O pomo da discórdia



AO CAIR DA NOITE, NO APOSENTO MACABRO e sinistro que até os Comensais da Morte temiam em ser convidados a visitar, a tortura a um condenado não habitual tomava lugar:

— Crucio! – silvou o bruxo, e observou sua vítima recoberta por seus trajes negros, já de joelhos ao chão, esticar os braços com os punhos fechados e conter um espasmo de dor, sem deixar escapar nenhum ruído que demonstrasse seu infortúnio.

— Foi tão pouco o que lhe ordenei, Severo, e você fica este tempo todo fora para voltar e me dizer que não cumpriu meu desejo? Sua servidão a mim vale menos do que o sentimento que nutre por este moleque? – rosnou Lord Voldemort entre dentes, caminhando lentamente ao lado do bruxo postado ao chão e deixando sua varinha, ao longo do braço estendido, resvalar nas costas do outro, soltando pequenas fagulhas.

— O Mestre sabe que seu desejo sempre foi e sempre será a minha razão de viver! – ele abria e fechava as mãos, como que fazendo com que seu sangue voltasse a circular normalmente outra vez – Acontece que o garoto está exilado na casa, e esta se encontra protegida por magia impenetrável! Ninguém entra ou sai há muito tempo! Ele deve estar sendo mantido por elfos, que podem aparatar e desaparatar sem deixar vestígios que se possa monitorar!

— Você me decepciona! – o olhar viperino demonstrando uma profunda expressão de nojo, ao observar o, até então, seu mais fiel servo – Mas, talvez este inconveniente tenha vindo a calhar... uma nova idéia me veio à mente e, se você cumprir minhas próximas ordens à risca, talvez possamos exterminar dois fedelhos com apenas um golpe! – concluiu, enquanto realizava uma volta completa ao redor do lacaio e estancava, de costas para este.

— Dê a ordem, mestre, e eu a cumprirei! – o bruxo seboso respondeu sem tirar o olhar do piso de madeira.

— A seu tempo, Severo... a seu tempo... – respondeu em um tom maligno, enquanto alisava o queixo com a mão de longos dedos disformes e de um tom branco azulado, devido ao excessivo tempo vivido nas sombras – Nagine! – chamou, e o enorme espécime ofídeo, que descansava enrodilhado junto aos pés de uma poltrona com braços de espaldar, levantou a cabeçorra.

A ordem, fosse qual fosse, foi transmitida em linguagem de cobra, tendo a assustadora criatura deslizado silenciosamente para fora da sala, logo em seguida.

— Severo, ah, Severo! – continuou a falar normalmente outra vez – Você, como profundo estudioso, deve ter ouvido falar da lendária bruxa Éris, por certo.

— Éris, a bruxa! – respondeu Snape, levantando os olhos até a altura do peito de Voldemort – Também conhecida como a deusa Éris, na mitologia grega.

— Sim, sim, Severo! Sabia que conhecia a estória, mas o mais importante é o legado que ela nos deixou. – o outro, ainda prostrado ao chão, balançou a cabeça quase que imperceptivelmente, demonstrando sua ignorância em relação ao assunto.

— O pomo-da-discórdia, Severo! – exultou Voldemort – Um feitiço guardado a sete chaves, e que tive a oportunidade de encontrar, eternizado em um antigo livro, durante a minha última incursão ao Ministério da Magia.

Neste momento Nagine retornou à sala, sibilando alguma coisa ao seu amo e retornando à posição que ocupava anteriormente. Em sua retaguarda entrou um casal de bruxos: um homem pesadão e corpulento, que atirou-se exageradamente aos pés do Lord das Trevas, e uma mulher, com feições muito parecidas à de seu companheiro, que também se ajoelhou, levantando um objeto sobre as duas mãos em forma de concha: uma maçã dourada e que trazia a inscrição "à mais bela", gravada em sua casca.

— Ah, Aleto! Vejo que seguiu à risca as instruções do livro! – disse, enquanto a bruxa soltava uma série de risadinhas asmáticas – Você e seu irmão Amico deverão ir imediatamente até a estrada que leva de Hogwarts à Hogsmeade: tenho informações precisas de que meu futuro troféu e seu lacaios passarão por lá em breve.

— Nós os estaremos esperando, milorde! – respondeu o bruxo, com um vozeirão rouco.

— Ah! A discórdia infatigável! Então vão, meus comensais: semeiem a discórdia, confundam os sentimentos... o amor será a perdição de meus inimigos! – bradou Voldemort.

Os dois bruxos se levantaram e saíram andando para trás, sem voltar as costas para o seu mestre, então este voltou-se para Snape e ordenou:

— E, quanto a você, Severo... traga-me... Narcisa!

***


Naqueles dias, vários periódicos, como Feiticeiro’s Magazine, O Pasquim e o próprio Profeta Diário publicaram artigos sobre a misteriosa morte de Firenze, o centauro e professor de Adivinhação em Hogwarts, poucos meses após o assassinato do próprio diretor da escola, Alvo Dumbledore. Mas, desta vez não se questionou a segurança do educandário e nem uma eventual opção por seu fechamento, mas, de alguma forma, vazou a informação de que “Harry Potter – o Eleito”, como insistiam em denotar, estava presente à expedição que invadiu o coração da Floresta Proibida e retornou com esta pesarosa baixa.

Alguns jornais também realizaram uma ligação entre este fato e a recente morte de Pedro Pettigrew que, dado como morto a dezesseis anos atrás, teria forjado sua própria morte para atuar como o principal servo d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado e se infiltrado em Hogwarts para atentar contra a vida de Harry Potter que, o tendo descoberto, teria participado da luta que o vitimou.

Também foi amplamente divulgada a prisão de Rodolfo Lestrange e a morte de sua esposa e do temível lobisomem Fenrir Logo Greyback, na Albânia, dias atrás, e que testemunhas afirmavam que O-Menino-Que-Sobreviveu também teria tido participação direta nesta vitória sobre os Comensais da Morte, sendo responsável, inclusive, pela execução deste último.

O Pasquim ia mais além, dizendo que Harry Potter estaria comandando uma cruzada que visava destruir pequenas fontes de poder que Você-Sabe-Quem teria criado para se tornar imortal e escondido em diversos lugares espalhados pelo mundo.

De qualquer forma, Harry voltara a ser considerado como um herói pela maioria da mídia bruxa e realçado ao status de maior oponente do Lord das Trevas e principal trunfo na batalha pela sua destruição. E, a presente letargia que as forças das trevas demonstravam, após a derrota em Azkaban e a debandada de mãos abanando do Ministério da Magia, após o assassinato de seu ministro Rufo Scrimgeour e da secretária sênior Dolores Umbridge (como havia sido divulgado pela Assessoria de Imprensa do Ministério), levavam a crer que as forças das trevas estavam recuando proporcionalmente ao avanço d”O Eleito”.

***


— Eu não disse nada! – defendeu-se Luna, naquela manhã, ao encontrar-se com Hermione e Gina no corredor que levava ao Salão Principal, pouco antes do café da manhã – Não tenho culpa se meu pai tem uma inteligência acima da média e chegou sozinho, como sempre, à conclusão correta dos fatos.

— Não estou te acusando! – defendeu-se Hermione, atordoada por ter sido desarmada de sua teoria tão assim, de supetão – Isso nem me passou pela cabeça! – mentiu.

— Talvez a Rita Skeeter esteja “voando” por aí, de novo! – sugeriu Gina.

— É, pensei nisso também! Vou ter de confirmar! – concordou Hermione.

***


Harry olhou para os pés do pedestal que sustentava o Livro de Magia de Godric Gryffindor, no Monte dos Imortais. Ali estavam expostos seus troféus mais preciosos: o Diário de Tom Riddle, o Anel de Servolo Gaunt, o Medalhão de Salazar Slytherin a Tiara de Rowena Ravenclaw, a Taça de Helga Hufflepuff e o manto negro do Dementador ex-lider do bando de Patronos da Floresta Proibida, e que representava a porção retirada de dentro do próprio bruxinho – todas as seis horcruxes criadas por Lord Voldemort para dividir a própria alma em sete partes e torná-lo imortal, estavam destruídas. Faltava somente a ultima parte da alma do pior bruxo das trevas que já houvera a ser aniquilada: aquela contida nele próprio, e que deveria ser extinta juntamente com sua própria vida.

O ano letivo se aproximava de seu final e Fawkes já voava de um lado a outro, completamente adulta, e Harry já virara a penúltima pagina do livro que guardava toda a herança mágica de seu antepassado: uma última lição e estaria preparado para enfrentar o seu destino, curiosamente, Gina, que sempre o auxiliara na compreensão e treinamento dos ensinamentos contidos no velho alfarrábio, chegara juntamente a ele até a penúltima lição, dominando igualmente ao próprio Harry, todas as anteriores com perfeição.

No dia anterior havia sido feita uma homenagem ao professor morto na Floresta Proibida, e nos demais dias do restante da semana as aulas foram suspensas. A maioria dos alunos se aventurou em retornar a suas casas para passar algum tempo com seus pais, Gina e Rony, a pedido do próprio Harry, também retornariam À Toca, acompanhados do bruxinho e de mais uma convidada: Hermione.

Apesar de terem a opção de aparatar diretamente para a acolhedora casa da família Weasley, e assim evitar surpresas desagradáveis no caminho, eles preferiram, mais uma vez, viajar com o Expresso de Hogwarts, e assim Rony e Hermione poderiam cumprir suas funções de monitores e dar maior segurança aos alunos mais jovens que se deslocariam utilizando aquele meio de transporte.

Quando o garoto da cicatriz viu os amigos se desenharem no mural de pedra, o chamando para irem até a estação de Hogsmeade, fez um sinal a Fawkes que lançou uma rajada de fogo de seu bico, abrindo a passagem que ele atravessou para juntar-se a eles. Pouco depois, estavam atravessando os portões de Hogwarts.

— Harry! – foi logo dizendo Hermione, tão logo tomaram a estrada de terra batida que se iniciava após o portal dos javalis alados – Tenho pesquisado bastante sobre as possíveis criaturas que poderiam estar sendo aprisionadas no Departamento de Mistérios, mas as informações que me passou ainda são muito vagas. Não teria mais algum detalhe que possa lhe ter passado desapercebido? Qualquer coisa, por mais boba que possa parecer!

— Não! – respondeu Harry, fingindo fazer força para pensar – Bem, na verdade tem uma coisa que o Rabicho me falou e eu não entendi direito, mas não deve ter relação nenhuma!

— Harry, qualquer coisa pode ser importante e vir a ajudar! Conte o que ele disse!

— Bem, foi logo depois dele ter me dado sua lembrança, não sei se ele estava mentindo ou não...

— Conta logo pra ela, Harry! – impacientou-se Gina.

— Ele disse que Voldemort não pretendia mais me matar! Que depois de saber das horcruxes que nós havíamos destruído, o meu valor havia aumentado e ele não pretendia dispor de mais nenhuma fração de sua alma, e... deixe-me ver... Ah, sim! Que pretendia transformar-me em um de seus troféus, ou coisa assim.

— Harry! Por que não me disse isto antes? Isto resolve tudo! Acho que... bem... eu já sei qual é a criatura que foi libertada do Departamento de Mistérios!

***


A bruxa e seu irmão, ao avistarem o pequeno grupo avançando pela estradinha de terra batida, jogaram a bela maçã dourada dentro da pequena cova que haviam acabado de abrir, e correram rapidamente a se esconder atrás de uma árvore rodeada de arbustos que margeava o caminho, observando os quatro se aproximarem.

— Poderia mata-lo daqui mesmo! – cochichou o homem – Não haverá oportunidade melhor para fazê-lo!

— Não seja tolo! – zangou-se a mulher – O mestre não o deseja mais morto! Você é que será o defunto se fizer uma bobagem desta! Além do mais, se fosse tão simples assim, o próprio mestre já o teria feito há muito tempo! Este é Harry Potter... e é quase tão imortal quando o Lord das Trevas!

Quando os garotos se aproximaram do local, ainda aguardando que Hermione desfizesse o segredo que ela propositadamente valorizava, Aleto fez um rápido gesto com a varinha e o fruto enfeitiçado explodiu sob a terra, porém, sem fazer barulho ou chamar qualquer tipo de atenção, apenas uma pequena névoa, quase imperceptível subiu do chão, sendo brevemente aspirada pelos jovens enquanto passavam.

— Que cheiro esquisito é esse? – perguntou Gina aos demais, quando já se encontravam alguns passos após o local da armadilha.

— Que chei... – mas Rony não conseguiu terminar a frase:
“Zázzzzzzz!”

Uma espécie de relâmpago cortou a estrada, às costas dos bruxinhos, e atingiu a árvore onde Amico se encostava, escondido, partindo-a ao meio e arrancando parte de sua orelha.

— Quem são vocês? Que estão fazendo aí? – o vozeirão de Hagrid ecoou pela mata, ele se encontrava cerca de dez metros além do local da emboscada, empunhando seu guarda-chuva cor de rosa.

A bruxa agarrou o irmão, que tentava estancar o sangue da orelha com uma das mãos, pelo seu pescoço e aparatou levando-o junto consigo em um estalo seco.

— Vocês estão bem? – confirmou o meio-gigante, aproximando-se correndo deles.

Quase que simultaneamente à pergunta, Tonks desaparatou logo a frente do grupo, com a varinha em riste e correndo na direção da árvore partida.

— Que foi? – perguntou.

— Comensais! – respondeu Hagrid – Creio que os espantei!

— Tudo bem! – disse a metamorfomago, tomando Harry por um dos braços e o puxando em direção à estação de trem, que já se tornava visível ao final da estrada – Vamos logo!

***


Os alunos mais jovens se aglomeraram em torno dos monitores e, ao soar o estridente apito da locomotiva, que anunciava a eminente partida do expresso, uma pequena coluna humana começou a se locomover freneticamente para o interior da composição, arrastando Rony e Hermione juntamente com eles.

Harry ficou observando o tufo de cabelos castanhos crespos da amiga afastando-se dele em meio àquela pequena multidão, admirando-se ainda, da inteligência e determinação da garota em desvendar a ação que Voldemort havia realizado no ministério e que logo lhe contaria, quando, quase ao alcançar a porta que dava acesso ao próximo vagão, ela virou o rosto novamente para ele, talvez pensando em observá-lo pelas costas, dirigindo-se para procurar por alguma cabine desocupada, e seus olhares se cruzaram, por uma fração de segundo, em que ela não pôde evitar exibir um breve sorriso de satisfação.

O jovem bruxo sentiu-se levitar por um átimo, sentindo logo em seguida uma mãozinha quente segurar a sua e puxá-lo para o lado oposto.

— Vem Harry! – ouviu a voz de Gina chamá-lo e, virando-se instintivamente, viu a menina apontando para o extremo oposto do corredor – Deve ter algum lugar vago pra lá!

Ele voltou-se novamente, buscando o olhar que havia sido perdido, mas apenas pôde ver a nuca da menina sumindo no outro carro: por um instante sentiu-se em dúvida por qual sentido seguir, mas acabou acompanhando a ruivinha, que o puxava com insistência.

***


Hermione deixou Rony cuidando dos últimos alunos que buscavam suas acomodações nos vagões do trem e dirigiu-se para a cabine que sabia estar sendo ocupada por Harry e Gina, ao adentrar no cubículo, percebeu Gina muito vermelha e parecendo nervosa, enquanto um Harry aparentemente assustado, demonstrava esforçar-se para entender o que a menina dizia:

— Se é assim Harry, prefiro terminar tudo agora! – ela ouviu a amiga dizer, apesar de ter se sentado no ponto mais distante do casal para não interferir na conversa dos dois.

— Pois, por mim, tudo bem! – contra-atacou o garoto, observando a seguir, a bruxinha levantar-se batendo forte os pés e retirar-se pelo corredor afora.

Um longo e constrangedor momento de silêncio se seguiu, até que Hermione, suspirando fundo, deslizou pelo banco e posicionou-se defronte a Harry, que olhava fixamente para os tênis nos pés, um dos quais encontrava-se com os cadarços soltos, mas ele não fazia menção nenhuma em amarrá-los.

— Que aconteceu? – ela perguntou, enquanto baixava acentuadamente a cabeça, tentando visualizar o rosto cabisbaixo do outro.

— Não sei! – limitou-se a responder.

— Você fez alguma coisa?

— Devo ter feito algo horrível, para ser tratado assim...
Ela levantou-se do banco que ocupava e sentou-se ao lado dele, colocando a mão em seu ombro, ainda tentando olhar no rosto dele, sem êxito.

— Quer me contar?

— Ela me perguntou porque eu estava tão animado em ir pr’A Toca...

— E?

— Disse que pretendia pedir permissão aos Sr. e Sra. Weasley para... namorarmos...

— E... ela não gostou... com certeza...

— É... achei que ela ficaria empolgada...

— E... porque teve essa idéia, digo, de falar com os pais dela?

— Eles tem sido tão... amigos, comigo... e, o Sr. Weasley, no outro dia, arriscou a própria vida para me resgatar do covil dos vampiros! Não queria fazer nada escondido deles...

— É... eu te entendo... mas a Gina é muito independente... tente compreendê-la!

— Ela é muito geniosa, isso sim! E... você, Mione... o que acharia se fosse com você?

— Eu, Harry? Ora, eu adoraria se você falasse com meus pais!

— Como disse?

— Hã? Quero dizer... eu adoraria se ALGUÉM falasse com meus pais!

— Verdade? Se quiser posso falar com o Rony e...

— NÃO, Harry! Nem de brincadeira diga uma coisa dessas! – disse ela, levantando-se de supetão e, com o rosto bastante corado, saiu correndo graciosamente, com pequeninos saltos, em direção à porta da cabine, por onde saiu com grande agilidade.

Harry mirou ainda, por alguns instantes, a passagem por onde a garota havia sumido, depois voltou-se para o vidro da janela do vagão e encostou a testa nele, deprimido: em poucos minutos conseguira fazer as duas pessoas a quem mais amava abandoná-lo em meio a explosões de mau humor.

***


Rony entrou pouco depois na cabine e, a exemplo de Gina, ele tinha o rosto bastante afogueado, como ficava geralmente quando passava por maus bocados, ele se atirou sobre o banco e já foi interpelando Harry:

— Custava você ter segurado a Mione por mais algum tempo aqui? O que você aprontou para ela voltar ao corredor tão depressa?

Harry foi pego de surpresa, pois pretendia perguntar ao ruivo porque ele havia demorado tanto para vir para a cabine, pois se o tivesse feito, talvez tivesse impedido a conversa que havia feito Hermione zangar-se com ele.

— Que aconteceu? – limitou-se a perguntar, desarmado que fora.

— Ela me pegou com a Lilá Brown!

— Como assim... pegou! Vocês não estavam...

— Claro que não! Estávamos apenas conversando... mas Mione parece que estava bastante alterada, pois já foi falando um monte e acabamos... desmanchando!

— Desmanchando? Mas... e o que você disse pra ela?

— Disse que, por mim, tudo bem! E, quer saber de uma coisa? Por mim tudo bem mesmo! Prefiro ela ralhando comigo o tempo todo do que desenhando coraçõezinhos vermelhos nas matérias que devo estudar no meu caderno!

— Rony... você é um tapado mesmo... não vê que...

— Eu que sou tapado? Pelo que sei você conseguiu brigar com Gina e Hermione antes mesmo do trem contornar a primeira montanha no caminho de volta! E sabe do que mais? Não preciso da sua opinião sobre o que faço ou deixo de fazer... apenas me deixe em paz!

— Certo... então... me deixe em paz, também! – e cruzou os braços com violência, voltando a recostar-se na vidraça da janela.

Pouco depois, Gina voltou à cabine, mas se sentou o mais distante possível do ex-namorado, nenhum deles trocou palavra durante a viagem inteira, e Hermione sequer voltou para aquele vagão.

***


N’A Toca, o fim-de-semana prolongado parecia não terminar nunca e, a razão para que um dos locais preferidos dos quatro bruxos adolescentes se tornasse tediosa e monótona era simples: Gina e Harry não estavam se falando, a menina passara a maior parte do tempo em seu quarto, descendo apenas para as refeições ou para ajudar a mãe em um ou outro serviço na cozinha; Hermione e Rony evitavam ao máximo se encontrar pelas dependências da casa, tendo a garota, inclusive, alterado seu horário do café-de-manhã por duas vezes para evitar ter de encarar o ruivo; Harry também estava sendo evitado por Hermione, mesmo sem saber o motivo pelo qual ela também o isolara de seu convívio; e Harry e Rony também procuravam evitar conversas, ainda ressabiados pela breve discussão que tiveram no Expresso de Hogwarts, sendo que tanto um como outro, ao dirigirem-se para o quarto que dividiam, enfiavam-se imediatamente sob as cobertas e fingiam cair rapidamente em sono profundo; os únicos que ainda trocavam algumas poucas palavras eram Gina e Hermione, apesar de cada uma delas desaprovar abertamente a maneira como a outra tratava o ex-namorado.

O único fato que evitou que, tanto Harry como Hermione, terminassem sua visita à residência dos Weasley antes do previsto, era a forma calorosa e acolhedora que a Sra. Weasley os tratava, entupindo-os de guloseimas e lhes dedicando sua total atenção, sendo perfeitamente imitada pelo Sr. Weasley, quando retornava à noite do Ministério e durante seu domingo de folga.

Foi durante o almoço deste domingo que ocorreu um fato que retirou os amigos em discórdia da tediosa rotina a que haviam se aprisionado por seus próprios méritos: o Sr. Weasley passava uma travessa de batatas inglesas recheadas para Hermione, quando uma voz conhecida se fez ouvir no recinto:

— Molly! Está aí, Molly?

Todos se voltaram para a lareira que ocupava uma das paredes de pedra da cozinha, e depararam com a imagem da professora McGonagall, em meio às chamas.

— Minerva! – respondeu a Sra. Weasley, levantando-se e se dirigindo para o artefato mágico – Sim, estou aqui... algum problema?

— Nada de alarmante, Molly. Lamento atrapalhar seu almoço – disse ela, inclinando a cabeça para frente de modo a visualizar a mesa de refeição e seus integrantes –, mas, gostaria de dar uma palavrinha com Potter... ele está?

A Sra. Weasley se virou de lado, olhando para Harry, que se levantou alarmado da cadeira, tropeçando na mesma e quase a derrubando, e avançou até a frente da lareira, postando-se de olhos arregalados e um pouco ofegante.

— O que foi, professora McGonagall?

— Não se preocupe, Potter, apenas quero lhe avisar de que um dos elfos de nossas cozinhas, e que pertence a você... Coisa... – disse ela, mostrando uma expressão de quem procurava apurar a memória.

— Monstro!

— Sim... Monstro! Pois bem, ele foi encontrado bastante machucado, não sabemos se por ele mesmo ou se por outra pessoa... enfim... ele está no Saint Mungus! Mas, não se preocupe, os curandeiros dizem que ele irá se recuperar.

— Certo! – ele respondeu, tentando raciocinar.

— Ah! Só mais uma coisa, Potter: não deixe esta noticia se espalhar, já estou tendo problemas demais com Fudge, pela fatalidade que aconteceu com Firenze, mais um incidente como este não ajudará em nada. – e olhando para trás, no interior da lareira – Opa! Deve ser ele, agora, à porta! Bem, é isso! Tenho de ir... Molly, Arthur... – cumprimentou ela, com um aceno de cabeça, que foi retribuído pelos dois citados, e sumiu.

Harry se voltou para mesa, um pouco desconcertado por não saber se, diante das condições atuais, teria a atenção de algum dos amigos para conversar sobre o caso. Havia dado um único passo à frente, quando:

CRAQUE!

Uma criatura de baixa estatura e pele esverdeada se materializara à sua frente, fazendo com que Hermione soltasse um gritinho e que o Sr. Weasley derrubasse uma coxa de frango que tencionava levar à boca, sobre sua barriga.

— Dobby! – exclamou Harry.

— Mestre Harry Potter... Senhor... Dobby tem que contar uma coisa para Harry Potter... tem sim! – o garoto percebeu que o elfo doméstico tinha um olho roxo e um corte ainda sangrando na testa.

— Que aconteceu, Dobby! Que aconteceu com você? – questionou, abaixando-se para ficar na mesma altura do ente mágico e passando uma das mãos ao redor do ferimento aberto, tentando analisar sua profundidade.

— F-foi o elfo mau, Harry Potter... M-monstro! Ele fez uma coisa ruim...

— Monstro? Dobby, foi você quem o machucou? Ele está no Saint Mungus...

— Não, mestre... senhor... Dobby machucou ele só um pouco... mais do que ele machucou Dobby... o resto foi ele mesmo quem se machucou!

— Mas, afinal de contas, o que aconteceu? - continuou o bruxo.

O elfo abriu a boca e fez menção de começar a falar, mas estancou repentinamente e olhou à sua volta, percebendo todos os demais o observando atentamente de seus lugares.

— Pode falar, Dobby... são todos de confiança...

— Monstro foi até a Mansão dos Black... e entregou uma mensagem de Você-Sabe-Quem para o menino Malfoy!

Fez-se um profundo silêncio, enquanto todos se entreolhavam boquiabertos, apenas Harry manteve seus olhos presos aos do elfo.

— E... sabe o que dizia a mensagem?

— Dobby não sabe, Harry Potter... mas Dobby sabe que o bruxo malvado está com a antiga senhora de Dobby... a senhora Narcisa... e ele vai fazer alguma coisa horrível com ela... se o menino Malfoy não for até ele!

— O que? – disse Harry, levantando-se abruptamente – Draco não saiu de lá... saiu Dobby? Draco ainda está na Mansão dos Black... não está?

O elfo balançou a cabeça afirmativamente:

— Dobby e Winky o impediram de sair, mestre... amo... senhor... Mas, o menino Malfoy queria sair de qualquer jeito... tivemos que usar mágica para prendê-lo...

Harry saiu correndo em direção à escada que levava aos quartos, enquanto dizia:

— Volte pra lá, Dobby! E não deixe que ele saia... daqui a pouco estarei lá! – e subiu correndo, enquanto ouvia o som típico do elfo aparatando, ganhando rapidamente o corredor superior e entrando no quarto que dividia com Rony.

Quando puxou sua capa da invisibilidade e o Chapéu Seletor de baixo do travesseiro da cama que ocupava, percebeu que o Sr. e a Sra. Weasley estavam em seus calcanhares:

— Vamos direto para lá, Harry? – disse o Sr. Weasley, que já empunhava sua varinha, enquanto sua capa e chapéu de viagem vinham flutuando em sua direção, convocados que haviam sido de seu quarto, uma fatia de batata estava pendurado no bolso de sua camisa.

— Quer que avise alguém antes de aparatarmos, querido? – disse a Sra. Weasley, ajeitando um xale nas costas e ajeitando os cabelos com um grampo.

Harry não pode conter um sorriso, ao observar a lealdade e presteza do casal, mas procurou demonstrar-se calmo para tentar dissuadi-los em o acompanhar.

— Não vai ser necessário! Não precisam se preocupar... não vou cair na armadilha de Voldemort! Apenas vou levantar a situação real com Draco e procurar convencê-lo a ficar onde está... não se preocupem!

O Sr. Weasley fez menção de contradizê-lo, mas um gesto da esposa o conteve:

— Deixe, Arthur! Harry sabe o que faz... e sabe também que, se precisar de nós, basta dizer!

O homem concordou com a cabeça e, apoiando uma das mãos no ombro do garoto, disse:

— Boa sorte, Harry! Aguardamos você para o jantar!

O bruxo da cicatriz agradeceu e saiu do quarto, dirigindo-se para a escada que havia subido correndo à pouco, do alto observou a cozinha completamente vazia:

“Pois muito bem!” – pensou com seus botões – “Não preciso de nenhum deles mesmo!“ – mentiu a si próprio, escancarando a porta de entrada da casa e saindo para o quintal.

Mal acabara de transpor a soleira da porta, deparou-se com Hermione, Rony e Gina, todos já vestidos com suas capas de viagem e com suas varinhas à mão, prontos para segui-lo, aonde quer que fosse. Harry sentiu uma pontada de remorso no peito, pelo mau juízo que acabara da fazer dos amigos, percebeu que seus olhos ficaram brevemente marejados e abaixou a cabeça, voltando a admirar novamente seus próprios tênis, com medo que algum deles percebesse sua emoção.

— Acha seguro aparatarmos direto para o Largo Grimmauld? – disse Hermione, aproximando-se dele lentamente e, ficando graciosamente na ponta dos pés, depositou-lhe um beijo carinhoso no rosto.

— Ou talvez você possa conjurar uma chave de portal para nos levar até lá! – disse Rony, passando o braço enorme por trás dos ombros do amigo e sacudindo-o seguidamente.

Gina não disse nada, mas aproximou-se cabisbaixa e o abraçou na altura da cintura, aninhando a cabeça em seu peito.

— Não demorem em voltar crianças! Vou fazer salsichas para o jantar!

Os quatro olharam para cima e viram a Sra. Weasley debruçada na janela de seu quarto, no pavimento superior, sorrindo e acenando para eles, com o Sr. Weasley um pouco mais atrás imitando-a. Os jovens retribuíram o aceno, ao que Harry ordenou:

— Vamos aparatar diretamente para a cozinha da Mansão do Black, no Largo Grimmauld, 12! – e quatro estalos secos se fizeram ouvir, logo em seguida.

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