A Liga de Delos



Harry acordou pela manhã se sentindo muito chateado. Nas últimas semanas, estivera contando nos dedos o dia em que, finalmente, abandonaria a casa dos Dursley para retornar ao seu mundo, o mundo dos bruxos. Mas nada acontecera como o garoto esperava. Após fugir para a casa forte de Olho-Tonto Moody, ficara trancafiado no porão com o recluso e rabugento ex-auror, que não permitira mais nenhuma escapadela do rapaz após o seu telefonema para Hermione.

Pior que o confinamento, era saber que ficaria afastado dos seus amigos durante todo o ano; o garoto seria enviado para Beauxbatons, mesmo contra a vontade. Dumbledore continuava preso e Hogwarts fora entregue para os Comensais da Morte, os fiéis seguidores de Voldemort. Mas não era isso que estava lhe chateando no momento.

Ele também não se importava com as constantes ameaças de morte. Desde que tomara conhecimento de sua existência como um bruxo, ele sentira a ira de Voldemort no seu encalço, quase como se fosse uma sombra sinistra a acompanhá-lo. Se ele realmente levasse a sério cada ameaça ou previsão de sua morte, ele já teria desaparecido da face da Terra há um bom tempo.

“Não” – o garoto resmungava para si mesmo, ele já estava mais do que acostumado a ser perseguido por Voldemort. O que realmente estava lhe corroendo o coração era saber que, durante todo o próximo ano, quem correria perigo eram os seus dois grandes amigos, Rony e Hermione. Isso, sem contar todos os outros alunos que fossem freqüentar Hogwarts sob a administração de Lúcio Malfoy.

E o garoto estaria longe, praticamente incomunicável, a meio continente de distância, protegido sob os olhares preocupados da gigante Madame Maxime. e incólume aos ataques furiosos de Voldemort. Este era o plano de Dumbledore, que fora confirmado por Sirius, apesar dos grunhidos de Moody. Ele enumerara, o garoto não sabia quantas vezes, as falhas defensivas da escola francesa, dando aulas extras de defesa contra as artes das trevas para o garoto durante os dois últimos dias, e insistindo que ele mantivesse uma vigilância constante e ininterrupta durante o ano letivo.

Esta sensação de impotência o destroçava por dentro. Imaginar os amigos sendo torturados em Hogwarts enquanto ele estava livre em Beauxbatons lhe trazia uma sensação opressora sobre o peito. Após o jantar, Moody dormia a sono solto, somente o olho mágico correndo velozmente pelos aposentos. Harry escutava, por horas a fio, os roncos do ex-auror, cravando as unhas das palmas na mão, sentindo a dor quente e aguda acalmar um pouco seus temores, as endorfinas liberadas atuando no cérebro e induzindo lentamente o garoto a um sono perturbado por pesadelos com os amigos. Como sempre, o resultado era um despertar dolorido e banhado em suor.

Aquele seria o seu último dia em Londres e o garoto não sentia excitação nenhuma em viajar para fora do país. Olho-Tonto o levaria até Paris e, da capital francesa, tomariam algum tipo de condução até Beauxbatons.

“Pelo menos lá eu vou poder mandar uma coruja para Rony” – pensou, atirando o lençol encharcado de suor para o lado, sentindo uma melancolia aguda alfinetar seu coração. Ele não sabia se o amigo falara com os irmãos, pois a casa forte era protegida por vários feitiços e nenhuma coruja conseguiria chegar até seu destino. Eles estavam sem notícias desde que Sirius fora embora e esta monotonia o deixava irrequieto.

O garoto sentia emoções conflitantes em relação ao problema dos pais de Rony. Se eles permanecessem na Toca, isso seria muito ruim para a família e o futuro dos amigos. No entanto, se fossem para Hogwarts, talvez eles não tivessem um futuro para se preocupar... Mas Harry tinha que admitir que a sua preocupação maior era com Hermione. Ele vinha de uma família não mágica e Draco a maltratara durante os últimos anos com aquele preconceito racista em relação ao que ele denominava, de forma muito mal educada, de sangue ruim. O garoto tinha certeza que o aluno da Sonserina seria duas vezes pior agora que seu pai assumira o comando da escola e contava com Rony para protegê-la.

Depois do café da manhã frugal que compartilhara com Moody, o que quase lhe provocou um arroubo de saudades da mesa minimalista da Tia Petúnia, Harry se sentou com um dos grandes livros da coleção do ex-auror. Ele não estava com cabeça para ler sobre As Azarações e Contra-Azarações Mais Comuns nos Bruxos das Trevas, mas o porão não lhe trazia muitas opções para passar o tempo. Além disso, ele preferia se esconder atrás de um livro, onde poderia, ao menos, fingir que estava concentrado enquanto se perdia nos seus próprios pensamentos.

Um pouco antes do almoço, quando suas costas já estavam reclamando em pontadas agudas pelas horas ininterruptas de inatividade, o rapaz ouviu um silvo agudo e penetrante. Levantando os olhos do livro, percebeu que o Círculo Exclusivatório adquirira um tom avermelhado.

- Ah, finalmente! – resmungou Moody, do alto de sua bancada, deixando de lado uma poção em que estivera trabalhando durante toda a manhã. Com os gestos rápidos, recolocou a perna de pau no coto do fêmur e foi em direção ao silvo, que aumentara consideravelmente.

Com um estampido de luz e som, Remo Lupin aparatou no círculo, no meio de uma névoa branca e de cheiro adstringente. Vinha sentado em um grande malão que Harry reconheceu de imediato. O bruxo acenou para o garoto e lançou um pedaço de pergaminho chão. O Círculo Exclusivatório cintilou por alguns segundos e desapareceu.

- Olá, Moody – cumprimentou Lupin, carregando o malão do Harry para mais perto do garoto – Aqui estão suas coisas, finalmente – disse, bufando um pouco.

- E seu material escolar! – acrescentou, dando um afago nos cabelos desregrados do ex-aluno enquanto derramava mais uma montanha de sacolas.

Lupin assobiou baixinho, inspirando com força.

- Não foi fácil encontrar alguns itens desta lista – resmungou, atirando um pergaminho para Harry, que imediatamente reconheceu o símbolo de Beauxbatons no alto – Este pessoal é muito exigente! – reclamou, apontando com o dedo para as duas varinhas cruzadas.

Enquanto Lupin falava, Moody se aproximou do malão e das sacolas com o ar feroz. Portando um detector de artes das trevas em uma mão e mantendo firme a varinha na outra, examinou o conteúdo do malão de Harry com atenção. Logo após, examinou detidamente as sacolas de compra. Lupin pareceu achar aquela desconfiança do colega uma coisa realmente engraçada, exibindo um vasto sorriso.

- Vigilância constante, Potter – resmungou, enquanto observava os últimos livros em busca de algum vestígio oculto de encantamentos maléficos.

Harry sorriu e Lupin piscou um olho.

- Eu vi isso – resmungou novamente Moody, o olho mágico girando sem parar.

Lupin coçou o bigode escovinha e sorriu novamente, dando de ombros.

- E como vai o meu melhor aluno de Defesa contra as Artes das Trevas? – perguntou, tirando o casaco surrado e deixando a varinha em uma mesa.

- Ok... – mentiu Harry, que na verdade, a despeito da visita ser muito agradável, não estava se sentindo muito bem. Lupin percebeu o acabrunhamento do garoto.

- Eu sei que tudo isso deve ser um choque para você, Harry – disse, pondo uma mão no ombro do rapaz – Mas nós vamos estar vigiando cada passo do Malfoy em Hogwarts. Não se preocupe com seus amigos.

Harry sorriu em uma falsa concordância, sabendo que este era um conselho que ele teria enormes dificuldades em seguir.

- Não deixe esta varinha atirada por aí – rosnou Moody, olhando para Remo como se este fosse uma criança desleixada.

- Ora, estamos em uma casa forte, não é mesmo? Achei que poderíamos relaxar um pouquinho...

- Relaxar?! Pois sim! Eu sei muito bem qual foi o destino de bruxos muito melhores que você por terem relaxado – vociferou Moody, batendo com a ponta da perna no chão.

Harry achou aquele comentário uma grande grosseria, pois gostava muito do professor Lupin desde que ele o auxiliara contra os Dementadores no seu terceiro ano em Hogwarts. Além disso, assim como Sirius, ele fora colega e um grande amigo do seu pai. O garoto estava preste a protestar quando foi interrompido pelas palavras do ex-professor.

- Nós não vamos ser atacados aqui dentro – respondeu Lupin, calmamente, sem alterar o tom de voz e dando o assunto como encerrado. Ele se voltou para o garoto com a expressão serena e calma.

- Foi Sirius que transfigurou o malão, não foi? – perguntou, subitamente exibindo um sorriso aberto – Ele adora transformar tudo em cachorro... – comentou entre risos, depois que o garoto confirmou suas suspeitas com um aceno.

- Ainda bem que eu tenho uma certa... hmmm.... experiência com as transfigurações dele. Mas deu um trabalhão fazer a mala voltar à forma original – resmungou, coçando a cabeça.

- O senhor foi buscar minhas coisas na casa dos Dursley? – perguntou Harry.

- Sim, e devo dizer que o seu tio Valter, a despeito do que falavam dele, me tratou muito bem. No fim, ele me cumprimentou e disse que eu era, sem sombra de dúvida, um dos anormais mais normal que ele já conhecera – contou, satisfeito.

Olho-Tonto Moody resmungou alguma coisa incompreensível enquanto Harry ria a vontade, tentando imaginar o que seu Tio Valter acharia de ter recebido um lobisomem em sua casa e ter cumprimentado ele.

Lupin bocejou e puxou uma cadeira, enquanto Harry foi examinar suas coisas.

- O que é isto? – perguntou, puxando uma veste de azul anil, clara como um céu primaveril. Para seu horror, duas varinhas cruzadas estavam bordadas na altura do peito. Ele não precisou da resposta do bruxo para confirmar suas suspeitas.

- São as vestes de Beauxbatons... E não faça esta cara! – completou, a voz falsamente ofendida ao notar a expressão desagradavelmente surpresa do garoto – Elas foram extremamente difíceis de se obter, principalmente porque eu não podia dizer para quem eu estava comprando.

Harry olhou com tristeza para os três pares de vestes completas, as camisas brancas com colarinho duro por baixo das gravatas em tom prateados. Meias brancas e um cachecol azul claro completavam o conjunto. Contemplando o seu novo guarda-roupa, sentiu a saudade de Hogwarts apertar. Ele imaginou o que Rony acharia do amigo vestido de lenço perfumado – pensou, corando levemente enquanto agradecia, mesmo que intimamente, pelo amigo não ter a oportunidade de vê-lo naquelas vestes.

- Eu trouxe novidades para vocês – disse Lupin, a voz subitamente trocando a cordialidade por outra mais sombria – Vejam com os próprios olhos – resmungou, retirando as últimas edições do Profeta Diário do bolso do paletó e atirando para Moody e Potter.

Harry saltou os olhos pela mesma manchete que Rony vira, escandalizado, há dois dias. O mesmo Lúcio Malfoy, com a mesma empáfia, lançava um olhar de inconfundível nojo para Harry, Moody e seu porão esfumaçado. Draco se escondera atrás da mãe, enquanto Narcisa virava o rosto. A manchete do diário arrancou Harry dos seus pensamentos sombrios.

- Quem são os novos professores? – perguntou, preocupado.

- Leia – resmungou Lupin, indicando a página.

O rapaz abriu o jornal com as mãos trêmulas, sentindo o olho mágico de Moody penetrando nas suas costas. A página cinco exibia o texto completo da matéria principal.

Lúcio Malfoy anuncia as primeiras contratações para Hogwarts

Lúcio Malfoy, Ordem de Goécia, Segunda Classe, sócio benemérito do Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos, esteve no ministério da Magia, no dia de hoje, para discutir com o Ministro Cornélio Fudge, possíveis nomes para assumir as funções docentes na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, depois do afastamento de Alvo Dumbledore e da saída intempestiva de todos os professores. Conforme a reportagem de nosso enviado especial, Untus Baggis, Malfoy pretende abrir uma nova era na escola, de cooperação irrestrita com o Ministério. “Os bruxos e bruxas de bem de nossa comunidade já estavam cansados dos desmandos da última administração. Como gesto de cortesia e de boa vontade com o nosso ministério, vim tratar com o nosso bom homem, Cornélio Fudge, as minhas indicações para o nosso corpo docente” – disse o novo diretor, antes de entrar no gabinete do ministro. Depois de quase duas horas de reuniões, finalmente Malfoy pôde anunciar os nomes do seu quadro: Walden McNair, ex-Carrasco da Comissão Para Eliminação de Criaturas Perigosas, assumirá a cadeira de Trato das Criaturas Mágicas; Mergot Crabbe e Vincent Goyle dividirão a cadeira de Feitiços; Lince Avery será responsável pela disciplina de Poções e Lou Yaxley ministrará as aulas de vôo para os alunos mais novos; Aleto Tísis responderá pelas disciplinas de Adivinhação e Runas Antigas; Gregory Carrow ensinará Aritmancia; Rus Rosier está a cargo da disciplina de Estudo de Trouxas; Transfiguração está sob responsabilidade da Sra. Amico Tísis e Defesa Contra as Artes das Trevas será ministrada por ninguém menos que Severo Snape, ex-professor de Poções na época de Dumbledore e único professor a aceitar o convite para retornar as atividades, mesmo em outra função. Ainda não foram definidos os professores de Herbologia, Astronomia e História da Magia, mas os novos nomes deverão ser anunciados ainda esta semana. O ministro da Magia, visivelmente encantado com a visita de Malfoy, exibia um largo sorriso ao final da entrevista, antevendo uma nova época de prosperidade e cooperação entre as duas principais instituições do mundo bruxo na Grã-Bretanha. Com suas palavras, “... espero que esta nova era sinalize o fim das campanhas de desestabilização que vem ocorrendo sistematicamente entre as duas instituições. Está na hora do Ministério da Magia e de Hogwarts caminharem juntos, uma vez mais”. (saiba mais sobre a inauguração da nova ala hospitalar doada pela família Malfoy na página doze).


- Ouro... – resmungou Moody, enojado - Um punhado de ouro comprou o Ministério todo.

- Quem são estes? – perguntou Harry, apontando para os nomes no jornal. Avery, McNair, Crabbe e Goyle ele já conhecia e sabia que estavam entre os Comensais da Morte que voltaram a se reagrupar com Voldemort no final do ano passado. Mas havia alguns nomes ali que o garoto não reconhecera.

- Os irmãos Aleto e Amito Tísis foram acusados de passar informações para Voldemort enquanto trabalhavam no Ministério da Magia. Nada foi provado e os dois escaparam ilesos – vociferou Moody, grunhindo enquanto passava um ungüento fedorento na perda doída – Yaxley teve sua pena de prisão perpétua em Azkaban comutada por alegar ter agido sob a Maldição Imperius. O irmão de Rus, Evan Rosier, foi morto por aurores um ano antes da queda de Voldemort. Carrow chegou a ser investigado, mas não encontramos nenhuma prova contra ele. Este é um enigma – concluiu o auror, dando de ombros.

- Um grupinho muito simpático – zombou Lupin, mordendo os lábios.

- Ele encheu Hogwarts de Comensais da Morte! – protestou Harry, indignado com a aparente tranqüilidade que os dois adultos recebiam a notícia.

- Calma, garoto. Ele não fez nada além do que prevíamos. Isso já era esperado – resmungou Moody, olhando de esgueio para o jornal.

- Mas...

- Dumbledore já tomou suas providências, Harry – interviu Lupin, apaziguador – Devemos confiar na sua sabedoria.

Harry bufou de raiva, mas resolveu se calar. Ele confiava plenamente no velho diretor da escola, mas também sabia que Hogwarts não era tão segura como eles gostariam que fosse. O Mapa do Maroto, escondido dentro do seu malão, era uma prova disso. Havia várias entradas secretas para a escola, descobertos ainda no tempo que Lupin, seu pai, Sirius e o famigerado Pedro Pettigrew freqüentavam a escola. Quantos outros segredos existiriam em Hogwarts, potencialmente perigosos? E agora, o garoto engolia em seco ao imaginar que um bando de comensais da morte teria vários meses para vasculhar a propriedade a seu bel prazer.

- E Snape? – perguntou, se lembrando do nome do odiado professor de poções que, segundo a reportagem, finalmente conseguira o que sempre quis, ministrar Defesa Contra as Artes das Trevas.

- O professor Snape retornou a Hogwarts sob as instruções de Dumbledore – respondeu Lupin, erguendo uma sobrancelha e censurando com os olhos a forma nada respeitosa que o garoto se referira ao mestre – Eu estava lá e participei da conversa – acrescentou, ao perceber a expressão desacreditada do garoto.

- Então...

- Ele vai ser nossos olhos em Hogwarts – concluiu Lupin, a despeito de Moody, que fungou baixinho. Aparentemente, Harry não era o único que tinha reservas quanto a motivação de Snape.

- E Madame Pomfrey? – perguntou Harry, se lembrando da enfermeira da escola.

- A ala hospitalar foi desativada. Isso faz parte do que Malfoy chamou de Reestruturação Interna de Hogwarts – disse Lupin, cansado – Os acidentes, mágicos ou não, serão tratados pelos curandeiros do Hospital St. Mungus. Todos alunos doentes serão transferidos para lá. Redução de custos, segundo o novo diretor afirmou – concluiu, serrilhando os dentes.

- Não há muitos curandeiros nas fileiras de Voldemort – resmungou Moody, irritado – Ele não queria ninguém bisbilhotando por Hogwarts que não fosse de sua estrita confiança.

Harry baixou os olhos, pensativo. Enquanto isso, Lupin tirava o paletó e afrouxava a gravata, pois o calor modorrento do porão já estava começando a cansá-lo.

- Deixe suas coisas naquele canto – resmungou Moody, apontando um criado mudo com as gavetas desconjuntadas. O bruxo levou o casaco e o paletó para o móvel.

- O senhor vai passar a noite aqui? – perguntou Harry, um pouquinho mais entusiasmado pela oportunidade de ter uma companhia que não achasse que um bando de bruxos das trevas pularia de dentro do ralo para atacá-los.

- Sim – disse Lupin, amavelmente – Amanhã vou acompanhá-los até a Estação Key Stroke. Depois, volto para a minha... atual moradia – respondeu, lançando um olhar significativo para Moody, que respondeu com um aceno. Harry acompanhou os movimentos dos dois bruxos com atenção. Ele sabia que Dumbledore convocara seus amigos para lugar contra Voldemort e, obviamente, Olho-Tonto Moody e Remo Lupin estavam engajados naquela batalha secreta até o pescoço. Se o garoto quisesse saber o que estava acontecendo, teria que ser muito esperto, pois certamente os dois não lhe passariam informações, potencialmente perigosas, de mão beijada.

- Hmmm... como está Dumbledore? – perguntou Harry, depois que Lupin voltara a se sentar.

- Irredutível, como era de se esperar – respondeu o bruxo, balançando a cabeça – Ele não concordou em retirar as acusações de omissão do Ministério após o retorno do... vocês-sabem-quem.

- Deixe destas bobagens, Remo! Até mesmo o garoto chama o desgraçado pelo próprio nome – resmungou Moody, em um meio a uma cacofonia de tosse e espirros. Ele mexia uma panela sob um fogo débil que Harry não soube precisar se era a poção que o ex-auror estivera trabalhando toda a manhã, ou o almoço. De todo modo, qualquer opção lhe parecia aterradora.

- O Ministério se recusa a acreditar na volta de... Voldemort – resmungou, fazendo força para falar - ... e Fudge ainda busca alguma coisa que incrimine Dumbledore – acrescentou, resumindo o assunto.

- Então, ele continua preso?

- Está detido, Harry. A única pessoa que tem acesso a ele é Ivo Loyd, o defensor de Alvo.

- É ele quem passa as instruções para vocês? – arriscou o garoto, em uma súbita inspiração.

Lupin e Moody se entreolharam. O ex-professor tamborilou com os dedos na mesa antes de responder.

- Isso mesmo – disse, com um quê de satisfação ao perceber a perspicácia do garoto.

- Alvo planejou sua fuga para Beauxbatons bem debaixo do nariz do Ministério – riu sozinho Moody, com um esgar horrível no rosto marcado – Eles podem aprisionar seu corpo, mas seu espírito continua livre.

- Nós recebemos instruções através de Loyd, trabalhando em várias frentes para descobrir onde está Você-sabe... quero dizer, Voldemort – explicou Lupin.

- Nós... quem, exatamente?

Lupin abriu a boca e voltou a fechar, balançando a cabeça. Soltou um grande suspiro antes de falar.

- Você deve imaginar que eu não posso comentar sobre isso, Harry – falou calmamente, cruzando os braços e encarando o garoto nos olhos – Estas pessoas teriam muitos problemas se o Ministério soubesse sobre... as nossas atividades.

- Ei! Eu não sou um espião de Fudge! – reclamou o garoto, indignado.

- Eu sei, eu sei – emendou Lupin, rapidamente, abrindo um sorriso – Mas todo o cuidado é pouco quando estamos lidando com os bruxos das trevas.

Harry não pareceu se convencer com aquela resposta, amarrando a cara. Lupin continuou, tentando amenizar as dúvidas do garoto.

- É óbvio que você já deve ter imaginado, acertadamente, que eu, Moody e seu padrinho estamos entre os colaboradores de Dumbledore – falou o professor, enquanto riscava um círculo imaginário na mesa – Além deles, os Weasley, a professora McGonagall e o professor Snape também nos ajudam.

O garoto acenou com a cabeça. Todos estes estavam no castelo de Hogwarts quando Harry lhes relatara a terrível notícia do retorno de Voldemort. Dumbledore conversara com eles, e era bastante óbvio que participassem do grupo que se colocara contra as ações inócuas do Ministério da Magia.

- Há outros bruxos do próprio Ministério e em outros departamentos importantes. Eu não posso revelar seus nomes, Harry – completou rapidamente, ao notar os olhos ávidos do garoto – Mas isso também não tem muita importância, pois a grande maioria você nunca ouviu falar.

- Além disso, o Sr. Potter vai estar fora daqui amanhã, por isso não fique muito animado com a nossa pequena sociedade secreta – rosnou Moody, desligando o fogo com um toque da varinha.

- Secreta?!

- Entenda, Harry, Dumbledore pode agir abertamente porque ele é um bruxo muito conhecido no nosso mundo. Infelizmente, nós não somos muito... respeitáveis – concluiu Lupin, baixando os olhos.

O garoto tentou protestar mas, pela segunda vez, fora novamente seguro pelas palavras do ex-professor.

- Eu sou um lobisomem conhecido, Sirius está banido e procurado por assassinato, Moody, apesar de seu prestígio como ex-auror, é mais conhecido atualmente por suas... hmmm... extravagâncias – comentou, com a voz mais baixa, enquanto Olho-Tonto fungava dentro do caldeirão.

- Os Weasley são uma família muito querida e tradicional no nosso meio, mas Arthur nunca teve uma veia política mais forte. A professor McGonagall, por sua vez, provavelmente se relaciona melhor com sua vassoura do que com outros bruxos.

Harry riu, corando as faces.

- E quanto ao professor Snape... bom... ele é o professor Snape – concluiu, dando de ombros.

O garoto concordou com a cabeça. Era muito difícil acreditar em um ex-Comensal da Morte. O próprio rapaz sempre nutriu uma grande desconfiança em relação ao professor.

- Voldemort desconfia de nossas ações, mas não tem certeza de nosso alcance. Ele teme Dumbledore e não vai declarar uma guerra aberta até ter uma noção exata da extensão de nossos poderes. Ele é muito esperto para não cometer o mesmo erro duas vezes – completou Lupin, encarando Harry.

- Erro?

- Isso não vem ao caso agora, garoto – interviu Moody, trazendo a caçarola quente, despejando com força o conteúdo sob três pratos lascados que o bruxo convocara com a varinha. As tigelas chilrearam, reclamando do tratamento bruto. A panela quente provocou uma queimadura forte e fumegante que Harry manteve sob observação durante todo o almoço. O garoto temia que a mesa de pinho enegrecido pegasse fogo de uma hora para a outra. Erguendo as sobrancelhas, seu desespero aumentou ao observar o conteúdo do prato. Ele tinha certeza que aquela gororoba provavelmente pularia no seu pescoço se ele tentasse fincar o garfo. A lavagem que Hagrid levava para os crupes parecia mais apetitosa.

Lupin, por sua vez, ou estava mais acostumado com a culinária suspeita de Moody ou seus longos anos de penúria como um lobisomem desempregado o deixara com o paladar menos suscetível a experiências alimentícias. Depois de sorver duas colheradas pegajosas, com um esforço que lhe pareceu digno de valentia, o garoto resolveu retomar o assunto.

- Onde esta... hmmm... sociedade se encontra?

Limpando o bigode depois de tomar uma nova colherada, Lupin respondeu.

- Nós não temos uma casa ou lugar fixo. Evita visitantes indesejados.

- Espiões – grunhiu Moody, fixando o olho mágico em Harry.

- E os encontros ocorrem com muita freqüência?

- Atualmente, menos do que antes, por causa da detenção de Dumbledore.

- Vocês já prenderam algum comensal? – insistiu Harry, se lembrando das figuras encapuzadas que encontrara no cemitério onde Voldemort ressurgira.

Lupin suspirou.

- Não. Temos várias suspeitas e alguns indícios. Mas sem a colaboração do Ministério da Magia...

- Aqueles idiotas não reconheceriam um bruxo das trevas mesmo que nós o esfregássemos nas suas fuças – resmungou novamente Moody.

- Se pudermos capturar Voldemort, o Ministério cairia em si. E os Comensais seriam presos na sua rasteira – concluiu Lupin.

- E como vocês pretendem fazer isso? – disse o garoto, sabendo que esta era a verdadeira pergunta que ele estava tentando fazer durante toda aquela manhã.

- Harry, acho que você já pressionou bastante, não é mesmo? – disse Lupin, levemente aborrecido, encarando o garoto.

Potter baixou os olhos em tom de desculpa, mas ele ainda queria saber mais uma coisa.

- Só uma última coisa... – suplicou, notando os olhares dos dois bruxos mais velhos recaírem sobre ele – Como é o nome desta sociedade?

Lupin sorriu antes de responder.

- Ela é conhecida como A Liga de Delos.

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