Um tapa na cara



- Nós estamos namorando - Rony disse, e Hermione assentiu com a cabeça.

Harry olhou de um para outro, boquiaberto. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Não podia. Harry começou a rir um riso sem alegria, forçado.

- O que foi? - perguntou Rony, ofendido.

- Eu que pergunto - Harry falou rindo-se. - Qual é a da brincadeira? De quem foi a idéia da piada?

- Eu não estou entendendo, cara - Rony falou. - Hermione e eu estamos namorando sim, você tem algum problema com isso?

- Se EU tenho algum problema? - indagou Harry, a voz soando estranhamente aguda. - Francamente, eu acho que foram vocês dois quem perderam a noção de ridículo aqui.

- Harry! - exclamou Hermione. - Você está nos ofendendo.

- É bom você pedir desculpas, Harry - disse Rony, as orelhas vermelhas de raiva. - Por que você está sendo realmente idiota agora.

- Claro, eu sou idiota. Ha-ha-ha - caçoou Harry sarcástico. - Francamente, vocês me fazem rir. Vocês são ridículos...

- Retire isso! Retire já! - Rony deu um passo para frente e pegou Harry pela gola da camisa.

- Parem, vocês dois! - Hermione falou, puxando o braço do ruivo. - Pare, Rony! Harry não sabe o que está dizendo...

- Ah, eu sei sim - provocou Harry. Rony o empurrou, e o garoto caiu sentado de mal jeito na poltrona.

- Peça desculpas, cara - Rony disse entre dentes, apertando os punhos. Hermione segurava o braço dele.

- Vão os dois para o inferno - Harry disse, levantando-se aos tropeços e saindo porta a fora.

Rony fez menção de segui-lo, mas Hermione o conteve.

- Espere, Rony - ela disse, puxando-o. - Deixe-o.

- Sinceramente, eu nunca pensei que ouviria tanta merda sair da boca do Harry - Rony disse. - Ele pirou ou o quê?

- Ele só está com ciúmes - Hermione falou com um suspiro. - É natural. Harry acha que as coisas vão mudar entre nós três, agora que eu e você estamos namorando.

- Mas Mione, isso não justifica - Rony sacudiu a cabeça.

- Eu sei que não. Mas dê um tempo ao Harry. Deixe que ele esfrie a cabeça, e então ele perceberá o quão idiota está sendo e virá nos pedir desculpas.

- Espero que sim... - resmungou Rony.

***

Harry caminhava sem destino, cheio de ódio e chutando tudo o que encontrava pela frente. Seus músculos estavam contraídos de maneira dolorosa, e ele já começava a achar que talvez devesse ter ficado na sala para poder dar uns socos em Rony. Quem sabe assim o amigo recuperasse a sanidade.

Mione namorando Rony! Isso era simplesmente a pior coisa que poderia acontecer na sua vida. A pior.

Justamente agora, que Harry estava começando a... Começando a o que? Diabos, nem ele mesmo sabia. A única coisa certa é que a idéia de Rony e Hermione juntos era tão dolorosa quanto qualquer das torturas pelas quais já passara. E era por isso que queria bater. Era por isso que queria que eles se sentissem ridículos. Era por isso que dissera todas aquelas coisas que ele sabia serem realmente horríveis.

A imaginação de Harry não estava contribuindo para melhorar o seu humor, trazendo de minuto em minuto flashes de Rony e Hermione se beijando.

- Não, não, não - Harry repetia para si mesmo, sacudindo a cabeça.

Então chutou uma pedra que estava mais fixa no solo do que ele imaginara, fazendo o seu dedo latejar de dor. O garoto soltou alguns palavrões que surpreenderam até a ele mesmo de tão sujos, apanhou a pedra que arrebentara seu dedo e jogou longe. Largou-se sentado no chão, enterrando o rosto nas mãos.

***

Já era noite fechada quando Harry decidiu voltar para a Toca, caminhando a passos lentos com as mãos enfiadas no bolso da calça. Chutou uma lata que estava caída perto do portão dos Weasley para fora do terreno. Ainda estava irritado, mas sabia que não podia simplesmente sumir do mapa de qualquer jeito. Estava hospedado com os Weasley, e devia satisfação a Sra. Weasley. Não queria de forma alguma preocupá-la, e foi com esse pensamento que Harry estendeu a mão para a maçaneta da porta e girou.

O garoto ficou parado na porta, vendo todos os rostos na sala se voltarem para ele: Hermione ergueu os olhos do livro que estava lendo e o encarou por alguns momentos, então voltou novamente sua atenção para a leitura; Gina estava brincando com Bichento e se distraiu quando o garoto chegou, acabando por levar um belo arranhão na mão; Rony, que estava jogando xadrez contra si mesmo, foi o único que não se moveu.

- Harry! - a Sra. Weasley exclamou. - Onde você estava? Quase nos matou de preocupação!

Harry sentiu uma pontada de culpa.

- Eu só estava dando uma volta pelas redondezas. Me acostumei a fazer isso na rua dos Alfeneiros - Harry justificou.

- Tudo bem você querer sair, mas da próxima vez avise! E não volte tão tarde!

- Eu sei, me desculpe Sra. Weasley - disse Harry, envergonhado.

- Molly, você viu onde eu deixei aqueles papéis... Ah, olá Harry! - cumprimentou o Sr. Weasley, e voltando-se para a esposa: - Eu não disse que você estava se preocupando à toa? Onde você estava, Harry?

- Dando umas voltas - o garoto respondeu.

- Pois bem, eu não lhe disse Molly? Esses adolescentes adoram dar umas bandas por aí - disse jovialmente o Sr. Weasley, dando tapinhas amigáveis nas costas de Harry.

A Sra. Weasley sacudiu a cabeça reprovadora.

- Nós já jantamos, mas eu deixei um prato pronto para você, Harry - falou a Sra. Weasley.

- Obrigado, Sra. Weasley, mas eu não estou com fome - Harry disse. - Acho que vou subir e descansar um pouco.

Molly colocou as mãos na cintura, fitando-o.

- Tudo bem, querido. Quando você sentir fome, sinta-se à vontade para descer e pegar alguma coisa na despensa. As suas coisas estão no antigo quarto do Fred e do Jorge, que agora pertence ao Rony. A sua cama já está arrumada, caso queria dormir. Se quiser tomar banho ou algo assim, use o banheiro da Gina. O dos meninos não tem água fria.

Harry concordou, mesmo sem ter prestado atenção em nada do que a bruxa dissera. Com a cabeça latejando, o rapaz subiu as escadas rapidamente para o corredor dos quartos. O que ela dissera mesmo sobre Fred e Jorge? Harry sabia que eles estavam morando em Hogsmeade agora, num apartamento em cima da sua loja.

Ele abriu a porta do quarto de Rony, que estava todo cheio de entulhos. Havia brinquedos velhos e quebrados espalhados por todos os lados, e um sofá velho que Bichento se ocupava em estraçalhar afiando suas unhas. O gato assustou-se ao ver Harry, e saiu correndo quase derrubando o garoto.

- Você não prestou atenção em nada do que a mamãe disse, não é?

Harry se virou. Gina estava parada fitando-o com um sorriso gozador, com Bichento espreitando atrás de suas pernas.

- Você adivinhou - suspirou Harry, exausto. Acabara de descobrir que suas costas também estavam dolorosamente quebradas.

- O Rony ficou com o quarto antigo dos gêmeos.

- Ah - resmungou Harry, sem emoção. E dando três passos passando por Gina, entrou no novo quarto de Rony e bateu a porta no nariz da garota.

-Credo, que mal-humor - ele ouviu Gina resmungar, e os passos da menina se afastaram pelo corredor.

Sentindo como se tivesse sido atropelado por uns 200 trasgos montanheses, Harry empurrou seu malão para fora da cama e deixou-se desabar no colchão macio. Em poucos minutos mergulhou num sono inquieto.

Teve um sonho bastante esquisito e agoniado, onde caminhava puxando uma pedra amarrada no tornozelo, e havia Hermione de cabelo vermelho dançando com Rony no meio da rua dos Alfeneiros.

- Não, você tem que pendurar a pedra no pescoço, Harry - explicou Hermione. - Porque depois nós vamos usar para fazer anéis. Veja o Rony, por exemplo.

E Rony sorriu para ele, sacudindo-se de um lado para o outro com uma bigorna pendurada por um cachecol no pescoço.

Harry acordou com uma sensação esquisita no peito e a boca seca. Descobriu que alguém tirara seus sapatos e o cobrira, provavelmente a Sra. Weasley. O som dos roncos de Rony encheu seus ouvidos, e Harry imaginou que horas seriam. Sentiu seu estômago reclamar de fome, e decidiu descer e procurar alguma coisa para comer.

Fazendo o mínimo de barulho possível para não acordar Rony, Harry deixou o quarto e desceu as escadas para a cozinha. Não se sentia nada à vontade mexendo nas coisas dos Weasley, pois temia quebrar ou estragar alguma coisa. Abriu alguns armários e foi apanhando o que achava interessante: biscoitos de mel, compota de abóbora e queijo.

Virou-se para levar tudo para a mesa, dando de cara com Hermione parada à porta. Eles se fitaram durante alguns segundos que pareceram durar uma eternidade, e então Harry sentou-se à mesa.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou Harry secamente, deixando óbvio que a presença da garota não o agradava.

- O mesmo que você - respondeu Hermione, e sentou-se diante de Harry.
Ele encolheu os ombros e começou a cortar um pedaço de queijo. Hermione continuava a observá-lo de maneira irritante.

- O que foi? - resmungou Harry, sem olhá-la.

- Eu só estava pensando - disse Hermione lentamente. - Se você vai realmente comer tudo isso.

- E por que isso seria da sua conta? - indagou Harry.

- Porque esses biscoitos de mel são do Rony. Eu fiz para ele. São seus favoritos, mas eu não sabia que você também gostava.

Sentindo-se repentinamente imbecil, Harry empurrou a cadeira com violência e ficou de pé, assustando Hermione.

- Obrigado por me lembrar que eu odeio biscoitos de mel - disse com um sorriso irônico, e saiu da cozinha bufando.

Pela segunda vez naquele dia Harry saiu para o jardim dos Weasley, mas dessa vez com Mione nos seus calcanhares.

- O que diabos está havendo com você?! - exclamava ela, correndo para acompanhá-lo.

- Me deixe em paz, Mione - grunhiu Harry.

- Você está agindo como um bruto imbecil idiota sem cérebro desde que Rony e eu contamos que estamos namorando. Afinal, você tem algum problema com isso ou não? Não é nada típico de você fazer ceninhas como essa...

Hermione soltou uma exclamação surpresa, pois Harry se virou de repente e, segurando seus pulsos, empurrou-a contra uma árvore. A força do impacto fez com que ela batesse a cabeça, ficando atordoada.

- O que... - ela murmurou, mas Harry a cortou imediatamente.

- Eu nunca achei que você fosse esse tipo de garota que está demonstrando ser. Como você tem coragem de fazer isso? Usar o idiota do Rony dessa maneira? Enganá-lo! - a voz de Harry soava muito mais rouca do que o normal.

Hermione demorou alguns minutos para entender o que ele estava dizendo, pois era simplesmente absurdo demais.

- Do que raios você está falando? - ela exclamou, incrédula. - E faça o favor de me soltar, você está me machucando!

- Não seja cínica - disse Harry com escárnio.

- Cínica?! - protestou a garota, ferida em sua dignidade. - Eu estou sendo cínica?

- Está! - berrou Harry.

- Não, não estou! Eu já disse pra me soltar!

- E se eu não quiser? - desafiou Harry com ironia. Seu rosto estava praticamente colado no de Hermione, e se não estivesse furioso demais para reparar nisso, teria percebido que podia até contar quantas sardas ela tinha no nariz.

- Diga adeus aos seus descendentes - disse Hermione, e antes que Harry pudesse compreender o que estava se passando, a garota acertou uma joelhada em suas partes baixas e o empurrou. Cego de dor, Harry desequilibrou-se e caiu no chão; Seus óculos voaram longe.

Mione pulou por cima dele e começou a se afastar em direção à Toca.

- Você não gosta dele! - Harry berrou.

Hermione estancou os passos, ficando parada de costas para Harry poucos metros à sua frente. De repente a noite parecia muito mais silenciosa do que o normal. Lentamente, a garota se virou para encontrar o olhar irritado de Harry. Ele resmungava de dor, espremendo os olhos para tentar enxergar a expressão no rosto de Hermione sem seus óculos. Ela abriu a boca para dizer algo, mas pareceu mudar de idéia. Pensou durante alguns segundos, e então disse:

- Sim, eu gosto.

Novamente o silêncio. Era como se ambos estivessem paralisados, esperando de onde viria a próxima pedra. Harry levantou-se e aproximou-se de Mione aos tropeços, metendo a mão no bolso para apanhar algo. Ela recuou, receosa. O garoto retirou a carta que ela lhe escrevera no ano anterior e, parecendo um pouco fora de si, esfregou-a diante dos olhos de Hermione.

- Então do que se trata toda essa porcaria? - indagou, sua voz soando aguda.

Mione apanhou o pergaminho e passou rapidamente os olhos sobre ele, reconhecendo sua letra e o conteúdo imediatamente. As bochechas muito vermelhas, ergueu a cabeça para encarar um Harry desafiador.

- Eu não sei o que você pretende me mostrando essa carta, Harry, mas... - Hermione começou.

- Você disse que gostava de mim.

- Sim, e daí? - exclamou Mione. - O que isso tem a ver com...

- Você mentiu? - cortou Harry.

- Não, não menti. - Mione falou, vermelha.

- Ah, então você admite que está usando o Rony com o intuito de...

- O QUÊ? - Hermione berrou com um tom de voz tão furioso que chegou a assustar Harry. - Eu não acredito! Eu não acredito que você realmente está dizendo isso!

- Eu...

- Em primeiro lugar, essa carta foi escrita há meses atrás! E já que parece que você está com a memória um pouco fraca, deixe-me lembrá-lo de uma coisa: você nunca respondeu!

- Sim, mas... - Harry começou novamente, mas Hermione estava visivelmente histérica agora.

- Eu passei a noite inteira esperando por você, Harry Potter. A noite inteira. Sabe o quanto doeu o seu silêncio? Você por acaso pensou no quanto isso significava para mim?

- Bem...

- Então cale essa boca e não venha me cobrar nada! Em nome da nossa amizade, eu fingi que estava tudo bem. Então provavelmente você nem imagina quantas noites eu passei chorando, não é? Quantas lágrimas eu derramei enquanto você, Harry, estava muito ocupado olhando para o seu próprio umbigo para perceber! - Hermione parou, respirando pesadamente. - Quer saber, esquece... Não importa.

Ela fez meia volta, mas Harry a puxou de volta.

- Mione, eu... eu sinto mui...

- Não, você não sente. - cortou Hermione, as lágrimas escorrendo pela sua bochecha. - Você não sente, Harry... E isso dói.

A garota saiu correndo, deixando Harry parado no meio do jardim dos Weasley sentindo-se a criatura mais cretina da face da Terra. Ele ajoelhou-se e tateou ao redor às cegas até encontrar seus óculos, colocá-los, e rumar novamente para a casa.

***

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