Harry e Hermione



A sala dos monitores era bem menor do que Harry imaginava. Na verdade, caberia umas duas dela dentro do salão comunal da Grifinória. Havia uma espécie de escrivaninha de dois lugares no fundo da sala, algumas poltronas e almofadas ao redor de um tapete quadrado felpudo, e uma estante com alguns poucos livros no canto esquerdo da parede. Presa à porta, havia uma réplica do brasão de Hogwarts representando as quatro casas da escola.

Harry olhou ao redor com interesse.

- Nada muito grandioso - Hermione sorriu abrindo os braços. - Eu também fiquei um pouco frustrada quando vim aqui a primeira vez.

- Você senta com o Malfoy ali, eu presumo - disse Harry com uma careta, apontando com um aceno a mesa de dois lugares. Agora ele reparara que havia duas plaquinhas com os nomes de Mione e Draco diante de cada uma das cadeiras.

- Não - Hermione disse. - Não, Malfoy raramente aparece por aqui... Só nas reuniões oficiais da monitoria, para falar a verdade. Sinceramente, não sei como chegou a monitor-chefe.

Harry pensou que aquilo era bastante típico de Malfoy: deixar todas as responsabilidades nas costas de outra pessoa - Hermione, no caso.

- Então você cuida de tudo sozinha, não é? - indagou.

- Ah... - Hermione disse corando um pouco, enquanto se abaixava para abrir uma gaveta na estante. - Acredito que sim... - ela jogou uma garrafa para Harry. - Mas não é nada muito difícil, para ser sincera.

- Você é modesta - Harry disse apenas, e abriu sua garrafa de cerveja amanteigada com a mão.

- De verdade - Mione disse séria. - Só é cansativo, mas não é difícil. Você também se sairia bem...

Harry não disse nada. Deixou-se cair sentado em uma almofada particularmente fofa, e emborcou um generoso gole da bebida quente. Percebeu, imediatamente, que havia algo diferente no sabor. Estava, visivelmente, com uma dosagem de alcoól muito maior do que a apropriada para uma bebida consumida por bruxos menores de idade.

Hermione deu uma risadinha marota, percebendo que Harry notara a diferença - seria muito lesado se não tivesse notado.

- Confisquei essas garrafas de cerveja "batizada" na véspera do jogo de quadribol contra a Corvinal. Uns rapazes do sexto ano estavam planejando comemorar a sua vitória com elas... Ou "se embebedar para esquecer a vergonha da derrota", como eles disseram. - Hermione contou diante da expressão admirada de Harry.

Ela largou-se em uma poltrona, jogando as pernas displicentemente por sobre o braço da mesma. Harry a encarava, incrédulo. Hermione ergueu a garrafa para o amigo:

- Bem-vindo ao meu mundo, Harry!

***

Era noite, tarde e escura. Não havia viva alma circulando pelos corredores do castelo aquela hora, ou ao menos não devia haver. E era para garantir que essa regra fosse cumprida que ele trabalhava.

Ele, Argo Filch, zelador de Hogwarts, cuidava para manter a ordem e o respeito naquela escola há muito mais tempo do que podia se lembrar. De certo modo, sentia com se fosse uma das armaduras e estátuas que decoravam goticamente o castelo: sempre estivera lá, e sempre estaria. Como uma das paredes que formava os corredores. Apenas parte do cenário.

Sim, Filch gostava de pensar desse modo. Para muitos seria doloroso, mas para ele era reconfortante. Exatamente como uma coluna de pedra, ele garantia a sustentação daquele castelo... Mesmo que ninguém percebesse isso.

Arrastando-se silenciosamente pelas sombras, ele desejava ansiosamente encontrar algum desafortunado estudante fora da cama. Ah, malditos insolentes! Como sentia falta de aplicar castigos mais severos nos que se atreviam a desafiar sua inteligência. Os gritos, os olhares apavorados, os pedidos de clemência, as... gargalhadas?

Filch parou, apurando os ouvidos. Mas não era sua cabeça lhe pregando peças! Realmente havia um fedelho corajoso o bastante para fazer aquele estardalhaço todo às - Filch conferiu no relógio de bolso - cinco para a meia-noite.

Ele saiu em uma caçada cuidadosa ao infrator, e foi com uma onda de frustração que constatou que os moleques estavam protegidos da mão da justiça - a sua, é claro - por uma porta. Umas das únicas, no castelo, a qual ele não possuía acesso - a sala da monitoria.

Praguejando aos sussurros, o zelador se afastou pensando, saudoso, na época em que realmente tivera alguma diversão condenando os alunos que pisavam fora da linha a passar algumas horas pendurados pelos pulsos nas masmorras - incluíndo os malditos monitores.

***

-... lembra daquela vez, quando você e o Rony – Hermione não conseguiu completar sua frase, pois teve outro ataque de gargalhadas.

Harry sorriu bobamente, sentindo-se bastante esquisito. Ele nunca tinha ficado realmente bêbado antes, a não ser pela festa de dia das bruxas do ano passado, quando ele ficara só um pouco tonto, mas esse episódio certamente não se comparava ao que estava vivendo naquele momento. Não conseguia enxergar direito, apesar de estar usando seus óculos, e a sala dos monitores parecia girar em torno da sua cabeça em movimentos lentos.

Hermione, no entanto, não parecia estar sofrendo desses efeitos colaterais. De fato, ela bebera duas garrafas a mais que Harry, e conseguia achar equilíbrio para dançar em cima da mesa tagarelando uma porção de bobagens que ele nunca imaginara ouvir vindo da amiga.

Harry estava meio sentado, meio deitado numa poltrona, a garrafa metade vazia pendendo perigosamente da sua mão. Ele sempre sentira curiosidade sobre como seria ficar bêbado, mas agora que estava, não tinha certeza se gostava da sensação.

Ele voltou os olhos embaçados para Hermione, que estava tentando demonstrar um passo de ballet que ela aprendera quando tinha seis anos e fazia aula. Não teve muito sucesso, pois escorregou e caiu com um baque seco de boca no chão. Harry começou a gargalhar. Curiosamente, tudo parecia milhares de vezes mais engraçado do que seria se estivesse sóbrio. Hermione levantou-se, tonta, e então começou a rir também.

- Eu fazia isso – Hermione disse sacudindo a cabeça. – Eu era boa. Não dê risadas! É sério...

- Tenho certeza que sim – Harry conseguiu dizer, sem fôlego de tanto dar risadas.

- Eu era a melhor da turma... eu era... eu era boa com o ballet... mas é inútil, afinal – Hermione disse piscando.

- Você é sempre a primeira da turma – Harry caçoou.

- Eu sei – Hermione gargalhou. – Eu sou muito boa. Eu sou...

- Surreal...

- Surre... Harry! Que tipo de palavra é essa? – Hermione riu tontamente. – Desde quando você fala difícil?

- Você sempre disse “vocês dois, Rony e Harry, francamente! Precisam ampliar mais seu vocabulário, ou nunca vão escrever uma redação decente!”. Estou ampliando...

- Não me imite – Hermione protestou sem muita convicção, e então começou a rir outra vez. – E tinha aquele professor, na escola primária. Oh, ele era tão idiota! E ele meio que... cantava umas músicas para que a gente decorasse a lição. – e então ela começou a cantar, bastante desafinado, por sinal. – “Matemática é uma coisa maravilhosa! Matemática é uma coisa tão gostosa! Vamos todos juntos cantar, vamos lá, aprender a somar...”

Os dois tiveram outro acesso de riso interminável – Hermione, por causa da música, e Harry porque... Bem, ele não sabia porquê.

- Sabe – Harry disse, recuperando o fôlego – Você está bêbada.

Hermione fez uma careta indignada.

- Não estou!

- Está – Harry disse com um sorriso bastante abobalhado.

Hermione apertou os olhos, irritada, e então cambaleou até a Harry e deixou-se cair sobre ele na poltrona. Ficaram tão próximos que cada sarda do nariz da garota parecia Ter o dobro de tamanho, e Harry sentiu seu coração dar um salto violento no peito – estava bêbado, mas não o suficiente para apagar esses sintomas que Hermione lhe causava.

- Eu. Não. Estou. Bêbada – Hermione disse pausadamente.

Harry ergueu os olhos para ela, a sala dos monitores girando mais rápido do que antes a sua volta. Então reparou que, ao cair minutos atrás, ela cortara superficialmente o lábio. Havia uma quantidade mínima de sangue já seco no local, mas Hermione não parecia Ter sentido o ferimento.

- Você – ele disse com calma. – Machucou o lábio.

- Como?

- Na queda – Harry explicou. – Você cortou o lábio... Bem aqui – ele colocou o dedo perto da pequena ferida.

Hermione ficou confusa por alguns momentos, e então escorregou para o chão. Ficou sentada, parecendo entretida com alguma coisa no tapete. Harry a observou em silêncio. Havia muitas coisas de que ele gostava na amiga, fisicamente falando. As sardas – oh, as sardas! – eram uma graça. Desde que se apaixonara por Gina ele tinha descoberto que gostava de meninas com sardas no nariz. Hermione não tinha tantas quanto sua ex-namorada, mas elas estavam ali. Ele sorriu. E o formato do rosto, delicadamente fino, combinava perfeitamente com os olhos cor de castanha. O cabelo... Diabos, ele gostava até do cabelo!

- Algo errado? – indagou Hermione, encarando-o com desconfiança.

- Não – Harry disse erguendo uma sobrancelha.

- Então por que você está me olhando com essa cara?

- Talvez – Harry disse pensativamente. – Porque seja a única que eu tenho.

Hermione fez um muxoxo com os lábios.

- Falando sério...

- Bem, eu sempre falo sério – Harry deu um sorrisinho, e desejou que sua cabeça parasse de rodar como se seu cérebro tivesse sido colocado em um liqüidificador.

- Claro – Mione murmurou.

Harry soltou um longo suspiro.

- E, para falar a verdade, eu estava pensando – ele disse lentamente, apenas porque sentia que precisava continuar falando. E já não estava muito concentrado no conteúdo de suas palavras. – Se você ficaria muito irritada se eu tentasse te beijar.

Hermione ficou sem reação durante alguns segundos, encarando Harry de uma maneira que ele não estava acostumado a ver. Ela começou a dizer alguma coisa, mas então mudou de idéia.

- Por que você não tenta descobrir por si mesmo?

Harry, o coração dando pulos de excitação em seu peito, escorregou para junto da garota. Hermione ainda o encarava daquela maneira tão estranha para ele. Mas, pensando melhor, não era a primeira vez que isso acontecia. Houve uma vez, há quase um ano atrás... Uma vez, num dia de inverno... o dia em que ela o olhara de uma forma que não se olha para um amigo.

Um arrepio quente desceu pela espinha de Harry, algo que ele poderia descrever como o mesmo efeito de levar um choque.

- Veja bem – Harry disse. – Se você me bater, tente não acertar os óculos, está bem? Porque é realmente chato Ter as lentes quebradas... E eu posso me cortar e ficar cego. Não que um beijo seu não valha um óculos rachado e, talvez, um olho inabilitado, mas...

- Harry – Hermione disse impaciente. – Cala a boca.

A garota colocou as mãos no peito dele, agarrou sua camisa e puxou-o de encontro a ela. Foi como se, realmente, houvesse uma corrente elétrica entre eles. Aquele não era apenas um beijo – era uma mistura de frustração, paixão e desejo que vencia as barreiras que os dois haviam levantado entre eles em função dos princípio que ambos possuíam. Era a expressão de meses de sentimentos ocultos, explodindo como uma bomba e acabando com todo e qualquer controle que algum deles possuísse.

Também era quente. Muito quente. Das outras vezes em que se beijaram, fora com uma certa timidez e, por que não dizer, com um pouco de medo. Receio de atravessar de vez a linha que separava o amor fraternal do amor entre um homem e uma mulher. Aquelas beijos eram calmos, lentos... A descoberta de algo novo e incrivelmente assustador para ambos. Mas esse beijo não. Esse beijo era franco, apaixonado. E Harry estava colocando tudo de si naquilo.

Ele empurrou Hermione para o chão, as pernas enroscadas. Ela não resistiu a nada, de forma alguma. Talvez por estar bêbada demais, em todos os sentidos. Deixou que Harry a tocasse como Rony jamais soubera tocar. Rony... Rony? Era apenas uma lembrança distante agora. Por que se preocupar?

Era Harry. Aquele Harry. O primeiro garoto da sua vida. Aquele que fizera com que ela percebesse que não era mais uma criança, despertando sentimentos e vontades que ela nunca achara que fosse realmente Ter algum dia. O Harry que a rejeitara, quebrando seu coração... Mas ele estava ali, agora. E havia tantas cores brilhando nos olhos dele, que observavam com atenção cada reação dela, traduzindo o significado de cada suspiro.

Hermione também o desejava. Também quis tocá-lo, e provocar a ele era provocar a si mesma. Por que tudo girava? Por que tudo brilhava? As coisas não pareciam tão coloridas antes. Era aquela mágica de eles dois juntos. Loucura, talvez.

Era o fim da mentira que vinham vivendo. Não podiam mais fingir. Não depois daquilo. Inevitavelmente, as coisas já haviam mudado. Harry estava entranhado em sua pele, como um perfume amargo.

E jamais poderia chamá-lo de amigo outra vez.

***

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