A Seleção de Sonserina



O Expresso Hogwarts chegou na escola debaixo da maior tempestade que Rony já presenciara. O aguaçal começara há cerca de meia hora e as gotas pesadas e o vento inclemente molhara todos os alunos até os ossos. Hermione, assim como a maioria dos alunos mais velhos, conjurara um feitiço Impervius, que criava uma espécie de capa protetora sobre ela, mas a tempestade era tão forte que mesmo a magia não impediu da garota se encharcar.

Na saída da estação de Hogwarts, as primeiras mudanças foram sentidas pelos alunos. Hagrid não estava lá para receber os calouros, como era de se esperar. No seu lugar, McNair, trazendo um enorme guarda-chuva vermelho, berrava com os calouros, ameaçando açoitá-los caso estes não se apresassem. Hermione temeu pela sorte dos novos alunos que deveriam atravessar o lago debaixo daquele manancial de água e sob os gritos daquele brutamontes. Deixando o orgulho de lado, se escondeu no meio dos Weasley e seguiu os amigos até a fila de carruagens sem cavalo que deveriam levá-los até o castelo.

- Caracas! – resmungou Rony, tentando torcer as longas vestes negras, formando enormes poças no chão.

- Onde está Harry? – perguntou Neville, entrando rapidamente na carruagem, seguido por Gina.

Hermione e Rony se entreolharam. A garota fechou a porta com força, baixou o tronco e começou a cochichar. O rosto rechonchudo do rapaz foi se modificando em um esgar de horror, as faces avermelhadas e os dentes serrilhados.

- Mantenha segredo absoluto sobre isso, Neville – ainda pediu Hermione para o rapaz.

- Certo – murmurou ele, quase gaguejando – Nós... temos que ficar juntos... Certo. Eles... Eles em Hogwarts... Isso não está certo – resmungou.

Rony ergueu as sobrancelhas, temendo que o garoto sofresse um ataque dos nervos e botasse tudo a perder. No entanto, a revelação de que os inimigos dos bruxos livres estavam mais perto do que eles esperavam não deixou o garoto em pânico. Ele parecia lívido, isso era óbvio de perceber, mas sua mente fervilhava em outras direções, muito diferentes do que os amigos poderiam imaginar.

O final da viagem foi melancólico. Os garotos chegaram encharcados e exaustos às escadarias que levavam ao grande salão. Deixando um rastro de lama e água pelo chão de pedra, centenas de estudantes se acomodavam da melhor forma possível nos seus lugares, divididos nas quatro grandes mesas comunais. Rony, Hermione, Gina, Fred, Jorge e Neville sentaram juntos, olhando preocupados para a mesa dos professores. Uma coleção de rostos desconhecidos era pontilhada pela presença desassossegadora de Severo Snape, sentado do lado esquerdo da cadeira principal. No entanto, Lúcio Malfoy não se encontrava presente. O atual professor de Defesa Contra as Artes das Trevas olhava os alunos com seu desprezo habitual, fungando de impaciência enquanto todos se acomodavam. Os demais misturavam expressões de desdenho e ironia. Crabbe e Goyle, sentados pomposamente na mesa da Sonserina, olhavam com orgulho os pais atarracados, que pareciam dois armários que ganharam vida. Eles eram os únicos que Hermione tinha certeza de quem era, pois os demais ela nunca vira antes.

- Aquela deve ser Amico Tísis – cochichou, apontando discretamente para uma mulher de cabelos negros sedosos e olhar lânguido, emoldurados por um par de sobrancelhas grossas que lhe davam um aspecto de uma ave de rapina.

- É a irmã do tal Aleto? – perguntou Neville.

- Psst! – reclamaram Rony e Gina, olhando feio para o garoto – Nós não podemos comentar estas coisas em público! – acrescentou Rony, olhando feio para Hermione como se colocasse a culpa nela.

O garoto se encolheu no seu próprio canto, pedindo desculpas. Hermione lançou um olhar de censura para Rony, que deu de ombros, virando o rosto.

- Ei, onde está Harry? – perguntou Simas, se sentando.

Fred e Jorge baixaram a cabeça, enquanto Rony se encolheu em um canto. Hermione tentou responder, mas as palavras lhe fugiam. Quem salvou a situação foi a mente esperta da Gina.

- Nós não sabemos – disse ela, simplesmente.

- Não sabem?

- Ele não apareceu no trem – emendou Hermione.

Logo, o não comparecimento de Harry se tornava o centro das conversas na mesa da Grifnória. Uma grande aglomeração em torno de Rony e Hermione se formou em poucos segundos, assustando um pouco a garota. Ela duvidava que aquele conglomerado de alunos tivesse se formado mais rápido se tivesse utilizado um feitiço convocatório. Os garotos tiveram um enorme trabalho para convencer os colegas que não tinham a mínima idéia de onde estava Potter e que, não, realmente não estavam escondendo nada!

Quando os alunos se afastaram, desconfiados, Hermione recebeu um safanão do Rony.

- Eles vão descobrir que nós estamos mentindo!

- Eu sei! – reclamou ela, exasperada – Eu quero é que eles não descubram... Pelo menos, por enquanto - respondeu, apontando para a mesa da Sonserina.

- E como você espera convencer alguém sobre... os Comensais? – sibilou, quase sussurrando.

Antes que a garota pudesse responder, a porta do salão se abriu e McNair entrou, empurrando os calouros na sua frente. Com desdém, o novo professor de Trato das Criaturas Mágicas subiu até o púlpito e se sentou com um grande baque. Para a surpresa de todos, Snape se levantou.

- O novo diretor de Hogwarts... – disse, fazendo uma pausa para que todos acompanhassem suas palavras – ...deve estar entre nós em poucos momentos. Enquanto isso, iniciaremos a seleção. Sra. Tísis, se me faz o favor.

Hermione fez um muxoxo de satisfação pessoal quando viu a mulher com cara de falcão se levantar. Ela era alta, usava um vestido preto colado ao corpo e um chapéu pontudo e fino, com uma ponta de prata. Ela levantou um saco sujo do chão e retirou, com indisfarçável nojo, o velho e surrado chapéu seletor. Segurando o objeto mágico com a ponta dos dedos, ela foi até os calouros, levando consigo uma lista comprida.

- Agner, Marco – chamou, a voz aguda reverberando pelo salão.

- Ele não fez o discurso! – exclamou Hermione, se segurando no tampo da mesa. Rony e os gêmeos se entreolharam, mudos de espanto. A surpresa não ficou restrita aos alunos da Grifnória. Logo, muitos alunos se viravam e cochichavam, trocando impressões, visivelmente espantados. Até mesmo alguns estudantes da Sonserina pareciam preocupados. Os comentários, que pareciam mais exacerbados do que o costume, atingiram níveis alarmantes e o professor Snape teve que fungar três vezes antes que a turba diminuísse de volume.

Hermione rilhou os dentes, apertando os olhos para observar melhor.

- Ele parece... estuporado – cochichou, apontando discretamente para o púlpito.

- Ele quem? Snape? – perguntou Rony, observando o atual professor de Defesa Contra as Artes das Traves e, pelo que tudo indicava, o novo vice-diretor da Escola.

- Não! O chapéu! – respondeu Hermione, impaciente, observando com atenção os fiapos de couro do objeto mágico, que pareciam esgarçados e sem brilho.

Rony observou Hermione como se ela estivesse com um parafuso a menos.

- Eles estuporaram... um chapéu? – retorquiu o garoto, enquanto a mesa da Sonserina comemorava a seleção do aluno.

- Atticus, Cornélius – berrou a Sra. Tísis.

- Ele não parece estranho? Não parece mais velho?

- Sonserina – resmungou o chapéu, a voz, decididamente, mais cansada.

- Ele tem mais de mil anos, Mione!

- Bonnes, Caroline!

- Ele não fez o discurso...

- Sonserina!

- Talvez ele esteja cansado... Ou sinta a falta de Dumbledore!

- Carogan, Murdock!

- Ele foi enfeitiçado!

- Sonserina!

- É claro que foi enfeitiçado! Ele é um chapéu falante, Mione!

- Cornwell, Mathias!

- Não é isso! – fungou Hermione, dando um tapa na mesa, finalmente perdendo a paciência – Ele parece... transtornado!

- Sonserina!

- Era só o que me faltava. Depois dos elfos domésticos, você quer salvar também os objetos mágicos falantes?

- Crowley, Suzana!

Hermione lhe lançou um olhar furioso.

- O que você acha que ele tem? – insistiu Rony, provocando a amiga – Depressão?

- Sonserina!

- Eu acho que você não deveria ironizar os sentimentos dos outros, sua mula insensível!

- Dunges, Lawrence.

- Ei, se é pra ofender... – começou Rony, furioso.

- Querem calar a boca vocês dois? – resmungou Fred, chamando a atenção dos brigões – Vocês não percebem o que está acontecendo?

- Sonserina – resmungou o chapéu.

Hermione se virou abruptamente, retornando a realidade. Ela mirou o jovem Lawrence se dirigir desconfiado para a mesa da Sonserina, onde todos os outros calouros já se encontravam. Rony esbugalhou os olhos, prestando atenção aos murmúrios de indignação e desconforto das outras mesas.

- Eles vão selecionar todos os calouros? – balbuciou.

- É o que parece, irmãozinho – ironizou Fred, emburrado.

- Eu disse que o chapéu estava enfeitiçado – resmungou Hermione, olhando duro para Rony, que abaixou as orelhas. No entanto, para seu espanto, logo depois de Eiwe, Marta ser selecionada para a Sonserina, um aluno mirrado e de óculos grossos, chamado Nicholas Floyd, foi escolhido para a Grifnória. Um urro de satisfação e alívio percorreu as mesas, inclusive entre os
Weasleys.

- Talvez tenha sido só uma coincidência – arriscou Rony, sem grande convicção.

Hermione apertou os olhos, incrédula, e com toda a razão. Novamente, o chapéu continuou com o seu monólogo repetitivo, selecionando mais e mais alunos para a Sonserina. No final, somente o garoto Floyd e uma menina de pele clara e rosto cheio de acne, Jacinta Maxwell, foram selecionados para a Grifnória. Os demais, sem exceção, sentaram à mesa da Sonserina, cujos alunos apertavam os espaços nos bancos para acomodar tantos novos calouros. Os ocupantes das duas outras casas observavam a movimentação, atônitos.

A Sra. Tísis enfiou o chapéu seletor novamente no saco sujo, atirando o inestimável objeto mágico em um canto. Hermione sentiu um arrepio de frio, como se fosse o seu corpo sendo atirado como um trapo. Alguns murmúrios de protesto foram ouvidos, mas o silêncio imperou rapidamente quando o professor Snape se levantou. Um olhar mais frio que o costume teve efeito imediato nos alunos.

- A seleção foi realizada e, como sempre, o caráter decisório do chapéu seletor é irrevogável – enfatizou, encarando as mesas da Cornival, Lufa-Lufa e Grifnória. Alguns alunos da Sonserina gargalhavam à vontade e Rony teve uma súbita vontade de atirar o seu prato vazio na direção daqueles metidinhos de uma figa.

- Também é meu agradável dever, na ausência do nosso novo diretor, de apresentar os novos diretores das casas seculares que representam o sustentáculo de Hogwarts – sentenciou, a voz fria e suave com um leopardo à espreita.

- Naturalmente, eu vou conciliar minhas atividades como novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas ... – e aqui, Snape fez uma grande pausa para receber diversos aplausos da turma da Sonserina - ... com o cargo de vide-diretor... – outra pausa e novos aplausos, seguidos também por alguns professores - ... e Diretor da Casa de Sonserina! – novos e entusiasmados aplausos da mesa de Draco, que tinha as mãos vermelhas.

- Puxa-saco sebento – disse Rony, só por dizer.

- O Sr. Lince Avery será o novo Diretor da Lufa-Lufa – anunciou Snape, enquanto um homem baixo e com uma cara de focinho de porco se levantava com dificuldade. Ele tinha os olhos miúdos, as mãos trêmulas e uma expressão de terrível contrição. Poucos e esparsos aplausos se seguiram ao nome de Avery.

- A Sra. Amico Tísis será a nova Diretora da Cornival – continuou Snape, apresentando a esguia professora. Alguns aplausos mais animados correram a mesa dos seus novos comandados.

- Quanto a Grifnória... – rosnou Snape, aproveitando o doce momento de vingança, lançando um olhar particularmente feroz aos alunos da mesa vermelha e dourada – Eu creio que ficarão muito satisfeitos com sua nova diretora. Ela vem de uma das famílias mais tradicionais da bruxidade inglesa. A senhora...

A grande porta do Salão de Hogwarts se abriu novamente, o que calou o professor Snape. Ele cruzou os braços e se sentou, observando Lúcio Malfoy realizar sua entrada triunfal como novo diretor da escola. Os alunos da Sonserina se colocaram em pé, aplaudindo entusiasticamente o pai de Draco, que não cabia em si de felicidade, recebendo inúmeros cumprimentos dos colegas.

Rony rilhou os dentes, bufando de raiva. Sentimento este que era compartilhado pelos irmãos e por quase toda a mesa da Grifnória. Obviamente, ninguém sabia que o rico e influente Lúcio Malfoy era, de fato, um dos braços direitos de Voldemort. No entanto, Draco e a turma da Sonserina eram conhecidos pelo seu atrevimento frente às Artes das Trevas, além de sua particular tendência em perseguir os alunos das demais Casas.

Logo atrás do novo diretor, que subia no púlpito com seus habituais trajes pretos e seu chapéu de ponta fina, uma mulher forte e de olhar arguto seguia os passos de Malfoy. O novo diretor puxou uma cadeira para sua convidada, olhando com satisfação do alto da cadeira principal para o salão repleto de alunos. Ele deu um leve sorriso ao ver a mesa da Sonserina recheada de alunos, enquanto espaços vazios permeavam as demais casas.

- Onde o senhor estava, professor Snape? – perguntou, abrindo um sorriso malicioso.

- Ah, sim! Nós chegamos bem na hora, não é mesmo? Tenho prazer de anunciar a nova professora de Astronomia e Diretora da Grifnória – disse, elevando o tom de voz e olhando de soslaio para a mesa à sua esquerda.

- A Sra. Andrômeda Black! – anunciou, batendo palmas.

Um baque estridente se seguiu a esta declaração. Neville havia derrubado seu copo no chão.

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