Uma taça de sangue



DURANTE UM CURTO ESPAÇO DE TEMPO, após o bruxo caído ao chão ter externado o pesar de sua perda através daquele lamento, Harry vasculhou com o olhar o ambiente que o circundava, tendo captado desde o último lance de degraus gastos da escadaria por onde acessaram aquela masmorra, passando pelas paredes de rocha nua e úmida que ladeavam o recinto e o seu extremo oposto, pela boca circular e negra da cisterna, onde o cruel e malcheiroso homem-lobo havia se precipitado, o emaranhado de cordas caído ao chão que prendia o Comensal da Morte e a responsável por sua captura, Ninfadora Tonks, ao seu lado, até parar sobre o corpo esmagado pela maciça laje de rocha, à sua esquerda.
— Se tiver alguma coisa escondida por aqui, Harry, só pode estar dentro do poço! – opinou a metaformomaga, após acompanhar a viagem que “o Eleito” realizara com o olhar.
— Receio que tenha razão! – respondeu ele, dando a volta ao redor da abertura, tentando descobrir uma maneira de descer pelo seu gargalo.
— E se... ele tiver resistido à queda? O Lobo? – uma sombra de preocupação passou pelos olhos dela.
— É um risco que terei de correr, Tonks! – respondeu, agachando-se na borda do precipício e acendendo a ponta de sua varinha, de modo a tentar enxergar o fundo.
— Não posso deixar que vá sozinho, Harry! – a voz dela era decidida – Vou detonar este aqui, para que não nos cause surpresas – disse, apontando para o monte inerte de cordas –, e iremos em frente!
Harry abriu a boca para dizer alguma coisa, mas, um som bastante conhecido dos dois o fez se calar:
— Miaaauuuu!
Ambos olharam para o primeiro degrau da escada que levava ao pavimento superior, e depararam com Bichento, sentado sobre os quartos traseiros, abanando sua espessa cauda de limpar chaminés, enquanto olhava calmamente dos dois até o alto da escada, onde, agora, se ouviam ruídos de passos.
— Quem está aí? – bradou Tonks em alto e bom tom, ao mesmo tempo em que se colocava em posição de combate, com a varinha em riste.
— Sua retaguarda! – disse o Sr. Weasley, surgindo logo atrás do bichano, também empunhando sua varinha.
— Que bom vê-lo, Arthur! – aliviou-se a bruxa – Vejo que Minerva não perdeu tempo! Está só?
— Quim Shacklebolt está lá em cima!
— Como nos encontraram? – perguntou Harry, enquanto apertava a mão estendida que o homem lhe oferecia.
— Após desaparatarmos nas cercanias do vilarejo trouxa, seguimos o hipogrifo até cerca de um quilometro a oeste deste lugar, depois, este inteligentíssimo representante da família dos felinos nos guiou até aqui! – disse, apontando para Bichento – Ora, vejam só! Parece que chegamos no final da ação! – lamentou-se, enquanto indicava, com um dedo, o casal Lestrange.
— Lamento desapontá-lo, Arthur, mas ainda temos que descer por esta cisterna para concluirmos a missão e, a presença de vocês facilita tudo: poderão ficar de guarda, enquanto exploramos o lugar!
— Concordo que Harry não deva se arriscar sozinho, Tonks! – disse o Sr. Weasley, aproximando-se da borda da circunferência negra e inspecionando o local – Mas, você e Quim serão mais necessários aqui em cima, caso Você-Sabe-Quem mande reforços: afinal de contas, os dois são aurores!
— Mas... – tentou retrucar a bruxa.
— Não se preocupe! – tranqüilizou-a o bruxo de ralos cabelos ruivos – Tenho certeza que eu e Harry daremos conta do recado! – e, passando o braço ao redor dos ombros do bruxinho, perguntou: – Pronto?
Harry concordou com um sinal de cabeça, sem saber o que o homem pretendia e, ao perceber que ele tomava impulso para saltar dentro do buraco, imitou-o resoluto e, logo em seguida, os dois se precipitavam rumo ao desconhecido.
Após uma fração de segundo, em que percorreram vários metros, Harry observou que o bruxo de óculos de aro de tartaruga apontava a varinha para o fundo, enquanto murmurava algumas palavras, fazendo-os descer lentamente, como se estivessem em um elevador. O garoto deu uma rápida olhada para cima, em que pôde observar a silhueta de Tonks acenando para eles, provavelmente lhes desejando boa sorte.
— Lobo Greyback caiu aqui há pouco, após eu petrificá-lo! – lembrou-se de avisar.
— Obrigado por me alertar, Harry,... somente após eu ter resolvido descer! – limitou-se a responder, apertando um pouco mais forte seu braço ao redor do ombro dele.
Haviam descido por cerca de uma centena de metros, quando, pouco antes de tocaram o solo, observaram que o poço dava acesso a uma galeria, pelo menos era esta a impressão que dava a limitada fonte de luz que carregavam; o odor adocicado de mofo e bolor, aliado a um ácido fedor de estrume em decomposição, impregnava o ar e, a escuridão ao redor era tão absoluta, que a varinha incandescente do garoto mal iluminava além do seu próprio nariz.
— Tropecei em alguma coisa, cuidado por aqui! – alertou Arthur Weasley, acendendo também a ponta de sua varinha e se agachando para ver do que se tratava.
— É o Greyback! – disse Harry, imitando o companheiro e se abaixando também, quase tocando na figura petrificada do Lobo com a sua varinha.
— Está com o pescoço quebrado, veja! – disse o outro, apontando com o dedo a região logo abaixo do queixo do perverso lobisomem, onde se via uma trinca e, após meditar por alguns segundos, olhou fixamente nos olhos do garoto, quase encostando seus óculos nos dele, e concluiu: – Olhe, Harry, não se condene por isto: o que aconteceu com Fenrir foi uma fatalidade! Ele, ou qualquer outro dos asseclas de Você-Sabe-Quem, não pensariam duas vezes para fazer bem pior com qualquer um de nós.
O bruxinho da cicatriz entendeu bem o que o outro quis dizer, após tantos anos combatendo as forças das trevas, era a primeira vez que um de seus inimigos perdia a vida em uma ação direta de sua parte. Então, apontando sua varinha para a criatura petrificada, conclamou:
— Finite Incantatem! – um jorro pálido de luz saiu de sua varinha, e Harry pôde perceber a estrutura do lobisomem perder sua rigidez, porém, não mais havia vida naquele corpo.
— Estamos em guerra, Harry: nunca se esqueça disso! – disse o homem, convicto.
Os dois caminharam lentamente na direção em que o caminho oferecia menos obstáculos, desviando de montes de ossos de pequenos animais, na maioria ratazanas e sapos, e de estalagmites e estalactites, muito longas, que proliferavam por toda a área. Em alguns pontos, havia enormes montes de esterco, que faziam o odor exalado da gaiola de Edwiges, quando Harry ficava por muito tempo sem limpá-la, parecer um fino perfume.
— Que tipo de criatura será responsável por isto, Sr. Weasley? – indagou, a certo ponto, levantando a gola da blusa para cobrir o nariz.
— Criatura, não, eu diria: criaturas, Harry! – respondeu o bruxo, apontando para o teto enegrecido e impossível de se ver.
— Morcegos? – preocupou-se.
— Antes fosse! Não, Harry: vampiros! Torçamos para que tenham o sono pesado!
O garoto, que já se preocupava em não fazer muito barulho, passou a controlar até o ruído da própria respiração, para não despertar aquelas criaturas horríveis.
Após percorrerem uma grande distância, praticamente às cegas, tamanha era a escuridão que tomava conta do lugar, eles chegaram até uma espécie de reentrância na rocha, como se fosse um afunilamento: ali era possível visualizar o teto da caverna, poucos centímetros acima de suas cabeças, as paredes laterais também se estreitavam, podendo os dois caberem sem folga, um ao lado do outro.
— Creio que tomamos o caminho certo, Harry! – disse Arthur Weasley, apontando o final da vertente que haviam tomado.
Havia o vão de um arco esculpido na rocha logo à frente, tomando todo o diâmetro do túnel em que se encontravam e, chegando mais perto, eles puderam observar que, de cada lado do arco, fazendo parte das paredes laterais, havia o esboço de uma horrenda criatura esculpida em alto-relevo: era um corpo humano entalhado na rocha, porém, com mandíbulas, garras e asas de morcego, um de cada lado da passagem e, em lugar dos olhos, Harry pôde observar ao perceber a luz da varinha refletida, havia pedras de um vermelho muito intenso.
— Nosferatu! – exclamou o Sr. Weasley – Bem, isto confirma a teoria dos vampiros.
Harry havia conhecido um vampiro, no ano passado, numa das festas a que o professor Slughorn o convidara, e não se parecia em nada com aquela aparência feroz e hostil que emanava daquelas esculturas.
— Sr. Weasley! – preocupou-se ele – Os vampiros... eles não são assim na realidade... são? – disse, apontando a gravura com a varinha – Quero dizer,... não são mais selvagens, certo?
— Lamento dizer que devemos esperar pelo pior, Harry! Se estas criaturas se aliaram Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, não espere nada civilizado da parte deles!
Eles passaram pelo arco e se viram em uma ampla antecâmara, onde, de cada lado da passagem central em que se encontravam, havia uma fileira de cerca de doze estátuas de corpo inteiro, de estrutura e feições semelhantes àquelas que haviam visto na entrada, margeando a trilha que, pelo que era possível visualizar mais à frente, levava a uma imensa porta de duas folhas que se encontrava fechada. Os dois tiveram a sensação idêntica de que se encontravam em um museu de cera, tamanha era a perfeição dos detalhes daquelas malignas figuras, até que, ao chegarem à metade do caminho, ambos perceberam que a idéia de se tratarem de criaturas inanimadas era mais um desejo deles do que uma realidade: eles perceberam, entre estarrecidos e horrorizados, que aquelas imagens começavam a movimentar-se lenta e alternadamente – um deles piscou os olhos, outro mexeu brevemente a ponta das asas, e mais um abriu e fechou as garras, mas, o que todos eles faziam, cada vez com maior freqüência, era mexer as narinas, aparentemente tentando captar um odor específico no ar.
Os dois bruxos colaram as costas um ao outro e passaram a avançar em círculos na direção do extremo oposto do aposento, as varinhas em posição de ataque, sem perder um movimento sequer dos vampiros semi-adormecidos, até que um deles soltou um grito pavoroso e, em seguida, bradou a plenos pulmões:
— Sangue! Sinto cheiro de sangue! Sangue fresco!
Imediatamente, diversos archotes se acenderam espontaneamente nas paredes às costas das criaturas, de ambos os lados, expulsando de vez o negrume e a escuridão do lugar, então, todos os monstruosos indivíduos abriram os olhos e passaram a bater as asas, elevando-se cerca de meio metro do solo e cercando a dupla de bruxos que, já tendo avançado cerca de dois terços do espaço que os levaria até a próxima porta, foram obrigados a parar, impedidos que estavam pela parede anormal de seres das trevas.
— Sangue! Sangue! Sangue! – continuavam a proferir, como que hipnotizados pela presença incomum à eles.
— Não percamos tempo, Harry! – disse o Sr. Weasley, estuporando o mais próximo deles – Não vai ser com bons modos que sairemos vivos daqui!
E Harry passou a disparar feitiços nas criaturas aladas, a exemplo de seu parceiro, enquanto continuavam avançando em direção ao seu objetivo:
— Impedimenta!
— Petrificus Totalus!
— Estupefaça!
Os feitiços não tinham ação muito eficaz contra os monstros, que ficavam ligeiramente estupidificados, mas se recuperavam, logo em seguida.
— Sectumsempra! – bradou Harry, e dois profundos cortes arrancaram um esguicho de sangue negro do peito do vampiro atingido, os outros vacilaram momentaneamente em seu ataque, ao perceberem o efeito causado em seu semelhante.
— Sectumsempra! – disparou novamente “o Eleito”, arrancando novo jorro de sangue morto de um dos filhos da noite que se aproximava pelas costas do Sr. Weasley.
O segundo ataque foi o suficiente para convencer o grupo sedento de sangue a recuar em direção ao arco por onde a dupla havia entrado, enquanto os seres malignos murmuravam, assustados: “Bruxos das trevas! Bruxos das trevas!”.
— Muito eficiente, este feitiço, Harry! – disse o Sr. Weasley, correndo em direção do puxador da porta, em formato de caveira – Lembre-se de me ensiná-lo, qualquer dia destes!
E, girando a maçaneta, após receber um sorriso de Harry, pelo momento de descontração, os dois passaram para a outra sala.
Havia dois archotes a iluminar o ambiente de cada lado da porta de entrada, não se sabia se eles foram acesos ao mesmo tempo em que os da antecâmara, ou se sempre eram mantidos daquela forma, o que importava é que eles lançavam uma luz bruxuleante sobre a monstruosidade que se apresentava à frente deles: sua aparência era idêntica à dos vampiros que acabaram de enfrentar, exceto que, seu tamanho era cerca de quatro vezes maior que o dos outros. Sua pele era seca e enrugada, como uma uva-passa, e encontrava-se sentado em uma espécie de trono, de iguais proporções, mas sem as pernas – seu assento estava amparado diretamente no chão, e o ser colossal, aparentemente inerte, mantinha as pernas dobradas nos joelhos e os pés, com longos dedos que terminavam em pontiagudas garras, encontravam-se espalmados ao chão, presos por espessos grilhões que eram afixados ao solo por grossas correntes, sem folga alguma para permitir movimentos. Suas mãos, também algemadas e presas ao chão da mesma forma que os pés, mantinham-se com os punhos cerrados e colados um ao outro, apenas com os polegares a se destacar do conjunto e, na ponta destes, presa entre as duas garras, encontrava-se a Taça de Helga Hufflepuff, a mesma que o jovem Tom Riddle assassinara Hepzibah Smith para conseguir, e Harry soubera, no momento em que seus olhos miraram aquele objeto e sentiu um leve incômodo em sua cicatriz, que aquilo se tratava de um fragmento da alma de Lord Voldemort, que aquilo se tratava de uma horcrux!
Então os dois bruxos viram os olhos da criatura se acenderem, vermelhos como o fogo, e, por uma fração de segundo tiveram a esperança de que se tratasse de uma estátua, com pedras preciosas no lugar dos olhos, como as esculpidas na entrada daquele lugar, mas sua expectativa caiu por água a baixo quando ouviram sua voz ecoar pelo aposento, como um rosnado de alguém que, por ter ficado tanto tempo sem falar, quase se esquecera a forma correta de fazê-lo:
— Meu odiado Mestre! É o senhor que vem me visitar? – sua voz ecoava forte, mas era como se suas palavras viessem de muito longe, como se estivessem sendo sufocadas e a criatura realizasse um incomensurável esforço para pronunciá-las, só então, Harry percebeu que também havia um grilhão em seu pescoço, e que, em conjunto com as demais, mantinha a besta completamente imóvel.
— Não sei quem é o seu mestre... mas não sou eu! – respondeu Harry, pois o Sr. Weasley abrira a boca, mas não conseguira emitir som algum e, tamanha era a sua perplexidade, que se esquecera de fecha-la.
— Verdade? – contestou a criatura – Não é você o bruxo que tem o dom de falar com as cobras? Percebo os feitiços das trevas que jorraram de sua varinha e... sua alma... sinto a presença do Lord das Trevas nela!
— Está enganado! – agora Harry gritava, o sangue subindo ao rosto – O bruxo a que se refere é Lord Voldemort! – procurou demonstrar mais calma em suas palavras – Eu sou Harry Potter! E sou inimigo do seu mestre! Estou aqui atrás desta taça que traz consigo!
— Então, Harry Potter, você é bem-vindo aos meus domínios! Sou Kazikli, herdeiro de Nosferatu, Rei dos Vampiros, e estou exilado aqui há quase três décadas, pelo bruxo que se intitula de Lord Voldemort: o seu inimigo! Está disposto a pagar o meu preço por este objeto? Eu o cederei sem contestação se me recompensar como desejo!
Harry avaliou aquela proposta por um instante, ao que Arthur Weasley, recobrando o dom da fala, cochichou ao ouvido do rapaz:
— Não acho uma boa idéia fazer acordos com uma criatura destas, Harry! Vamos arrancar a taça à força e ir embora: não me parece tão difícil assim!
— Seu companheiro me subestima, Harry Potter! – disse Kazikli, como se o Sr. Weasley tivesse gritado aquelas palavras para todo o mundo ouvir – Não se fie pela minha aparência! Esta taça só sairá de minhas garras por minha própria vontade, e, vocês conseguiram passar por aquela porta por seus próprios meios, mas só poderão retornar por ela se eu permitir!
Os dois bruxos se entreolharam por um momento, então, o garoto da cicatriz fez um sinal para que o outro tivesse calma, e continuou a barganha:
— Não desejo confronta-lo! Diga-me o seu preço e eu verei o que pode ser feito!
O vampiro emitiu um som que poderia ser o equivalente a uma gargalhada de satisfação.
— Muito bem, Harry Potter! Você deseja esta taça pelo que ela é, e por aquilo que representa! Eu desejo somente aquilo que ela pode conter: encha esta taça com seu sangue, Harry Potter, e eu a entregarei para você! Este é o meu preço!
— De jeito nenhum! – bradou o Sr. Weasley, passando um braço à frente de Harry e protegendo-o às suas costas, como se estivesse sendo vítima de um ataque – Não faça isso, Harry: é uma armadilha!
— Não temos escolha, Sr. Weasley! Não acredito que possamos toma-la à força!
— Então... então... que seja o meu sangue! Sim... sou dispensável... e creio que uma taça de sangue não irá me fazer falta!
— Não é este o acordo! – retrucou o ser monstruoso – Tem que ser o sangue de Harry Potter! Tem que ser o sangue do inimigo do meu Mestre!
— Não se preocupe, Sr. Weasley! – disse o jovem, saindo de trás do bruxo e colocando a mão em seu ombro, em busca de compreensão – Eu ficarei bem... mas... fique de prontidão!
O patriarca Weasley concordou, muito a contra gosto, com um sinal de cabeça e, recuando um passo, manteve a varinha preparada. Harry aproximou-se dos punhos presos do monstro, a taça, presa pelas pontas das garras, ficava na altura de seu peito, então, levantou seu pulso esquerdo sobre o objeto e, com a outra mão aproximou a varinha e mentalizou: “Sectumsempra!”. Um profundo corte surgiu em seu pulso e, agüentando a dor, ele manteve o punho cerrado sobre a taça até ela ficar completamente cheia com seu sangue, então, com uma pequena tontura, apontou novamente a varinha para o corte e pensou: “Episkey!”, o ferimento se fechou instantaneamente. Ele cambaleou, enfraquecido, alguns passos para trás, e foi amparado pelo companheiro.
— Aaahhh! O doce néctar da vida! – regozijou-se o monstro e, abrindo exageradamente sua boca, tanto quanto lhe era possível, deixou escapar por entre as enormes presas, uma longa e viscosa língua negra, que se bifurcava em seu extremo, e que mergulhou no líquido quente do interior do recipiente, filtrando o plasma por suas porosidades e, em seguida, recolhendo novamente o órgão para o interior da boca, soltando pequenos grunhidos de satisfação enquanto se deliciava com a oferenda.
Então, uma impressionante metamorfose teve lugar diante dos olhos, cada vez mais espantados, dos bruxos: a pele, de seca e enrugada, tornou-se lisa e jovem, e seus músculos pareceram se inflar e, um mero movimento mais brusco, fez com que os grilhões que o prendiam se partissem e tivessem suas correntes arrancadas do chão e paredes, deixando a criatura completamente livre. Ele se posicionou de cócoras, devido sua altura exceder as proporções da câmara em que se encontravam, e esticou os braços na direção de Harry, os dois punhos ainda cerrados e colados um ao outro, com a taça presa entre as suas garras.
— Tome, Harry Potter! Aqui está o seu troféu, conforme lhe prometi! – a voz dele ecoou como um estrondo, agora que já não tinha nada a lhe prender o pescoço.
O garoto, que havia recuado alguns passos quando a criatura começou a se libertar, avançou novamente e puxou a taça que Kazikli lhe oferecia, enfiando-a rapidamente nos bolsos de suas vestes. Em seguida, fez uma pequena reverência, agradecendo ao vampiro e, andando de costas em direção à porta, disse:
— Obrigado! Eu e meu amigo vamos embora, agora!
— Embora? – respondeu a fera com um excessivo tom de ironia – Eu cumpri minha palavra, lhe entregando a taça, mas isto não significa que deixarei a fonte de tão poderoso elixir da vida ir embora assim, tão facilmente! Não, Harry Potter, seu sangue me trará de volta minha força máxima, e, seu amigo servirá de pasto aos meus serviçais!
— Rápido, Harry! Vamos aparatar! – gritou o Sr. Weasley, segurando-o pelo braço. Os dois mentalizaram o lado externo da construção, onde provavelmente Shacklebolt os esperava, mas não aconteceu nada.
— Decepcionados? – caçoou a besta – Eu lhes disse que só sairiam de meus domínios por minha vontade!
— Sectumsempra! – bradou Harry, ao perceber a criatura se aproximando perigosamente, mas o feitiço ricocheteou naquela carcaça, não surtindo efeito. O Sr. Weasley tentou abrir a porta por onde entraram, mas ela estava lacrada.
— Não há escapatória, vocês agora pertencem ao Rei dos Vampiros! – e, retesando os músculos das pernas, lançou-se em um salto formidável, os braços e asas abertos, com as presas à mostra, em direção ao jovem bruxo que, com as forças esvaídas pela perda de sangue, cambaleou até recostar-se à porta, ao lado do companheiro de infortúnio, tentando ambos, após uma rápida troca de olhar, um feitiço escudo ou uma azaração paralisante, uma saída desesperadora qualquer.
Mas o bote do feroz predador foi abortado a menos de meio metro da garganta de Harry, com um guincho de dor horripilante, a criatura emborcou no solo e se debateu freneticamente, tentando seguir em frente em seu intento, as marcas de suas garras ferindo o chão. Só então Harry percebeu a longa cauda da criatura, esticada até a parede oposta do aposento e presa à laje por um último e salvador grilhão: o sangue que sorvera não havia sido o suficiente para liberta-lo.
— Maldito Voldemort! Malditos bruxos! – a fera amaldiçoava e se debatia, inconformada com seu destino, enquanto os dois feiticeiros sentavam-se ao chão, com as costas coladas à porta, respirando a sobrevida que ganharam.
— Ele logo perderá as forças, Harry! – planejou o Sr. Weasley – então poderemos estourar a porta e sairmos daqui!
— Certo! – respondeu – Mas, talvez seja melhor destruirmos a horcrux o quanto antes, não sabemos o que vamos encontrar lá em cima, quando abandonarmos este buraco!
— De nada adianta fazerem planos! – berrou o hediondo ser – Eu ainda não estou vencido! – e, para surpresa e desespero dos bruxos, eles viram a besta meter os dentes na própria cauda e arrancar um pedaço nos dentes, ao mesmo tempo em que urrava de dor.
— Espere, Kazikli! Espere! – gritou Harry – Façamos um trato! – continuou quando percebeu que tinha a atenção do vampiro.
— Um trato? – balbuciou o outro – olhando de sua cauda dilacerada até o garoto, decidindo qual opção seria mais vantajosa.
— Sim! – continuou – Eu sei que a sua força pode destruir esta taça! É só este o nosso intento! Destrua-a para nós e eu me entregarei a você... deixe meu parceiro sair pela porta... se ele conseguir passar por seus seguidores, ficará livre!
— Harry, o que está dizendo? – o Sr. Weasley o puxou pelo braço.
— É isso mesmo! – confirmou Harry – Pense bem, Kazikli... não há motivo para se flagelar!
— Um trato! – repetiu a besta – Pois muito bem, acredito em você, da mesma forma que acreditou em mim! Dê-me a taça!
O bruxinho atirou-lhe a inestimável peça que retirara do interior de suas vestes, tendo o filho das trevas apanhado a mesma no ar, com suas longas garras. Então, observando o cerne do recipiente ainda umedecido de sangue, passou avidamente a língua nojenta em seu interior, tendo Harry percebido que o brilho vermelho de seu olhar intensificou-se. O demônio deu mais um forte puxão com sua cauda, soltando um rosnado de dor, a fim de certificar-se se escolhera a opção mais correta, então, lançando um olhar cheio de maldade para O-Menino-Que-Sobreviveu, levou a Taça de Helga Hufflepuff à boca e desferiu-lhe uma violenta mordida: as presas exercendo um aperto forte como tenazes, as mãos segurando o objeto firmemente para que não ficasse um ínfimo da área sem receber a violenta pressão, o peito soltou um urro alucinado, como que se isso redobrasse o poder de destruição do vampiro. Então, Harry e o Sr. Weasley puderam observar que um líquido amarelado saía das pontas de seus caninos, escorrendo pela sua boca e se infiltrando na fenda que as presas começavam a perfurar, o veneno tinha o efeito de um poderoso ácido, fazendo com que uma minúscula nuvem de fumaça branca se formasse no local onde se realizava o contato, até que, praticamente no limite da força da criatura, ouviu-se o som do metal se rompendo, e uma forte explosão ocorreu em seguida, lançando a besta estatelada para trás e colando os dois bruxos novamente nas folhas da porta: a jóia caiu ao chão, retinindo, trincada desde a borda do recipiente até quase o final da empunhadura.
Kazikli, com a boca, rosto e mãos dilacerados pelo poderoso estouro, soltou novamente aquele guincho horrendo que traduzia sua gargalhada de vitória, mas sua comemoração durou pouco tempo, ainda caído ao chão, o Rei dos Vampiros viu um pequeno filete de fumaça negra emergir da horcrux fragmentada e assumir lentamente a forma de uma serpente. Harry, que já conhecia o poder destrutivo daquela aparição, virou-se rapidamente para o Sr. Weasley, tencionando avisá-lo para que se protegesse, mas não houve tempo, um intenso jato de luz verde jorrou da boca escancarada da aparição, que se dissipou logo em seguida, e atingiu o demônio no peito, elevando-o no ar com sua força e, transformando o vampiro em uma nuvem de fuligem, ao mesmo tempo em que atirava os dois bruxos através da porta despedaçada até o meio da antecâmara.
Harry sentiu uma violenta dor na nuca, sua visão escureceu e ele começou a ter lampejos dos acontecimentos seguintes, como uma das criaturas da guarda de Kazikli mostrando as presas muito próximas de seu pescoço e sendo cortado ao meio logo em seguida, enquanto ouvia a voz do Sr. Weasley gritando “Sectumsempra!” por diversas vezes, em seguida ouvia a voz paternal do homem tranqüilizá-lo: “Fique calmo, meu filho, tudo vai ficar bem!”, para na seqüência vê-lo lançar o feitiço “Inflamatus” para todos os lados, enquanto morcegos-vampiro com mais de um metro de envergadura lançavam-se em bando contra eles, depois viu os cabelos cor de chiclete de Tonks encostados em seu rosto enquanto recebia um beijo dela, para sentir a seguir a sensação de estar novamente voando no dorso de Bicuço, para tudo finalmente tornar-se negro como o breu.
Harry Potter acordou três dias depois, em um dos leitos da Ala Hospitalar da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

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