O Expresso para Hogwarts



Hermione nunca percorrera aquela estrada sentindo tanta ansiedade. Mesmo quando fora para Hogwarts pela primeira vez, há quase cinco anos, a garota não sentira aquela estranha sensação de sufocamento lhe apertando o peito. Mordendo as unhas a todo o momento, a garota sentia que sua ansiedade estava batendo níveis estratosféricos, enquanto se remexia no banco de trás do moderno carro que seu pai conduzia. Ao lado do Sr. Granger, a sua mãe lhe lançava olhares intrigados.

- Tudo bem, minha filha? – perguntou ela, franzindo o cenho.

- Sim, mãe. Não mudou nada desde a última vez – respondeu a garota, de forma bastante despeitada. A garota bufou, notando a expressão de desagrado na Sra. Granger, mas deu de ombros e virou o rosto para observar o movimento lá fora. Aquela fora a terceira vez que sua mãe a interpelava. Era óbvio que seus sentimentos estavam começando a transparecer de forma muito visível e a garota estremeceu ao pensar no Sr. e a Sr. Granger. A última coisa que a garota precisava agora era ter seus pais preocupados com ela.

Uma chuva fina e chata caía nos arredores de Londres, se misturando às névoas eternas que circundavam a grande cidade. O verão terminava rapidamente e, logo, o frio do outono mostraria sua força. Mas os grossos casacos não seriam retirados das malas por vários dias ainda e Hermione aproveitava o resto dos dias de calor para usar roupas mais leves, exibindo com graça uma saia xadrez que lhe descia até os joelhos. Dando o primeiro sorriso verdadeiro do dia, ela observou um pequeno grupo de crianças trouxas – quer dizer, não mágicas – pensou, se obrigando a corrigir a si mesmo. Elas andavam em fila, todas usando o mesmo uniforme azul escuro e botas para chuva. Uma linha de pequenos guardas-chuva seguia seu caminho, despreocupados, pulando pelas poças de água e dando gritinhos de excitação. Sem querer, Hermione sentiu uma enorme inveja daqueles pequenos estudantes. Provavelmente, em poucos minutos estariam sentados em suas minúsculas classes, recostados nas cadeirinhas e bebendo um chocolate quente para espantar o vento fresco da chuva. Com certeza, eles não precisavam se preocupar com nenhum professor maligno, muito menos com a ameaça pendente sobre seus lares.

“Como estavam enganados” – pensou a garota, mordendo os lábios, sentindo uma pontada de raiva. Não era justo que eles tivessem que arcar com todo aquele peso nas costas. Voldemort era uma ameaça para toda a população, principalmente a não mágica. Mas, ingenuamente, os cidadãos de Londres e de toda a Grã-Bretanha seguiam suas vidas comuns, se encontrando em pubs e livrarias, tomando chá e discutindo os últimos resultados do críquete, sem ter a mínima noção de que nuvens de desespero se tornavam cada vez mais densas no horizonte sombrio que a comunidade bruxa estava vivendo.

E, mesmo assim, só uma pequena parte do seu mundo tinha ciência dos acontecimentos tenebrosos das últimas semanas. Hermione, que sempre buscara com ardor e paixão o conhecimento, agora tinha medo dele. Se Harry e Rony não fossem seus melhores amigos, a garota, provavelmente, andaria despreocupada até a estação King Cross, empurrando seu grande malão e acariciando os pêlos alaranjados de Bichento, seu gato de estimação. Mas o destino quis que ela se encontrasse no epicentro do terremoto que sacudira, mesmo que silenciosamente, a bruxidade. O Lorde das Trevas retornou, e ela era uma das poucas pessoas que tinha conhecimento do fato e compreendia toda a extensão do significado da visão demoníaca de Voldemort.

Com um estremecimento de pavor, ela observou com atenção os amigos e colegas que chegavam até a estação, enquanto seu pai procurava uma vaga para estacionar. Mesmo tentando fechar sua mente para estes pensamentos sombrios, ela não pode deixar de se imaginar, junto com os colegas, como uma fila de cordeirinhos, andando mansamente em direção ao cutelo de abate. A horrível visão se materializou e sumiu dos seus pensamentos com a mesma velocidade, deixando a garota sem fôlego, respirando profundamente.
A Sra. Granger se virou novamente, pronta para questionar a filha, mas esta foi mais rápida, cortando o assunto.

- Ali tem uma vaga, pai! – disse, apontando com sofreguidão para um espaço quatro carros adiante e exibindo o sorriso menos amarelo que conseguiu.

- Excelente! – disse o Sr. Granger, piscando um olho para a filha e desacelerando o carro.

Hermione e a Sra. Granger se encararam por alguns segundos. A garota tentou sustentar um olhar neutro e sem culpa, mas foi impossível. Virando o rosto, afagou o gato laranja, colocando-o mansamente dentro de sua gaiola de viagem.

Como em todos os anos, a partida do Expresso para Hogwarts era um espetáculo estranho para os trouxas de Londres. Sem saber, centenas de estudantes de todos os lugares, assim como seus pais, lotavam o sistema de transporte da cidade, tentando chegar na estação King Cross antes do horário. Rupert Taylor, inspetor da BritRail há quase trinta anos, já estava acostumado com aqueles dias excêntricos, que ele batizara de Dia dos Trouxas. Mesmo sem entender o significado, esta era uma palavra que ele usualmente escutava muito durante aquele dia – trouxas. No entanto, mesmo em seus devaneios mais loucos, o pobre Sr. Taylor nunca imaginaria realmente a verdade, apesar de ter percebido algumas pistas.

Ele sabia, por exemplo, que aquela aglomeração não era para tomar um dos diversos trens que partia diariamente de uma das maiores cidades da Europa. As centrais de vendas de passagem não registravam nenhum aumento anormal de bilhetes; ele mesmo verificara os relatórios por diversos anos. Também sabia que eles não eram salteadores ou bandidos. O velho fiscal já havia lido em algum lugar que, em várias cidades, bandos de assaltantes se reuniam para criar confusão, se aglomerando perto de locais de grande movimentação. No meio do tumulto que formavam, conseguiam bater carteiras e furtar relógios. Mas, mais uma vez, esta não era a explicação para o Dia dos Trouxas. Afinal, o número de queixas contra meliantes praticamente diminuía pela metade durante aquele dia – obra, sem sombra de dúvida, dos diversos aurores que patrulhavam, disfarçados, no meio da multidão. O Ministério da Magia sempre providenciara uma força tarefa para a Estação King Cross durante o embarque para Hogwarts. Afinal, este era um dos dias mais perigosos para a comunidade bruxa. Se alguém percebesse os estudantes desaparecendo magicamente dentro de uma das colunas entre a plataforma 9 e 10, certamente o caos criado só poderia ser contido com um grande custo.

Por fim, o que mais trazia estranheza ao fiscal da viação férrea era o desfile incomum de animais estranhos, enjaulados ou empoleirados sob os ombros das crianças. Corujas, ratos, gatos e até mesmo morcegos desfilavam pela estação, exibindo suas garras e arrulhando para os pedestres. Aquele mini zoológico ambulante envolvia os gritos e urros dos animais ao aglomerado de pessoas, tornando a situação toda o mais caótica possível.

O velho fiscal passara anos estabelecendo conjecturas, mas nunca conseguiu chegar a alguma conclusão plausível. Atualmente, tais dias se tornaram tão corriqueiros que o Sr. Taylor já quase não se importava mais com o assunto. Com a sabedoria da idade, acreditava que certas coisas aconteciam porque supostamente elas deveriam acontecer e ele não tinha nada a ver com isso. Assoviando entre os estranhos, passeava pela estação com o cachimbo preso na boca e o olhar sonhador.

Indiferente aos devaneios do velho fiscal, o Sr. Granger retirou com imensa dificuldade o grande malão da filha, sentindo o suor quente e pegajoso grudar a camisa molhada pelo chuvisco inclemente. Sem perder tempo, Hermione encontrou um carrinho auxiliar e ajudou seu pai a instalar o baú e a gaiola do Bichento, que ronronava baixinho. Ladeada pelos pais, a garota seguiu com o passo firme até o corredor central da estação, parando quase que abruptamente.

Respirou fundo, tentando acalmar seus nervos. Aquele era o local onde os Granger, tradicionalmente, se separavam. Era muito difícil para o Sr. e a Sra. Granger observar a filha desaparecer através de uma parede de tijolos maciços. A cena da filha ingressando no mundo mágico entre as plataformas 9 e 10 causava uma certa taquicardia na sua mãe. Para evitar uma violação clara ao Terceiro Estatuto de Convivência com os Trouxas, Hermione convencera os pais, desde o segundo ano, a se despedirem mais cedo.
Depois de vários minutos ouvindo os últimos e lamuriosos conselhos dos pais, que rendeu a Sra. Granger várias e grossas lágrimas, finalmente a garota se viu sozinha, andando com o passo incerto pela estação King Cross. A palpitação e a sensação de sufocamento retornara assim que vislumbrara o Sr. e a Sra. Granger atravessarem as portas giratórias.

A garota tropeçou em uma pedra solta, soltando um palavrão involuntário. Mordendo os lábios, ela tentou acalmar os próprios nervos, enquanto procurava uma família trouxa que seguisse na mesma direção. Logo após, já seguia um casal com dois filhos pequenos, carregados de malas e conversando sem parar.

“Perfeito!” – pensou, satisfeita. Ela aprendera este truque no terceiro ano, depois que um guarda desconfiado fizera diversas perguntas embaraçosas sobre o porque da garota estar circulando sozinha pelos corredores da estação férrea mais movimentada do país. Desde então, tentara se misturar as famílias que andavam de um lado para o outro, passando desapercebida na multidão.

Por sorte, a família que Hermione "adotara" naquele ano seguia para a plataforma de embarque treze, como ela escutou com os ouvidos apurados. Um pouco mais calma, ela conseguiu permanecer incólume, andando disfarçadamente até as duas colunas que separavam as plataformas 9 e 10. Mordendo mais uma vez os lábios, virou vagarosamente o carrinho e se encostou lentamente no muro de tijolos. Quando teve certeza que ninguém a observava, deu um violente encontrão para trás, pulando para dentro da plataforma 9 1/2 , trazendo de arrasto o carrinho, o malão e a gaiola.

Bichento gritou alto, incomodado, calando assim que recebeu uma ralhada feroz da garota. Com um suspiro que misturava alívio e preocupação, passou os olhos pela aglomeração de bruxos e bruxas que se despediam dos filhos com abraços carinhosos e conselhos dos mais variados. Hermione vislumbrou um ou dois colegas, mas não se deteve para conversar com ninguém, dando acenos rápidos e se misturando na multidão. Seus olhos ávidos vasculhavam cada centímetro da plataforma, a sensação de afogamento retornando com mais força a cada minuto que passava.

“E se eles não forem para Hogwarts?” – pensou, com uma pitada de pânico.

“Não, isso não vai acontecer!” – repetiu para si mesmo, buscando um pouco de autoconfiança.

No entanto, sua palpitação aumentava com o passar do tique do relógio, diminuindo inexoravelmente o tempo para a partida do trem.

“Onde estão eles? Onde estão eles?” – murmurava, sentindo suas mãos suarem.

Finalmente, após cruzar quase toda a plataforma, Hermione soltou novamente a respiração, os músculos doloridos aliviados pela tensão que se esvaziava como uma bexiga furada. Nunca uma profusão de cabelos vermelhos e acne acerbada fora tão bem recebida pela garota. Logo a frente, o Sr. Weasley caminhava com os passos rápidos, olhando nervosamente para os lados, mantendo a varinha segura dentro do casaco. Logo atrás, Rony e os gêmeos Fred e Jorge, as faces sardentas bem mais soturnas do que o normal, seguiam o pai com os olhares nervosos. No final da fila, a Sra. Weasley carregava Gina pelo braço, com uma expressão de quem estava preste a rosnar para qualquer um que lhe desse um olhar enviesado. Obviamente, pela cara amarrada da garota, a filha mais nova da família Weasley não estava gostando nada de ser arrastada pela estação pela mãe superprotetora.

Mesmo notando as faces enrugadas de preocupação, foi um grande alívio para Hermione perceber que os Weasley retornariam para a escola. Hogwarts, decididamente, não seria a mesma sem eles. Apressando o passo, ela alcançou a Sra. Weasley.

- Hermione! – exclamou ela, ainda agarrada na filha – Arthur! Arthur! – gritou, tentando se fazer notar no meio da algazarra típica do embarque anual dos alunos.

- Arthur! Aqui! – repetiu ela, apontando para Hermione. A garota olhou para a Sra. Weasley com curiosidade. Tinha a nítida sensação de que eles a estavam procurando tanto quanto ela os procurava. Logo, Fred, Jorge e Rony retornavam com o Sr. Weasley nos seus calcanhares. A garota abraçou a marido da Sra. Weasley e deu um olá para os meninos. Rony corou um pouco ao cumprimentar a garota com um aperto de mão. Hermione, embaraçada, retirou a mão assim que pareceu não estar sendo mal educada. Os gêmeos sorriram, trocando olhares maliciosos e a garota ferveu de raiva.

- Venha, vamos até aquele canto – solicitou o Sr. Weasley, colocando a mão no ombro da garota e olhando para os lados, como se fosse um guarda costas. Rapidamente, os garotos se aglomeraram perto de umas latas de lixo. A Sra. Weasley permaneceu de costas para eles, a varinha firme e o olhar atento para qualquer movimento suspeito.

- É muito bom ver você aqui, Hermione – disse o Sr. Weasley, se abaixando e diminuindo o tom de voz, enquanto tentava esboçar um sorriso cansado. A garota agradeceu, corando novamente.

- Rony me informou que você já está a par... de toda a situação – resmungou, olhando bondosamente para a garota, que confirmou com a cabeça, séria e compenetrada.

- Bom, minha querida, você deve entender que... – começou ele, erguendo a cabeça e olhando nervosamente para os lados antes de continuar, baixando ainda mais o tom de voz -... nosso antigo diretor já tomou todas as providências para que nenhum mal aconteça a vocês durante o ano.

Hermione acenou positivamente. Ela já imaginava isso. Dumbledore não ia simplesmente entregar Hogwarts para um bando de Comensais da Morte – pensou, um pouco mais aliviada.

- De qualquer modo, e isso vale para todos... – acrescentou, encarando os filhos - ..., enquanto Dumbledore estiver longe, todos nós devemos tomar muito cuidado.

- Nós sabemos – resmungaram Fred e Jorge, em uníssono, dando de ombros.

- Não, vocês não sabem! – retorquiu o Sr. Weasley, encarando os garotos – Vocês não tem a mínima idéia do que eles são capazes!

Um silêncio súbito passou pelo grupo e Rony sentiu uma vontade imensa de segurar a mão de Hermione, mas conseguiu se controlar. Enquanto isso, a garota prendia a respiração. Ela nunca vira o Sr. Weasley perder a calma – normalmente, a Sra. Weasley era a mais propensa a arroubos de irritação, principalmente com as estripulias dos irmãos gêmeos. A preocupação do Sr. Weasley estava estampada no seu rosto vincado e nos olhos arroxeados, que denunciavam longas noites sem dormir. Era óbvio que ele e a Sra. Weasley temiam por seus filhos.

- Vocês precisam se manter unidos e vigilantes – sentenciou o Sr. Weasley, encarando a todos.

- Tá parecendo o Olho-Tonto! – resmungou Fred, encabulado.

- E ele tem razão, garoto – respondeu o seu pai, colocando as mãos na cintura – Nestas circunstâncias, todos o cuidado é pouco!

Hermione assentiu com a cabeça, sentindo um frio no estômago. A ansiedade dos adultos só colaborava para aumentar suas próprias preocupações.

- Eu também conto com vocês para cuidarem da Gina – completou ele, apontando o dedo para os gêmeos.

- Pai! Eu não sou mais criança! – reclamou a garota, exclamando sua indignação enquanto arrancava o braço das garras da mãe.

- Mas ainda não é adulta – retrucou o Sr. Weasley, franzindo o cenho. Gina bufou de raiva.

- Nós já discutimos isso, minha filha! Você não pode andar desacompanhada pela escola e ponto final – ralhou, bravo com a rebeldia da sua herdeira mais jovem.

A garota virou o rosto, ainda bufando. Por fim, fez um aceno afirmativo muito a mau gosto. O Sr. Weasley suspirou fundo, tirando o pequeno chapéu pontudo e limpando o suor.

- E quanto a vocês... – completou, olhando diretamente para Rony e Hermione – Juízo, hein? – pediu, afagando de leve os cabelos vermelhos do garoto, que sentiu suas entranhas congelarem. Ele arriscou um olhar envergonhado para a colega, que baixara a face, o rosto acentuadamente avermelhado.

Antes que os dois tivessem a oportunidade de se encararem, uma movimentação ao lado chamou a atenção de todos. Narcisa Malfoy, esposa do novo diretor de Hogwarts e seu filho, Draco, circulavam pela plataforma com os narizes empinados e o ar de soberba estampados nas faces muito alvas. Enquanto sua mãe parava para receber os cumprimentos de diversos bruxos e bruxas de aspecto nobre e olhares indecisos, o garoto de cabelos louros e face macilenta se afastou, apontando um dedo branco diretamente para Hermione.

- Se escondendo entre os bruxos, Granger? Você acha que nós não sabemos reconhecer um... sangue ruim à distancia? - sibilou, baixando o tom de voz de tal forma que somente o grupo dos Weasley ouvissem.

A Sra. Weasley se virou num rompante, olhando furioso para o garoto mal criado. Hermione estava petrificada com a ousadia do garoto, enquanto Rony bufava de raiva, o pescoço avermelhado e as orelhas pegando fogo. Os gêmeos fizeram menção de avançar para o garoto, mas quem tomou a dianteira foi o Sr. Weasley. Pela segunda vez na sua vida, o pacato diretor do Departamento de Controle do Mau Uso de Artefatos Trouxas parecia transtornado.

- Escute aqui, meu rapaz! – vociferou, praticamente cuspindo as palavras enquanto se abaixava para encará-lo nos olhos – Aqui não é Hogwarts! O Ministério da Magia não aplica detenções. Você acaba de ferir pelo menos dois artigos da Convenção das Autoridades Inter-Mágicas e Cooperação entre Espécies. Está querendo arrumar uma acusação formal perante o tribunal dos bruxos?

Draco engoliu em seco, os olhos esbugalhados, mas o Sr. Weasley não parou por ai.

- Seu... pai certamente o premiará por ser preso em tão tenra idade. Muito provavelmente irá quebrar o recorde dele – completou, rilhando os dentes.

O garoto deu um passo para trás, temendo ser atacado pela fúria estampada no rosto do Sr. Weasley. Ele arriscou uma olhadela para os demais, que o encaravam com os olhos cheios de raiva. Fungando fundo, torceu os lábios em uma careta, ainda encarando Hermione. Sem se virar, voltou para o lado da mãe, mantendo o grupo sob vigilância.

O Sr. Weasley se ergueu, arrumando a veste comprida surrada. Rony boquiabertou-se com o pai, enquanto os gêmeos abriam um grande sorriso. Molly se aproximou do marido, passando a mão no seu braço com grande carinho.

- Malfoy foi preso? – perguntou Fred, encarando o pai com indisfarçável orgulho.

- Apenas uma vez e há muito tempo atrás – respondeu o Sr. Weasley, tentando parecer indiferente mas sem conseguir esconder a satisfação. Hermione sorriu para ele.

- Pai, foi o senhor... – tentou insistir Rony, sendo cortado pela sua mãe.

- Agora não é hora para estas velhas histórias. O trem já vai partir. Vamos, venham dar um beijo na sua mãe e não se esqueçam de mandar uma coruja todos os dias! – ralhou, o coração apertado quase saltando pela boca, enquanto abraçava fervorosamente os cabelos vermelhos, deixando todos visivelmente constrangidos. Depois, ela agarrou Hermione e lhe deu dois grandes beijos na bochecha da garota, que abraçou a Sra. Weasley, agradecida.

O Sr. Weasley cumprimentou os filhos e deu um beijo em Gina, que trazia pequenas lágrimas nos olhos. Logo após, chamou Rony para um canto, conversando rapidamente alguma coisa no seu ouvido. Hermione percebeu o movimento furtivo do amigo, mas não quis se intrometer na conversa reservada que ele tivera com seu pai. Ela já se sentia uma intrusa no meio dos Weasley e achava que estava muito perto de cometer alguma gafe.

Acenando com sofreguidão, os Weasley e Hermione entraram no vistoso trem vermelho, acompanhado por centenas de estudantes. Em pouco tempo, se acomodavam em uma cabine vazia. Para o espanto da garota, Fred e Jorge seguiram logo após Rony e Gina.

- Papai nos pediu para viajarmos juntos – disse Rony, dando de ombros, ao que Hermione assentiu com um sorriso amarelo.

Breves minutos depois, um apito silvou agudamente e o Expresso para Hogwarts partiu, iniciando sua longa jornada até os terrenos da escola. Fred e Jorge rapidamente se entreteram em um jogo de xadrez bruxo enquanto Gina lia um exemplar do Semanário das Bruxas. Depois de olhar demoradamente para os corredores vazios do trem, Rony atirou o mesmo exemplar do Profeta Diário que seu pai lhe mostrara há alguns dias.

- Isso é terrível – sibilou a garota, olhando apavorada para lista dos seus futuros professores – Malfoy nomeou todos... bem... você sabe – resmungou, olhando de esgueio para Gina e os gêmeos.

- Pode falar a vontade – interrompeu a garota, erguendo os olhos da revista – Papai nos contou tudo.

Hermione arregalou os olhos e encarou Rony, que confirmou com a cabeça.

- Malfoy nomeou todos os Comensais da Morte que Harry viu no cemitério quando o-que-não-deve-ser-nomeado retornou – fungou Fred, indiferente, enquanto lançava um ataque devastador com sua torre.

- E vocês não acham isso... perturbador? – perguntou Hermione, erguendo as sobrancelhas.

- Eles não podem ser piores que o Snape – retrucou Jorge, dando de ombros, enquanto franzia o cenho ao ter seu cavalo destroçado pela peça adversária.

- Papai acha que eles só querem derrubar Dumbledore... Sabe, desacreditá-lo – respondeu Gina, com um sorriso meio amarelo.

- Mesmo assim, acho que nós devemos tomar muito cuidado – retrucou Hermione, praticamente repetindo as palavras do Sr. Weasley.

Fred e Jorge ergueram as sobrancelhas, balançando a cabeça. Logo, já retornavam ao jogo, sem prestar atenção nos demais.

- Ele também pediu uma coisa – disse Rony, se remexendo no assento, inquieto.

- O que foi? – perguntou Hermione, interessada. Estava quase certa que saberia o motivo da conversa particular entre o amigo e seu pai.

Rony prendeu a respiração e balançou a cabeça, sinal claro de que se sentia desconfortável com alguma coisa. Suas sardas pipocaram em um brilho estranho.

- Papai acha que nós não devemos manter segredo sobre... bem, sobre você-sabe-quem e os Comensais em Hogwarts – respondeu.

- Ele quer que nós anunciemos para a escola toda que nossos professores são seguidores do Lorde das Trevas? – perguntou Hermione, assustada.

- Sim, quero dizer... não... Somente para os mais chegados. Os que nós acharmos dignos de confiança – disse Rony, atrapalhado.

- Mas isso era a estratégia de Dumbledore e olha onde ele foi parar – retrucou Gina, que largara completamente a revista e prestava a atenção no irmão.

- Dumbledore anunciou o retorno de Você-sabe-quem e fez isso para todo mundo. Foi o que papai nos disse – retrucou Rony.

- Entendo – resmungou Hermione, pensativa – Ele quer que nós usemos uma abordagem diferente. Ao contrário de Dumbledore, nós vamos avisar somente alguns dos nossos colegas.

- Acho que é isso.

- Mas como podemos saber em quem confiar ou não?

- Bom... isso ele deixou a nosso critério – resmungou Rony, dando de ombros.

- E porque ele não deixou esta tarefa para eles? – ainda perguntou Hermione, apontando para os gêmeos. Afinal, eles eram os Weasley mais velhos que ainda estavam na escola. No entanto, a garota observou rapidamente a total indiferença dos irmãos em relação aos assuntos importantes que estavam discutindo. Ela suspirou fundo e encarou Rony, que lhe respondeu com um soerguer da sobrancelha.

- Bom, e agora?

- Er... Mione, para quem você acha que nós devemos contar?

Hermione pareceu indecisa por um momento, mordendo os lábios.

- Neville – ruminou ela, mais para si do que para os outros.

- Longbottom? – exclamou Rony, inspirando profundamente. Neville era um garoto desengonçado e muito grande, que morava com sua formidável avó. Sofrendo de uma absoluta falta de confiança, o rapaz seguidamente se atrapalhava nas aulas e estava preste a se tornar um desastre completo como um bruxo.

Hermione pareceu captar os pensamentos do colega no ar.

- Ele é confiável, Rony. E odeia terminantemente as Artes das Trevas. Além disso, ele é amigo de Harry e confia nele. Não vejo motivos para que ele desconfie de sua palavra.

- Ok! Ok! – concordou Rony, erguendo as mãos na defensiva – Quem mais?

- Simas é legal, mas fala demais. Provavelmente metade da escola já estaria sabendo antes do café da manhã – disse Hermione, olhando pensativamente para o teto – Lino está no penúltimo ano, talvez ele seja uma boa opção.

- Legal! – disse Rony, que gostava muito das narrações do garoto nos jogos de quadribol.

- Também tem o Dino Thomas, que dorme no mesmo quarto de vocês. O problema é que ele é muito amigo de Simas – resmungou Hermione, olhando para Rony, que coçou a cabeça. Mas o garoto não teve tempo para responder.

Em um rompante, a porta se escancarou. Draco, Crabbe, Goyle e um outro garoto que eles não reconheceram se postaram na passagem, trancando o caminho. Fred e Jorge largaram imediatamente o jogo de xadrez e sacaram suas varinhas. Hermione sentiu a tensão no ar como uma corrente elétrica.

- Calma, Weasleys – resmungou Draco, com sua voz arrastada – Vocês vão ter bastante oportunidade para isso na escola. Nossos novos professores vão adorar suas investidas infantis – gracejou, tirando boas gargalhadas dos três companheiros.

Rony encarou Malfoy, lívido de raiva.

Sem pestanejar, Draco vasculhou a cabine com o olhar, erguendo uma sobrancelha.

- Onde está Potter? – rosnou, tentando esconder a surpresa.
Rony ergueu as duas sobrancelhas, trocando uma olhadela rápida com Hermione e afundando no assento.

- E então? – rosnou Draco.

- Cai fora, Malfoy – disseram os gêmeos, fazendo menção em se levantar.

- Onde está Potter?

- Em um lugar que você nunca vai encontrá-lo. Nem seu pai – desafiou Hermione, encarando o rapaz.

- Cala a boca, sangue-ruim!

Rony saltou do banco e quatro varinhas apareceram nas mãos dos alunos da Sonserina. Fred e Jorge também se levantaram e até mesmo Gina avançou.
Malfoy rilhou os dentes, provavelmente pesando os prós e contras de provocar uma briga no meio do trem.

- Vamos, temos que achar o Potter – sentenciou, se afastando devagar, sem tirar os olhos das varinhas apontadas para eles.

- Ótimo! Este vai ser um ano particularmente fantástico – caçoou Rony, irritado, enquanto fechava novamente a porta com um grande estrondo.

- Dumbledore estava certo – meditou Hermione, pensativa – Eles estão atrás do Harry.

- Aposto que Malfoy vai comer o chapéu quando souber que ele foi para Beauxbatons – riu Rony, satisfeito.

Hermione não respondeu, tentando se lembrar de onde reconhecera o garoto que chegara com Draco.

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