A emboscada fatal



O VENTO SOPRAVA RUIDOSAMENTE no alto do platô, assemelhando-se ao som característico de um lobo uivando ao longe. Em conseqüência da intensa ação eólia, uma enorme formação de nuvens deslocou-se lentamente no céu, encobrindo a Lua quase cheia e lançando a estreita estradinha de terra batida, que levava ao palco milenar de ritos e sacrifícios, na mais profunda escuridão.

— Apague isto, Ronald! – sussurrou Hermione, segurando a mão que o rapaz acabara de erguer sobre a cabeça, após ter acendido a ponta de sua varinha visando iluminar o seu caminho – Não podemos chamar a atenção!

— Ah, tá bom! Mas, tenha calma! Quase arrancou meu braço! – disse ele, esfregando com uma das mãos o local que a garota havia agarrado.

Ela andava lado a lado com ele, mas de tempos em tempos se voltava para observar Harry e Gina, que os seguiam vários passos atrás, muito próximos um ao outro, de vez em quando a menina fazia pequenos gestos com sua varinha que o rapaz procurava imitar.

— Acabou mesmo? – continuou o ruivo.

— Hã? O que disse? – ela perguntou distraidamente, enquanto relutava em abandonar o olhar do casal logo atrás para encará-lo.

— Entre nós, Mione... acabou tudo... mesmo?

— Isso não é hora para conversarmos sobre...

— Eu quero saber se acabou tudo entre nós, Mione! – disse resoluto, segurando, ele agora, a mão da garota com força.

— O que é que você acha, Ronald? Você não dá tanto valor à amizade da sua amiguinha...

— Não é esse o motivo realmente, não é Mione! – ele disse, largando a mão dela bruscamente e voltando o olhar duro e frio para a dupla que os seguia.

Ela não respondeu, abaixou a cabeça e sentiu o rosto queimar, sem saber exatamente o porquê. Deu uma graciosa série de pequenos saltos e adiantou-se um pouco à frente na estrada. Mais atrás, o bruxo da cicatriz parecia satisfeito com o breve treinamento que realizara com a esperta menina.

— Isso é o bastante, Gina: acho que já peguei o jeito!

— Mas... acho melhor que não o use, Harry! É bastante complicado para ser usado sem o devido treino, além do mais... pode ser uma faca de dois gumes.

— Não se usada como elemento surpresa! Não acredito que Vold... – interrompeu a frase ao meio ao ouvir, vindo do alto, o som de uma nota musical particularmente conhecida.

Ergueu os olhos para o negrume do céu e observou, logo acima de sua cabeça, caindo graciosamente em pequenas parábolas no ar, uma longa pena vermelha.

— Um sinal! – ele exclamou, apanhando-a com uma das mãos no alto.

— Fawkes! – constatou a ruiva.

— Hermione! Hermione! – o garoto chamou, sem altear muito a voz, e iniciando uma breve carreira para alcançar a menina, que seguia bem à frente de Rony.

— Que foi? – disse ela ao sentir seu braço seguro pelo bruxo, os irmãos Weasley já os alcançavam.

— Emboscada! – ele limitou-se a dizer, alcançando a borda da estrada, se agachando e, com isso, trazendo a bruxinha junto a si.

— Como sabe? – perguntou Rony que, juntamente da irmã, também procurava se abrigar em local menos visível, enquanto observava com um misto de espanto e compreensão, a pena que o outro lhe mostrava apertada entre os dedos.

Poucas dezenas de metros acima, no final do aclive, escondido atrás da primeira das formações rochosas que compunham o circulo de pedra dos druidas, a figura enigmática e tenebrosa de Severo Snape observava o fim da estrada que desembocava na entrada do platô, quando um pequeno movimento no topo do bloco de pedra chamou sua atenção. Ele ergueu os olhos e deparou com o olhar firme e altivo da fênix a mirá-lo, impassível e tranqüila, a sombra de um sorriso passou rapidamente pela fronte do bruxo, não acostumada com este tipo de emoção, e retornou sua atenção novamente para a estrada, deixando escapar agora uma reservada e contida expressão de satisfação.

* * *


— Draco! Odeio ter que dizer isto... mas, não creio que possamos confiar em Severo! – a mulher apertou o braço do filho contra seu peito, a angustia e o desespero começando a tomar conta de seu rosto.

— E confiaremos em quem? No Ministro? No Potter? No Você-Sabe-Quem? – irritou-se o rapaz, mãe e filho estavam parados bem à frente do grandioso arco de pedras sobrepostas, oferecidos como isca viva.

— Não o mencione, filho! Ele pode ouvi-lo! – disse a bruxa, colocando a mão sobre a boca do garoto.

— Acha que ele não sabe o que você pensa, mãe? Mesmo o Snape... acha que ele é capaz de esconder suas intenções do mestre? – respondeu ele, mas já sem tanta arrogância, seu olhar se voltava para o chão batido.

A mulher abraçou-se ao filho, o rosto sofrido, porém impassível, apesar de grossas lágrimas escorrerem pelo seu rosto de mármore.

Uma brecha nas nuvens logo acima, deixou uma nesga de luar iluminar a clareira formada entre as rochas logo à frente deles, os permitindo observar uma figura solitária que se aproximava.

— Malfoy! É você? – ouviram a voz de Harry ecoando no vazio escuro ao seu redor.

— Potter? – admirou-se Draco, como que não acreditando que o seu desafeto tivesse realmente vindo em seu socorro – Que idiota!

— Venha Draco! – chamou Narcisa, puxando-o pelo braço – É a nossa deixa!

Os dois se arremessaram decididos em direção ao vão existente abaixo do grosseiro arco de pedra bruta, Draco ainda olhou por sobre o ombro, talvez pensando em esboçar alguma ação fora do contexto, mas tão logo a dupla havia atravessado a soleira da passagem, sumiram instantaneamente no ar, sem deixar vestígios.

O-Menino-Que-Sobreviveu avançou correndo na direção em que os dois corpos haviam se dispersado, e parou por um instante à frente da passagem, analisando sua próxima ação.

— Harry, não! Não atravesse! – ouviu a voz de Hermione alertá-lo um pouco mais atrás, porém sua imagem não estava visível.

Um raio de luz verde atravessou a clareira na direção da voz da garota, vindo de trás de um amontoado de rochas no lado oposto, e explodiu contra o paredão de rocha nua, soltando uma espessa nuvem de poeira que baixou sobre o corpo da bruxinha, desfazendo a proteção criada pelo feitiço da desilusão.

Quase ao lado de Amico, que deixara de acertar a garota com a maldição da morte por muito pouco, Rony revelou-se sob a capa da invisibilidade, que também escondia sua irmãzinha, e apontou sua varinha para o comensal da morte:

Estupefaça!

O feixe de luz vermelha atingiu a lateral do homem, desequilibrando-o e fazendo-o cair de borco ao chão, completamente fora de ação. Porém, quase que na seqüência, um novo jato de luz rasgou o ar, vindo agora da varinha de Aleto, que surgiu um pouco mais além, entre Harry e Hermione, atingindo o ruivo no peito, varando-o de lado a lado, com violência, e deixando-o momentaneamente suspenso no ar, antes de cair imóvel no solo. Gina soltou um grito agudo ao ver o irmão desabando, completamente inerte, tendo avançado um passo para tentar ampará-lo, inutilmente.

Avada Kedavra! – a voz soou firme às costas de Gina, e o novo raio de cor verde passou a poucos centímetros da cabeça da ruivinha, chegando a lhe assoprar os cabelos, e foi alojar-se, ao extremo oposto, no coração de Aleto, a irmã do bruxo rude que havia sido abatido há pouco, tendo esta tombado para trás num baque surdo: os olhos abertos e sem vida.

Sectumsempra! – o feitiço de Harry também passou muito próximo a Gina, mas tinha o endereço certo de Snape, o idealizador da maldição da morte que vitimara a comensal, indevidamente talvez, mas com um gesto rápido com o braço, fazendo um arco com sua capa, o bruxo desapareceu no ar.

Hermione, já completamente visível, correu em direção aos irmãos Weasley com a varinha em punho, olhando em todas as direções, procurando novos focos de ataque.

— Rony! – gritou ela, ajoelhando-se ao lado da amiga, que amparava a cabeça do rapaz, em silencio e muito pálida.

— Como ele está? – Harry também se juntou aos outros, girando freneticamente em torno do próprio corpo,com a varinha pronta a disparar ao menor movimento hostil.

— A-acho que ele e-está... a-acho que e-ele está... – choramingou Gina, levantando os olhos em direção ao garoto da cicatriz.

— Nãããoooo!!! – gritou Hermione, debruçando-se sobre o peito chamuscado e rígido do bruxo.

— Vamos manter a calma! – disse Harry firmemente, passando uma das mãos pela garganta do amigo, tentando verificar se tinha pulso – É o mesmo feitiço com que te atingiram no Ministério, Mione: eu reconheci. Talvez ele tenha alguma chance, se receber os cuidados necessários rapidamente! – ele completou, ainda olhando nervosamente em todas as direções.

— E como é que nós... – começou a garota, contendo-se e se esforçando para recuperar o controle, mas foi interrompida por um chamado decidido do outro.

— Fawkes!

A fênix materializou-se repentinamente à frente deles, pousando sobre os ombros do rapaz desfalecido na horizontal.

— Gina, Fawkes pode levar vocês dois até o... – começou Harry.

— Você vai ter que me estuporar pra me tirar daqui, Harry! – disse a menina com convicção, interrompendo-o, o olhar frio e duro.

O “eleito” a observou rapidamente e constatou que sua idéia era uma causa perdida, então se voltou para a fênix e disse, pausadamente:

— Leve o Rony para A Toca... os pais dele saberão o que fazer... – mal havia terminado de falar e a magnífica ave, após prender suas garras nas vestes do rapaz, desapareceu no ar em um tom do diapasão, juntamente com o garoto que fora abatido.

Harry voltou seu olhar para a passagem por onde mãe e filho haviam desaparecido, considerando suas possibilidades.

— É isso que ele quer que você faça, Harry! – sussurrou Hermione ao seu ouvido, uma das mãos pousada em seu ombro – Quando você parou à frente do arco, ao invés de seguí-los, foi que os comensais atacaram!

— E o maldito do Snape quase matou a Gina, mas seu erro vitimou sua colega comensal! – respondeu Harry, os olhos brilhando de ódio.

— É possível... é possível... – limitou-se a dizer a garota.

— O que é aquilo afinal? – questionou Gina – Onde os dois foram parar?

— Podem estar em qualquer lugar! – argumentou Hermione – Deve ser uma espécie de portal... e vai nos levar exatamente pra onde Voldemort desejar!

— Então não vamos deixá-lo esperando! – disse Harry, levantando-se resoluto e dirigindo-se para o local em que os Malfoy haviam sumido.

Hermione e Gina o acompanharam uma de cada lado, a ruiva com o olhar determinado e enfurecido, a outra um pouco temerosa, aparentemente lutando para expulsar o desejo de choro que de tempos em tempos se desenhava em sua face.

— Bem... vamos no ... três! – disse Harry, empunhando a varinha em riste e tomando impulso para atirar-se contra o portal.

As duas concordaram silenciosamente, com um gesto de cabeça.

— Um... dois... três! – eles iniciaram uma pequena carreira e, quando se encontravam a poucos passos da travessia, um estalo seco se fez ouvir.

CRAQUE! – a criaturazinha esverdeada, trajada com um pequeno vestido vermelho e um grande laço amarelo preso à cabeça, surgiu do nada, bem à frente da caçulinha Weasley, agarrando-a pela cintura enquanto essa ainda se mantinha no ar, entre um passo e outro, e desapareceram juntas, tão rápida e inusitadamente quanto a própria aparição do elfo.

Harry e Hermione se arremessaram, na seqüência, somente os dois, na passagem entre as pedras e sumiram no ar.

* * *


O céu estava límpido, e um impressionante amontoado de estrelas povoava o céu, centrado pela presença majestosa da lua que, quase em seu formato completo, iluminava a planície árida e de inúmeras e ímpares formações rochosas, na região das Bálcãs. Um vulto caminhava lenta e imponentemente em direção ao casal de bruxos que ainda se mantinha ajoelhado ao chão, após a incrível viagem realizada desde a passagem em Stonehenge.

— Ora, ora, ora! – a voz gelada e sarcástica de Lord Voldemort cortou o silencio da noite, observando do alto de sua postura, a dupla ariana postada à sua frente.

— Mestre! Nós cumprimos o combinado, deixe-nos ir... por favor! – implorou Narcisa Malfoy, mantendo seus braços ao redor dos ombros do filho, como a protegê-lo.

— Cisa, minha querida! Sabe que jamais faria algo para prejudicar alguém de sua inútil família... na verdade, podem ir... eu mesmo os despacharia... se minha varinha funcionasse aqui... magia não tem utilidade neste lugar, Cisa! Mas você descobrirá isso com mais propriedade, quando sua anfitriã os encontrar, em breve.

Um guincho agudo ecoou pelo ar, vindo do alto do pequeno monte que se formava ao centro da paisagem.

— S-sem magia? – esganiçou-se a mulher com os olhos esbugalhados – Draco, vamos! Temos de fugira antes que a criatura nos encontre!

— Sim... façam isso! – disse o Lord das Trevas, com a voz entediada – Mas não atrapalhem a captura do Potter, ou eu voltarei atrás e lhes darei uma morte lenta e dolorosa.

Mãe e filho deram as costas ao seu senhor e dispararam em desabalada carreira na direção oposta aos gritos da criatura, olhando sobre os ombros alguns passos à frente, apenas para se certificarem que o monstro ainda não os teria localizado.

* * *


— Winky! O que.. o que... por Merlin... o que pensa que está fazendo? – Gina estava incrédula, observava o elfo que torcia a barra das saias com as duas mãos, a cabeça baixa e as orelhas caídas sobre o peito.

— O mestre Harry Potter mandou, minha senhora! Foi a primeira ordem que o mestre deu para Winky, foi sim! O mestre disse: “Se um dia a menina Gina correr perigo, traga ela pra cá!” – a vozinha estridente da criatura saía entre soluços, mas ela não ousava encarar sua ama.

Gina olhou rapidamente ao seu redor, apenas para comprovar que se encontrava no Monte dos Imortais, defronte ao livro de Gryffindor.

— Pois bem, Winky! Agora sou eu quem lhe ordeno: me leve de volta! – ela se encontrava no limite de sua paciência.

— Winky não pode, menina Gina... Winky não pode desobedecer a ordem do mestre Harry Potter!

— Tá, tá, tá! – explodiu a menina – Eu irei sozinha, então... Fawkes abrirá a passagem pra mim!

— A fênix não virá, minha senhora... ela está com o Weasley de Harry Potter... ela cuida dele, cuida sim!

A garota ficou sem ação por um instante, sabia que o elfo tinha razão, mas estava decidida a retornar para o lado de seus amigos: não queria perder a batalha final!

— Eu vou aparatar, então... sei como se faz... já andei treinando um pouco... – ela agora falava consigo mesma em voz alta – É só me concentrar no local que a Mione nos levou...

— Winky não vai deixar, minha senhora! Winky não pode deixar a senhora de Harry Potter voltar para o perigo! Winky usa magia anti-aparatação na montanha!

A vontade da ruivinha era a de estrangular a criaturazinha, ela cerrou os dois punhos, deixou os braços esticados ao longo do corpo e passou a andar em círculos, se remoendo e praguejando em voz baixa, Winky continuava sem encará-la, encolhida a um canto. Então, repentinamente a menina parou sobre seus passos com um brilho intenso no rosto: tinha tido uma idéia!

— Dobby! – gritou ela.

CRAQUE!

— Sim, menina Weasley, Dobby está aqui! – disse o elfo tão logo desaparatara, em meio a uma exagerada reverência.

— Dobby! – a menina correu em direção ao elfo e o abraçou – Dobby, eu preciso de um favor seu... você não me negaria nada... negaria? – disse a esperta menina com um beicinho e grandes olhos.

— O que a menina Weasley pedir! – respondeu ele com um olhar de canto de olho para Winky, talvez imaginando o motivo da bruxinha não ter pedido à ela.

— Ótimo! – disse ela levantando-se com um sorriso e ajeitando as vestes para aparatar – Quero que me leve até onde estão Harry e Hermione!

— Menos isso... – disse Dobby, suas orelhas começando a murchar – ...porque Dobby não sabe onde o Harry Potter está!

— Ah! – ela respondeu, desconcertada – Tudo bem... só me leve pra fora daqui... depois darei um jeito da aparatar pra lá...

— Isso... Dobby também não pode fazer! – disse girando em torno do próprio corpo e olhando para o alto à sua volta – Tem um encantamento de Winky na montanha... que Dobby não pode quebrar... não pode não!

— Droga! – gritou a menina, batendo os pés com força no chão e, sentando-se nos degraus do pedestal que abrigava o grandioso compêndio de Godric, pôs-se a chorar.

* * *


Harry e Hermione aterrissaram no pequeno trecho descampado que precedia a erupção de rocha que abrigava a toca do temível monstro e, tão logo se puseram de pé, o bruxo agarrou a garota pelo braço e a puxou para trás de um rochedo saliente, ocultando os dois da reveladora luz da lua.

— Você viu, Harry? A Gina... a Winky... – a jovem tinha uma expressão amedrontada no rosto e mantinha sua varinha em riste, apertando-a com tanta força em sua mão que seus dedos chegavam a lhe doer.

— Vi sim! Mas, não se preocupe... ela estará bem! Agora somos só nós dois... lamento, Mione!

Ela balançou a cabeça negativamente, mas não lhe respondeu: seu olhar varria a estrelas, com um certo ar de preocupação.

— Harry! Essas constelações estão dispostas de modo estranho! Devemos ter viajado uma grande distância... podemos estar em qualquer lugar!

— Isso também não importa! Não temos que nos preocupar em como vamos fazer para voltar, e sim em conseguirmos sair daqui vivos!

Nesse momento, uma voz fria soou ao longe, repercutindo com seus ecos pela paisagem silenciosa e deserta, congelando momentaneamente o coração dos dois jovens bruxos.

“Harry! Harry Potter! Sei que você está aí! Sinto sua presença! E você sente a minha, suponho... na cicatriz que lhe fiz... não é?”.

— Voldemort! – sussurrou O-Menino-Que-Sobreviveu.

— N-não r-responde... H-harry... n-não r-responde... – Harry sentiu as unhas da amiga se cravarem na carne de seu braço, ela estava quase em estado de choque, a presença maligna daquela criatura, tão temida por todos os bruxos, e a uma distância tão pequena, era uma razão mais que justa para o seu estado.

— Tenha calma, Mione! – disse ele, livrando-se gentilmente daquele aperto – Não se preocupe, não vou deixar que nada lhe aconteça! – e tomando o rosto da bruxinha com as duas mãos, depositou-lhe um carinhoso beijo na testa.

Aquela demonstração de afeto e proteção surtiu o efeito desejado: Hermione atirou-se em seu pescoço, o abraçando com intensidade, sussurrou com os lábios colados em seu ouvido.

— Não estou preocupada, Harry, estou com você!

Aquelas palavras tiveram uma conseqüência extraordinária no jovem bruxo: por uma estranha coincidência, eram as mesmas palavras com que, há quase um ano atrás, Alvo Dumbledore havia lhe confiado sua própria vida, enquanto era resgatado por ele da caverna da falsa horcrux. O passado retornou rápido e passou defronte de seus olhos: naquela oportunidade, ele não pudera fazer nada para salvar seu amigo e mentor, e pagou por isso assistindo ao bruxo mais poderoso que já conhecera ser assassinado friamente. Não! Ele não repetiria o mesmo erro com Hermione! Ele a protegeria com a sua própria vida e a levaria de volta e em segurança, após ter derrotado o odiado Lord das Trevas!

“Não adianta se esconder, Harry! Se eu não te achar, minha amiga Esteno te encontrará! Você não pode escapar dela!” – a voz abominável soava mais perto.

— Esteno! – murmurou a garota – Eu estava certa, Harry: é uma górgona! – o rosto dela começava a retomar à cor normal, ela retomava o controle sobre seu corpo, e sua inteligência voltava a dar sinais de quem era aquela garota: Hermione Granger!

— Não adianta ficarmos só nos escondendo... uma hora seremos encurralados! Temos que bolar um plano de ataque... vamos nos separar... deixar ele entre duas varinhas! – disse Harry, apontando para uma outra rocha a uns dez metros, fazendo menção de se deslocar até lá.

Hermione fez novamente uma expressão de choro, mas mordeu o lábio para se controlar, respirou fundo e balançou a cabeça positivamente. Harry esfregou a mão carinhosamente nos cabelos da outra, numa forma de incentivo e, após esmiuçar o olhar em todas as direções, atravessou o espaço à frente em uma carreira e escondeu-se atrás da outra rocha.

“Ah, Harry! Uma coisinha que esqueci de lhe dizer: instrumentos mágicos não funcionam neste lugar... nossas varinhas são inúteis!” – a voz soou, desta vez, logo atrás da proteção de pedra em que Hermione se encontrava. Harry a viu agachar-se a um canto, tentando esconder-se do bruxo que se aproximava, ele tentou um feitiço simples com a varinha e, para seu desespero, constatou que Voldemort havia dito a verdade: a magia era inútil!

— Então está me dizendo que a sua górgona não lhe obedece? – ele gritou essas palavras enquanto dava a volta na rocha: foi a única maneira que encontrou para desviar a atenção para ele, deixando Hermione em momentânea segurança – Não creio que ela lhe seja fiel, sem magia negra para controlá-la!

Mal ele acabara de dizer aquelas palavras e se ouviu o guincho horripilante da criatura alada, acompanhada pelo som de suas asas batendo naquela direção: era isso que Voldemort desejava – que a besta se orientasse até ele pelo som de sua voz!

“Existem outras maneiras de se demonstrar a nossa superioridade, Harry! Você deveria saber disso, pois sei que também é ofideoglota!” – sua estratégia tivera êxito, a voz do Lord das Trevas se afastava do ponto em que Hermione se encontrava e se aproximava do esconderijo de Harry.

— Neste caso, eu também posso tentar falar com as serpentes da cabeça de sua “amiga”! – ele gritou, enquanto corria para uma outra formação rochosa, distanciando-se cada vez mais do primeiro esconderijo em que se abrigara. O bater de asas havia cessado: a górgona provavelmente pousara nalgum lugar, e estava perto.

— Falar com ela não lhe será suficiente, Harry! Você teria que barganhar, e não acredito que tenha uma proposta melhor que a minha para oferecer! – a voz de Voldemort estava exatamente do lado oposto à estrutura rochosa que Harry se escondia, ele não podia sequer correr para outro esconderijo sem ser descoberto pelo bruxo.

Quando o garoto começava a pensar que sua situação não podia ficar pior, viu a sombra da górgona crescendo ameaçadoramente à sua frente: ela estava sobre a rocha, e tê-lo dentro do raio de alcance de sua visão era questão de segundos.

— É dessa forma que pretende me matar? – o bruxinho tentou uma última cartada, desesperado – Não confia na sua “superioridade” para me derrotar pessoalmente?

— Matar? Não, Harry! Há algum tempo que desisti do meu intento de matá-lo! – pela voz, ele havia parado do outro lado da rocha, provavelmente esperando que Esteno fizesse o trabalho sujo por ele – Você tem uma coisa muito preciosa armazenada em seu interior, e que me pertence... você sabe do que estou falando, não é mesmo, Harry? Pois eu sei que você andou destruindo alguns de meus horcruxes... então, não posso dispor desse tesouro que você carrega... você não morrerá, apenas será transformado no meu mais novo troféu, feito de rocha maciça, com uma sétima parte de minha alma cuidadosamente guardada em seu interior!

O baque surdo da monstruosa criatura pousando no chão, poucos passos à frente de Harry, foi imediatamente encoberto pelo estridente grito da besta, ela se virou lentamente, até ficar exatamente à frente do garoto: os olhos da cabeça de mulher estavam fechados, ela era guiada pelo emaranhado de serpentes que nasciam em seu couro cabeludo, se contorcendo freneticamente, literalmente como um ninho de cobras.

Mal Harry percebera que os olhos da criatura começavam a se abrir para realizarem a tarefa que lhes havia sido imposta, uma violenta pedrada atingiu em cheio sua cabeça, seguida de um grito de intenções salvadoras:

— Fuja Harry! – gritou Hermione, que avançara silenciosamente até o local onde se desenrolava a cena e, após atingir uma segunda pedrada na górgona, ela se virou e tentou fugir, mas o monstro girou rapidamente em torno de seu próprio corpo e atingiu a garota no peito violentamente, com sua enorme cauda, atirando-a contra o solo a vários metros adiante, onde desabou numa nuvem de poeira, ferida e desfalecida.

Harry atirou-se em direção à garota, ajoelhando-se ao seu lado e amparando a sua cabeça ferida sobre seu braço. Os olhos de serpente orientaram Esteno até a posição imediatamente à frente da dupla, iniciando novamente o lento e dolorido processo de abrir seus olhos para transformar tudo que fosse vivo à sua volta, em pedra.

Harry estava encurralado, não podia fugir e abandonar a garota ali, também não havia tempo para carregá-la consigo, e magia não funcionava naquele lugar: era impossível manter o sangue frio numa situação daquelas, então ele se lembrou das palavras de Voldemort há pouco: “... instrumentos mágicos não funcionam neste lugar... nossas varinhas são inúteis!”.

Sim, mas ele havia aprendido no decorrer daquele ano que sua varinha não era estritamente necessária para executar pequenos feitiços, tendo ele mesmo aprendido a executar alguns até que complexos sem ela, então ele mirou as serpentes se movendo lentamente na cabeça do monstro, sabia que não adiantaria tentar convencer a besta valendo-se de sua habilidade na língua das cobras, mas uma outra idéia lhe veio à mente: surpreendentemente, “o Eleito” desabou inerte sobre o corpo de Hermione.

Seu pensamento, sua vontade, sua essência, haviam abandonado seu corpo, viajado a muito custo aquela pequena distância que os separava, e agora habitavam as diversas cabeças de serpente que controlavam e orientavam a horrenda górgona, unindo-as num único e verdadeiro desejo: voltar-se contra seu amo mais recente e... destruir Lord Voldemort.

O animal suspendeu seus movimentos por um breve instante, aparentemente procurando se habituar àquela sensação repentina, Harry percebia que no íntimo aquele era o verdadeiro desejo da fera, e que só estava contido pelas promessas que o bruxo das trevas lhe havia feito desde que a libertara do longo confinamento no Departamento de Mistérios, então fechou novamente os olhos que se encontravam semicerrados e, realizando meia volta, soltou um horripilante guincho e se dirigiu em direção à rocha onde o Lord das Trevas se ocultava.

A exemplo das vezes que treinara aquele encantamento com cobras no Monte dos Imortais, Harry não podia visualizar com perfeição as imagens que o animal detectava em sua mente por intermédio de seus olhos, ele apenas captava alguns breves lampejos de imagens borradas e difusas, enquanto se concentrava constantemente em introduzir no pensamento da criatura aquele desejo mórbido de destruição de Voldemort.

Nessa espécie de transe, o bruxinho percebeu passar pela sua mente a imagem odiosa do Lord das Trevas, ele tentava conversar com a criatura em língua de cobra, logo em seguida percebeu que as serpentes que ele controlava na cabeça do monstro orientavam que este abrisse seus olhos mortais, em seguida notou que o bruxo atirava-se contra uma passagem aberta no nada, como uma espécie de abertura mágica e, de dentro daquele buraco no espaço, que se fechava lentamente, começou a crescer um jorro de luz verde, mas sua textura e intensidade eram muito mais ameaçadoras que a maldição da morte, Harry sabia que o feitiço era fatal, e procurou o mais rápido possível desfazer aquela ligação e retornar para seu corpo.

O corpo de Hermione estava quente e, o rosto de Harry apoiado sobre o peito dela percebia a respiração fraca que sacudia seu corpo quase que imperceptivelmente. Ele levantou sua cabeça e, lembrando-se da cena que acabara de presenciar, mas terrivelmente preocupado com o estado da garota, chamou em alto e bom tom:

— Dobby!

Em nenhuma das vezes anteriores em que convocara o amigo elfo, ele demorara tanto para atendê-lo como dessa vez, talvez por que os segundos parecessem eternos pela urgência que ele tinha, talvez pela grande distância que eles provavelmente se encontravam, mas em qualquer uma dessas situações, nunca o “craque” de sua presença se materializando fora tão esperada.

— Mestre Harry Potter, o mestre cha...

— Dobby! Leve Hermione para A Toca rápido... ela precisa de cuidados urgentemente! – ele interrompeu o ser mágico e, levantando-se de um salto, saiu correndo na direção que sabia que havia ocorrido o encontro entre Voldemort e Esteno.

Logo após dobrar o contorno da rocha que o Lord das Trevas utilizara para se ocultar enquanto a górgona enfrentava a ele e Hermione, ele deparou com o amontoado de uma espécie de magma negra, ainda fumegando no chão árido. O jovem saltou ligeiro por sobre aquilo que teria sido Esteno, pois vira a fenda suspensa no ar logo à sua frente, e que devia ter apenas o tamanho de uma das travessas de prata usadas nos banquetes de Hogwarts e, sem vacilar por um segundo que fosse, atirou-se de cabeça naquela minúscula passagem, desaparecendo por completo no ar, poucos segundos antes que a abertura se fechasse completamente.






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