Quando a tempestade chega ao f



2º capitulo
Quando a tempestade chega ao fim

Gina susteve a respiração. As suas mãos fecharam-se, os maxilares cerraram- se. Fechou os olhos desejando que tudo aquilo não passasse de um sonho. Estaria o rapaz realmente ali? Nunca encontrara ninguém no Celeiro e passava, talvez, mais tempo ali do que em casa. Desejava que ele não fosse real, que fosse apenas um fruto da sua imaginação. Um amigo imaginário ou talvez um anjo protetor. Não precisava de pessoas para a encher de perguntas e palavras falsas. As pessoas atrapalhavam, não compreendiam e não pensavam consigo, mas sim sobre si. Não tentavam compreendê-la, procuravam apenas arranjar uma solução comum para o problema. E por isso, a menina preferia sofrer sozinha, sem partilhar a sua dor com ninguém.

Respirou fundo e agitou os dedos, sentindo cada parte do seu corpo contrair-se e voltar a movimentar-se. Um truque antigo que lhe permitia relaxar e ao mesmo tempo afastar as lágrimas. Por fim abriu os olhos lentamente.

Ele continuava lá, os seus olhos fixos na vista. A sua boca cerrada apesar de se poder distinguir o que poderia ser o fantasma de um sorriso. Os raios solares refletiam no seu cabelo loiro dando-lhe um aspecto brando, irreal. Se não fossem as roupas negras que trazia vestidas, pareceria um anjo. Era belo, belo como um amanhecer. Qualquer olhar ficaria preso na sua imagem, observando-o como se tratasse de alguma criatura fantástica, daquelas que só se tem à oportunidade de ver nos livros. Gina sabia que mais cedo ou mais tarde o silêncio teria de ser quebrado e o seu olhar teria de ser desviado para outro lado, teriam de falar embora insistissem em prolongar o silêncio.

O silêncio não foi quebrado, mas o olhar e o encanto foram deitados por terra assim que ele desviou a atenção para ela. A ruiva sentiu-se ser puxado por aqueles olhos para fora de uma nuvem cor-de-rosa onde se permitira descansar e onde se esquecera do tempo e da realidade. Porque aqueles olhos cinzentos e frios eram a realidade. Ele não a olhava diretamente nos olhos e a menina agradecia por isso, pois nunca vira algo mais assustador. Os seus olhos eram frios. Frios e insensíveis. Estavam fixos em algum ponto atrás dela, mas de alguma maneira, pareciam estudá-la de cima a baixo.

Qualquer pessoa sabe que não se deve acordar aqueles que sofrem durante o sono, aqueles que são perseguidos por pesadelos contínuos e tortuosos. O choque do confronto com a realidade é enorme e fatal. O mesmo acontece com os sonhos, aconteçam na tranquilidade do descanso ou durante o decorrer de mais um dia. Acordar de modo pouco delicado alguém que se perdeu num sonho é cruel. Os sonhos são perfeitos e mágicos, muito diferentes da realidade. A realidade para a maioria de nós é tudo aquilo que nós vemos, provamos, tocamos, cheiramos e outras coisas provenientes de nossos sentidos. Não passa, portanto de mais um argumento sobre a maneira de olhar a vida, sem magia, sem felicidade. Por essa razão, as pessoas chegam a um ponto em que não conseguem distingui o imaginário do que é real. Simplesmente porque o que é real choca, fere e provoca cicatrizes.

Gina teve de se sentar sobre um fardo de palha para conseguir manter os olhos abertos. E tinha de o fazer, fecha-los seria perigoso. Aquele rapaz loiro acordara-a mais bruscamente do que ela acreditava ser possível. A aceitação demorara a chegar, mas tinha-se instalado por fim. Gina cambaleava, tentando desviar os olhos do rapaz que pareciam estar gravados em cada pedaço de madeira que a rodeava. E quando por fim aqueles olhos assustadores desapareciam, ela via a imagem de uma garota correndo à frente de um homem ruivo. Uma imagem perdida para sempre.

O tempo tornou-se novamente secundário. Gina deixou de sentir, de ver, de ouvir. Respirar deixou de ser importante. A sua consciência divagou para longe, não prestando qualquer atenção ao rapaz que a mantivera tão ocupada minutos antes. O seu coração batia freneticamente à medida que ela era invadida por memórias e recordações. Depois, a escuridão tomou conta dela. O frio era intenso, mesmo tendo agora uma capa sobre os ombros. O raciocínio e a razão tentavam regressar, sendo, no entanto impedidos pelo latejar continuo da sua cabeça. Sentiu alguém aproximar-se dela e, após fazer um enorme esforço para abrir os olhos conseguiu destinguir um rapaz ajoelhado junto dela. A compreensão passou em frente dos seus olhos rapidamente e dando-se conta do perigo que poderia correr, sentou-se bruscamente.

Assim que os seus olhos voltaram a ser confiáveis ela olhou ao redor. Como era de esperar, ele estava lá, ajoelhado em frente ao lugar onde ela tinha estado momentos antes. O seu olhar ainda vago, o seu rosto sereno.

- Quem é você? – Perguntou ela, não ousando encará-lo nos olhos.

Ele sorriu apenas em resposta. Um sorriso irónico que não condizia com os seus olhos nem com a expressão do seu rosto. Na verdade, os sentimentos captados quando se olhava para ele, tornavam confusa a mente de qualquer um.

- Quem sou eu? Quem sou eu, perguntas, quando não sabes ainda que resposta queres.

A sua voz era agradável embora carregada de ironia e escárnio. Gina refletiu naquelas palavras seriamente antes de responder. Começavam mal, Gina nunca gostara das pessoas que falavam por enigmas.

- Eu sei o que desejava que fosses!- Ele ergueu uma sobrancelha divertido. - Desejava que fosses um amigo.

- Então voltamos à minha pergunta inicial, porque me respondeste novamente sem neste momento teres noção do que queres em um amigo. Mas sim, se é esse o teu desejo podes considerar-me um amigo. Só pergunto uma coisa. Um amigo de quem?

Gina franziu a testa. Estava confusa e ainda atormentada pela dor. As coisas estavam a mudar demasiado depressa e bruscamente. Primeiro ela estava feliz a observar um jogo no jardim. Depois descobria que nunca mais teria junto de si a pessoa que mais amava. Em questão de minutos fascinava- se com um rapaz junto a uma janela, em seguida era atormentada pelo medo e pela segurança e agora estava ali novamente, tentando decifrar as palavras de um estranho.

- Eu esperaria um amigo meu. Mas talvez tenhas razão, não é isso que eu quero. Quero simplesmente alguém que me tire daqui. E quando eu cheguei e te vi em frente da janela... eu... eu - As palavras faltaram-lhe mas não eram necessárias, ela era inteligente o suficiente para descobrir por ele próprio.

- Tu esqueceste-te da dor por momentos para dar lugar à curiosidade. Mas como vês não te serviu de muito, os teus sentidos foram despertados novamente. Por maior que seja a mudança as memórias estarão sempre presentes. Até ao momento em que compreendas, nada te acalmará.

Gina suspirou, pousando a cabeça sobre os joelhos. Aquilo era demais para um dia só. Por fim pôs-se de joelhos e arrastou-se até ele, sorrindo e finalmente olhando-o diretamente nos olhos.

- Tu me acalma.

Ele arregalou os olhos. Aquelas palavras pareciam ter ido para além do limite da sua compreensão. Ele era inteligente, mas não o suficiente para receber palavras tão inesperadas.

- Então talvez, não estejas tão longe da compreensão como eu pensava que estarias. O teu nome é Gina, certo?

- Sim. Pelo menos é assim que todos me chamam. Menos a minha mãe quando se zanga, claro. Como sabias?

- Às vezes observo-te. Pode-se ver a tua casa daquela janela. – Ele apontou para a janela atrás dela. - Costumo ficar aqui durante muito tempo, vendo- te brincar com os teus irmãos. Vejo-te percorrer o campo até chegares aqui. Depois arranjo uma maneira de desaparecer. Por vezes quando chegas, eu ainda cá estou.

- Então por que nunca te vi?

- Como já disse, tenho os meus métodos para desaparecer. Gina deu um sorriso tímido, levantando-se. Já começava a ficar escuro lá fora. Não poderia ficar muito mais tempo. Gui faria o máximo para que os Weasley não descobrissem a sua ausência, mas não deveria abusar dele. Por está altura os seus pais já saberiam. E Carlinhos também, Gui contava-lhe quase tudo.

- Sabes Gina, aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.

Ele pôs-se de pé, caminhando para o lado dela. Debruçou-se sobre a janela, olhando algo lá em baixo. Gina imitou-o, olhando por sua vez para a sua casa, para lá do campo coberto de flores e das árvores que rodeavam o Celeiro. As luzes estavam acesas, a mãe devia estar preparando o jantar. Teria de chegar rapidamente, não podia demorar muito.

- Tenho de ir - Disse Gina.

- Gostei de te conhecer. Quero encontrar-te mais vezes.

- Sim, tens razão. Não é seguro andar por aí à noite. Vem.

Gina estava visivelmente cansada. Os seus passos eram inseguros e não conseguia parar de bocejar. Só queria voltar para casa, para junto de Gui e de Carlinhos. Eles não lhe fariam perguntas. Iriam abraça-la, tentando confortá-la, mas não fariam perguntas. Desceram um de cada vez, pois a madeira era velha e não suportaria duas pessoas ao mesmo tempo. Se queriam voltar a subir lá acima teriam de construir outra escada. Sem palavras abandonaram o local, caminhando até lá fora. Sempre um atrás do outro, em silêncio para não atraírem atenções. Por fim pararam e sentaram-se frente a frente em cima da cerca de madeira.

- Gina, quero te pedir uma coisa. Gina olhou-o nos olhos que já não temia, embora continuassem igualmente frios e assustadores. Analisando-os melhor podia-se perceber que havia algo para lá da máscara. Porque se escondera dela? De que se refugiava ele? Fez sinal para que ele continuasse. - Não fales de mim à tua família. Deixa que fique em segredo. Um segredo nosso. Sei que são feiticeiros. E alguns feiticeiros não se dão bem.

- Como assim?

- Alguns feiticeiros não se dão bem. É tudo o que precisas saber.

Gina acenou. Não pretendia contar nada sobre ele à família. Isso levaria a mais perguntas que ela não queria responder. Sem mencionar o fato de que naquele momento precisava de alguma coisa que a mantivesse separada dos irmãos. E ele era uma barreira suficiente. Um segredo era suficiente, e ela de alguma maneira sabia que aquele era um segredo grande.

- Consegues ir sozinha até à tua casa? Eu preciso voltar agora. Fiquei fora tempo demais. Eles vão notar.

- Eles?- Ele ignorou e esperou uma resposta. - Não te preocupes, não estou assim tão mal a ponto de não conseguir andar até à minha casa. Adeus.

- Adeus.

Gina saltou para o chão e virando as costas ao rapaz começou a andar para longe dali. Pode sentir o olhar dele preso ao seu percurso durante algum tempo. Depois o ouviu afastar-se para voltar também ele a casa. Então, lembrou-se de uma coisa, uma coisa que por alguma razão ela esquecera de perguntar até agora. Virou-se e correu o mais rapidamente que pôde até conseguir vê-lo. Ele estava a olhá-la, com um sorriso divertido nos lábios, como se já soubesse o que ela estava a fazer. E então ela gritou:

- Lembrei-me agora que nem me disseste o teu nome!

- Não perguntas-te. O meu nome é Draco.

Ambos sorriram e viraram costas. Gina correu, as flores amarelas a roçarem- lhe nas pernas. Sentia-se culpada. O seu tio tinha morrido, não deveria estar triste? Não deveria estar a chorar, sentindo imensamente aquela perda? Então porque estaria tão feliz? Porque razão não conseguia parar de sorrir?

Parou subitamente, olhando para o céu que começava a encher-se de estrelas. Dentro de uns dias faria anos. O seu tio prometera-lhe estar presente e ajudar a preparar uma grande festa. Costumava falar da prenda que lhe iria oferecer, dizia ser a coisa mais bonita que ela alguma vez veria. Gina sorria, contando os dias. Não queria saber das outras prendas, do bolo ou dos doces, só queria poder ver aquela prenda.

Baixou-se, sentando-se na terra no meio de todas aquelas flores. Mitch costumava correr atrás dela até ali. Depois sentavam-se cansados e colhiam algumas flores que levavam à mãe. Tinham feito aquilo tantas vezes. Quantas costumavam levar? Seis ou sete. Desta vez seriam mais, precisavam de mais. Pediria à mãe que fizesse um feitiço para durarem mais tempo, talvez algum que as fizesse durar para sempre.

Apanhou doze flores. Uma pelo tio, uma pela mãe e outra pelo pai, duas para os gêmeos, uma por Rony, uma por Percy, uma por Gui, uma por Carlinhos, uma por Evelynd, uma por Draco e uma por ela própria. Doze flores, uma por cada pessoa que fazia parte da sua vida e uma por ela.

Quando chegou a casa fez os possíveis para não ser vista, dirigindo-se ao quarto as visitas, que os irmãos chamavam de o quarto do tio Mitch, era sempre ali que ele ficava quando dormia lá em casa. O quarto estava cheio de vestígios. Um pijama dobrado em cima de uma cadeira que não costumava estar ali e um livro sobre a mesa de cabeceira.

Gina não gostava de estar ali. Apressou-se a abrir a última gaveta e achar o que procurava: Um velho cordel tingido de vermelho. Gina usara-o para embrulhar o livro que oferecera ao tio no natal, o mesmo livro que estava agora sobre a mesa de cabeceira. Estava dentro de uma caixa, juntamente com uma concha (que o tio tinha apanhado da primeira vez que tinha visto o mar), um diploma de graduação em Hogwarts e um da academia de aurores. Um velho cordão de ouro e um pingente em forma de coração, uma pedra em forma de lua e outras coisas (algumas ela reconhecia, outras não). O tio guardava as coisas que tinham mais significado para ele, muitas daquelas coisas haviam sido oferecidas por Gina ou pelo resto da família.

Fechou a caixa e a gaveta e pegou no cordel, abandonando o quarto sem deixar pistas da sua presença para trás. Depois correu lá para baixo, sendo observada pelos irmãos que agora punham a mesa. Puxou o jarro cheio de água sobre a mesa, olhando por momentos as flores secas e recordando-se da última vez em que estivera com o tio no campo das flores. Decidida, pegou nas flores e substitui-as pelas novas, que enchiam o jarro por completo. Levando as flores velhas dirigiu-se à cozinha, parando em frente ao caixote do lixo. Sabia o que queria fazer, mas hesitava. Poderia livrar- se assim tão facilmente da sua última lembrança? Então cuidadosamente arrancou uma das pétalas secas e guardou-a no bolso. Agora já estava pronta.

As flores desapareceram no caixote sem ruídos. Tinha compreendido, sabia-o. Teria saudades do tio, mas não sofreria. E quando as lágrimas viessem ela seguraria naquela velha pétala e lembrar-se-ia.

Tudo muda exceto a própria mudança. Tudo flui e nada permanece. Tudo se afasta e nada fica parado. Tu não consegues banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo. É na mudança que as coisas acham repouso. *

N/A: O * foi colocado no fim do parágrafo que não me pertence. Pertence a Heráclito. Espero que tenham gostado de ler, porque deu um trabalho enorme a escrever, principalmente o início e a despedida. O próximo capitulo vai demorar mais um bocado porque eu ainda não sei bem como o desenrolar.


É só. Obrigado a todos. =P

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