Sobre Astros e Kraquers



Como era de se esperar, a estranha seleção do apático chapéu seletor foi o assunto preferencial para a primeira noite no Salão Comunal da Grifinória, perdendo por pouco pela ausência de Harry Potter. Hermione e Rony passaram boa parte das primeiras horas insistindo, de forma pouco convincente, que não tinham a mínima idéia de onde estava o colega. Aos poucos, a incredulidade se transformou rapidamente em uma mistura de hipóteses absurdas, que combinavam o estuporamento do Chapéu Seletor a um rapto audaz no Expresso para Hogwarts. Colin Creevey, um terceiranista de nariz engraçado, insistia que tinha visto o rapaz no sétimo vagão do trem, pouco antes de atravessarem a Ponte Salt-Barry. Já Liane, uma menina de vozinha aguda, admitia ter visto um garoto de cabelos espetados, óculos e olhos verdes sumir no meio da multidão na estação King Cross, perseguidos por dois indivíduos suspeitos, de casacos pesados e óculos escuros.

- Ela anda vendo filmes trouxas demais – resmungou Rony, erguendo as sobrancelhas.

Aos poucos, as palavras de Dumbledore no final do ano passado, quando ele anunciara a volta de Voldemort e o assassinato de Cedrico, se somaram as suas denúncias nos últimos meses e aos acontecimentos recentes dentro de Hogwarts. Diversas teorias malucas e esquisitices das mais variadas eram proferidas como grandes verdades, divertindo Rony e os gêmeos. Hermione apenas fez um muxoxo, exibindo um sorriso sagaz nos olhos.

- O que foi? – cochichou Rony, intrigado.

- Nada – desconversou a garota, bocejando e puxando uma contrafeita Gina para o dormitório das meninas. Logo, a balbúrdia começou a diminuir e Sebellus, o monitor da casa, finalmente conseguiu colocar um pouco de ordem na Grifinória.

Rony olhou desolado para a cama de dossel que Harry ocupava. Nunca, desde que entrara em Hogwarts, ele dormira sem a presença do amigo, normalmente ocupando as últimas horas antes do sono com conversas reservadas ou simplesmente rindo de alguma coisa boba. Perturbado pelos acontecimentos recentes e sentindo um arrepio na nuca ao se lembrar que dormiria sob o mesmo teto de diversos Comensais da Morte, o garoto teve um sono agitado.

Pela manhã, o clima no Salão Principal não era dos mais acolhedores. As aulas começariam em poucos minutos e os olhares que os novos professores distribuíam para os alunos não eram dos mais acolhedores. Rony estremeceu ao receber seu pergaminho como os horários.

- Amanhã teremos Poções com o tal Avery – resmungou ele.

- E adivinha com quem nós dividiremos a famosa masmorra que era do Snape? – perguntou Hermione, com o sorriso debochado.

- Essa não! – retrucou o garoto, dando um sonoro tapa na mesa ao perceber que continuavam com a Sonserina como companheiros.

- Tentando destruir propriedade da escola, moleque? – rilhou uma voz áspera por detrás do garoto, que quase impeliu seu coração pela boca. Era o professor Carrow.

- Menos dez pontos para a Grifinória – disse ele, empertigando o narigão e saindo com o passo lento, a pose de inconfundível soberba frente aos protestos silenciosos da mesa.

- Parabéns, irmãozinho. Você conseguiu perder pontos antes mesmo da primeira aula. Acaba de quebrar nosso recorde – disse Fred, bem humorado.

Rony olhou com uma mistura de fúria e curiosidade para o irmão. Era bastante conhecido por todos que os irmãos Weasley tinham perdidos mais pontos do que todos os demais alunos da Grifinória. No entanto, como eram muito populares e faziam parte do time de Quadribol, a maioria fingia não se ligar para os deslizes dos irmãos. No entanto, eles nunca haviam se gabado disse antes...

Jorge acompanhou o irmão em um sorriso e chegou a dar um tapinha nas costas de Rony.

- Vocês estão loucos? – perguntou o rapaz, afinal, quando a sua voz lhe retornou.

- Deixa de ser besta, Ronyquito – gracejou Fred – Você realmente acha que a Grifinória vai receber um único ponto durante todo o ano? – perguntou ele, sério.

- Nossa única chance de conquistar alguma coisa vai ser no Quadribol – rebateu Jorge.

- Isso, se conseguirmos arranjar um apanhador a altura de Harry – reclamou Fred, levando as mãos na cabeça.

- É! Se Dumbledore não... AI!! – reclamou Jorge, levando a mão na canela, onde Hermione havia lhe acertado um sonoro e bem merecido chute. Simas e Finnigan, que acompanhavam a discussão, trocaram olhares silenciosos e a garota baixou a cabeça para o próprio prato, furiosa com a indiscrição do garoto.

- Hmmm... Hoje teremos Astronomia com a tal Black. Será que ela é parente do Sírius? – continuou Rony, recebendo somente um dar de ombros de Hermione como resposta. Neville, que estava ao lado Simas, torceu os lábios e fincou um garfo em uma torrada com uma fúria assassina.

Rony franziu o cenho, intrigado, mas resolveu deixar para lá. Já tinha coisas suficientes para encherem sua cabeça de preocupações.

- Depois, dois períodos de Trato das Criaturas Mágicas. Eca! Este tal de McNair era o sujeitinho que tentou matar Bicuço, não foi? – resmungou Rony, ainda consultando o pergaminho – Que droga! Continuamos com o pessoal da Sonserina!

- É ele mesmo – disse Hermione, sentindo um arrepio percorrer seu pescoço. Na verdade, ela vira McNair eliminar Bicuço, um hipogrifo maluco criado por Hagrid, no terceiro ano em Hogwarts, cortando-lhe a cabeça por ordem do Ministério. No entanto, graças ao Vira-tempo, um instrumento mágico muito especial que a ex-professora McGonagall lhe emprestara, ela e Harry haviam salvado o animal, que fugira, levando Sirius nas suas costas. Para todos os efeitos, o assassinato de Bicuço nunca acontecera, mas ela ainda podia ouvir o grito do animal nos recantos mais escondidos das suas lembranças.

- Acho que teremos a tarde livre, não? – insistiu Rony, um fiapo de esperança na voz – Malfoy não achou professores para Herbologia e História da Magia, ou achou?

- Não sei – respondeu Hermione, concentrada em um pão com geléia enquanto observava o púlpito dos professores. O novo diretor, empolado na alta cadeira de Dumbledore, passava os olhos, satisfeito, pelos alunos e seus chapéus pontudos, as vestes negras espalhadas pelas quatro mesas e, de forma bastante desproporcional, concentradas sob a égide da Sonserina. A garota bufou de raiva ao notar o atulhamento de alunos, que lutavam por um espaço na exígua mesa da Casa verde e prata.

- Eu não contaria com isso se fosse você – respondeu Fred.

- Aquele sujeito é pior que o Snape – continuou Jorge.

- Ele não vai deixar um bando de alunos andando livremente pelos corredores, sem ter o que fazer – retorquiu Fred, se servindo de uma pilha de torradas.

- Ele vai arranjar alguma coisa para vocês fazerem, eu aposto – resmungou Jorge, de boca cheia de biscoitos de polvilho.

- Lustrar os troféus...

- Lavar as latrinas...

- Tirar o pó das armaduras...

- Dar comida para os dragões...

- Epa, eles não tem dragões por aqui – retrucou Fred para o irmão.

- O que é uma pena...

- Mas isso é pior que uma detenção! – reclamou Rony, olhando para os gêmeos, bem como a metade da mesa da Grifinória.

- Você vai ver só – disse Jorge, com a expressão enigmática, voltando a se concentrar no seu desjejum.

Rony perdeu o apetite, olhando emburrado para as aparas de bacon.

Pouco depois, a revoada matutina do correio coruja invadiu o Salão, o farfalhar das asas levando as mensagens para os seus destinatários com vôos rasantes. Pichi deixou uma mensagem para Gina, enquanto Hermione recebeu a sua edição matutina do Profeta Diário. Ela pagou com um pequeno nuque na bolsa coletora da coruja, que piou satisfeita e voou embora, seguida pelas demais corujas.

- O que diabos a mãe quer? – perguntou Rony, imaginando quem seria a única pessoa a lhes escrever no primeiro dia de aulas.

- Nos lembrar de que devemos lhes escrever todos os dias – respondeu a irmã, passando os olhos pelo pergaminho – Acho bom nós lhe mandarmos uma coruja depois do almoço, ou não vamos ter sossego – resmungou ela.

Rony concordou com a cabeça e Hermione suspirou mais aliviada. Ela não podia mandar cartas para seus pais, eles se atrapalhavam muito com as corujas e os pergaminhos, mas se sentia mais tranqüila ao saber que a família Weasley saberia dos movimentos deles na escola. A garota folheou rapidamente o jornal que recebera, não encontrando nada que lhe despertasse a atenção.

- Alguma coisa ai sobre Dumbledore? – perguntou Rony, baixando o tom de voz.

- Nem uma palavra – disse Hermione, desapontada.

- Bom, pelo menos ele não foi para Azkabhan.

- Como você sabe?

- Ora, Malfoy não deixaria esta oportunidade escapar – respondeu o garoto, olhando com nojo para a mesa dos professores – Ele anunciaria em alto e bom tom que o ex-diretor, finalmente, fora posto a ferros.

Hermione respondeu com um olhar afirmativo, suspirando fundo. Resolveu terminar seu café da manhã de uma vez. Não adiantava nada ficar matutando sobre os problemas se ela não tinha como resolvê-los, pelo menos não de imediato.

Ao soar do final do desjejum, a multidão se espalhou pelas dependências do castelo, em um misto de júbilo dos alunos da Sonserina com a expectativa dos garotos e garotas das demais casas. Sentindo os nervos a flor da pele, Hermione seguiu seus colegas quintanistas à alta torre na parte sul de Hogwarts, onde teriam a primeira aula de Astronomia. A algazarra excitada dos alunos com a professora nova deixou a garota perdida com seus próprios pensamentos, seguindo a passos lentos, os demais. Enquanto subia a escadaria de pedra, notou que não era a única a seguir indecisa para a primeira aula.

- Neville?! O que você está fazendo aqui?

Neville Longbottom arrastava os pés grandes e o corpo rechonchudo, degrau por degrau, como se uma força invisível o arrastasse cada vez mais para baixo.

- Vamos! – disse Hermione, puxando delicadamente o garoto – Se chegarmos atrasados, provavelmente vamos bater o recorde de Rony por perda de pontos em um só dia.

Animado pela insistência da garota, Neville seguiu Hermione, o rosto estranhamente recontorcido.

Quando entraram na sala, todos os outros alunos da Grifinória e da Lufa-lufa já estavam acomodados em seus estrados, puxando pergaminhos e abrindo o livro Astronomia Intermediária para Bruxos Avançados mas, felizmente, a professora ainda não chegara. Um pouco mais animada, a garota empurrou Neville para perto de Rony.

- Onde vocês estavam? – sibilou ele, franzindo o cenho.

- Nós já chegamos, não chegamos? – respondeu Hermione, aborrecida.

- Ei, eu só queria saber... – tentou se justificar o garoto, mas perdendo a linha de raciocínio quando passos altivos se ouviram por todo o gabinete. A professora Andrômeda Black surgiu por entre as cortinas pesadas, de um veludo roxo puído e levemente embolorado. Trajando vestes negras como a noite, ela poderia, facilmente, passar desapercebida no meio dos barbacãs. Os olhos azuis escuros como uma mortalha, contrastavam com a pela alva e os lábios secos. Ela se movia com uma certa intempestividade, quase violência, arrancando suspiros nervosos quando se remexia. Com um sorriso severo, a professora se apresentou.

- Eu sou a Sra. Andrômeda Black, filha de Graco Black e viúva de Howard Iccutis – anunciou ela, em alto e bom tom, prendendo imediatamente a atenção de todos.

- Como já sabem, fui nomeada a nova Diretora da Grifinória... – continuou, olhando com especial desdém para os alunos da casa, que engoliram em seco – Mas, aqui, estarei atuando como professora da cadeira de Astronomia, uma das mais belas artes da nossa bruxidade.

Somente um silêncio obsequioso se seguiu a estas palavras. Andrômeda sorriu.

- Antes de passarmos ao conteúdo que os trouxeram até esta alta torre, creio ser o habitual realizar a chamada – ainda disse, puxando um assento escuro e pesado para perto de sua mesa e agarrando um pergaminho no alto de uma pilha.

- Astronomia, Quinto Ano, Grifinória e Lufa-lufa – disse ela, mais para si do que para os demais.

Rony arriscou uma olhadela para Hermione, que se mantinha quieta e pensativa, praticamente afundando na sua cadeira.

- Abbott, Ana.

- Presente.

- Vocês devem me responder com professora ou senhora no final das suas sentenças – disse ela, sem levantar os olhos do pergaminho, mas com especial entonação na voz que, decididamente, avisava que a professora Black não estava para brincadeiras.

- Sim, senhora – disse a garota, quase engolindo as palavras.

- Assim está melhor – sibilou ela, engolindo novamente um sorriso que desagradou terrivelmente Hermione. Ela não sabia bem o que não gostava da mulher, além do fato óbvio dela ter sido escolhida por um Comensal da Morte e, muito provavelmente, ser uma devota do Lord das Trevas. Havia algo no sarcasmo dela, nos seus trejeitos, alguma coisa terrivelmente doentia naquela mulher, que trazia uma grande apreensão à garota.

- Finch-Fletchley, Justino – continuou ela, arrancando Hermione dos seus pensamentos com sua voz melodiosa e possante.

- Presente, professora – respondeu o garoto, quase que imediatamente.

- Finnigan, Simas – continuou ela, seguindo normalmente com a chamada até chegar a Hermione.

- Srta. Granger – chamou ela, trocando a forma de se referir aos alunos e levantando a face. Obviamente, tal atitude despertou o interesse de todos, que grudaram os olhos na garota. Corando terrivelmente, mas sem baixar a cabeça, ela respondeu com a voz mais serena que conseguiu.

- Presente... professora – disse ela.

O momento de hesitação da garota não passou desapercebido pela Sra. Black, que lhe lançou um olhar capaz de congelar o lago da escola. Depois de alguns momentos silenciosos, ela continuou a chamada, tão indiferentemente quando começara.

- O que foi isso? – cochichou Rony, olhando espantado para a amiga.

- Eu não sei – respondeu ela, com sinceridade. Ela nunca vira aquela mulher antes e, apesar da óbvia antipatia que sentia, não imaginava porque ela resolvera distribuir uma atenção especial justamente para a garota. No entanto, de uma coisa ela tinha certeza; deveria ter muito cuidado com a Sra. Black. Enquanto se remoia em pensamentos, uma expressão de júbilo interesse perpassou pela professora.

- Longbottom! – disse ela, dando o primeiro sorriso verdadeiro do dia – O senhor não seria o filho dos aurores Franco e Alice Longbottom, seria?

Rony deixou o queixo cair no chão. Aurores? Os pais de Neville?

Hermione se virou e encarou o garoto, que parecia lívido. No entanto, diferentemente do que acontecia quando era interpelado pelo professor Snape, ela não notara medo ou submissão nos olhos do colega. Estampado na face rechonchuda e nos nós dos dedos esbranquiçados, que quase arrancavam um pedaço considerável das mesas escuras, havia a inconfundível marca do ódio. Uma fúria absoluta, reprimida e violenta, brotava no suor de Neville, que bufava terrivelmente.

- Então, garoto? Você é ou não é filho dos famosos Longbottoms? – insistiu ela, ignorando completamente o sofrimento de Neville que, a muito custo, balançou afirmativamente a cabeça, de forma quase imperceptível.

Andrômeda Black soltou uma gargalhada que arrepiou a alma de Hermione.

- Malfoy querido – disse ela, olhando para a cima, muito provavelmente falando consigo mesma – Você deveria ter me avisado. Que surpresa, meu caro. Que surpresa agradável – continuou, voltando a atenção para o pergaminho, parecendo realmente muito contente.

Hermione e Rony se aproximaram discretamente de Neville. A garota puxou delicadamente a mão do colega, soltando-a do braço da cadeira antes que ele a partisse com a pressão.

- Tudo bem, Neville? – sibilou Hermione, muito preocupada.

- Eu... eu estou ótimo – resmungou o garoto, baixando os olhos vidrados para sua mesa, ignorando completamente qualquer outra tentativa dos amigos em conversar com ele.

Rony apontou o colega com um gesto, meio que perguntando para Hermione o que ela achava que havia acontecido com Neville, mas a garota se limitou a responder com um dar de ombros, mantendo um olho preocupado no garoto e outro, avaliador, na perversa professora. Seja lá o que a Sra. Black tivesse causado ao amigo, deveria ter sido algo muito cruel. E, se a sua intuição não estivesse falha, havia algo envolvendo os pais de Neville, algo realmente muito perturbador.

Ao contrário da chamada, a aula da professora Black foi muito mais tranqüila que os garotos pudessem imaginar. Ela enfeitiçou o quadro para representar o sistema solar, apresentando os movimentos dos planetas e mostrando como calcular os periélios, apogeus e perigeu dos principais astros. Os movimentos mágicos dos planetas com o giz de cera eram muito mais fáceis de compreender do que os complexos pergaminhos cheios de fórmulas que a Sra. Sinistra insistia em usar nos últimos anos. Apesar de todo o preconceito e da irritação com os modos desagradáveis da professora, Hermione tinha que admitir para si mesma que acabara de receber uma aula exemplar de Astronomia. Os alunos da Lufa-Lufa saíram contentíssimos da sala, ao final do segundo período. Misturados a eles, Longbottom se dispersou na multidão com rapidez, deixando Hermione e Rony para trás.

- O que será que deu nele? – perguntou o garoto, acompanhando a colega até os pátios ensolarados da propriedade.

- Não sei, mas fiquei preocupada. Neville parecia transtornado – respondeu Hermione, irritada – Vamos falar com ele antes da aula do Carrasco – resmungou, se referindo ao professor McNair.

No entanto, por mais que procurassem, não encontraram Neville nem antes nem durante os dois períodos de Trato das Criaturas Mágicas. Andando ao largo das estufas de Herbologia, o abjeto e repugnante professor da disciplina os levou até uma ribanceira, onde a professora Sprout despejava os restos dos vegetais mágicos.

Vestido com uma série absurda de camisas suadas e rasgadas, umas por cimas das outras, o professor McNair usava um capuz medonho que cobria parte de seu rosto, deixando livres somente os olhos vesgos e a boca amarelada e repleta de dentes apodrecidos. Carregando o antigo machado a tiracolo, relíquia do seu antigo emprego, ele realmente parecia uma mistura de trasgo do pântano com uma acromântula, como Rony costumava xingá-lo. Acostumado com um público bem diferente, ele mal disse duas palavras para os alunos da Grifinória e da Sonserina que, mesmo com um sorriso estampado no rosto, já não estavam achando tão engraçados se encontrarem pertos de um vale profundo de onde exalava um cheiro fétido e repugnante.

McNair parou, afundando o comprido machado no chão, se virando para a sua turma. Ele sorriu, e um hálito horrível quase fez desmaiar os alunos que, empurrados pelos demais, infelizmente se encontravam pertos do terrível professor.

- As kraquers crescem junto às plantas mágicas decompostas. Elas comem as plantas – rosnou McNair, cuspindo no chão. Hermione sentiu náuseas.

- Vocês! – vociferou ele, apontando para o grupo de alunos da Grifinória – Desçam e procurem as kraquers. Atirem elas para cá – resmungou, distribuindo uma grande quantidade de cestas para os alunos da Sonserina que, agora, tinham muitos motivos para sorrir a vontade.

Rony olhou para a perigosa ladeira e trocou olhares apavorados com Hermione. A garota, depois de resistir bravamente durante os dois primeiros períodos com a professora Black, não conseguiu se controlar e levantou o braço.

- O que foi? – resmungou McNair, espantando as moscas que infestavam a região.

- Como vamos reconhecer uma kraquer? – perguntou. Ela já estudara um grande número de livros e pergaminhos sobre animais mágicos, mas nunca ouvira falar sobre estes animais.

- Vocês vão ver. O primeiro que levar uma dentada delas vai mostrar para os outros – respondeu McNair, com o olhar malévolo.

Os alunos da Sonserina praticamente gargalhavam quando os amedrontados colegas da Grifinória se arrastavam, a passos trôpegos, descendo o vale, afundando as vestes no meio do lixo e do lodo.

- Você deve estar se sentindo em casa, Weasley – gritava Draco, arrancando grossas gargalhadas. Hermione olhou furiosa para o professor, na vã tentativa que o mesmo interrompesse a chuva de imprecações e xingamentos, mas seria mais fácil o professor Snape aprender a dançar balé. Incentivado pelos alunos, ele urrava de tanto rir, praticamente chorando de felicidade.

- Ei, sangue-ruim... – gritou Draco, apontando para Hermione – Finalmente encontrou um lugar mais nojento que você! – xingou, arrancando mais gargalhadas e praticamente levando a garota às lágrimas. Rony fez menção de se virar para lançar um feitiço em Draco, mas a garota o agarrou.

- Ele não pode fazer isso! – vociferou ele.

- Por favor, Rony. Esquece – pediu ela, tremendo de raiva e medo. Ela não tinha a menor dúvida de que McNair deixaria que todo o pessoal da Sonserina atacasse o amigo com uma fúria desmedida se ele se revoltasse. Era bem capaz do desgraçado liderar a investida.

- Vocês não estão procurando direito – disse McNair, depois de enxugar umas lágrimas – Enfiem as mãos no lixo.

- Não tem nada aqui! – resmungou Simas, enlameado até a cintura.

- Não seja respondão, moleque! – rosnou McNair – Menos dez pontos para a Grifinória. E tratem de procurar de verdade, ou eu vou descer até ai – ameaçou, passando o dedo enluvado pelo fio da navalha do machado.

A profecia da noite anterior de Harry quase se concretizou, mas por motivos diferentes. Aflitos pelas palavras amargas do professor, os alunos da Grifinória fuçaram a montanha de lixo e lodo escorregadia e perigosa como porcos em um chiqueiro. Por muito pouco, Draco não foi mandado para o hospital para se recuperar. O garoto perdeu o fôlego de tanto rir das fuças enlameadas, fétidas e profundamente tristes dos alunos que saíram do lodaçal, de mãos vazias. Para coroar, o professor McNair ainda lhes tirou mais dez pontos por não ter encontrado uma única kraquer. Como castigo adicional, ele dispensou os sonserinos do último período, enquanto os obrigou a varrer e limpar dois novos canteiros.

- São para as novas estufas – resmungou ele, quando Weasley perguntou o porque de toda aquela trabalheira.

Imundos, o cheiro impregnado na pele depois de trabalhar durante uma hora sob o sol inclemente, os alunos da Grifinória voltaram tristes e abatidos para o salão comunal, arrancando risadas estridentes de qualquer aluno da Sonserina que encontrassem.

- O que diabos aconteceu com vocês? – perguntou Neville, assim que Hermione lançou a senha para a Mulher Gorda.

- Onde você se meteu? – respondeu Rony, grosseiramente.

- Eu... estava indisposto – gaguejou Neville – Vocês estão bem?

- O que que cê acha? – praguejou Rony, rumando direto para o banheiro.

Logo, a insólita viagem dos garotos ao lamaçal das estufas já correra toda a Hogwarts. Os alunos da Grifinória estavam furiosos, o tom durante o almoço variando entre a fúria e a indignação. Já os rapazes e garotos da Sonserina exibiam sorrisos maliciosos, imitando porcos com gracejos e urros, rolando na mesa de tanto rir. Enquanto isso, os alunos da Cornival e da Lufa-Lufa pareciam divididos. A maioria perdera pontos durante o dia, mas vários alunos também ganharam e as aulas, de qualquer modo, não eram de todo o mal. Alguns encararam a coisa toda como uma piada, enquanto outros se sentiram pouco a vontades com aquelas atitudes irresponsáveis por parte de um professor.

- E isso que hoje é só o primeiro dia – resmungou Rony, desanimado, se virando a todo o momento para cheirar o corpo, receoso que a fedentina não tivesse saído por completo.

Hermione se manteve calada durante o almoço, comendo muito pouco e se sentindo, pela primeira vez em Hogwarts, miseravelmente infeliz. O fato de não ter nascido em uma família bruxa nunca pesara para a garota e sua alma se dilacerava cada vez que ouvia Draco e os demais lhe xingando. Ela tinha orgulho dos pais e gostava muito deles mas, em poucos e raros momentos, ela se sentia pensando como seria bom se eles também fossem bruxos. Quanta coisa boa eles poderiam compartilhas; quantos ensinamentos eles poderiam lhe passar. Mas logo depois, ela voltava à razão, sentindo uma vergonha irrestrita de tais pensamentos, ficando furiosa consigo mesmo.

Perdida em pensamentos, ela mal ouviu as palavras do diretor que, para espanto dos gêmeos Weasley, liberou os alunos que tinham aula de Herbologia e História da Magia. Passando reto pela avalanche de xingamentos, ela correu até o Salão Comunal e se atirou na cama, chorando baixinho até adormecer.

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