz dela que se levantava. - Nos vemos mais tarde.

Mas ela não sabia, nem ninguém.

Aquela tarde, minutos depois, ao entrar no saguão de Basilisk Hall, não imaginava que sua vida iria mudar para sempre.

Ele demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. Ele via Lúcio, pálido, ao pé da escada, Narcissa, Rodolphus e dois de seus filhos mais velhos, olhando para um canto do hall. Tom olhou também, e viu um homem segurando Gina pelos cabelos. Apontava a varinha para sua têmpora.

- O que…? – perguntou, sem entender. Mas estava tão surpreso com aquilo que não pensou em tirar a varinha do bolso, nem o pentagrama.

O homem que segurava a moça tinha os olhos faiscantes de vitória, parecia cego de triunfo. Ele deu um sorriso maldoso e falou, em voz alta.

- Eu vou matar toda a sua família, como você fez com a minha! – sibilou para ele, a voz carregada de ódio.

Então compreendeu. Arregalou os olhos. Não a sua Gina…

- Você… você não sabe o que está dizendo. Você não vai matar ninguém – disse, a voz firme, tentando forçar a si mesmo a acreditar no que saia de sua própria boca. – Eles não têm culpa de meus erros…

- Minha mulher e filhos também não tinham! – gritou o homem, parecendo de repente muito perturbado.

Ele fechou os olhos por um momento, para rearrumar os pensamentos. Mas disse o que sabia que era verdade.

- Se dá tanto valor assim à memória de sua família, não faça aquilo na qual irá se arrepender até o fim de seus dias – disse, fixando os olhos em Gina.

Ela abriu um pequeno sorriso no rosto pálido e temeroso. Seus grandes olhos calorosos brilhavam mais do que tudo naquele lugar.

- Por que eu iria privar você de sentir um pouco da dor que eu senti? – desafiou o homem.

Tom piscou. Olhava diretamente para a mulher e disse o que sentia.

- Porque essa mulher me fez perceber o quão importante uma pessoa pode ser para outra. E se você tirar ela de mim – continuou ele, falando mais para Gina do que para qualquer outra pessoa – você vai acabar comigo, sabe? Você vai me destruir, vai tirar a pessoa que me fez vacilar, que me fez olhar para o céu pela primeira vez que me fez vez que sou apenas humano…

Gina sorria e chorava ao mesmo tempo. O homem que a tinha de refém parecia relutar insistentemente para não desistir do que viera fazer. Este respirou fundo quando empurrou-a para frente.

- Por Marlene! – E foi a última coisa que ouviu.

O outro apontou a varinha ao mesmo tempo ele pegava a sua. Mas não agiu à tempo. Houve um raio violeta enegrecido que piscou no castelo escuro e os cabelos longos de Gina esvoaçaram pelo que pareceu uma eternidade, antes que ele sentisse o contato gelado da pele dela atirada violentamente nos braços dele.

Lentamente, os olhos arregalados, a pele pálida como pergaminho, ela escorregou para o chão e arrastou Tom junto dela.

- Está… doendo… - disse ela, com dificuldade. Encolhia-se, como se sentisse frio.

Tom estava indiferente aos berros ao redor, dos outros caçando o homem. Seus olhos eram todos de Gina. Suas lágrimas e seu coração também…

- Você vai ficar boa, minha querida. Nós… nós vamos te curar, vai ficar tudo bem… - dizia ele, tentando por tudo impedir-se de chorar, mas sentindo que estava fracassando.

- Tom – disse ela, com dificuldade, dando um sorriso melancólico –, eu estou morrendo…

- Não! – exclamou ele, as lágrimas molhando-lhe os olhos e o rosto ainda mais pálido do que o habitual. – Você não está morrendo Gina!…

Ela deu uma fraca tosse e um filete de sangue escorreu de sua boca…

- Prometa-me, Tom – disse ela com a voz tão fraca que não passava de um sussurro – que você vai cuidar de nossos filhos que eu amo tanto…

- Gina… - sussurrou. Nunca sentira uma dor tão grande quanto aquela.

- …e que não vai faltar à eles nunca, Tom. Prometa-me.

- Eu não vou conseguir sem você!… - disse, a voz fraca, abraçando com mais força ao corpo inerte de sua mulher. – Eu não sou forte o bastante…

Ela deu uma risadinha fraca.

- Seja forte por mim…

- Eu te amo. Não posso mais viver sem você! Por favor, Gina, por favor… resista!… - suplicou ele, acariciando delicadamente, trêmulo, a face sem cor da garota.

- Dá-me um último beijo, entes de… - disse Gina, esforçando-se, sem conseguir terminar a frase.

Ele fez o que ela lhe pediu, sentindo um aperto terrível dentro de si. Seus olhos ardiam tanto que ele os apertou. As lágrimas que há tanto não sentia o gosto entrou na sua boca, misturando-se ao gosto adocicado do sangue. Tão doloroso era ter o pensamento que aquele seria o último beijo, o último de tantos; que seria a última vez que sentiria o calor suave dos lábios de sua garota…

Eles se afastaram um pouco. Ela tinha os olhos fechados e as lágrimas de dor que escorriam destes infiltravam-se pelos seus cabelos vermelhos acobreados. O corpo de Gina parecia todo em sofrimento, e quando ela deu mais uma tossida pareceu consumir-lhe as últimas forças.

- …tão frio… - murmurou ela, estremecendo.

Tom pegou a própria capa e envolveu-a, para que se aquecesse no macio veludo negro que uma vez recebera um misto do suor de ambos, que se amaram intensamente… Aquela capa que ele próprio estendera sobre a mesa suja da masmorra para ter Gina, em fogo, quando os beijos e as carícias já não eram mais suficientes.

Agora, tendo em seus braços aquele corpo frágil, que não mais respirava, que não mais sorria nem transmitia aquele calor de sempre, ele se sentiu sozinho. Sozinho no mundo… Sozinho entre os próprios amigos…

- Gina… Gina… Fala comigo, Gina – exasperou-se, sacudindo seus ombros, mas ela não acordou…

“Não me deixe…!”, pediu, a voz mais baixa que um sussurro, rouca, mais dolorida que nunca.

Mas Tom sabia que era tarde demais.

E agora também sabia o que era perder alguém que amava.

Quando afundou os olhos na fronte das vestes dela, contendo o grito de dor que queria fugir de sua garganta, algo escapou de seu bolso e caiu na sua mão, que segurava o fino tecido da blusa dela.

Era o pentagrama, e brilhava incandescente numa luz branca.

No momento em que pegou a estrela, se viu no meio de uma luz muito clara. Não havia nada ao redor que fosse visível, somente a massa negra que era ele e suas vestes.

Do nada, surgiu um par de pés descalços no seu campo de visão. Eram pés femininos, claros de unhas lilases. Havia um cordão de ouro no tornozelo direito.

Tom levantou os olhos lavados de lágrimas para ver uma mulher alta, bela e inacreditável. Esta vestia-se de branco e dourado, tinha cabelos roxos ondulados até a cintura e espantosos olhos lilases. Ela não sorria, mas tampouco parecia brava.

- Tom Riddle – disse ela, com uma voz ao mesmo tempo rouca e sobrenatural. – Você conseguiu; consegue finalmente controlar o poder do pentagrama de ouro.

Ele piscou, sem entender.

- O quê? Quem… quem é você? – perguntou, confuso.

Pela primeira vez, a misteriosa mulher deu um fraco sorriso.

- Durante milênios de existência, você é o primeiro que me pergunta isso – disse, parecendo achar graça. – Eu sou a Deusa Mãe, guardiã dos espíritos dos quatro elementos.

Ela inclinou-se à sua altura e pegou gentilmente o pentagrama de sua mão. Sentou-se à sua frente e segurou o pingente entre os dedos de modo que ele pudesse ver.

- Veja – falou ela, delicadamente. – Cada uma das cinco pontas da estrela representa um elemento vital. – a mulher apontou para as duas pontas inferiores. – Terra e Água; o chão onde você pisa, onde habitam as flores; a chuva, o líquido da vida. Você já dominou suas forças à muito tempo, Tom.

Então apontou para o as duas pontas laterais.

“Ar e Fogo; o elemento que você respira e o calor e luz do fogo. Você também dominou esses dois elementos.”

Ela então apontou para a última ponta, aquela que apontava para cima.

- E esta, Tom, representa aquilo que você vem buscando por vinte e dois anos. Representa a capacidade de se tornar um ser superior.

Quando ele encarou, perplexo, aqueles olhos lilases que o fitavam da jovem mulher, não conseguiu se manter impassível. As lágrimas saíram.

- Por que agora? POR QUE AGORA?! – gritou ele, furioso, para a mulher. – Durante toda minha vida eu procurei o poder maior, o dom da imortalidade, do controle de tudo, sobre a vida e a morte, quis ser um ser divino… Mas agora! De que me adianta todo esse poder se não pude evitar que Gina perdesse sua vida?!

A jovem apenas suspirou e pousou uma mão sobre seu ombro.

- Um ser divino tem que possuir todas as virtudes de um homem comum, Tom Riddle. E hoje você sentiu a última delas.

Ele arregalou os olhos.

- Mas eu sempre amei Gina! Eu sempre amei meus filhos! Eu aprendi a amar! Eu aprendi! – gritou, sem entender.

A mulher apenas sorriu aquele seu sorriso triste e inexpressivo, e falou com sua voz rouca.

- O amor é uma nobre virtude… Mas a dor, a dor, Tom… é aquela que faz um homem dar valor aos seus sentimentos.

Ele fitou, sem ação, o pentagrama na mão dela. A imagem se embaçou e no momentos seguinte ele já não via mais nada, cegado pelas lágrimas.

- Então eu merecia sofrer a perda da pessoa que eu mais amo… para conseguir ser superior? – perguntou, temendo muito a resposta.

- Sim e não, Tom Riddle – respondeu, calmamente, a mulher que auto denominava-se Deusa Mãe. – Você, antes de ter em suas mãos um poder superior ao de qualquer outra pessoa nesse mundo, precisaria se arrepender do que fizera.

- Mas eu me arrependi! – desesperou-se, perplexo. – Eu me arrependi de ter matado todas aquelas pessoas! Eu me arrependi de um dia ter sido o monstro que fui! Então por que…?

A mão em seu ombro apertou mais um pouco.

- Você precisava sentir, Tom Riddle, aquilo que os outros sentiram quando, na frente de seus olhos, amantes, filhos e amigos foram sacrificados pelas mãos de um anjo das Trevas que se denominava Lord Voldemort…

Mas ele não ouvira mais do que isso. A dor dilacerante dentro de seu peito pareceu dobrar de intensidade com aquelas palavras, e chegaram a um ponto em que, por mais lágrimas que ele derramasse, já não conseguia demonstrar o que estava sentindo.

- Se algum dia essas pessoas puderem me perdoar… - disse ele, entre o choro descontrolado. – Eu nunca pensei que sentiria isso… Eu não sabia…!

A mulher passou a mão delicada pelo seu rosto e ergueu-o. Sorria-lhe tristemente.

- Eu sei, Tom Riddle. E você entende, não é?

- Entendo – respondeu, com a voz fraca. – Mas minha vida não tem mais nenhum sentido agora…

- Ela terá mais tarde – disse a mulher, calmamente. – Eu conheci muitos guerreiros, Tom Riddle. Nenhum deles chegou onde você está.

- E onde eu estou?

- Você – ela falou sorrindo – está num estado avançado demais para os humanos. Você agora é mais forte do que qualquer um que cruzar o seu caminho. Você provou que pode ser tão frio quanto protetor, e que é capaz de sofrer pela perda de alguém exatamente como qualquer outro. Agora você sabe o que é ser paciente, compreensivo, determinado, até cruel, mas agora você sabe sofrer… Vai depender somente de ti e da tua escolha levar adiante a destruição que começou décadas atrás, ou continuar a viver como um simples mortal.

Ele encarou-a, estupefato.

- Por que eu iria querer viver como um mortal? – perguntou, rouco.

Ela sorriu novamente.

- Você verá, Tom Riddle.

A mulher levantou-se, a mão ainda no seu rosto, de modo que ele olhava para cima agora.

- Não se passou um segundo desde que você pegou o pentagrama – informou com calma. – Se algum dia precisar de ajuda, Tom, chame pela Deusa Mãe. Eu virei te ajudar.

Ela deu-lhe um beijo na testa e passou a corrente do pentagrama pelo seu pescoço.

Nesse momento houve um clarão branco e ele sentiu os olhos ofuscarem. Quando os abriu, viu a face pálida e pura de Gina, parecendo mais um anjo lindo que dormia mortalmente em seus braços.

…E Tom nunca se arrependeu tanto de ter mandado matar Marlene McKinnon e o resto de sua família.



Desde esse dia que Tom cuidava com a vida da última lembrança que Gina lhe dera: a filha Julliet.

No dia da morte da mulher, a garotinha tinha apenas muitos poucos anos de idade. A cada dia que se passava, cada jeito, cada olhar, lembrava-lhe a mãe. E até hoje ele não se conformava que uma jovem e saudável mulher tinha que deixar a vida antes do marido bem meio século mais velho. Era muito doloroso pensar nisso…

Sua imagem no espelho refletia um homem de quarenta e três anos, olhos ávidos, cinzentos e escuros, pele pálida e lisos cabelos negros que lhe caiam sobre a testa. Na verdade, uma mecha grisalha agora fazia parte de sua aparência, dando-lhe um charme estranhamente experiente.

Mas esse rosto bonito era apenas efeito de uma poção da juventude que bebera há quase vinte e cinco anos atrás que fazia com que seu corpo envelhecesse mais lentamente que uma pessoa normal. Na verdade era bem mais velho do que aparentava ser.

Lembrava-se detalhadamente bem de como era sua vida sem Gina. Desde o momento em que Bellatrix surgira com Julliet chorando nos braços, que lutaram para fazê-lo largar o corpo imóvel de Gina e a levaram definitivamente para fora de sua vida, até o último segundo do presente.

Sim, não fora nada fácil… e ainda hoje tinha noites em que acordava pensando na sua doce Gina que não veria mais.

Por outro lado, todo esse tempo lhe fizera uma pessoa mais humilde, mais gentil. Sabia que nem todo dinheiro ou poder do mundo poderia lhe trazer de volta o que o destino lhe tirara.

O modo como criara Julliet fora mais ou menos um modo de criar uma nova Gina em sua filha. Ele aprendera a trocar fraldas, ele acordara todas as noites para dar mamadeira à filha, ele a ensinara a andar, ele permitira que a primeira palavra que a garota dissera fosse “papai”.

Tom lembrava-se de tudo isso com um pouco de nostalgia. Recordava-se de uma vez quando Julliet chegara até ele, ofegante, no auge de seus cinco anos, os longos cabelos ruivos esvoaçando às sua costas, o vestidinho branco de rendas balançando, com um sorriso imenso no rosto.

- Papai, vem comigo, papai! – dizia ela, exasperada, quando suas mãozinhas pegaram seu dedo indicador para fazê-lo levantar-se da escrivaninha de seu quarto.

- O que foi, Jully? – perguntou, espantado.

- Vem comigo, papai! Eu tenho que te mostrar…! – dizia, eufórica, com sua vozinha fina.

Ele saiu atrás dela, pelo menos fingindo que ela tinha força o suficiente para arrastá-lo. Julliet levara-o para fora do castelo, e contornou-o pelo oeste. Então chegaram em baixo de uma árvore e a garotinha soltou-o. Pulou cautelosamente por cima de uma raiz quase maior do que ela e deu uma risada feliz.

Tom olhou para ver o que a fazia tão divertida e viu uma gata cheia de filhotes. Cada gatinho tinha uma cor diferente e andavam sem parar, caindo uns por cima dos outros. Ele sorriu por um momento.

Julliet pegou um dos gatinhos. Ele era negro como seus cabelos.

Ela virou-se para ele, os olhinhos brilhando.

- Posso ficar com ele, papai? Por favor! – pediu a garotinha, passando a mão desajeitadamente nos pêlos negros do felino.

Ele sorriu para o espelho. Tinha consciência que Trevas hoje alcançara quase o tamanho de um tigre, mais ainda assim era o melhor amigo de sua filha.

Ele se lembrava também do dia em que a garota lhe perguntara como fora sua mãe, e ele se dera conta de que não tinha nenhuma foto de Gina em Basilisk Hall. Depois disso, mandou que um retrato de Gina fosse pintado e colocado na biblioteca.

Tom se levantou lentamente da frente do espelho. A verdade é que não estava tendo muito o que fazer. Apenas andar e vagar pelo castelo, ir de uma torre à outra… Mas logo teria o que fazer, já que Julliet e os outros chegariam das férias à qualquer momento.

Resolveu descer. Talvez Rick, Dylan e Erika estivessem tomando café ainda… Os jovens sempre tinham algum assunto.

Encontrou-os no salão de refeições numa conversa animada. Dylan parecia animado. Talvez fosse porque Jason chegaria da escola também.

Jason era filho de Dylan com Emelly e estava no quinto ano. Parecia-lhe que o filho e a mulher andavam meio brigados, mas como nenhum dos dois dissera nada, ele também não perguntara. Apenas lhe parecia que andavam um pouco formais demais.

Desde que Gina morrera que Dylan saíra do Peru, de uma carreira brilhante como artilheiro, e voltara para Basilisk Hall. Agora jogava quadribol no Ballycastle Bats, time escolhido porque “gostou dos uniformes pretos” (marketing pra tia Rowling: comprem Quadribol Através dos Séculos!).

Richard tinha um filho de dezoito anos com Ellen, Henri, e uma filha de quatorze, Lisa. Henri foi e Lisa agora estava indo muito bem na escola – sonserina, é claro. Já que todos os jovens estariam voltando hoje para as férias de verão, Basilisk Hall ficaria bem mais cheia.

Erika estava, como sempre, com aquela sua cara de tédio. Casada à treze anos com Roy Petterson, parecia que não estava com algum ânimo para ter filhos, já que até agora não tivera nenhum. Mas ele sabia que não era verdade; Erika era estéril.

A filha era, claro, uma errante para a família Weasley. Parecia brincadeira. A única filha que não daria seu nefasto sobrenome aos seus herdeiros não podia ter filhos. Nenhum feitiço ou poção pudera ajudá-la.

Lúcio e Narcissa Malfoy estavam à mesa. Assim como os outros, esperavam ansiosamente a chegada dos adolescentes. Gabriel estava com eles. Parecia à Tom que o casal achava que poderia fazer uma bela união do filho mais novo com Julliet, a filha do “Lord das Trevas”. Mas ele não sabia se aprovava isso ou não. Gabriel era no mínimo “anormal”, contudo fora criado no mesmo meio que seus próprios filhos e fora seu último aprendiz. Ele saberia proteger Julliet se algo lhe acontecesse…

Os Lestrange não haviam descido. Lutiannis Koller, Romulus Challanger, Teodorus Nott, Taurus Goldenfire, Algernon Rookwood e Athena Evrard já estavam lá. Geralmente a mesa não ficava tão cheia assim, já que cada família descia à uma hora diferente. Hoje, porém, era um dia especial.

Mas havia mais alguém à mesa hoje. Alguém que ele não via à algum tempo.

- Pai, você conhece uma coisa chamada “pente”? – disse Richard, erguendo os olhos assim que ele entrou.

- Bom dia para você também – respondeu, indiferente, indo até a cadeira da ponta, que, como sempre, estava vaga.

- Bom dia, Tom, querido – disse a Sra. Weasley, animada, do meio da mesa.

- Bom dia, Molly. À que devemos a honra de sua visita? – perguntou, educadamente para a “sogra”, servindo-se de um pedaço de pão.

- Eu vim aqui fazer um convite à vocês, queridos – disse a velha senhora, com um grande sorriso. – Fred e Jorge vão dar uma festa lá em casa nesse sábado, sabem, para comemorar o lançamento da filial das Gemialidades em Hogsmeade. – Todos ouviam com atenção. – E vamos aproveitar para comemorar o aniversário de Rony. Seria muito bom ver a família da Gina lá esse fim de semana, viu? Julliet e as crianças estão convidados também.

Ele viu os olhos de Dylan brilharem.

- Maneiro! – disse o filho, excitado, correndo os olhos pela mesa. – Vamos nessa, Rick?

Richard pareceu um pouco desapontado.

- Eu acho que não vou poder… Muito trabalho no Ministério… - começou ele, mas foi interrompido.

- Pare de dar uma de Percy! – reclamou o irmão, parecendo horrorizado, mas fez a Sra. Weasley rir. – Falte ao trabalho, seu estraga prazeres!

- Dylan – começou o outro friamente. – O homem mais cotado para ser o novo Ministro da Magia não pode ficar se dando ao luxo de faltar ao emprego.

- Oh, criatura humilde… - debochou o outro, encarando o irmão. Todos na mesa riram. – Richard, lhe trocaram no hospital, sabia? Não é possível você ser filho do pai e da mãe… Digo, você é sempre politicamente correto, cara.

- Eu diria isso se não tivesse visto-o nascendo – interpelou a avó dos rapazes, divertido.

Erika levantou os olhos para o irmão mais velho.

- E como espera ser Ministro da Magia, Rick? – perguntou ela, meio raivosa. – Se descobrem com quem você mora, pode perder as esperanças.

Os residentes de Basilisk Hall olharam para ela, estupefatos.

Ela fez uma cara de deboche terrível, levantou-se e saiu murmurando furiosamente um “francamente”.

Todos se entreolharam.

- Que bicho mordeu essa garota? – perguntou Dylan, surpreso.

Roy pareceu um tantinho desconcertado.

- Bem, pessoal… eu peço desculpas por ela. Erika não acordou de muito bom humor hoje… - E dizendo isso, também levantou-se e saiu atrás dela.

- Que novidade – comentou Dylan, revirando os olhos.

- Bem, pessoal, eu vou indo. – disse Molly Weasley se levantando.

- Não quer ficar para o almoço, Sra. Weasley? – perguntou Ellen, a esposa de Richard.

- Ah, querida, eu adoraria. Mas ainda tenho que alimentar as galinhas – respondeu a senhora, sorridente. – Espero vê-los sábado.

Todos se despediram brevemente e continuaram o café da manhã.

Quando finalmente a maioria das pessoas já haviam se dispersado, Ellen inclinou-se para ele.

- Sr. Riddle – chamou timidamente. Ele olhou num sinal de atenção. – Minha irmã está vindo para o Reino Unido no fim de semana com uma amiga… e como a casa é sua, eu queria saber se elas podem vir passar um tempo aqui, pelo menos até meu pai voltar de viagem.

Ele não respondeu de imediato. Então pensou um pouco e respondeu com uma pergunta.

- Você sabe que tudo relacionado à mim é segredo, não sabe?

- Sim, é claro que eu sei! – apressou-se ela em dizer. – mas eu aviso para minha irmã que é caso de vida ou morte, ela não vai falar para ninguém, eu juro!

Ele conteve a vontade de rir. Faziam vinte e dois anos que se conheciam e Ellen ainda tinha medo de falar com ele como na primeira vez que se viram.

- Certo – respondeu, voltando os olhos para seu suco de abóbora. – Claro. Será bom ver B.Hall cheia de novo.



II


Julliet entrou prontamente no banheiro da estação. Já estava acostumada com isso, ninguém para buscá-la na escola, como os outros... Embora soubesse que não podia ficar se dando ao luxo de querer que seu pai ou algum outro fosse buscá-la. Claro que Richard ou Dylan poderiam fazer a gentileza, mas eram demasiado ocupados. Contar com Erika era mais do que insanidade, era suicídio… Aliás, não era necessário. Todos sabiam aparatar muito bem desde muito cedo. Julliet já estava mais do que acostumada.

A garota, agora com dezessete anos, estando para fazer dezoito, estava à pia lavando as mãos, e até agora evitara se olhar no espelho, cujo um gato preto enorme passeava na frente. Mas quando o fez, foi para ver uma jovem ruiva, cuja franja caía sobre os olhos castanhos claros semicerrados, a pele tão pálida que dava-lhe um ar ligeiramente doente.

Mas Julliet Riddle sempre tivera essa cara, e não era doença. E não se importava com que os outros pensassem sobre ela; nunca tivera que dar satisfação à ninguém.

Isso, aliás, era um dos maiores motivos pelo qual o Chapéu Seletor em Hogwarts demorara quase cinco minutos decidindo em que casa colocá-la. Ele vacilara entre Corvinal, Grifinória, Sonserina e até Lufa-Lufa, mas ela conseguira confundi-lo bastante, até, por fim, quando ele decidira-se pela Grifinória, alegando, como se para convencer a si mesmo, que ela se parecia mais com a mãe do que com o pai.

Mas Julliet não pensava assim. Nem mesmo se lembrava de sua mãe, como poderia ser parecida com ela? Seu pai sim, cuidara dela a vida toda, e o estúpido Chapéu vinha falar que ela se “parecia menos com seu pai”!

Ela então parou de pensar assim e sorriu conformadamente. Estava se exaltando com sua própria mente. Que diabo de pessoa era capaz de fazer essas coisas? Ah, como ela achava isso estranho…

Enfim, endireitou-se, ajeitou a blusa e os cabelos, pegou o malão numa mão e o gato noutra e se fechou num box do banheiro. Por que sempre tinha que ser a última? Escutou para ver se não entrava ninguém e desaparatou quase imediatamente.

Foram só alguns poucos e mínimos segundos. No momento seguinte já abria os olhos e se via no saguão iluminado de Basilisk Hall, sua casa… finalmente.

Poucas pessoas ainda estavam ali. Mas uma, somente uma, que ela sabia que estaria ali esperando-a fosse em que hora chegasse, foi para quem ela olhou. Ele desencostou-se da parede rapidamente, assim que a viu. Julliet abriu o primeiro sorriso verdadeiro que dava em pouco mais de uma semana. No momento seguinte já estava largando a tudo e correndo para abraçá-lo.

Ela deu um salto sobre o homem, que a apanhou no ar praticamente. Ficaram um longo tempo abraçados, sem dizer uma palavra. Julliet se continha para não chorar, pois julgava que chorar era o que os fracos faziam. Ela nunca o vira chorar…

- Como vai, princesa? – perguntou a voz dele ao seu ouvido. Julliet sorriu com mais vontade que nunca. Só ele lhe chamava de “princesa”.

- Melhor agora, pai – respondeu, com sinceridade. – Muito melhor agora…

Uma mão tocara seu ombro. Ela virou o rosto e viu Bellatrix sorrindo gentilmente para ela.

- Cada dia mais parecida com sua mãe, heim, Julliet? Eu também não vou ganhar um abraço?

A garota se desvencilhou afetuosamente do pai para abraçar a madrinha. Bellatrix Lestrange fora praticamente uma mãe substituta desde que Gina Weasley morrera. Desde que se entendia por gente, era que podia contar com Bella para falar sobre assuntos que somente uma mãe e uma filha tinham. Talvez a falta de filhos a fizera se aproximar mais da garota, e a falta de uma mãe fizera a garota se aproximar mais da mulher.

Sabia que Bella não era velha quando Gina morrera, mas agora a amiga era praticamente idosa. Claro, uma idosa bem conservada, mas ainda assim, envelhecendo. E até hoje Julliet não tinha certeza de como seu pai, ela sabia estar quase chagando à um século de existência, conseguia manter aquela cara de meia idade. Ele sempre se recusara a contar.

Elas se soltaram. Fazia um bom tempo que Julliet não se sentia tão feliz.

- Gente, que saudades eu senti de vocês! – confessou ela, sorrindo de orelha à orelha.

Os dois retribuíram o sorriso.

- Por que não vai tomar um banho, Jully? Então nos encontramos no jantar – disse seu pai, parecendo ler na sua mente que estava querendo mais do que tudo relaxar na sua banheira. – E depois a gente conversa bastante, o que acha?

- Acho perfeito – suspirou ela. - Ficar horas sentada em um banco de trem não é lá muito confortável…

- Sabemos – responderam em uníssono.

Ela sorriu agradecida para os dois e virou-se para pegar o malão.

- Se eu fosse você não me importaria com isso, sabia? Temos elfos domésticos neste castelo… - comentou seu pai, casualmente.

Ela então abandonou o malão, deu um beijo na bochecha de cada um e correu escada acima. Só parou quando estava na frente da porta de seu quarto.

Em algarismos prateados no belíssimo estilo gótico, na porta de mogno, estava gravado o número dezessete.

Meia hora depois Julliet saia de seu banho. O malão estava ao lado da porta de entrada. Ela sorriu com aprovação para a eficiência dos elfos. Então, não conseguindo se conter, jogou-se na sua cama. Como era ótimo estar de novo na sua cama, com seu travesseiro, no seu quarto…

Estava de volta em sua casa.



Quando desceu para o jantar aquela noite já esperava o banquete que estava preparado. Se sentiu tão bem em finalmente poder se livrar daquelas vestes negras de Hogwarts e colocar uma simples roupa branca… Há uma dezena de meses que não fazia isso.

Julliet ficara tão contente de rever os irmãos. Sentira tanta falta da algazarra que só eles sabiam aprontar, das brincadeiras de Dylan, da terrível modéstia de Richard, e até do mal-humor de Erika. A mesa cheia em Basilisk Hall era tão diferente da mesa cheia na Grifinória… Toda aquela competitividade da escola a deixava terrivelmente triste. Ela não nascera para essas coisas…

A conversa foi a mais animada possível. Entre Rick e Ellen, estavam Henri e Lisa; entre Dylan e Emelly (terrivelmente formais), estava Jason. Gabriel Malfoy estava entre os pais, e não parava de lançar olhares sedutores para cima dela, que insistia categoricamente em fingir não ver.

Ela ficou sabendo que teria uma festa n’A Toca esse sábado, e se animou. É claro que iria; aliás, fazia muito tempo que não via os tios e os avós. Os garotos e Lisa também ficaram interessados.

Quando terminaram de comer, cada um se despediu brevemente do outro, antes de subirem para seus quartos. Estavam todos cheios e arrastando os pés de sono. Quando saíram do salão de refeições para o saguão, os Lestrange foram para o Norte, Rick, Ellen e os filhos tomaram o Leste, junto aos Malfoy, e ela, Dylan, Emelly, Jason e Tom tomaram o Oeste.

Foram animados e conversando até o segundo andar. Lá, ela e Tom se despediram dos outros para ficarem em seus quartos, no mesmo corredor.

- Boa noite, maninha – disse Dylan, dando um beijo estalado no seu rosto. – Sabe que esse castelo não é a mesma coisa sem a ruivinha mais fofa do mundo, não sabe?

- Sei – respondeu ela, rindo. – Boa noite, Dylan.

Ela ficou olhando até os ruídos dos passos dos três desaparecerem ao longe, então virou-se, caminhou duas portas atrás e empurrou-a. Estava entreaberta, como sabia que estaria.

Entrou silenciosamente num quarto grande e aconchegante. A lareira estava e as velas estavam acesas, sobre a cama estava estirada uma capa de veludo negro.

- Novidades para me contar, Julliet? – perguntou uma voz, à direita de onde ela estava parada.

Ela virou-se e viu o pai sentado ao sofá. Pela sua expressão, parecia estar esperando-a. Ele fez um gesto para que ela se sentasse no outro.

- Como sabia que eu ia vir para cá? – perguntou, divertida, enquanto fechava a porta atrás de si e ia sentar-se.

- Você sempre faz isso toda vez que volta da escola – respondeu, indiferente. Então recostou-se e perguntou: - Aliás, como foi? Boas notas?

- É, foram boas, sim. Acho que foram – respondeu com sinceridade. – As notas dos N.I.E.Ms vão chegar semana que vem, suponho.

- Já sabe o que quer fazer, agora que terminou a escola?

Julliet se recostou também.

- Eu não tenho muita certeza… Certamente a idéia de ser uma bruxa das Trevas exterminadora de trouxas é bem tentadora, mas acho que o papai não quer isso para mim, não é? – brincou, enquanto fitava-o procurar a varinha.

- Não. Você vai descobrir que essa profissão não é tão interessante assim como parece ser – respondeu o outro, com um sorrisinho enviesado. – Por que não trabalha no Ministério com o Richard?

Julliet fez uma careta enquanto ele não estava olhando.

- Eca, pai… Eu não suportaria ficar num escritório o dia todo – disse, franzindo a testa. – Não, definitivamente não.

- Que tal fazer carreira no quadribol, como Dylan? – perguntou ele, apontando a varinha para a mesinha, onde aparecera uma bandeja. – Chá, chocolate quente ou leite?

- Chocolate. Mas eu também não penso em seguir carreira no quadribol...

- Então definitivamente não vai querer ser criadora de feitiços e maldições, como Erika? – perguntou Tom, passando-lhe uma caneca que fumegava. Mas parecia já saber a resposta dela.

- Não, eu não tenho paciência para isso – disse, lentamente.

Ele ficou olhando-a.

- Então? No que pensou?

Julliet respirou fundo. Isso talvez fosse revoltante…

- Bom, eu pensei em ser auror… - disse cautelosamente.

Ele ficou algum tempo olhando para ela, como se não tivesse ouvido direito. Julliet baixou os olhos e se ocupou em beber seu chocolate.

- Tem certeza que é isso que quer? – perguntou Tom, numa voz baixa.

Ela levantou os olhos. Encolheu os ombros.

Tom engoliu em seco.

- Eu não vou impedi-la – disse, secamente. – Contanto que não comece sua carreira limpando a casa…

- Eu nunca faria isso! – interrompeu ela, perplexa. – Sabe que eu não faria nada contra nenhum de vocês…

Ele olhava-a fixamente, tanto que ela teve que colocar a caneca sobre a mesa para não derrubar.

- Nada mais me surpreende. Principalmente vindo de filhos meus – comentou ele.

Julliet cerrou as sobrancelhas.

- Não conheci seu lado mau. Não posso imitá-lo.

- Como garante que meu lado mau não esteja disfarçado de bom? – perguntou ele, num estranho sussurro.

Ficaram se encarando por algum tempo sem dizer nada. Ela não sabia o que dizer, ele parecia não querer dizer nada para não ser grosseiro. Então o olhar dele mudou, tornou-se menos tenso. Então ele perguntou, numa voz ligeiramente apreensiva.

- Eu nunca soube… Você é ofidioglota, Julliet?

Ela ergueu as sobrancelhas.

- Não sei, pai.

Tom deu um fraco sorriso.

- É… parece que é… Infelizmente…

Ela inclinou-se para frente.

- Como sabe que eu sou? – perguntou, curiosa.

- Porque você acabou de me responder em ofidioglossia. Se não fosse, não entenderia minha pergunta – esclareceu ele, calmamente.

Ela ergueu as sobrancelhas novamente aquela noite.

- Sabe que ninguém mais me confunde como você?

Então ele finalmente deu um sorriso de verdade.

- Sua mãe dizia a mesma coisa.

Eles ficaram calados por um momento. Julliet não sabia se falava ou não. Pegou sua caneca novamente, deu um longo gole e então disse.

- Estudamos História da Magia moderna na sétima série – falou, e ele pareceu preocupado de repente.

“Metade do que sei sobre você vi na escola esse ano”, continuou, baixinho.

Ele parecia bastante contrariado quando falou.

- Mas você sabe a metade que ninguém mais sabe – comentou, serio.

- Por que nunca me contou nada? Não acha que seria mais sensato que eu soubesse por você do que por outra pessoa? – disse, tentando não parecer muito magoada.

Ele levantou os olhos para ela.

- Tive medo que me odiasse – confessou.

Julliet encarou-o. Tom tornou a baixar os olhos.

- Odiar? Eu achei fascinante!…

Ele levantou os olhos novamente. Então começou a rir desanimadamente.

- Fascinante? Fascinante?! Julliet…

- Mas é! Me diz se alguma outra pessoa causou tanta confusão como você, pai… Eu achei super interessante, digo, aquela história sobre Harry Potter foi assombrosa. Treze anos se escondendo deve ter sido tedioso… Aliás, quando todos descobriram que você tinha voltado deve ter sido engraçado…

- Engraçado? – repetiu ele, sério. – Jully, você não tem mãe por culpa dessa história fascinante dessa desgraça que é o seu pai…

- Não diga isso! – retrucou. – Você só foi atrás do que queria…

- Mas não devia ter ido – cortou, contrariado. – Se na época eu entendesse a gravidade do que é matar as pessoas… Eu preferiria mil vezes não ter feito isso que eu fiz.

- Eu queria aparecer em livros – comentou Julliet, séria.

- Não desse jeito – retrucou ele, mal-humorado.

- Talvez – murmurou a garota.

- Talvez o quê? – reclamou ele. – Se eu souber que você está planejando… matar alguém para aparecer no jornal…

Mas ela não agüentou e começou a rir.

- Pai, eu estava brincando!

- Brincadeira de muito mal gosto – rebateu ele. Virou o restinho do seu chá e se levantou. – Agora acho bom você ir dormir porque já está tarde o bastante.

Ela levantou-se também porque ele não parecia estar brincando. Ele foi até a porta e abriu-a para que ela saísse. Ficou esperando com um ar irritado.

- Está bravo comigo? – perguntou, tentando não rir, quando chegou na frente dele.

- Não. Agora vá para o seu quarto – disse ele, ríspido.

Ela não conteve um sorriso. Era tão bonitinho quando ele ficava bravo… Inclinou-se e deu-lhe um beijo na bochecha.

- Boa noite, papai – disse, suavemente.

Quando olhou para ele, viu que parecia bem menos contrariado.

- Boa noite, Jully – respondeu ele com um sorrisinho.



III


Harry acordou aquela manhã com um estranho pressentimento. Talvez fosse porque estaria para ver em breve seu melhor amigo depois de quinze anos longe.

Sua temporada na Nova Zelândia fora boa, sim. Lhe haviam pago bastante para isso… Mas finalmente estava de volta. Claro que era bom ser reconhecido internacionalmente como auror; suas vantagens eram muitas… Já conhecera meio mundo apenas viajando para capturar os bruxos das Trevas que os governos não conseguiam. Sua fama crescera e cruzara muitos continentes. Conhecera mulheres fantásticas. Porém não havia nada como estar de volta à sua terra natal.

Assim que chegara percebera o envelope sobre a mesa. Um convite. Sábado, n’A Toca, uma festa de comemoração pelo sucesso das Gemialidades Weasley e pelo aniversário de Rony. Contavam com sua presença. Sua presença…

Não via Rony à muito tempo. A última vez que o vira fora numa festa de fim de ano dos aurores do Ministério. Logo naquele dia pegara o avião que o levaria para a Grécia. Ele não suportou dizer para Rony, nem para Hermione, que estava saindo do país, por isso saiu sem se despedir. Mas sentia que tinha feito a coisa errada – agora seria ainda mais difícil.

Imaginava a reação dos amigos. Hermione, ele sabia, seria mais compreensiva e o perdoaria, mas quanto à Rony ele não tinha certeza. Na verdade, imaginara muitas vezes como seria esse reencontro, mas sempre se forçava a esquecer, pois nenhum deles era, nem de longe, animador. Muito pelo contrário.

Era estranho como temia reencontrar um velho amigo mais do que perseguir bruxos e bruxas procurados por todo o mundo e extremamente perigosos. Devia ser porque já tinha mais experiência com a profissão do que com essas situações.

Lavou o rosto severamente com água fria. Já se tornara um hábito - Quanto mais acordado estivesse para pegar fugitivos das prisões bruxas, menos riscos ele tinha de ganhar novas cicatrizes. E ganhara muitas delas agora, embora a mais curiosa e famosa delas continuasse na sua testa.

Ele observou-a atenciosamente agora que era visível, as pontas dos seus cabelos molhados grudando para trás, de modo que deixava sua testa sem obstáculos que impedissem sua visão. Simplesmente estava como sempre fora, desde que tinha um ano de idade e a ganhara. Hoje quase não mais dava importância à ela, embora esta ainda lhe proporcionasse ligação eterna com Voldemort, enquanto qualquer um dos dois vivesse.

Fora a cicatriz, a aparência de Harry Potter era normal, tirando, talvez, que fosse um pouco forte demais para um homem de uns quarenta anos. Olhos verdes, cabelos negros, pele clara, óculos, estatura média para alta, cara de quem sabia das coisas, mas caladão… parecia normal.

Apenas parecia. Harry Potter não tinha quarenta anos, mas alguns a mais que isso. Seu corpo simplesmente se recusava a envelhecer durante todos esses anos. Harry suspeitava que isso tivesse ligação com sua afinidade à energia vital do outro. Mas não estava reclamando, isso só fazia aumentar sua resistência que o tempo lhe tirava, e conseguiria não ter que encerrar sua carreira brilhante por causa de artrite, cansaço ou outra doença da idade.

Durante o café da manhã, que preferiu tomar no Três Vassouras pela distância e pela qualidade, já que fazia algum tempo que não fritava nem um ovo, estava à mesa, seu jornal aberto enquanto se alimentava. Depois de tanto tempo, era estranho estar de férias.
Estava lendo uma coluna sobre quadribol no seu Profeta Diário quando ouviu a sineta da porta que se abria. No momento ele não levantou os olhos, pois estava entretido na leitura, porém as duas vozes familiares que se fizeram ouvir enquanto conversavam em voz baixa entre si o fez olhar por cima do jornal.

As duas pessoas iam se dirigindo ao balcão. Era uma mulher alta, magra e muito idosa, acompanhada por um homem duas vezes mais alto com uma longa e armada cabeleira grisalha. Ele entreouviu a conversa dos dois enquanto observava.

- …Estou muito velha para essas coisas – dizia a mulher, cansada. - Acho que mais um ano e vou me aposentar, deixar a responsabilidade para o velho Severo, já que ele quer tanto o cargo…

- Dumbledore gostaria que você ficasse – respondeu o outro, simplesmente.

- É, mas somente até os filhos de – a mulher baixou muito a voz no momento, que Harry teve que apurar os ouvidos para escutar. Entrementes, o bar estava com tão pouca gente que as próximas palavras até ecoaram discretamente pelas paredes, embora ninguém deva ter ouvido, entretidos que estava em ler seus jornais matutinos ou somente conversando sonolentos com seu parceiro ou parceira de mesa – Você-Sabe-Quem tivessem terminado os estudos. E agora a garota já se formou. Tenho o direito de descansar, Hagrid…

Harry ergueu as sobrancelhas. Não podia ser possível…

- Prof-ª Minerva, não acha mesmo que Snape será um diretor melhor do que a senhora, não é? – disse Hagrid, parecendo divertido.

- Hagrid… - murmurou a professora, baixinho, lançando-lhe um olhar de censura. – Ele não é uma má pessoa, nem um mal profissional. É apenas um pouco… ressentido.

Harry deu um sorrisinho, enquanto os dois faziam seus pedidos, e levantou-se silenciosamente. Parou quando estava atrás deles.

- Quanto à isso, tenho um pensamento um pouco diferente do da senhora, professora – comentou, calmamente.

Os dois pareceram pensar um pouco se era com eles a quem o estranho às suas costas se dirigia. Se entreolharam, e então viraram-se para encarar Harry.

- Potter! – exclamou a professora, parecendo surpresa.

- Harry! – animou-se Hagrid, abrindo um imenso sorriso quase que imediatamente. – À quanto tempo!… - E dizendo isso, deu-lhe um abraço o ergueu dois palmos do chão.

Quando Harry se viu em terra firme novamente, se segurou para não rir e ajeitou os óculos, que ameaçaram voar longe quando o amigo o levantou do chão. Então sorriu para eles quando a professora Minerva falou com ele.

- Então está de volta ao país! – disse, parecendo feliz, naquele seu jeito enérgico. - Quando voltou?

- Ontem à tarde – respondeu ele, calmamente. Então não se conteve. – Como estão todos? Sabe, agora que encontrei vocês eu quero saber tudo.

- Ora essa, nós é que queremos saber tudo, Harry – cortou-lhe a professora, impaciente, embora sorrisse. – Estive todo esse tempo lhe acompanhando pelos jornais.

Harry abanou a mão.

- Ah, não fiz nada além da minha função – resmungou ele, modestamente.

A professora deu um sorriso, enquanto Hagrid pegava o recibo com o balconista. A amigo também lançou um olhar cômico à colega.

- Não seja modesto, Harry. Depois de Você-Sabe-Quem, sabe que é tachado como “o invencível”, não sabe? – disse Hagrid, com um sorriso de censura. – Mas vamos, Harry, queremos que nos conte tudo o que viu, por todos os lugares onde passou, quem foi o mais difícil de apanhar… Tudo!

Dando um pequeno sorriso conformado, Harry convidou-os à sua mesa. Mas enquanto dirigia-se ao seu lugar, lentamente, como se o tempo estivesse andando muito mais devagar do que o normal, Harry pensava no que Hagrid dissera: “o invencível”.

Quem dera ter sido… Quem dera ter vencido Lord Voldemort. Mas a verdade é que apenas vencera-o uma vez, e fora quando tinha um ano de idade e ganhara aquela cicatriz. Fora a única vez em que conseguira causar dano ao outro suficiente para fazê-lo ficar fora de ação por algum tempo, e mesmo assim, não fora o fim. Somente um começo… Agora, não podia culpar ao inimigo por ter tido o amor de Gina Weasley para si. Fora um fraco, fora imperfeito, e não vencera, não conseguia vencer Voldemort sem a ajuda invisível mas poderosa de sua mãe. Nisso o outro o vencera, pelo menos uma vez. Tudo que imaginara antes, sobre a vitória que teria, não passara de ilusão, quando viu que seus poderes no máximo se igualavam. Então se tocara. Estava claro que a profecia só servira para desenvolver seus poderes, até o ponto em que chegaria outra para anular esta, e obrigar Harry e Voldemort a fazerem um pacto que não poderia se romper, que nenhum deles haveriam de tentar tirar a vida do outro nunca mais, pois sempre que lutassem terminariam com uma batalha sem resultados. Entendia então o que era perfeito equilíbrio entre o bem e o mal.

Pelo menos uma vez na vida, Harry compreendera que os bons também têm seus dias em que são tão perversos e repugnantes quanto aos maus, e que estes do mesmo modo têm a mesma capacidade de serem gentis e bondosos, em certos casos. Era preciso ver com outros olhos para enxergar que não havia bem ou mal, apenas o certo e o errado. Era preciso que uma força não interferisse na outra, para que tudo ficasse em harmonia. Era preciso que um não entrasse na vida do outro, para que tudo ficasse certo…

Com isso na cabeça, não conseguiu dar muita atenção à conversa que estava tendo com seus velhos conhecidos, que à pouco, estivera tão ansioso para saber de suas vidas.



Enfim chegara o dia. Sábado. Harry sentia-se bobo, pela primeira vez em muitos e muitos anos.

Como conseguiria encarar seu amigo depois de tanto tempo, sem nem mandar uma carta para dar satisfações? Mais de uma vez pensou em desistir, mas então mudou de idéia.

Agora encontrava-se parado em frente à porta d’A Toca, aberta e convidativa, mas que mostrava uma visão que impedia-lhe de entrar.

Via era uma penca de cabeças ruivas, entre elas uma castanha e volumosa, que conversavam animados entre si, garrafas de cerveja amanteigada nas mãos. Um povo corria pelos gramados no quintal e eram visíveis de relance pela vidraça, mas Harry não estavam dando-lhe atenção.

Pelo menos, no meio dos Weasley ali reunidos, podia ver Rony à sua frente, sem ainda tê-lo notado, falando e rindo com Jorge, enquanto debochavam do irmão Fred, ao mesmo tempo em que Hermione não parava de sorrir. Os dois melhores amigos pareciam bem maduros e felizes, cheios de fios brancos despontando entre os cabelos… Harry involuntária e mentalmente contou quantos anos fazia que não via seu afilhado, Demeter, enquanto estivera fora.

Foi por uma fração de segundos que Ronald Weasley passou os olhos por Harry, rindo, então voltou a olhar mais demoradamente. Ficaram se encarando por um tempo, até os outros perceberem porque Rony parara de falar, e olharam também para a porta. Hermione abriu a boca. Rony, por instante vacilou, depois pousou sua garrafa na mesinha ao lado, então começou a vir em sua direção.

- Harry? – perguntou, com a voz fraca, quando estava bem na sua frente, parecendo duvidar que estava vendo-o. Ele apenas deu um aceno com a cabeça. Achou melhor perguntar como estavam todos, para não parecer rude.

- Er, como va… - mas foi cortado no meio da frase, quando um soco furioso atingiu-lhe o olho esquerdo.

Antes que desse por si, já não via mais seus óculos e já estava no chão. O que viu a seguir com a vista embaçada foi Rony seguro pelos irmãos, que tentava se desvencilhar à todo custo.

- S-seu idiota, filho da mãe, imbecil…! – urrava o homem, ainda tentando chegar perto o suficiente para dar-lhe uns chutes. – Como é que tem a coragem…?! Seu grande RETARDADO!

Harry arregalava os olhos, ao mesmo tempo que Fred e Jorge começavam a rir, ainda segurando o irmão para que impedisse de avançar. Hermione parecia horrorizada, dava gritinhos histéricos tentando apaziguar os dois.

Ele apanhou os óculos no gramado e levantou-se, ofegante, mirando o rosto furioso do amigo, e deu alguns passos para trás.

- E-eu só pensei que… Nada. Então… então e-eu estou indo embora, não… - disse Harry apressado, preparando-se para aparatar.

- Do que é que você está falando? Mas não vai mesmo; não outra vez – disse Rony, num sibilo.

Sentindo que o sangue havia gelado, viu o outro conseguir desvencilhar-se e vir à passadas largas em sua direção. Talvez fosse o choque de ver o amigo vindo tão perto que impediu-o de aparatar. Rony vacilou por uma fração de segundos, à centímetros de distância, mas então tomou fôlego e… deu-lhe um abraço.

Ao mesmo tempo tentava saber se sentia mais choque ou alívio (pois Rony era bem uma cabeça mais alto que ele). Então, de repente, viu que o amigo estivera mais preocupado com ele do que furioso. E isso era muito estranho…

Ele ficou encarando Rony pasmo por um instante, depois que ele o soltou. O amigo sacudiu a cabeça e resmungou alguma coisa no sentido que ele havia agido como um débil. Então caíram na risada, Fred e Jorge fazendo um coro que já começava desde antes.

Hermione tomou o lugar do marido e pulou no pescoço dele, e Harry teve que se equilibrar para não cair.

- Ah, Harry, tanto tempo que não vemos você…! Já faz uns… quinze anos? – disse Hermione, parecendo incerta, enquanto dava-lhe um abraço apertado. – Que pensou que estava fazendo quando partiu daquele jeito, seu débil?

Depois disso nada mais podia surpreender Harry. Ou pelo menos pensava…

Logo que Hermione largou-o, ele foi cumprimentar o restante dos Weasley. Molly ficou realmente encantada que Harry tivesse recebido o convite e vindo; Fred e Jorge zoaram tanto com ele que teve que literalmente fugir dos gêmeos; o Sr. Weasley pareceu muitíssimo satisfeito de vê-lo novamente, e também disse que sempre preferira que fosse Harry o marido ideal para Gina, não “aquele delinqüente”. O máximo que pôde fazer pelo comentário foi um revirar de olhos. Conversou bastante também com Gui e Percy, e suas respectivas esposas, Fleur e Penélope.

A festa superara todas as expectativas de Harry. A comida, como sempre, estava ótima. Haviam muitas pessoas, praticamente loucas pelo churrasco. A zoeira, provavelmente por aquela ser uma festa onde amigos de Fred e Jorge compareceram em grandes quantidades, era quase insuportável. Também vira Dylan, seu antigo aluno de Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts, que provavelmente não perderia por nada uma festa daquelas dada por seus tios transgressores favoritos, que chegou a cumprimentá-lo informalmente, mesmo sabendo de toda a história entre ele e seu pai.

Depois de algumas horas, já tendo conversado bastante, comido suficientemente bem, Harry sentou-se no gramado ao fundo da casa com uma garrafinha de cerveja amanteigada e ficou olhando o movimento.

Estava observando distraidamente ao redor, quando olhou para um pouco além de seu lado, também só e com uma cerveja amanteigada, as vestes maravilhosamente leves esvoaçando à brisa agradável daquela tarde, mirando divertida a algazarra que os Weasley e seus convidados faziam no gramado à suas frentes, uma jovem.

O que viu, inexplicável e inacreditavelmente, foi Gina. Gina aos seus dezessete anos de idade, sentada graciosamente e rindo. Um pouco pálida, era verdade, mas seus longos cabelos vermelhos acobreados era o que mais brilhava naquele lugar. Por um momento ela desviou os olhos para beber da sua garrafa, e ele viu seu rosto. O.k., fosse quem fosse, não era Gina. Esta tinha o nariz um pouco mais fino, os olhos um pouco mais inexpressivos, embora fossem de um castanho avermelhado idêntico ao da ex-noiva. Seus olhos lembravam-lhe alguém…

- Eh, Sra. Weasley – chamou Harry, interrompendo a senhora que passava sorridente para levar alguns pratos para dentro da casa -, quem é aquela?

Molly olhou. Abriu um sorriso e voltou a olhar para Harry.

- Se parece com a Gina, não é, querido? – disse ela, carinhosamente. – É Julliet, minha neta, a última filha deles antes que ela… morresse. Infelizmente você não deu aula para ela. É a mais parecida conosco, para dizer a verdade. Não é como Erika, neurótica. Um amor de menina. – Dizendo isso deu uma piscadela e continuou seu caminho, deixando-o sozinho mirando a garota.

Então era filha de Gina com Voldemort. Sabia que conhecia aqueles olhos sem expressão de algum lugar. Mas mesmo assim, agora que sabia quem ela era, não conseguia despregar os olhos da figura de beleza inigualável na sua frente. Sim, por mais incrível que parecesse, Julliet Riddle parecia ainda mais linda do que Gina já fora um dia.

Momentaneamente sem ação, ele ficou apenas olhando-a à distância. Ficou imaginando como seria ouvir a voz dela, de preferência contando alguma coisa divertida sobre sua vida, como seria ouvir de perto aquele riso contagiante que ela dava ocasionalmente, enquanto assistia aos outros brincarem, como seria o cheiro do perfume que ela usava ou ver a marca das vestes que comprava. Queria, então, saber tudo sobre a última filha da única mulher que já amara na vida.

Ele levantou-se, a idéia de que estava brincando com a morte em tentar flertar com a filha caçula de Lord Voldemort quase nula, e dirigiu-se até ela. A jovem virou os levantou os olhos para ele quando chegou perto, e então Harry perguntou se ela se importava. A garota negou com a cabeça, os olhos ainda fixos nele, até ele se sentar ao seu lado.

- Você é Harry Potter? – perguntou ela, curiosa, ainda olhando para ele.

- É, sou – respondeu com gentileza. – E você deve ser filha de Gina Weasley. Já devem ter lhe dito que é a cara dela, não? – comentou, puxando assunto.

- Pelo menos umas duzentas vezes na minha vida – respondeu ela, voltando a olhar para frente, enquanto tomava um gole de sua cerveja amanteigada. – Bela festa, não acha?

Estava sendo mais fácil do que ele pensara conversar com ela. Bem que Molly dissera que a garota era uma Weasley.

- É perfeita. Melhor que muitas que já fui – disse ele, também voltando a olhar para frente. Por via das dúvidas, achava melhor não ficar encarando, se ela resolvesse dar-lhe um tapa. Harry tinha muita experiência nesses assuntos; metade de suas cicatrizes tinham sido provocadas por mulheres que tentara puxar assunto.

Ela deu um leve sorriso, como se soubesse o que ele estava pensando. Ele olhou para vê-la sorrindo, mas neste momento um grito chamou sua atenção.

- Harry! HARRY! – gritou a voz de Fred lá do outro lado do gramado. Ele e mais um bando de homens estavam com vassouras na mão. – Estamos precisando de um apanhador! Vem aqui!

Ele continuou olhando. Não queria sair dali, entretanto fazia algum tempo que não tinha tempo para se dedicar ao quadribol. O que faria?

- Harry, vem aqui! Pára de “xavecar” minha irmã e corre aqui, seu lerdo! – gritou Dylan Riddle, que estava entre o time.

Como ele demorou à decidir, Rony, Fred, Jorge, Dylan e outros homens começaram a gritar para que ele fosse. Angelina, Alicia e Katie também estavam na festa, e todo o resto do antigo time de quadribol da grifinória.

- Vai lá – disse a voz suave de Julliet, fazendo-o olhar para ela. Não parecia nem um pouco constrangida que seu irmão estivesse insinuando que ele estivesse cantando-a. Apenas dizia para que ele fosse.

- Hum, certo – respondeu, com um sorriso. – Eles que se cuidem!

Dizendo isso, levantou-se, os olhos pregados no lindo sorriso da jovem, e foi a última coisa que viu, antes de virar-se e rumar decidido até os times improvisados. Nisso, uma coisa estava certa: iria pegar o pomo por ela.



IV


Susan seguira todas as instruções que sua irmã lhe passara, e agora se encontrava no saguão de um imenso castelo. Sua cabeça estava à mil. Mal podia acreditar que finalmente, depois de algumas horas infernais naquele avião de trouxas para chegar à sua querida terra natal, conheceria a família de sua irmã, que, pelo que estava sabendo, era famosa.

Mas faziam poucos segundos que haviam aparatado, ninguém no hall para dar-lhe as boas vindas, Ashley apareceu do seu lado.

- Uau, Su! Que louco! – falou a amiga, assombrada, largando as malas no chão e dependurando no seu ombro. – SU, ESSE LUGAR É DEMAIS!

- Fale baixo – sibilou a garota entre os dentes. – Não estamos na minha casa, sabia?

- É claro que não – rui-se Ashley, ansiosa, correndo para a escadaria para ver se aquilo era realmente mármore. – Sua casa inteira é do tamanho desse hall, Susan!

- Ellen? – chamou Susan incerta. De repente haviam aparatado no lugar errado…

- Uhuuuu! – murmurava a amiga, excitada, enquanto corria de um lado para o outro, provavelmente para ver todos os detalhes daquele lugar.

- Ellen! – chamou um pouco mais alto.

Ouviram um barulho da escadaria ao lado, de porta batendo e vozes falando, ao mesmo tempo em que uma mulher com longos cabelos castanhos claros presos num rabo de cavalo e olhos da mesma cor aparecia de uma porta nas laterais da escadaria principal.

- Susan! – disse a voz de Ellen, correndo a ir abraçar a irmã, que não via à quase dez anos. – Que bom que chegaram!

- Minha irmã, que saudades! – disse Susan, contente, enquanto as duas se abraçavam. – Ah, quero te apresentar minha amiga Ashley – falou, assim que se desvencilharam, mas a outra não deu sinal de ter ouvido.

Ashley encarava, a boca se abrindo gradativamente, algo pelo arco da esquerda. Susan Stringfellow olhou e viu que dois homens desciam, conversando, e que um deles era, sem dúvida alguma…

- É ELE! – berrou, frenética, a outra, arregalando os olhos e dando pulinhos, os olhos fixos no homem todo vestido de negro que estacara ao meio da escada com o grito. – SU, É ELE! É ELE, É ELE, É ELE, É ELE!…

- Ashley! – sibilou Susan, horrorizada, com a atitude da amiga.

- Ah, deixa de ser careta! – reclamou a outra, com desdém. E dizendo isso deu uma risadinha e foi correndo até ele. – Me dá um autógrafo?

Ele pareceu bastante confuso com aquela situação. Quando finalmente conseguiu dizer alguma coisa, foi para abrir a boca e dizer um “não!” bem sonoro.

No momento em que Susan ouviu o falar aquilo, aquela voz… subitamente se esquecer do que estava fazendo ali, do porque estava parada no meio daquele hall ou porque estava zangada segundos atrás.

Começou a reparar como aquele homem na sua frente era lindo! Era bem alto (devia ser uma cabeça mais alta que ela), parecia bem forte por debaixo daquela capa também. Os cabelos que caiam irresistivelmente por cima dos olhos cinza escuros já não eram tão negros quanto deveriam ter sido há alguns anos atrás, mas mesmo assim ainda era bastante atraente. Ah, como era bonito…

Susan sentiu corar quando este olhou para ela indagadoramente, e depois para sua irmã, ao lado. Mas logo Ashley o fazia olhar para ela novamente.

- Ah, certo, eu entendo! Não podemos ter provas que você ‘tá vivo, não é? – falou ela rapidamente, não perdendo a compostura nem o animo com a resposta negativa. – Mas então me lança uma Cruciatus? Ah, vamos, você não pode me negar um pedido desses!

Se ele estava surpreso antes, não era nada comparado com agora. Abriu a boca diversas vezes, fechando-a logo em seguida, sem saber o que responder. Foi somente quando o homem ao seu lado e Ellen começaram a rir que ele pareceu se conformar que estava falando com uma fanática neurótica.

- E-eu… er… - começou, ainda um pouco preocupado com o jeito estranhamente constrangedor que Ashley lhe dirigia o olhar.

- Que foi? Acha que eu não vou agüentar, não é? – perguntou Ashley, não dando tempo para ele responder, naquele seu jeito seriamente cômico. Susan não sabia dizer se ela parecia divertida ou ofendida.

- Não – respondeu o outro, perplexo. – É só que ninguém nunca me pediu uma coisa dessas – disse ele, parecendo um tanto quanto confuso ainda.

Susan não se conteve. Ellen e o homem riam com mais vontade que nunca e, por mais que estivesse pasma com o que Ashley estava dizendo, fora irrefreável não rir depois daquela resposta.

- Pelo amor de Deus, Ashley – disse, tentando segurar o riso. – A ocasião é meio imprópria…

Mas Ellen adiantou-se.

- Ashley Kirst – disse ela, estendendo a mão. – Susan me fala muito sobre você. Sou Ellen.

- É, eu sei – falou a amiga, retribuindo o cumprimento. – Su também me falou sobre você.

Ellen se virou, ainda com um ar de riso, para apresentar os dois distintos cavalheiros na escada.

- Garotas, esse é Lúcio Malfoy – apresentou ela, para o homem louro que estivera rindo. Ele e Susan apertaram as mãos. Ashley quase caiu de excitação.

- Uau! – exclamou ela, enquanto apertava a mão dele com as duas. – Que honra!

Lúcio Malfoy parecia estar se divertindo bastante com o jeito dela. Mas foi quando Ellen foi apresentá-la ao outro que o caso se tornou crítico. De fato, o bonitão da escada parecia meio receoso com a idéia de cumprimentá-las.

- Esse é… Bem, vocês sabem quem ele é – falou, sorrindo.

- É claro que sabemos! – respondeu, estremecendo de ansiedade. – Que sonserino desnaturado não sabe quem ele é?

Pela primeira vez aquela tarde Susan o viu dar um sorriso. Como se pudesse, ele pareceu ainda mais bonito!…

- Coisas do passado – retrucou ele, ainda sorrindo. E acrescentou: - Eu não vou matar vocês se não me chamarem de Lord das Trevas.

Ashley sorriu com mais vontade que antes.

- E como quer que o chamemos, “mestre”? – perguntou ela, ansiosa.

- Me chamem de Tom – disse ele, conformadamente. – É o meu nome, sabem…

- Muitíssimo prazer em conhecê-lo, Tom – disse Ashley, cumprimentando-o com um aperto de mão e, para o espanto de todos, dois beijinhos na bochecha.

Susan teve que fechar a boca. Achava aquilo um absurdo. Se Ashley podia, por que ela também não podia?

- Oi. Sou Susan Stringfellow, muito prazer – falou ela, adiantando-se para cumprimentá-lo e também dar dois beijinhos na bochecha.

Ele lançou um olhar estranho à elas, como se pensasse “era só o que me faltava”, mas não disse nada à respeito. Ao invés disso, falou para Ellen:

- Ellen, porque não mostra à elas onde vão dormir? Acho que elas vão gostar do vinte cinco e vinte seis do terceiro andar da Ala Oeste, o que acha?

- Acho que vão adorar – respondeu Ellen, aumentando o sorriso no rosto. – Vamos, garotas?

Susan pegou suas duas malas no meio do saguão e viu Ashley lutar para desviar os olhos do imponente Lord das Trevas e pegar as suas.

- Pode pedir depois para alguém mostrar o castelo à elas – completou ele, finalmente terminando de descer a escada, coisa que havia começado antes delas tê-lo abordado.

- Claro, Sr. Riddle – respondeu Ellen. – Eu mesma faço isso.

As duas tentaram não demonstrar que estavam muito desapontadas.

- Ótimo. Nos vemos no jantar, então. – E dizendo isso, ele e Malfoy cruzaram o hall e começaram a subir a escadaria maior.

Ellen tomara à frente e fora até o pé da escada onde os homens haviam acabado de descer.

- Venham, meninas. Por aqui.

Enquanto seguia a irmã, Susan disse, em voz baixa.

- Não me chame de menina – protestou. – Temos apenas oito anos e diferença, lembra-se?

- Mais ainda assim é mais nova – riu-se Ellen, mal dando atenção.

Continuaram andando e subindo escadas por um tempo, até que Ashley parou de olhar para todos os lados e perguntou.

- Ellen, não me diga que você mora com mais celebridades como aquelas que acabamos de encontrar – disse, com um sorrisinho torto.

Para alegria de Ashley e apreensão de Susan, Ellen deu uma risadinha.

- Bem, todo o grupo cinco dos velhos Comensais da Morte moram aqui. – (Quê?! – perguntou a outra, pasma). – E Dylan Riddle, o jogador de quadribol, é meu cunhado, se vocês ainda não sabem.

- Uau! – exclamou Ashley, pela segunda vez naquele dia. – Você está me gozando, mulher! Só pode estar!

- Não, não estou, não – disse Ellen, parecendo bem divertida. – E os gêmeos Weasley são tios do Rick, meu marido.

- Os gêmeos? Aqueles dois que têm uma loja de logros? – perguntou Susan, incerta. – Eles já eram conhecidos antes de eu ir para os Estados Unidos.

- É. E vocês não sabem quem foi a mãe do Rick – comentou Ellen.

- Quem? – perguntaram as duas em uníssono, na mesma hora.

- G.W. – respondeu a outra, teatralmente.

- Quê?!

- É…

- Como assim G.W. era a “mãe”? Quem era o “pai”? – perguntou Susan, estranhando completamente, mas tomando o cuidado para não dar muito na cara o que estava desconfiando.

- Quem?! O Lord das Trevas, oras – respondeu, franzindo a testa.

Ashley e Susan se entreolharam. Então a amiga falou aquilo que ela preferiu não dizer.

- Você não nos contou que ele era gay, Ellen, querida.

Ellen parou de andar, estupefata. Encarou Ashley por um longo momento, como se fizesse um esforço enorme para saber se a outra estava gozando-a ou falando realmente sério, antes de cair na risada.

As duas se entreolharam novamente. Susan também estava com vontade de rir.

- Ha, ha… É claro que ele não é gay!

Susan deu soltou o ar aliviada.

- E como você explica o que a senhorita acabou de dizer? – perguntou Ashley num tom desconfiado e ligeiramente aborrecido de estar falando com alguém que acabara de contrariá-la.

- G.W. era mulher, Ashley – respondeu Ellen, ainda rindo. – Seu nome era Gina Weasley, era uma mulher magnífica! É realmente uma pena que tenha morrido…

- Ah, então ‘tá… - começou ela, dando uma de entendida. Mas parou de andar de repente as duas viraram-se para olhá-la. Seus olhos brilhavam estranhamente e ela começou a sorrir como uma demente. – ENTÃO EU TENHO ALGUMA CHANCE! – gritou, quase histérica.

Ellen encarava Ashley como se esta fosse algo de outro mundo.

- Você não tem medo da morte, menina…

Demorou um tempo para chegarem aos quartos, considerando a distância que andaram. As duas não paravam de interromper umas às outras para ver ou perguntar algo.

Quando chegaram, entraram e ficaram abismadas.

Susan ficou parada na porta. Largou as malas. Nunca entrara em um quarto mais lindo em toda a sua vida. Devia ser uma suíte, porque tinha uma porta no fundo. A cama era imensa, tinha uma lareira gigante, duas poltronas e uma mesa. As paredes tinham pelo menos quatro tapeçarias lindíssimas. Havia uma curvatura na parede esquerda, como se passasse uma escada. Mas não haviam portas ali.

Ela se virou para Ellen.

- Eu estou no lugar certo? Digo, você deve ter me dado o quarto errado, Ell. Provavelmente esse é o quarto do Lord das Trevas – disse, assombrada.

Ellen deu uma risadinha.

- O quarto do Sr. Riddle é comparavelmente maior e mais confortável que esse – disse Ellen, divertida. – Mas, é, receio que você esteja no lugar certo.

Susan voltou a se virar. “Comparavelmente maior e mais confortável”? Como haveria de existir lugar melhor que aquele?

- Bom, avise à sua amiga que eu estarei aqui em uma hora para levá-las até o salão de refeições para jantarmos. Garanto que a comida daqui é excelente – falou Ellen, orgulhosa. – Tomem um banho, que vamos apresentar vocês para todo mundo que mora nesse castelo.

Susan vibrou com aquilo. Conheceria muita, muita gente famosa, principalmente pelas atrocidades que cometeram no passado. Mas Susan não se importava com isso. Sete anos na sonserina a ensinara a não se importar com isso, e até sentir uma ligeira admiração, invejar o posto destes…

Entrou lentamente no quarto. Pousou a capa púrpura sobre a cama de edredom cinza lentamente, e encaminhou-se para a porta nos fundos. Entrou no maior banheiro que já vira em toda sua existência.

- Susan, sua suíte também tem uma imitação de piscina para tomar banho?

Ela virou-se para encarar Ashley, que entrara no seu quarto descontraidamente e se atirara sobre a sua cama, rindo de se acabar.
- É – respondeu ela, assombrada, caminhando até onde a amiga estava.

“Ah, que maravilha de férias!”, dizia Ashley, rolando sobre a cama.

Susan sentou-se. Parecia incrivelmente impossível que estivesse vivendo aquilo, como um sonho ou algo parecido.

Olhou para Ashley, que estava olhando para a cara dela.

- Ash, acho que estou apaixonada – disse, sem pensar muito.

A amiga boquiabriu-se, erguendo as sobrancelhas.

- Você também?

As duas se encararam, anormalmente quietas.

“Que tal fazermos uma aposta?”

Ashley encarava esperando uma resposta da amiga, e parecia séria.


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À Goddess e Sandorah, as “Ashley e Susan” do mundo real.

Espero comentários.

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