Borboletas saltitantes



Falar com os gêmeos Weasley não seria assim tão fácil, a uma semana das comemorações de Natal. A festa prometia ser atípica neste ano, já que a resistência dos Renegados se reuniria na mui antiga e nobre casa para, além de comemorar, também discutir os planos mais ativos para combater o Lorde das Trevas. Fred e Jorge permaneciam ocupados com os preparativos e anunciaram uma grande surpresa para a noite de Natal, da qual não poderiam dar mais detalhes para não estragar nada. Seria algo que chocaria a todos, de acordo com as palavras dos próprios. Os gêmeos andavam tão ocupados que suspenderam as aulas de Mia e Hermes até segunda ordem. Portanto, questioná-los sobre os pais de Lúthien se tornou missão impossível.

Ao deixar o colégio depois da última prova, prontos para as férias de Natal, tudo que a dupla sentia era alívio. Mia imaginava que agora teriam a chance de acertar as contas com a natureza nos rituais. Pelo menos havia mais tempo e poderiam organizá-los com mais calma, embora a vontade verdadeira ainda não tivesse retornado. Como fazer um ritual enaltecendo a magia dos quatro elementos se faltava um deles para completar o ciclo? Na verdade faltavam dois, mas Mia sabia que precisa de pelo menos uma força ternária para completar, de maneira satisfatória, um ritual, embora houvesse a possibilidade de realizá-los até mesmo sozinha. Os pensamentos da menina foram interrompidos pela animação de Hermes:

- Que alívio! – o loiro correu portão afora, voltando para pular no pescoço de Mia e abraçá-la, a felicidade transbordando no rosto meio encoberto pela gola do casaco marrom. – Não acredito que estamos livres desta prisão estudantil! Eu seria capaz de dançar pelado na rua agora só para provar o quanto estou feliz!

- E então você viraria um perfeito picolé – Mia completou, abaixando-se para pegar o gorro que caiu no chão com o abraço do loiro e, ao mesmo tempo, divertindo-se com a animação do amigo.

Quando se levantou, sacudindo os cachos ruivos para afastá-los dos olhos, o rosto de Hermes estava perigosamente perto. Foi como se o movimentado centro de Londres parasse por um segundo, e o mundo fosse só aquele momento, a magia que emanava de ambos. Fogo e Ar. Um alimenta o outro, um depende do outro para continuar existindo. Eram mais que bruxos, amigos, primos, seres humanos. Eram a força da natureza em constante funcionamento, a energia capaz de mover o universo e mantê-lo em perfeito equilíbrio. Ao mesmo tempo eram apenas Mia e Hermes. E quando a mão gelada e sem luvas do loiro roçou de leve o rosto da menina para afastar o último cacho ruivo que insistia em cair pela testa, o transe foi interrompido pelo barulho das buzinas, do trem da estação de Kings Cross, de gente andando apressada, caminhando contra o relógio e sem tempo para viver de verdade. Um ônibus surgiu sabe-se lá de onde e passou por uma poça de neve derretida na calçada, espalhando uma porção de água gelada nos dois. Como se mergulhados num balde de água fria, quase que literalmente, amaldiçoaram o motorista: Hermes em altos brados e Mia apenas com murmúrios tímidos.

- De onde foi que surgiu esse maluco? – Hermes se perguntava, ainda tiritando de frio por causa do casaco meio molhado, enquanto caminhavam para o ponto de ônibus.

- Eu sei lá! Nem vi que tinha uma poça de água ali – Mia completou, mas logo em seguida não tiveram mais oportunidade de conversar sobre o assunto, já que o ônibus vermelho no qual ela iria para casa despontou na esquina.

- A gente se fala, pequena – Hermes acenava do lado de fora do veículo, ainda no ponto de parada. – Eu te ligo antes da festa de Natal!

Mia apenas concordou com um aceno de cabeça, observando o loiro sorridente se distanciar à medida que o veículo avançava. Hermes ainda acenava e mandava beijos para a menina. Depois que o ônibus virou a primeira esquina, Mia seguira para o fim do veículo, onde uma poltrona macia e aquecida parecia esperá-la de forma convidativa. Deixou-se esparramar pelo banco, pois àquela hora o coletivo estava relativamente vazio. De maneira discreta, impôs as mãos sobre o casaco de forma a produzir um pequeno foco de calor que pudesse secá-lo. Depois, jogou a mochila de forma displicente sobre as pernas, o pensamento vagando longe dali. A ruiva tentava entender o que estava acontecendo entre ela e Hermes. Por que aqueles momentos, antes tão normais entre os dois amigos, agora faziam com que ela se sentisse incomodada, como se houvesse milhares de borboletas saltitantes pulando animadamente em seu estômago?

”Será que... não, não... não pode ser” - Mia sacudiu a cabeça, tentando afastar a idéia. Logo depois, um único nome ecoou em sua mente. - ”Daniel...” - e foi pensando nele que a menina adormeceu.




Apesar da promessa de que ligaria para conversar, Hermes não apareceu até a véspera de Natal. Vovó Molly estava vivamente empolgada e atarefada com os preparativos gastronômicos da festa. Ela não dava a Mia um só minuto de paz. A menina passava os dias ajudando a avó com pequenos feitiços domésticos, deslocando facas, jarras, tábuas de carne e tigelas cheias de molho pela cozinha. Mia não se lembrava de um outro dia em que tivesse visto a avó tão animada. Retornar aos antigos hábitos mágicos mostrava o quanto aquela vida a fazia feliz. A família Weasley é essencialmente bruxa. Renegá-los era como renegar a pura ancestralidade de séculos que habitava naquele sangue. Uma arma cruel e perfeita do Lorde das Trevas. Ou quase perfeita, porque lá estava a resistência, uma pequena parte dos Renegados reunidos mais uma vez para enfrentar as trevas com luz. Era quase como voltar à antiga Ordem da Fênix, da qual Mia tanto ouvira falar.

Nos últimos dias a ruiva procurou fazer alguns esforços mais concretos para tentar um contato com o Oráculo. Mas Wyrda era astuto, e a menina não obteve sucesso. Ela sabia que ele apareceria quando quisesse ou precisasse. A ruiva ficou com um bolo no estômago ao pensar que poderia tê-lo ofendido com a atitude mal educada que adotou no último encontro. Afinal, ele salvou a vida de Mia e Hermes, e tudo o que a menina fez foi tentar feri-lo com gritos e palavras duras. Mas Wyrda os fizera deixar Daniel para trás e Mia não conseguia se perdoar por isso. No entanto, sabia que precisaria do Oráculo para seguir em frente e enfrentar o que estava por vir. E o fato de ele ter sumido desde a luta perdida em Azkaban só fazia aumentar a apreensão da ruiva. Algo estava errado. Agora o Lorde das Trevas sabia que havia gente mobilizada para tentar enfrentá-lo. E, com certeza, ele queria exterminar esta nova força. Ao pensar nisso, Mia sentia-se como um coelho fugindo de um lobo no meio de uma pradaria. A chance de escapar era quase igual a zero.

Com os preparativos a todo o vapor e atarefada como estava, a última coisa que vovó Molly poderia se lembrar era de que a ração de Bichento havia acabado. E com aquela bela tempestade de neve que já começava a cair, Mia teve que sair, nas vésperas do Natal, para comprar a comida do gato. A ruiva tentou se proteger o quanto podia ao vestir o casaco azul, o mais pesado que possuía. Além disso, enrolou em volta do pescoço um grosso cachecol de lã, colocou uma touca na cabeça, tentando conter sem muito sucesso os cachos volumosos, e calçou um par de luvas. As botas pesadas e de cano acolchoado protegiam os pés da neve gelada que recobria as calçadas. Ainda bem que o centro de Londres era, antes de qualquer coisa, bastante movimentado, portanto a mercearia da senhora Strudel, que ficava logo na esquina do prédio, estaria seguramente aberta.

Mia trancou a porta, deixando para trás uma barulhenta e afobada vovó Molly. O senhor e a senhora Weasley estavam trabalhando e só chegariam na hora de sempre, próxima ao jantar. O silêncio do corredor do prédio foi reconfortante depois de tanta agitação dentro de casa, e Mia respirou profundamente antes de chamar o elevador. Fixou o pensamento no barulho que o mesmo fazia para subir pelas engrenagens enferrujadas da construção antiga. Era um barulho um tanto quanto hipnotizante, que fez com que, por alguns momentos, todo o resto se apagasse da mente da menina. Com os olhos vidrados, nem deu por si quando o elevador chegou e a porta foi empurrada. Uma voz soou de dentro dele:

- Droga! Acho que o elevador subiu ao invés de descer.

Quando a ruiva, do lado de fora, forçou a porta para abri-la completamente, deu de cara com alguém que conhecia muito bem, mas que não gostaria de encontrar naquele momento e em nenhum outro. A mulher tinha cabelos muito negros, rosto pálido e olhos fundos que brilhavam com a fúria de dores e rancores guardados. Helena Barish encarou a ruiva de alto a baixo com a melhor expressão de desdém que pôde produzir. Mia murmurou um boa tarde, muito mais por educação do que por gosto, e colocou a mão nos bolsos para espantar o frio. Helena se retraiu e aproximou-se da parede do elevador, como se pensasse que a menina poderia atacá-la a qualquer momento. A mulher segurava nas mãos um jornal e a ruiva não conseguiu tirar os olhos dele. Munindo-se de toda a coragem que poderia buscar dentro de si, Mia fitou-a nos olhos até que a senhora Barish voltou o rosto para ela. Surpresa, a mulher abriu a boca, visivelmente para protestar, mas foi interrompida por uma frase que não julgava que ouviria nunca da boca daquela anormal, como costumava chamá-la:

- Andou dando outras entrevistas para insultar a memória do seu filho, senhora Barish? – a própria ruiva se surpreendeu com as palavras proferidas, com uma firmeza que não parecia dela. – Ou a senhora guarda os recortes de jornal como troféus?

- Ora, menininha petulante, escute aqui! – Helena ficara lívida, o rosto pálido ganhando pequenas manchas avermelhadas que cresciam enquanto ela falava. – Não sei o que vocês fizeram com o meu filho, mas merecem cada uma das entrevistas que dei aos jornais! Saiba que vou mover uma ação contra a sua família ridícula e pagã! É, vocês são seguidores do demônio, sei disso, e vou provar! E então a fúria do verdadeiro Deus cairá sobre vocês como um raio!

- Ah, mulher, não seja tão estúpida – e novamente Mia se surpreendera ao proferir estas palavras, como se de repente Hermes tivesse tomado conta dos atos da menina. A raiva fazia o sangue ferver e ela sentia vontade de dizer tudo aquilo que engolira durante tanto tempo. – Não somos nada disso o que você disse. Você não sabe sobre minha vida, não sabe da nobre missão a qual seu filho aceitou de bom grado e satisfeito. Não sabe de nada, entendeu? NADA! E agora me dê licença porque não sou obrigada a conviver com uma mulher que não honra a memória daquele que saiu do seu ventre! Veja se arruma tempo para ir à Igreja rezar para que o seu Deus perdoe seus pecados!

Mia abrira a porta do elevador, que já chegara ao térreo, deixando para trás uma estupefata e vingativa Helena Barish. A ruiva não conseguiu escutar, mas a mulher proferiu baixinho, mais para si mesma que para a menina:

- Essa ruivinha pecadora me paga! Ah, se me paga! Nenhuma magia negra –e a senhora Barish fez o sinal da cruz três vezes antes de prosseguir – vai ser capaz de me deter!

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