Uma parte que não tinha



A última semana de aulas que antecedia as curtas férias de Natal foi algo perto do enlouquecedor para Mia e Hermes. Além da quantidade enorme de deveres e provas, a imprensa não dava trégua no caso Daniel Barish, alimentada pela crescente e contínua fúria de Helena. A mãe de Daniel não deixava que uma só semana se passasse sem que os tablóides ingleses noticiassem com estardalhaço o caso. Outras mães aderiram à causa e faziam uma campanha para que, juntas, pudessem salvar seus filhos da ”seita satânica que se instalou em Londres”, de acordo com as palavras dos jornalistas. A Igreja se aproveitava- do fato para estimular os pais a envolverem seus filhos em atividades religiosas, como se a solução viesse em forma de preces. Aquilo era pura magia e não dependia de esforços de trouxas, mas na hora da aflição, era tudo a que podiam se agarrar. Os únicos capazes de salvar o mundo todo da fúria de Voldemort eram os Renegados. E o próprio Harry Potter, se ainda estivesse vivo.

Além de tudo isso, a recente novidade do Joana D´Arc, o colégio onde Mia e Hermes estudavam, era uma menina esquisita, uma loirinha de olhos meio esbugalhados e ar perdido. Ela insistia em esbarrar nos dois amigos em todos os lugares possíveis. Tudo começou há poucos dias, quando a menina os parou no corredor e disse, sem meias palavras:

- Eu sei que vocês estão envolvidos com a morte do menino que estudava aqui.

E ela disse isto sorrindo, como se fosse a coisa mais normal do universo. Mia encarou Hermes sem conseguir disfarçar o olhar de espanto, que reconheceu também nos olhos do amigo. Como o loiro era mais de agir que de parar para pensar, agarrou a menina pelo braço e empurrou-a para uma sala de aula vazia. Ele era mais de uma cabeça maior que ela, o que não foi suficiente para intimidá-la em momento algum. Ela continuava impassível, e não fez nenhuma menção de se soltar do apertão de Hermes em seu braço até que o próprio menino se desse conta de que estava exagerando.

- Quem é você? – Hermes questionou, os olhos cinzentos cravados na menina, recebendo o apoio dos castanhos de Mia.

- Meu nome é Lúthien – a menina se deteve nisso e pôs-se a encarar a luminária da sala, que definitivamente não tinha nada de interessante.

Mia olhou para Hermes, como que a indagar qual deveria ser o próximo passo. O loiro passou a mão pelo cabelo e despenteou-o. Aquilo parecia loucura. Será que a menina não era um fenômeno paranormal, resultado do estresse dos últimos tempos enfrentado pela dupla? A ruiva piscou os olhos lentamente, como que para tentar apagar a imagem da loirinha. No entanto, ela continuava ali, parada e mais viva do que nunca.

- Isso não ajuda muita coisa – continuou Hermes, quebrando o silêncio um tanto constrangedor. – Por que diabos disse aquilo para nós dois no corredor? Nós não conhecemos você!

- Ah! Não. Não me conhecem – os olhos da menina pareceram se iluminar por um breve instante e encararam os do interlocutor de maneira forte e decidida. Porém, foi apenas um lampejo, e ela voltou a encarar o teto logo em seguida.

- Então...por que nos procurou? – Mia tentou apaziguar de maneira educada, vendo que Hermes já bufava de impaciência, com os braços cruzados diante do corpo e o pé direito batendo furiosamente no assoalho.

- Eu sei que vocês estavam lá quando Daniel Barish ficou para trás em Azkaban.

- E quem te disse isso, menina? – Mia questionara, estupefata e esquecida de toda a boa educação. Afinal, aquela menina conhecia Azkaban!

- Meus pais, oras – respondeu Lúthien, com uma expressão de quem comenta o óbvio.

Os dois amigos se olharam e exclaram juntos:

- Quem?

O sinal que determinava o fim do intervalo ressoou pelo Joana D´Arc. Os alunos começaram a entrar na sala e Lúthien desapareceu no meio do torvelinho. Nos dias que se seguiram as tentativas de arrancar da menina quem eram os seus pais só serviram para irritar ainda mais Mia e Hermes. A pequena loirinha maluca sempre aparecia pelos corredores e procurava conversar com eles, querendo se enturmar e fazer amizades. Ela era insistente e vivia interrompendo os dois amigos exatamente nos momentos em que eles queriam conversar algo referente a magia. Aliás, Lúthien era especialista em aparecer exatamente nestes momentos, como se fosse capaz de adivinhar o assunto. Mas, definitivamente, era fácil explicar porque a loira os importunava: ela não tinha amigos. Sobre esta constatação, Hermes alegara:

- Isso não é de se estranhar, Mia. A menina não sabe puxar assunto, fala de coisas estranhas e, de repente, fica muda! Da mesma forma como ela aparece, também desaparece num piscar de olhos esbugalhados!

Mia sorriu com a colocação de Hermes, mas o jeito de Lúthien era mesmo estranho. A loirinha era apenas um ano mais nova que eles e, pelo que puderam notar, havia chegado agora ao Joana D´Arc. Mas de onde viera, este era um mistério tão grande quanto quem eram seus pais e como ela sabia sobre Daniel e Azkaban. Por mais que tentassem, Mia e Hermes não conseguiram arrancar dela nada mais do que estas pequenas informações. Ela sempre evaporava antes que eles pudessem insistir no interrogatório, e só esbarrava neles quando ela mesma queria.

A aparência da loirinha era um tanto diferente dos adolescentes londrinos comuns que freqüentavam o Joana D´Arc. Ela não era feia, pelo contrário. Tinha longos e sedosos cabelos loiro-claros e olhos muito grandes e azuis, um tanto esbugalhados, que lhe conferiam uma aparência sempre assustada. Fora isso, tinha um rosto harmonioso e um sorriso aberto, sincero. Apesar de vir sempre nas horas mais esquisitas. O que mais destoava na aparência de Lúthien eram as roupas: a menina não tirava do corpo uma saia xadrez roxa, que usava com meias de lã pretas e um par de sapatos estilo boneca. No pescoço, um colar de rolhas de garrafa que parecia ter décadas de existência, as peças que o compunham já bastante gastas e se esfarelando pela roupa.

Quando abria a boca, toda sorte de assuntos estranhos ganhava vida na fala de Lúthien. Podia discorrer de forma empolgada, indo de extraterrestres ao chá preferido da rainha Elizabeth, que segundo ela era cultivado na única estufa mágica de toda a Grã-Bretanha.

- Ela só pode ser maluca, eu sei disso – Hermes falava enquanto ele e Mia caminhavam para a saída da escola. – O último assunto dela foi sobre o desenvolvimento de pesquisas genéticas com galinhas d’angola no sul da Inglaterra. Mia, eu juro que não agüento!

- Calma, Hermes – a ruiva ajustou o cachecol e o gorro acinzentados, esfregando as mãos logo em seguida para tentar afastar o frio. – Deve haver algum jeito de descobrirmos quem são os pais dela e...

- Nossa! – Hermes estancou de repente, o movimento fazendo com que um pouco da neve grudada nos sapatos se espalhasse. Com um tapa na testa, o menino sinalizava que havia uma idéia a caminho.

- O que foi, Hermes!?

- Eureca, minha cara Mia, eureca! Com quem mais podemos conversar sobre esses assuntos? Que pessoas do nosso convívio poderiam nos ajudar a descobrir ou até mesmo poderiam nos responder se há outros Renegados que não conhecemos ou pessoas que não são do mundo bruxo e sabem da existência de Azkaban?

- Você não está pensando...

- Sim, Mia – o loiro dizia, com um ar claramente convencido e orgulhoso de si mesmo. – Melhor chamarmos as Gemialidades Weasley para nos ajudar!

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