Destino e livre arbítrio





A mãe de Hermes chorava apoiada ao tampo da mesa enquanto o pai permanecia de pé, segurando os ombros da esposa e encarando o filho e os dois amigos. Hermes bufava, a reação dos pais decepcionando-o mais a cada minuto. Batia o pé no chão, esperando que um dos dois respondesse, numa atitude altiva que lhe era peculiar. Enquanto isso, Mia se sentia absolutamente constrangida. Olhava ora para Daniel, ora para o casal à sua frente, tentando entender porque a sua presença e a do moreno ali era tão avassaladora.

- Hein? – Hermes voltara a falar, os braços cruzados em frente ao corpo. – O que está acontecendo aqui, mãe e pai? Qual o problema com meus amigos? Eu nunca os trago e agora que resolvi convidá-los vocês me fazem passar vergonha? Olha, francamente, mãe! – e se dirigiu decidido à mulher chorosa, retirando as mãos pequenas e femininas de seu rosto.

Em meio à maquiagem borrada pelas lágrimas, Mia conseguiu identificar pequenas sardas iguais às suas, antes encobertas por uma extensa camada de pó facial. Começou a analisar melhor a mãe de Hermes. Ela era pequena, com formas bastante delicadas e um rosto um tanto quanto sofrido. Não tinha mais que 40 anos, talvez tivesse a idade da senhora Weasley. Mia se deteve nos cabelos muito lisos e ruivos, que caíam sobre os ombros da mãe do amigo. A cor era exatamente igual à dos cachos desajeitados que enfeitavam os cabelos da menina. E a voz... havia algo de familiar naquele tom de voz.

Uma interconexão de fatos começou a fazer sentido na mente de Mia. Uma lembrança, uma frase em latim, uma capa, um nome perdido nas recordações de família.

- Mia... filha de Hermione e Rony – a mulher falava agora, mais calma e dirigindo as palavras ao marido. – Não acredito que passei tanto tempo procurando por eles e os encontrei justo numa amiguinha do nosso filho!

O pai de Hermes parecia contrariado e nem a metade da emoção que transbordava da esposa o contagiava. Suas feições estavam endurecidas e ele mantinha um controle artificial sobre todos os gestos. A mulher se levantou, tomou a mão de Mia e, contendo as lágrimas, esboçou um sorriso para tentar amenizar o impacto do que diria a seguir:

- Mia, eu sou Ginevra Molly Weasley – com uma careta do marido, corrigiu, enquanto Mia não deixava de encará-la por um só instante. – Ou era quando solteira, pois agora sou Ginevra Malfoy. Sou irmã de seu pai, Ronald. Sou sua tia Gina!

Agora era a vez de Mia buscar pela cadeira mais próxima e deixar-se cair sobre ela. Tia Gina, a irmã desaparecida de seu pai? Este era um dos muitos assuntos não tratados na casa dos Weasley. Mas Mia sabia que seu pai tinha mais irmãos além dos gêmeos. Um deles morava no Egito, tio Gui, e era casado com uma francesa. O outro, Carlinhos, era solteiro e trabalhava na Romênia como veterinário, ou algo que lidava com animais, Mia não sabia ao certo. Percy sempre fora brigado com a família e morrera jovem, sem que Mia o conhecesse. Mas a única filha de Molly e Arthur raramente era citada, e Mia julgava que também estivesse morta até ouvir os pais conversando sobre ela e Harry Potter na mesma noite em que falaram sobre os Renegados.

Daniel e Hermes ficaram ao lado da ruiva, que não conseguia deixar de encarar tia Gina banhada em lágrimas, enquanto o senhor Malfoy parecia cada vez mais contrariado com a situação. Cruzou os braços diante do corpo e estufou o peito antes de dizer, com todo o desdém que sua voz poderia encerrar:

- Anda, Ginevra. Não é motivo para tanto. Em todo esse tempo você não falou de sua família e convivemos bem – o pai de Hermes prosseguia, a voz ganhando mais confiança ao encarar o olhar incrédulo da esposa. – Já conversamos sobre isso, não quero você e nosso filho envolvidos com...com... esses sangues-ruins dos Granger.

Os três amigos não conseguiram compreender o que o senhor Malfoy dissera, mas imaginaram que se tratasse de um insulto quando viram o rosto emocionado de tia Gina ganhar um aspecto furioso como o de um leão em uma caçada.

- DRACO MALFOY! Você acha que ainda há divisões desse tipo entre o nosso povo? Hogwarts acabou, Draco, não há mais separação entre puros-sangues e nascidos trouxas. Nosso filho é trouxa, não é mesmo? Foi criado entre os costumes trouxas! A única separação que existe no nosso mundo agora é formada por aqueles que apóiam as artes das trevas e aqueles que foram banidos por causa delas. Você também é um Renegado, não se esqueça disso!!!

- Muito bem, Ginevra! Agora aproveite a deixa e explique ao seu filho tudo o que acabou de falar, tudo que escondemos por anos – o senhor Malfoy batia palmas e fingia entusiasmo, o tom de voz completamente alterado. – Quem sabe a gente não descobre que ele é um aborto nojento e esquece de uma vez por todas essa bobagem de bruxaria, não é mesmo?

O próximo a puxar a cadeira e sentar ao lado de Mia foi Hermes. O loiro perdera completamente a cor das faces. Observava a briga dos pais com interesse, tentando captar o sentido daquilo tudo. Sempre soubera que era um Malfoy, com muito orgulho. Mas agora ouvia coisas sobre a origem de sua família que não conseguia compreender de imediato. Mia acompanhava a discussão quase tão incrédula quanto ele, mas capaz de entender a maior parte daquilo que era proferido. Não encontrara os Potter, afinal, mas sim outras pessoas que também foram banidas pelas forças do Lorde das Trevas e que poderiam ajudá-la a encontrar Harry e cumprir a profecia.
- Tia Gina – o tratamento soou forçado por conta da falta de costume em utilizá-lo. – Você sabe alguma coisa sobre Harry Potter?

O rosto do senhor Malfoy ficara da cor dos cabelos de Mia e um ódio antigo reascendeu por detrás de seu olhar. Ele estava prestes a explodir como uma panela de pressão que passou tempo demais sob o fogo. Mas não foi ele quem falou, e sim Hermes, que parecia já ter recuperado a hiperatividade de sempre. Levantou-se de um pulo da cadeira que ocupava para observar melhor as duas mulheres paradas à sua frente.

- Espera só um minuto. Tia Gina? Mãe, eu e Mia somos... primos? – os olhos acinzentados brilhavam de excitação diante da descoberta.

- Sim, filho, são – tia Gina assentiu com a cabeça em sinal de concordância.

- Ah, não, Mia! – Hermes exclamara, zombeteiro. – Agora vou ter mesmo que deixar o caminho livre para o Dan.

Foi quando os presentes se lembraram do moreno e deram por falta dele na cozinha. Hermes saiu para procurá-lo, mas voltou logo, vencido, pois o amigo já tinha deixado a casa. Mas naquele momento o loiro estava mais preocupado em entender o que significava tudo aquilo do que correr atrás de Daniel.

“Mais tarde – pensava ele. – Agora o importante é descobrir quem sou.”

Uma longa conversa, entrecortada pelos resmungos mal-humorados do senhor Malfoy, explicou a Hermes suas origens. Tia Gina contou aquilo que sabia a respeito da Última Batalha, a queda de Harry Potter, o destino dos Renegados e a distância da família Weasley. Omitiu qualquer informação sobre Draco Malfoy, como se ele simplesmente não estivesse presente em nenhum dos fatos narrados.

Mia contou sobre o seqüestro dos pais, a amnésia de vovó Molly e a estadia na casa de Fred e Jorge. Nessa parte, tia Gina sorrira saudosa, recordando com carinho dos irmãos queridos e das peripécias que aprontaram em Hogwarts. Naquela época eles estavam constantemente ameaçados pelas trevas, mas ainda havia luz e esperança. Depois da derrota e do desaparecimento de Harry Potter, os últimos 20 anos estiveram manchados por uma sombra negra.

O Oráculo e as lembranças vistas na Penseira ficaram de fora da narrativa. Mia sentia que poderia confiar estas informações para tia Gina, mas não na presença do senhor Malfoy. Ele não a fizera se sentir confortável em nenhum momento. Hermes não tirava os olhos das duas ruivas e não se pronunciara, até que não pôde mais suportar:

- Quer dizer que meu pai e minha mãe são bruxos? Que a família Malfoy é bruxa, então? Uau! E onde o senhor estava todo esse tempo, pai? Lutando ao lado de Harry Potter, eu suponho, com sua varinha e lançando feitiços para todo o lado, derrotando...

- Já chega dessa conversa! – o senhor Malfoy franzira a testa, em sinal do total desconforto e irritação que enfrentara durante toda a conversa. – Não quero, não vou e não preciso falar sobre isso debaixo do meu próprio teto! Acabou – e saiu da cozinha decidido, tropeçando na cadeira onde Mia estava sentada e resmungando mais ainda.

- Cara! O que deu nele, hein? – Hermes se questionava enquanto Mia encolhia os ombros e tia Gina parecia perdida em pensamentos, suspirando e olhando fixamente para a porta por onde outrora o marido saíra. – Acho que seria uma boa se a gente almoçasse agora, meu estômago já está rugindo como um leão!




Ao terminar o almoço, Mia e Hermes decidiram ligar para Daniel para saber o que havia acontecido. O telefone da casa estava em constante sinal de ocupado e ele se recusou a atender o celular. Fizeram o dever de casa e deixaram o filme para uma ocasião mais propícia, pois já haviam tido muitas discussões filosóficas para um só dia. A idéia de ter pais bruxos divertia Hermes. Foi quando, deitado em sua cama enquanto Mia fazia a formatação final do trabalho no computador, surgiu a pergunta:

- E nós, priminha? Sendo filhos de pais bruxos, nós temos poderes mágicos também? – era evidente o êxtase que tal perspectiva causava no loiro. – Será que podemos sair por aí fazendo mágicas? ABRACADABRA!

- Não sei... – Mia parara de escrever para encarar o amigo de frente, séria. – Isso é algo que venho pensando muito ultimamente. Se meus pais estão num local mágico, eu preciso saber fazer magia para conseguir salvá-los.

- Como a gente sabe que é bruxo, Mia?

- Meu tio Fred disse que eles manifestavam poderes mágicos desde a infância – a ruiva franzia a testa no esforço de recordar. - Mas é fácil quando você vive num lar onde os feitiços são incentivados. Também havia bruxos que nasciam entre as famílias de trouxas, ou seja, as não-mágicas, e eram criados como trouxas. As crianças tinham emissões mágicas involuntárias até atingir os onze anos de idade, quando estavam aptas para freqüentar uma das escolas de magia e bruxaria espalhadas pelo mundo, onde aprenderiam a direcionar o poder mágico e emiti-lo conforme a sua vontade.

Hermes achava tudo isso muito interessante e se divertia a cada novidade que descobria sobre o mundo bruxo. Sentados lado a lado no computador e, esquecidos da finalização do trabalho, começaram a pesquisar tudo o que encontravam na rede sobre bruxaria e magia. Leram sobre as Brumas de Avalon, a Era dos Dragões, a Terra Média, elfos, hobbits e orcs, e chegaram até a Wicca. Parecia a forma mais possível de magia, onde as forças da natureza estavam relacionadas com o poder que o bruxo possuía e as habilidades em manipular os quatro elementos.

Ao entrar numa página onde se lia O encanto da Lua, Mia encontrou aquilo que precisavam. Foi como se uma luz acendesse em sua mente e ela então tivesse a certeza do que faria.

- Anda logo, Hermes! Pegue uma blusa e vamos para a casa do Daniel! Essa noite é lua crescente e teremos todas as respostas que precisamos!

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