A batalha do lago



O GÉLIDO VENTO NOTURNO, QUE VARRIA FORTEMENTE o topo da Torre de Astronomia, havia deixado o jovem bruxo com o rosto e mãos ligeiramente adormecidos, apesar do curto período de tempo que permanecera em contato com a onipresente força da natureza, mas, mesmo assim, ao tocar, com a palma de sua mão, o ombro daquela estranha figura que se encontrava postada à beira da marquise, dando-lhe as costas, pode perceber que a mesma não sentira o efeito do frio daquela época no ano, na verdade, aquele corpo encontrava-se absurdamente quente, literalmente suando em bicas, como se ardesse em febre.
Então, em resposta àquele inconsciente toque, o vulto voltou-se bruscamente em sua direção, o rosto, ligeiramente avermelhado, parcialmente escondido pelos fartos e belos cabelos cor de ébano que, agora com o vento a favor, lhe cobriam parte da face, onde os olhos arregalados, com um misto de dor e pânico se dirigiam não em direção ao rapaz, mas como se procurassem algo através dele, fitando o infinito às suas costas.
— POR QUE NÃO ME DEIXAM EM PAZ? DEIXEM-ME EM PAZ! – gritou a menina a plenos pulmões, ao mesmo tempo em que jogava todo o peso de seu corpo, em seus braços estendidos, contra o peito do aturdido rapaz que, por já se encontrar bastante entorpecido pelo efeito daquele misterioso perfume que dominava completamente seus movimentos, desabou estrondosamente sobre o piso de pedra, enquanto a menina avançava em direção à porta de acesso do mirante e descia os degraus da escada tão rápido quanto seus pés lhe permitiam, deixando sua suposta presa, ainda meio embriagada, caída ao chão.
Segundos depois, como se apenas aguardasse o desfecho em que aquele inusitado encontro pudesse resultar, uma nova personagem se materializou ao lado da passagem pela qual a estranha garota acabara de se atirar. O vulto, todo coberto por um manto negro que lhe escondia até a cabeça, aproximou-se do corpo grogue estirado ao chão e, sacando da varinha que trazia guardada sob as vestes, apontou-a lentamente em direção ao peito do desprotegido garoto. Neste momento uma rajada mais forte de vento arrancou-lhe parcialmente o capuz, deixando um pequeno tufo de cabelos cor-de-chiclete escaparem ao léu.


Relembrando seus já passados tempos de aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Harry Potter acordou em um dos leitos da enfermaria do castelo e imediatamente procurou por seus óculos na mesinha de cabeceira, porém, ao coloca-los e inspecionar o ambiente ao seu redor, não era Madame Pomfrey ou algum de seus colegas de Grifinória quem o velava, como de costume, e sim a própria diretora da entidade: Minerva McGonagall.
— Sr. Potter! – a bruxa foi logo dizendo, mal o rapaz se dera conta de onde se encontrava – É inadmissível que estes fatos tornem a ocorrer em Hogwarts, depois de tudo que aconteceu no passado!
O rapaz olhava aturdido para a mulher à sua frente, tentando decifrar o que significavam aquelas palavras, enquanto ela seguia em seu discurso:
— Pensei que estes fatos não mais ocorreriam aqui, que a segurança haveria de alcançar um grau mais elevado... – neste instante ela já falava para si própria, como se o paciente à sua frente fosse um mero espectador, dentre tantos outros, que assistissem a um monólogo– ... não posso permitir que algum aluno, ou qualquer outra pessoa que seja, tenha sua integridade ameaçada ...
— O que aconteceu? – interrompeu-a, enquanto levantava-se da cama – O que foi que eu fiz?
— Nada! – respondeu-lhe após um instante de reflexão, exibindo um sorriso de compreensão – Na verdade, você foi a vítima! E é culpa minha que a sua segurança tenha sido ameaçada bem debaixo do meu...
— E aí Harry! Está melhor? – a estrondosa entrada de Tonks no recinto interrompeu a frase da animaga.
— Tonks! O que houve? – continuou o menino – Eu não sei...
— Harry! – a voz de Gina soou logo atrás da bruxa auror, enquanto avançava rapidamente, enfermaria adentro, em direção ao rapaz, parando bruscamente a poucos centímetros deste, aparentemente lembrando-se que a relação dos dois continuava sendo um segredo – Que bom que está melhor! – disfarçou.
— Alguém pode me dizer o que está acontecendo? – insistiu o desinformado paciente.
— Feitiço interessante, este que aquela garota lançou em você! – argumentou Tonks – Não se lembra de nada?
Diante da negativa do jovem, a diretora, aparentemente recuperada do chilique anterior, explicou:
— Na verdade trata-se de uma poção bastante incomum, que imita o efeito da Maldição Impérius, e que não age ao ser ingerida, e sim ao ser inalada, disfarçada em perfume!
— Bem típico de franceses! – observou Tonks com certa ingenuidade.
— Vocês estão falando da Michelle? – perguntou Harry.
— É claro que só podia ser aquela maluca! – desdenhou a ruivinha, enciumada – Depois de te largar todo grogue no alto da Torre de Astronomia, ela correu para o banheiro feminino e, imagine só... – fez um gesto com a mão espalmada em direção à própria testa –... cortou os próprios cabelos... com uma faca... todinho! Ela é doidinha de pedra! – concluiu, sob um olhar reprovador de McGonagall.
— Na verdade, a menina Bentley está passando por um momento singular e muito difícil em sua vida. – explicou a ex-professora de Transfiguração – Ela ainda está se recuperando de uma tragédia na família e, com toda certeza, isto influenciou no seu comportamento. Mas, agora, ela está sob os cuidados de Olímpia e acredito que, assim que se recuperar, poderá voltar ao convívio dos demais e tudo retornará à normalidade. – concluiu a velha bruxa, dando um breve suspiro e, como se lembrasse, momentaneamente, de um outro fato mais importante, deixou transparecer uma expressão de quem duvidava das próprias palavras e, visivelmente perturbada, retirou-se da enfermaria, despedindo-se rapidamente.
— O que aconteceu com ela? – indagou o rapaz, estranhando a atitude de sua superior.
As outras duas trocaram, entre si, um longo olhar de preocupação e, como Harry continuasse a alternar o olhar entre uma e outra, aguardando uma resposta à sua pergunta, Tonks resolveu quebrar o silêncio:
— Você-Sabe-Quem atacou novamente! Desta vez sua ação foi terrível: o Ministro da Magia foi assassinado e o edifício do Ministério está sob controle dos Comensais da Morte, aparentemente auxiliados por... – seu olhar pairou sob a menina Weasley, que fitava seus próprios pés com grande interesse.
— Quem? – insistiu o bruxo, visivelmente perturbado pela notícia.
— Percy! – respondeu Gina.
— O Percy? Você deve estar brincando! – retrucou Harry, segurando a menina pelos dois ombros e chacoalhando-a para que os olhos dela se desviassem para os seus.
— Meus pais estão arrasados... – choramingou a pequena, balançando a cabeça negativamente.
— Fique calma! – disse afetivamente, envolvendo-a em um carinhoso abraço – Tenho certeza que isto não passa de um mal-entendido, logo tudo se esclarecerá.
E, sem perceber o olhar curioso que a metamorfamaga lançava ao casal, aproximou os lábios da testa da fragilizada garota e depositou-lhe um longo e terno beijo.
— Mas... contem-me exatamente o que aconteceu entre eu e a Michelle... – disse em seguida, percebendo a situação, enquanto se afastava docilmente da menina.
— Rony e Gina não ficaram convencidos com o teste feito em você pelo Longbottom e, antes de irem para o dormitório, me procuraram, uma vez que era o meu turno na vigilância do castelo. – explanou Tonks.
— Apesar do Neville ter comprovado que você não estava possuído pela Impérius, nós percebemos que a sua atitude não era normal. – observou Gina.
— Então... a Mione... – começou o rapaz.
— Ela está inconsolável! – comentou a menina, sentando-se no leito que Harry havia ocupado.
— Pois bem... – continuou a Auror –...então me posicionei num local em que tivesse visão de qualquer movimento proveniente das masmorras do castelo, me ocultando com o feitiço da desilusão...
— Foi quando ela te viu indo para a Torre de Astronomia e o seguiu! – interrompeu novamente a espevitada menina, enquanto observava o garoto calçar seus sapatos e vestir seu pulôver.
— Por que ela terá escolhido justamente este lugar? E o que ela realmente pretendia? – considerou o bruxo, com seus botões.
— Então... – prosseguiu a moça de cabelos cor-de-chiclete –...quando os encontrei no mirante, me preparei para o pior, mas como ela somente o empurrou e saiu correndo, eu apenas verifiquei o que estava acontecendo com você... e te trouxe para cá. – sorriu, satisfeita por ter conseguido terminar de contar a estória
— Eu acho que deveríamos usar a poção do Neville nela... – sugeriu Gina, baixando a voz e inclinando a cabeça em direção ao rapaz –...mesmo que ela tenha sofrido tudo aquilo que a McGonagall disse, isto não justifica ela ter escolhido logo você para a sua crise de loucura... é muita coincidência, não acha?
— Eu concordo! – disse a outra bruxa que ouvia a conversa distraidamente, enquanto olhava preocupada pela janela.
— E o Lupin? Está sendo organizada alguma resistência pela Ordem da Fênix, no caso do Ministério? – quis informar-se Harry, percebendo a preocupação da amiga.
— Ele está bem! – respondeu com um sorriso de agradecimento – A Ordem e o Departamento de Aurores estão unidos na proteção de pontos estratégicos, como o Hospital Saint Mungus, Azkaban, alguns estabelecimentos do Beco Diagonal e... Hogwarts.
— Harry! – a voz de Hermione soou alta no recinto, enquanto corria em direção ao amigo e se pendurava a seu pescoço, num forte abraço – Graças a Merlin, você está bem!
— E aí cara! Está pronto pra’ outra? – Rony que seguia logo atrás da outra visitante, tentou mostrar entusiasmo, mas sua fisionomia demonstrava que ele se encontrava extremamente abatido.
— Estou bem, estou bem! – respondeu aos dois, enquanto afastava delicadamente o rosto da amiga para fitá-la, mas, percebendo que os olhos da mesma encontravam-se inundados em lágrimas, aconchegou-a novamente em seus braços, aguardando que ela se recuperasse.
— Oh Harry, eu sinto tanto! – choramingou, lavando o pescoço do outro com suas lágrimas – Eu nunca mais...
— Não fique assim Mione! – disse a ruivinha, levantando-se de onde estava e abraçando a amiga pelas costas – Está tudo bem, não aconteceu nada! – encorajou-a.
— Mas... que povaréu é este na minha enfermaria? – disse Madame Pomfrey, que acabara de entrar no salão – Vejo que já se recuperou, Sr. Potter! Pode retornar a seus afazeres, neste caso. Nada mais tenho a fazer pelo senhor!
— E a garota? – perguntou Tonks, avançando em direção à recém-chegada.
— A Srta. Bentley está bem! – respondeu – Acabei de deixa-la nos aposentos de Olímpia Máxime, ela não se lembra de nada, mas, estranhamente, parece não se importar muito com isso.
Como a enfermeira insistisse em que o ex-paciente e seus visitantes se retirassem o mais breve possível da enfermaria, o grupinho dirigiu-se para o Salão Principal do Castelo, porém, como as aulas haviam sido suspensas naquele dia devido aos fatos ocorridos no Ministério da Magia, o mesmo se encontrava bastante concorrido e movimentado, apesar de ainda não ser horário das refeições, com os pais de alguns alunos vindo visitá-los para os tranqüilizar e, outros, tentando convence-los a retornar para casa, onde, segundo estes, haveria uma maior segurança.
— Vamos até a casa do Hagrid! – sugeriu Tonks – Temos usado o local para organizarmos a defesa da escola!
— Boa idéia! – disse Hermione, já recuperada de seu momento de fraqueza – Creio que poderá nos auxiliar a desvendar o “Caso Michelle”. – complementou, dirigindo-se à auror, ao mesmo tempo em que se dirigiam para a porta principal do castelo.
— Tudo bem, meu turno começa só à noite... e... obrigado pela confiança!
— Mione está certa. – Harry passou uma das mãos carinhosamente pelos crespos cabelos da amiga – Este é o momento de unirmos forças: Dobby! – chamou.
O elfo materializou-se instantaneamente à frente do grupo, no momento em que alcançavam a escadaria da entrada, realizando uma exagerada referência, ao mesmo tempo em que Hermione soltava um involuntário gritinho de susto.
— Dobby, encontre Luna e Neville e diga-lhes para nos encontrarem na casa de Hagrid! – ordenou.
— Este elfo também é seu? – perguntou Tonks, com inocência, enquanto Hermione prestava muita atenção à indagação da outra.
Harry respondeu com um sorriso amarelo, enquanto o ser mágico desaparatava sem emitir nenhuma palavra, então, com cada um de seus componentes preso a seus próprios pensamentos, o grupo dirigiu-se em silêncio até a choupana do meio-gigante, enquanto o sol realizava seu crepúsculo do outro lado do grande lago de Hogwarts.


Após todos os convocados para a “reunião” na casa de Hagrid estarem presentes e devidamente servidos do chá oferecido pelo anfitrião em um enorme bule de ferro, Hermione realizou uma explanação dos últimos fatos ocorridos, de forma que todos os presentes possuíssem o mesmo nível de informação.
— Pois bem! – exclamou a garota após concluir seu pequeno discurso – Agora eu acho que o Harry deve falar, como líder da AD, apesar de Hagrid e Tonks não fazerem parte deste grupo.
— Mas, nós dois pertencemos à Ordem da Fênix, e eu também sou uma auror do Ministério! – observou Tonks – E, da mesma forma que a Ordem e o Departamento de Aurores se uniram contra um inimigo comum, uma aliança semelhante pode ser formalizada aqui, com a Armada de Dumbledore.
— Concordo com você, Tonks! – disse Harry, alguns instantes após os olhares de todos terem se voltado para ele, depois da colocação da auror – Bem... – continuou visivelmente constrangido em ser o foco das atenções –...agora ...vamos analisar se realmente é necessário investigarmos a Michelle mais a fundo. Parece-me que, o que aconteceu, se tornou insignificante diante do ocorrido no Ministério.
— Não concordo com você Harry! – a voz de Gina sobressaiu-se sobre um generalizado murmúrio que se instalara entre os demais – Já tivemos experiências anteriores que comprovam que, em se tratando d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, qualquer suspeita deve ser considerada!
— Gina tem razão! – agora era Tonks quem se manifestava – Como acabei de dizer, Hogwarts é um dos possíveis alvos de Você-Sabe-Quem, e esta é a maneira como ele age: infiltrando seus asseclas entre as suas vítimas!
— Lamento muito, mas não posso continuar calado! – desta vez foi Hagrid quem se manifestou, batendo as duas mãos estrondosamente sobre a mesa e levantando-se bruscamente da cadeira em que estava instalado – O que vocês parecem não entender, é que esta menina é afilhada de Madame Máxime, e Olímpia é uma das integrantes da Ordem! É uma pessoa da mais absoluta confiança! E, se ela e a professora McGonagall dizem que o que aconteceu foi um sintoma da tragédia vivida por ela, acho que não há mais nada a ser questionado!
Instalou-se um pesado silêncio entre todos os presentes, não pelo fato da presença irada do meio-gigante colocar medo em qualquer um, mas sim pela enorme consideração e afeto que todos tinham pelo homenzarrão. Então, tímida, mas decididamente, Hermione levantou-se do lugar que ocupava em uma das enormes poltronas de seu anfitrião e dirigiu-se determinada até este e, colocando suas duas mãos carinhosamente sobre o braço do outro, disse com ternura:
— Hagrid, todos sabemos que podemos confiar em Madame Máxime de olhos fechados, mas não seria a primeira vez que alguém em quem confiamos é traído ou enganado pela pessoa mais improvável: isto aconteceu com o professor Dumbledore recentemente, e deveria servir como um alerta para todos!
Aquelas palavras surtiram o efeito desejado no grandalhão que, colocando uma das mãos sobre o rosto, deixou-se cair pesadamente na cadeira que acabara de abandonar e, apoiando-se com um cotovelo na mesa colocada à sua frente, como que para não desabar completamente com a lembrança do ocorrido com seu grande mentor e amigo, disse com a voz trêmula:
— Grande homem o Dumbledore! Mas, mesmo ele, não conseguiu enxergar as verdadeiras intenções daquele traidor do Snape! – e, dirigindo-se para os demais – Vocês tem razão: quem sou eu para dizer o que é certo ou errado... Não vou mais interferir, contem comigo para o que acharem melhor que seja feito, mas... não mentirei nem enganarei Olímpia!
— Isto não será preciso. – disse Harry que, a exemplo de Hagrid, fora voto vencido nesta questão – Basta que façamos com que Michelle beba a poção feita pelo Neville. – disse apontando para Longbottom, que concordou com a cabeça.
— Assim que ela se restabelecer, darei um jeito de me aproximar dela, e farei com que prove a poção. – ofereceu-se Gina.
— E quanto à invasão do Ministério? O que faremos? – perguntou Rony, aflito.
— Creio que isto está fora do nosso alcance. – respondeu Tonks.
— Ela tem razão! – disse Hermione aproximando-se do rapaz – A única contribuição que podemos oferecer, é defender Hogwarts.
Desapontado com a resposta, o ruivo procurou o olhar de Harry, buscando seu apoio.
— Sei como se sente. – disse-lhe o amigo – Mas não se desespere, tudo a seu tempo. – e, despedindo-se dos demais com um breve aceno de cabeça, retirou-se.


Ainda abatido, pela singular experiência experimentada devido ao poderoso efeito do perfume da ex-aluna de Beauxbatons, Harry se recolhera cedo aos seus aposentos, procurando recuperar suas forças, mas, mal amanhecera o dia seguinte, foi prematuramente acordado pela conhecida voz da ruivinha de seus sonhos, que invadira seu quarto, arrancando-o da cama.
— Ande logo, Harry! Vista-se e vamos para o salão principal: a Michelle está lá e, imagine só, está toda alegrinha, como se não tivesse acontecido nada!
— E... o que eu tenho a ver com isso? – respondeu sonolento e com mau humor – Não era você quem ia fazer ela tomar a poção?
— Acontece que eu e a Hermione achamos que será mais fácil para você... afinal... está na cara que ela está a fim de você!
O rapaz achou melhor não alimentar mais ainda aquele assunto e, minutos depois, estava adentrando ao salão principal, tendo tido o cuidado de dar algum tempo de dianteira para a caçulinha Weasley.
— Olá Harry! – disse Michelle, levantando-se da mesa da Sonserina e dirigindo-se a ele tão logo o percebera entrando – Podemos conversar por um instante? – seu sorriso era o mesmo de seus dias de bom humor, apenas a cabeça, completamente raspada, demonstrava que a cena acontecida na noite anterior realmente ocorrera.
— Tudo bem! – respondeu-lhe, apesar de já estar sendo puxado para fora pela garota que, mesmo após saírem do castelo em direção aos jardins, continuou de mãos dadas com ele.
— Harry, sei que minha atitude na outra noite foi estranha, mas lhe peço que me dê mais uma chance para nos entendermos.
— Sem problema, Michelle. Pode falar, estou ouvindo.
— Não, agora não. Vamos nos encontrar à noite, pode ser aqui mesmo, perto do lago... – e, como se uma força maior a obrigasse a se retirar dali o mais breve possível, a garota agarrou o outro pelo pescoço e depositou-lhe um forte beijo nos lábios, dando-lhe as costas logo em seguida e correndo para o castelo, enquanto gritava de longe:
— Não se esqueça, esta noite, após o jantar!
O bruxo voltou lentamente em direção à porta principal do castelo, ainda meio atordoado pelas atitudes pouco ortodoxas sempre tomadas por aquela menina, quando percebeu no topo do pequeno lance de escadas, as figura de Rony, Hermione e Gina a contemplá-lo, esta última com os braços cruzados e cara de poucos amigos: com certeza o trio presenciara a cena anterior.
— Eu... eu... não pude... foi muito rápido... e... – gaguejou ao alcançar o grupinho.
— O que ela disse? – perguntou Hermione, tentando evitar que o ocorrido tomasse uma proporção maior.
— Vamos nos encontrar na beira do lago, após o jantar!
— Mas o que esta garota tem contra a luz do dia? – questionou Rony.
— Não importa. – continuou Hermione – Isto nos dará tempo de bolarmos uma estratégia.
— Fale por vocês! – disse Gina, não conseguindo se conter – Eu tenho mais o que fazer. – e saiu correndo para o interior da construção.
— Gina, espere! – gritou o Menino-Que-Sobreviveu, tentando ir atrás dela, no que foi impedido pela amiga.
— Deixe-a ir, não temos tempo para isso! Logo ela irá recuperar a razão e virá nos procurar.


O restante da tarde e todo o período do jantar sucedeu sem que a enfezada ruivinha desse as caras pelas áreas comuns do castelo, porém, tão logo Michelle, Harry, Rony e Hermione, respectivamente, tivessem terminado suas refeições e se dirigido para os jardins, a garota juntou-se aos dois últimos, ainda emburrada:
— O que eu perdi? – perguntou, com cinismo, para os dois que haviam se escondido atrás de uma grande rocha que se destacava em meio ao caprichado gramado.
— Harry está com a poção e vai tentar convencer a Michelle a toma-la, Neville e Luna estão escondidos na casa de Hagrid caso precisemos de ajuda, Tonks está em seu turno de vigilância, mas vai ficar por perto para alguma eventualidade, e nós vamos ficar a uma pequena distância, mas sem sermos notados!
— E como vamos saber o que está acontecendo lá? Não dá pra ver nada daqui! – argumentou a enciumada menina, encarrapitada sobre a rocha, tentando decifrar as ações dos dois vultos que caminhavam ao longe, um de encontro ao outro.
— Harry deixou o Mapa do Maroto conosco! – Hermione sacudiu o pedaço de papel no ar, com uma expressão de reprimenda no rosto – Aliás, fica a seu cargo verificar no mapa o que está acontecendo lá embaixo! – completou com ar de superioridade, entregando o objeto para a outra.
“Juro solenemente não fazer nada de bom!” – murmurou a menina, sentando-se ao chão, enquanto apontava sua varinha para o pergaminho.
— Ela não parece ter bebido nada, ainda... – disse Rony, esticando o pescoço por sobre a estrutura rochosa.
— PESSOAL! TEM ALGUMA COISA MUITO ERRADA AQUI! – a voz de Gina soou desesperada.
— O que foi??? – perguntaram os outros dois em uníssono, voltando toda a sua atenção para a menina.
Levantando-se habilmente e mantendo a varinha em riste, a bruxinha esticou o braço, entregando o mapa aos outros dois, sem no entanto lhes dirigir o olhar, que permaneceu fixo no casal que se encontrava à beira do lago, enquanto se posicionava estrategicamente a um dos lados da rocha, e dizia:
— Pedro Pettigrew está aparecendo no mapa, mas não estou vendo mais ninguém lá embaixo!
— Isto não é possível! – exclamou Hermione, enquanto aproximava, exageradamente, o papel do rosto para conferir a informação – Não faz sentido!
— PEREBAS! – deduziu Rony, com os olhos arregalados e uma expressão de terror estampada no rosto – Só pode ser isto... mas não pensei que...
— Tem razão! – concordou Hermione, largando o mapa e empunhando sua varinha – Como pude ser tão idiota! O Harry nos falou da mão prateada dele e...
— Temos que desmascara-lo! – bradou Gina – Mione, procure a Tonks! Rony, me dê cobertura! – e, tão rapidamente como distribuíra estas ordens, tocou a cabeça com a própria varinha e executou o feitiço da desilusão.
Os outros dois trocaram um breve e confuso olhar e, como não houvesse tempo para pensarem em outra ação, seguiram a executar as instruções da garota.


Enquanto isso, à beira do lago, Harry tinha uma nova surpresa com o comportamento único de Michelle, que parara próxima à margem, fitando silenciosamente o espelho d'água.
— Michelle... aqui estou. O que você quer comigo? – começou o garoto, observando a jovem que permanecia imóvel, fitando o horizonte iluminado pela luz da lua.
— Tudo bem com você? – insistiu, perante o silêncio como resposta.
— Por favor... deixe-me ir embora... – murmurou a menina, entre soluços de um choro reprimido, permanecendo com as costas voltadas a seu interlocutor.
— O que aconteceu? Deixe-me ajuda-la! – disse, aproximando-se por trás da outra e segurando-lhe os ombros com ambas as mãos.
— Eu.. não quero... fazer isso... Por favor!
Sem saber o que pensar, lembrou-se repentinamente de sua missão ali e, retirando um pequeno cantil do bolso, ofereceu-o à outra:
— Tome! Beba isto... vai se sentir melhor!
— AFASTE ISSO DE MIM! – gritou ela, virando-se com violência e atingindo o recipiente na mão do rapaz com um tapa, que o atirou longe, sua fisionomia era de uma fera alucinada, pronta a destroçar sua presa.
— Mas... o que... – balbuciou o bruxo, cada vez mais desconcertado com as alterações de humor da garota.
— Logo nós iremos nos unir, e partiremos para junto dele! – o olhar da jovem se dirigiu para as águas tranqüilas do lago, a nuca calva e banhada pelo suor de uma febre repentina, fazia com que o luar se refletisse em sua cabeça – E você será obrigado a curvar-se diante do mestre!
— Michelle... eu não entendo... – mas, mal acabara de pronunciar aquelas palavras, e a garota se atirou de joelhos ao chão, as mãos segurando fortemente a própria cabeça.
— Fuja! Fuja enquanto pode! – sussurrou ela.
— Agora já chega! – explodiu Harry, sacando de sua varinha e apontando-a em direção à outra – Estou farto deste monte de baboseiras, o que significa...
— CRUCIO! – a maldição atingiu-o pelas costas, atirando-o de borco ao chão, contorcendo-se pela dor – Rápido sua imprestável... – Harry ouviu aquela conhecida e odiada voz ordenar à garota – Una-se a ele como lhe ordenei! O mestre está esperando!
No limite de suas forças, sugadas pela violenta dor que queimava todo seu corpo, o garoto ainda conseguiu virar-se de barriga para cima, confirmando com seus próprios olhos a identidade de seu atacante:
— Rabicho...
— Cale-se! – ordenou o comensal em resposta à constatação do outro, evitando, no entanto, cruzar o olhar com sua vítima – CRUCIO!
O Menino-Que-Sobreviveu contorceu-se novamente, sentindo aquela onda da mais profunda dor percorrer todo o seu corpo. Michelle levantara-se e alternava um confuso olhar entre o asqueroso animago e sua vítima, aparentemente uma outra disputa era travada em seu interior.
— PETRIFICUS TOTALUS! – o clarão proveniente do feitiço rasgou a noite e atingiu o comensal da morte em cheio, fazendo com que seu corpo petrificado desabasse sobre o tapete de relva que circundava o lago, ironicamente emparelhado ao de sua vítima, que teve sua agonia suspensa imediatamente. Gina, a autora do feitiço paralisante, materializou-se a poucos passos do rapaz que fora torturado pela Maldição Cruciatus e de seu algoz, momentaneamente petrificado.
— FUMUS PRIORI! – a voz de Michelle reboou de forma rouca e gutural, seus olhos estavam leitosos e arregalados.
— EXPELLIARMUS!
Os dois feitiços que se seguiram, ocorreram quase que simultaneamente: a inconstante Michelle, instantaneamente liberada da Maldição Impérius devido à imobilização de seu carrasco, lançou o feitiço contra o inerte bruxo das trevas, ocasionando uma grande explosão que levantou uma grossa nuvem de fumaça negra do local onde jazia o corpo do serviçal do Lord das Trevas, e Rony, que seguira no encalço da irmã caçula, não conhecendo a intenção da garota de cabeça raspada, atirou-lhe o feitiço de desarmamento, que lançou a varinha desta dentro das águas do lago, sendo, no entanto, tarde demais para o infeliz Pettigrew, após o negrume de fuligem se dissipar, nada restou que pudesse demonstrar que o corpo do bruxo ainda existisse.
Logo em seguida, com suas forças completamente esgotadas pelo excessivo esforço, a garota cambaleou ligeiramente e, ao mesmo tempo em que desmoronava desfalecida, seu corpo era providencialmente amparado pelos braços do ruivo que a desarmara. Ao mesmo tempo, a eficiente irmãzinha caçula do rapaz ajoelhava-se ao lado do não menos esgotado Harry, procurando dar-lhe algum apoio, enquanto Hagrid, Neville e Luna acudiam de um lado, atraídos pela rápida e letal troca de feitiços, e Tonks, Hermione e a própria professora McGonagall também se juntavam aos demais no local da curta batalha.

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