Preparativos de Natal



Mia não teve tempo para remoer a raiva que sentia de Helena Barish. Quando voltou apressada para o apartamento, a neve na rua já chegava quase aos seus joelhos, congelando os pés mesmo com as grossas botas. Entrou tiritando de frio, com os braços cruzados em volta do corpo. Enquanto colocava comida para Bichento no pote próximo à porta da cozinha, apreciava o cheiro delicioso de torta de abobóras que enchia o ar, misturado a outras iguarias que não conseguiu identificar de imediato. Vovó Molly surgiu logo em seguida, vinda dos corredores que levavam aos quartos. Usava uma túnica alaranjada e um chapéu de bruxa que devia estar guardado há muito tempo, com as abas ligeiramente esfiapadas. A ruiva ouviu uma movimentação e pensou que os pais já deveriam estar quase prontos para a festa.

O Natal sempre foi um momento muito apreciado pelos Weasley, que eram extremamente chegados a uma boa comemoração desde quando Mia se conhecia por gente. Era a hora de se reunir, e agora, mais ainda, relembrar as velhas origens e exaltá-las. Nem sempre a família toda se encontrava reunida, mas naquele ano todos estariam na mui antiga e nobre casa. A ruiva esperava muito deste encontro e começou a se sentir tão excitada quanto vovó Molly, que agora retirava a torta do forno e fazia os últimos preparativos que lhe cabiam para a deliciosa ceia. Naquela noite eram grandes as chances de os gêmeos aprontarem algo realmente importante. E Mia ainda tinha certeza que surgiriam planos concretos do embate iminente da resistência dos Renegados com a Polícia Negra e as forças das trevas. Embora a ruiva e Hermes tivessem insistido em entender melhor sobre o assunto, Fred e Jorge evitaram fazer comentários significantes, alegando que eles eram jovens demais. Aquilo irritou Hermes, que não estava acostumado a ser contrariado. Mia sabia que o sangue orgulhoso do loiro podia ajudá-los a descobrir o que os Renegados estavam organizando, por mais que eles tentassem esconder.

- Isso parece estar realmente bom – Mia se dirigiu para a avó, apontando a torta sobre a mesa, que espiralava uma fumaça cheirosa. – Não vejo a hora de provar!

- E você ainda não viu nada, minha querida, nada – a excitação na voz da avó era evidente. – Ainda teremos costeletas assadas ao molho de laranja, torta de rins, batatas cozidas, assadas e em forma de pudim. E os doces então? Deliciosos! Parece que Fred e Jorge conseguiram sapos de chocolate e feijõezinhos-de-todos-os-sabores, além de um pequeno estoque de cerveja amanteigada e vinho dos elfos! Nem acredito que vamos poder provar de novo estas coisas! Ah, Mia, seus tios não tomam jeito nunca!

- Só de imaginar meu estomâgo chega a pular aqui dentro, vovó – e Mia apalpou a barriga, sorrindo diante da alegria que as lembranças provocavam em vovó Molly. – Agora vou me arrumar, pois quero ir o mais rápido possível para lá. A propósito, como vamos?

- Nós vamos no meu Ford Anglia – era a voz do senhor Weasley, que apareceu na porta da cozinha naquele exato momento e foi logo atacando uma das batatas que descansavam na travessa, sendo repreendido pela mãe. – E farei uma pequena surpresa quanto a ele...

- Por Merlin, Ronald Weasley – era vovó Molly, com a expressão preocupada. – Não vá aprontar nada, já não bastam as Gemialidades de Fred e Jorge!

- Mas foram eles mesmos que me ajudaram com a surpresa. Eles me garantiram que não teria nenhum problema desde que eu... bem... mantivesse o carro invisível. Eles me mostraram o botão, então...

- RONALD!!! – vovó Molly censurava o filho, os olhos inchados de fúria. – Não vamos para a mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley voando naquela lata velha! Os trouxas, Ronald, os trouxas! E se alguém nos vir? E pior ainda, e se a Polícia Negra conseguir identificar os rastros de magia emitidos pelo automóvel?

- Ah... – o senhor Weasley parecia um tanto abobado com a bronca da mãe e com a sucessão de perguntas que não conseguia responder. – Ok, então. Se não tem jeito, acho que teremos que ir mesmo por meios convencionais. De ônibus, quem sabe?

- Não, papai – Mia resolvera se intrometer, já que não entendia muito bem o que o pai havia aprontado para que o antigo carro da família pudesse voar. – Vamos por meio de uma Chave-de-Portal enfeitiçada pelos gêmeos.

O senhor Weasley fez um muxoxo e voltou para o quarto, provavelmente para ajudar a senhora Weasley com os últimos preparativos. Os ombros curvados e a cabeça baixa evidenciavam que ele gostaria muito mais de poder voar com o Ford Anglia azul do que viajar com a chave-de-qualquer-coisa que Mia havia comentado. Como conseqüência do Obliviate recebido em Azkaban, a magia de certas coisas ainda conseguia entusiasmar e chocar os pais da ruiva, por isso ela entendia o quão excitante poderia ser para o pai um carro voador, embora uma Chave-de-Portal também o fosse. Afastando o sentimento de pena do coração, a menina dirigiu mais uma vez a palavra para a avó, que ainda cobria com esmero as travessas cheias de comida.

- Vovó, o Ford Anglia voava antes? Bem... na época em que as trevas não comandavam o mundo bruxo?

- Ah, minha querida – os olhos de Molly se encheram de lágrimas com a lembrança dos dias vividos. – Seu avó, Arthur, enfeitiçou pessoalmente este carro quando trabalhava na sessão de Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas, no Ministério da Magia. Ele adorava o serviço, e relutou bastante em aceitar uma mudança de cargo quando Voldemort retornou definitivamente. Ele assumiu a chefia da Seção para Detecção e Confisco de Feitiços Defensivos e Objetos de Proteção Forjados. Mas nunca deixou de apreciar a cultura trouxa. Seu pai e Harry Potter – e nesse momento, vovó Molly engoliu em seco, deixando rolar uma lágrima fujona – usaram este carro para ir a Hogwarts no segundo ano e foram vistos por nada mais, nada menos que sete trouxas! Seu pai aprontou bastante nos tempos de escola, diferente de você, que sempre foi nossa menina responsável. Provavelmente, puxou muito mais a Hermione. Ela sim, o cérebro do trio, como eles costumavam dizer.

Mia sorriu. Era mesmo parecida com a mãe. Afinal, em seu trio também representava o cérebro e a racionalidade. Mas agora, não havia mais trio. Eram apenas uma dupla: ela e Hermes. Com a lembrança dolorosa de Daniel novamente martelando no peito, a ruiva foi se arrumar, pois era a única que ainda não estava pronta para a festa.




- Isso é absolutamente fantástico!

Foi o que disse um maravilhado senhor Weasley quando os nauseantes rodopios da viagem com a Chave-de-Portal começaram. Por ironia, o objeto enfeitiçado pelos gêmeos era um saco para vômito, daqueles que são distribuídos em aviões. Mia não conseguia entender como alguém poderia gostar de viajar daquela maneira quando tinham a opção de estar voando no Ford Anglia, o qual ela julgou, seu pai havia esquecido completamente. A sensação de estômago embrulhado crescia, formando um bolo no fundo da garganta. A ruiva anotou mentalmente que, na primeira oportunidade que tivesse, questionaria os tios ou qualquer bruxo que fosse para saber sobre outras possibilidades de viajar de maneira mágica. Possibilidades menos indigestas.

- Agora, soltem, queridos! Chegamos!

A voz de vovó Molly se fez ouvir e assombrou o senhor e a senhora Weasley. Como assim, soltar? Mia podia ler nos olhos dos pais o quanto estavam assustados com a possibilidade de soltar os dedos e despencar pelos ares em queda livre. Mas, no segundo seguinte, já estavam aterrissando no portão da mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley. A ruiva e vovó Molly carregavam as sacolas com as comidas para a ceia, e pousaram os pés de maneira delicada no chão de paralelepípedos da rua, que estava deserta. O senhor e a senhora Weasley, desacostumados da viagem, chegaram caindo um sobre o outro por cima da neve que recobria a calçada. Sem ter mais a sensação de que a viagem com a Chave-de-Portal era tão boa assim, o senhor Weasley levantou e ajudou a esposa a fazer o mesmo. Enquanto o casal retirava a neve que se acumulara nos grossos casacos, Mia estancou diante do portão da casa dos tios, admirada. O jardim estava completamente recoberto pela neve, enfeitado para receber os convidados desde as grades do pesado portão de ferro. Os sinos de Natal, magicamente encantados, reluziam e repicavam. Algumas plantas ao longo do passeio adquiriram pequenos pisca-piscas que pareciam vaga-lumes de verdade. Adiante, havia uma enorme guirlanda pregada na porta de entrada que desejava Feliz Natal! numa voz que se parecia muito com a de tio Fred. A atmosfera de comemoração fez com que o coração de Mia se aquecesse por alguns instantes, e ela chegou a pensar que poderia ter alguns momentos de paz durante aquela noite. Mal sabia ela a que sucessão de acontecimentos estranhos seria submetida naquelas curtas doze horas nas quais a Lua dominava o céu.

Bastou a porta da frente se abrir para sentir que o clima não era o mesmo pelo qual Mia ansiava. Uma voz de mulher lamentava e fungava dentro da casa em alto e bom som, claramente aos prantos:

- Por Merlin, onde foi que eu errei? Onde???







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