Pequena grande mudança





O ônibus vermelho de dois andares estava lotado quando chegou no ponto. O calor do lado de fora era infernal, e o Senhor Weasley esperava que dentro do veículo o ar condicionado refrigerasse suas idéias. No entanto, quando a porta automática abriu e ele espremeu o corpo contra os outros passageiros para tentar entrar, o bafo quente denunciou que o ar não estava funcionando.

”Muito bem, ótimo! Meu dia está completo! Lá vamos nós para mais um pouco de estresse antes de chegar em casa com a bomba..."

Ele tirou o chapéu que usava todos os dias, embora dissessem que o acessório estava fora de moda. Não importava. Aquilo o fazia lembrar dos tempos de escola, quando o artefato fazia parte de seu uniforme. Um chapéu cônico, comprido e pontudo. E, com um sorriso, lembrou-se até mesmo que fora um velho e esfiapado chapéu que o mandara para a Grifinória. Fazia tanto tempo...

Os cabelos ruivos do senhor Weasley estavam manchados pelos fios brancos, e os olhos tinham um aspecto cansado, com bolsinhas ao redor. Apesar disso, ainda possuíam o brilho de um azul muito vivo, atento a tudo o que estivesse ao redor.

Ao tentar passar pela roleta para pagar a passagem, um jovem apressado cheio de tatuagens esbarrou na pesada pasta de documentos que ele carregava. O fecho se abriu e espalhou pelo chão vários pedaços de papel, canetas e um objeto vermelho e redondo, que saiu rolando até o fundo do ônibus.

”Por Merlim, meu Lembrol!"

O senhor Weasley pediu licença aos outros passageiros e recolheu às pressas os papéis espalhados. Pagou a passagem e se deslocou para o fundo do ônibus o mais depressa que pôde, sem esperar pelo troco. No penúltimo banco, sentada na poltrona do corredor, uma senhora de cabelos muito brancos e presos num coque segurava o Lembrol com um olhar curioso.

- Eu me lembro de ter visto isso em algum lugar, sabe? Mas não sei o que é... o que é isso?

- Nada... é uma lembrança de uma viagem que fiz para Paris. Uma bugiganga comprada na rua, nada demais – disse o senhor Weasley, tirando o Lembrol das mãos da velha e guardando no bolso da jeans.

- Ah... é... uma lembrança. Se ao menos eu pudesse me lembrar onde já vi isso...

Sem deixar que ela continuasse questionando, o senhor Weasley virou para o lado oposto e suspirou, pensando desalentado:

”Mais uma... não bastasse sermos Renegados, alguns ainda têm que ser submetidos a esse feitiço horroroso. Ah, por Merlim, o que aconteceu com o nosso mundo? O que fizemos com o nosso povo?"




- MIAAAAAAA!!! VEM CÁ!

Ela simplesmente detestava quando a mãe a chamava daquele jeito. Parecia que dera a ela um nome curto apenas para ter o prazer de prolongá-lo quando gritasse por ela naquela voz estridente.

- Sim, mamãe. O que você precisa?

- Seu pai está chegando – a senhora Weasley começou a falar. – E eu preciso terminar o jantar! Portanto, não posso colocar comida para o Bichento, e ele está miando sem parar e arranhando a madeira da porta. Vá lá fora e alimente o gato, por favor!

- Sim senhora...

Mia saiu a passos lentos, arrastando os tênis no chão para fazer barulho. Passou pela despensa, pegou a ração do gato e foi para o jardim dos fundos da casa. O sol já tinha sumido e a noite de verão continuava quente. A lua cheia brilhava no céu ao leste, e as flores que a senhora Weasley cultivava com tanto cuidado já enchiam o ar com um perfume fresco e adocicado.

Mia parou por um momento, piscando os olhos grandes e castanhos. Adorava as noites de lua cheia. Fechou os olhos e levantou a cabeça para sentir o perfume no ar, balançando os cabelos compridos e ruivos de um lado para o outro. Um sorriso tomou conta do rosto da menina. Amava aquele jardim. Era seu refúgio. Com certeza ali havia toda a sorte de criaturas mágicas que Mia via nos livros. Sua mãe dizia que aquilo tudo era tolice, mas ela acreditava. Sabia que a magia estava ali, escondida, esperando para se revelar num dia qualquer àqueles que pudessem ser puros o bastante para percebê-la.

Bichento apareceu por detrás da sebe que separava a casa dos Weasley de seus vizinhos. Vinha ronronando, os olhos atentos ao pacote nas mãos de Mia.

“Gato interesseiro!”

- Vem, Bichento, vem!

Aquele animal era um mistério para Mia. Ele era maior do que qualquer gato que ela já tinha visto. A cor dele, puxada para o laranja, também era diferente dos felinos normais, lembrava muito mais um leão. E Bichento era eterno! Pelo menos era o que parecia. Mia achava intrigante o fato de que o animal já estava na família desde que ela nascera. Há mais de 15 anos, pelo menos.

O pai chegou em casa enquanto Mia afagava o topo da cabeça de Bichento. Ela colocou a comida na vasilha do gato e entrou pela cozinha no exato momento em que a senhora Weasley explodia com o marido:

- RONALD BILLIUS WEASLEY, EU NÃO ACREDITO! – os olhos injetados da senhora Weasley brilhavam, os cabelos estavam mais revoltos do que nunca. – DEMITIDO, RONALD! DEMITIDO!?!?

- Hermione, calma, eu...

- AH, EU NÃO QUERO SABER DE CALMA! NÃO BASTA QUE NOSSA VIDA SEJA TÃO DIFÍCIL, QUE TENHAMOS QUE FAZER TANTOS SACRÍFICIOS, VIVER NO MEIO DOS TROUXAS, RENUNCIANDO NOSSAS TRADIÇÕES, SEM UM PINGO DE...

- Hermione, por favor, a Mia!

A senhora Weasley virou os olhos e encontrou os da filha, que estava parada na porta da cozinha, meio perdida. O pai estava desempregado outra vez? Já era a terceira vez no ano. Sua mãe estava brava com razão.

- Como eu ia dizendo, Hermione, Mia, nós vamos nos mudar. Vamos morar num prédio de apartamentos perto da estação Kings Cross, no centro de Londres. Não posso mais manter esta casa enquanto estiver desempregado. Mas acho que a situação não vai demorar muito para se resolver... é só por uns tempos. Depois podemos voltar a uma casa, talvez um pouco menor que esta, mas uma casa de verdade, com jardim e lareira, como sei que vocês gostam.

Mia estava à beira das lágrimas. A senhora Weasley sentara, os olhos perdidos e o rosto apoiado nas mãos. Vendo que nenhuma das duas falava nada, o senhor Weasley continuou, como que para se desculpar:

- Eu tentei, queridas... eu tentei...

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