Antonio, o Oclumente



A semana toda correu numa rapidez impressionante, as aulas se sucedendo e os garotos não tendo tempo para discutir qualquer coisa que não fossem os deveres e trabalhos pedidos. A aula de Poções, na qual se mantinham, para descontentamento de Snape, ocorrera como sempre, o professor azedo e implicante, mas controlado. Manteve-se distante e grosseiro, mas ninguém pareceu se importar mesmo com isso. Quanto mais distante ele permanecesse, melhor.
No sábado, durante o café, Harry recebeu um bilhete de Dumbledore, chamando-o à sua sala. Não deixou de se sentir apreensivo. Não entrava naquela sala desde o dia em que Sirius se fora, e ainda se lembrava nitidamente de quanto fora rude com o diretor. As gárgulas já o aguardavam, por isso não teve dificuldade em passar por elas desta vez e alcançar a escada que dava para a porta com aldrava em forma de grifo. Como sempre, haviam vozes na sala do diretor, quando bateu. Porém, não eram os quadros dos antigos diretores que conversavam, como constatou ao entrar. Depois de uma olhada rápida para o retrato de Fineas, que fingia ignorá-lo, cumprimentou brevemente os McGonagalls, os três sentados em frente ao Diretor, que conjurou com um breve aceno mais uma cadeira para Harry.
- Creio que você já conhece o irmão da Prof. Sarah... – o diretor comentou, fitando-o.
- Sim. Nos encontramos... no Beco Diagonal. – ele respondeu
- Então, vamos direto ao assunto. A Prof. McGonagall e eu concordamos que você tenha aulas especiais de Oclumência, mas, desta vez, com um professor... neutro, podemos colocar assim? – a um gesto de concordância dos demais, continuou – você terá duas horas de aula com ele, todos os sábados. É claro que, nos dias de visita a Hogsmeade, os dois poderão ajustar o horário como lhes aprouver, mas é importante, veja bem, é extremamente importante que você não falte e se esforce seriamente desta vez Harry.
- Compreendo, professor. Vou me esforçar.
- Muito bem. Então, senhoras, senhores, está resolvido. Espero que tudo corra bem. Sarah, poderia falar com você a sós por alguns minutos?
- Claro, Professor Dumbledore.
Tomando essas palavras como deixa, Harry pediu licença para se retirar, no que foi seguido por Antonio e Minerva, que conversou serenamente com o sobrinho, perguntando pelo irmão e por outros membros da família. Harry se sentiu um pouco intruso, mas caminhou com eles em silêncio, até chegarem ao salão principal. Minerva convidou o sobrinho a acompanhá-la na mesa do café, mas Antonio agradeceu, pretextando providências para a aula de Harry e, após combinar com o garoto de se encontrarem dali a uma hora, deu um beijo no rosto da tia e se afastou com um aceno charmoso de cabeça. Minerva o observou pensativa, depois acenou para Harry e entrou.
Gina, Hermione e Rony desciam as escadas nesse instante, e os quatro entraram juntos para o café. Gina comentara que Antonio quase fizera mais sucesso na aula do que os testrálios, que foram vistos apenas por Luna e mais uns dois garotos. Bem, ela reconheceu, pelo menos entre as meninas, pois esbanjara charme.
E Harry pôde constatar, quando entraram no salão, que as alunas que passaram por eles no corredor estavam alvoroçados pela presença do belo cigano. Apenas quando a Prof. McGonagall lançou-lhes um olhar severo é que o burburinho diminuiu, porém não cessou por completo. Afinal, o casal de sobrinhos da velha professora de Transfiguração chamava a atenção sem fazer esforço, tanto das alunas quanto dos alunos. Estes, porém, eram mais discretos, mas principalmente porque Snape reagia perigosamente ao ouvir qualquer gracejo ou referência à consultora de DCAT, e ninguém queria ser petrificado pelo professor de poções, que se tornara ainda mais rabugento nos últimos dias.
Logo depois, Sarah entrou no salão, ao lado de Dumbledore, que lhe contava uma de suas impagáveis piadas, da qual a moça ria discreta mas sinceramente. Parecia mais serena, depois da conversa particular com o diretor, e Harry ficou imaginando sobre o que teria sido. Sobre Snape? Provavelmente, refletiu.
Mas Sarah se sentou tranqüilamente entre Minerva e Snape, e este apenas lhe sorriu educadamente, depois de um breve olhar para Dumbledore. Atento a cada movimento do grupo, Harry nem percebeu que Hermione lhe perguntava algo sobre a aula com Antonio.
- Hein? – ele fitou a amiga, do outro lado da mesa – Desculpe...
- Eu vi – ela retrucou, e com um aceno quase imperceptível de cabeça para os professores, acrescentou – Ao que parece, estão se dando uma trégua. Mas, e suas aulas extras?
- Ah... começam logo depois do café. Pelo jeito, vão ser lá fora. Acho que o Antonio não se sente bem dentro de tantas paredes...
Dali a pouco, Harry se despediu dos amigos e foi ao encontro de Antonio, que o aguardava no caminho para a carroça de Sarah. Ante a muda indagação de Harry, comentou que lá era mais seguro, e não seriam interrompidos.
- A porta é protegida por um feitiço especial, não se iluda com sua aparente fragilidade. É quase como o véu da Sala da Morte, mas não corremos nenhum risco – explicou, sorrindo.
Harry estacou. Como ele sabia do véu? Nem precisou verbalizar a questão, pois Antonio já acrescentava.
- Sei que esse assunto é difícil para você, Harry. E pra nós também, Sirius é um amigo muito querido.
- Vocês conheceram meu padrinho? – Harry indagou, surpreso.
- Claro, assim como Lupin e seu pai. Nos visitaram umas duas vezes. O tal de Rabicho também. Uma vez, eu cheguei a pressentir sua natureza perigosa, mas era muito novo na época, uma criança, e ainda não expunha minhas percepções com clareza e segurança. Talvez, se tivesse conseguido transmitir minhas impressões com mais acerto, a tragédia fosse evitada. Mas não adianta llorar. Era o fado. De seus pais e teu... Ou de todos nós... Minha mãe também morreu na guerra...
Em silêncio, os dois chegaram à carroça e entraram. Mas Antonio o conduziu para a outra sala, separada da primeira pela cortina de contas. Um ambiente igualmente amplo, porém mais austero e simples, os recebeu e Harry constatou que havia outra entrada, independente, aos fundos. Havia um espaço aberto no centro, um grande círculo de uns quatro metros de diâmetro, para onde Antonio o conduziu, pedindo que se sentasse no chão, á sua frente.
- Antes de tudo – ele disse – preciso conhecer suas experiências anteriores. Como foram suas visões com Voldemort, e também suas aulas com Snape.
Assim, por longo tempo, Harry relatou a Antonio tudo que lhe acontecera nos anos anteriores, desde a primeira vez que sentira a cicatriz latejar, lembrava-se bem agora que na ocasião associara a dor a Snape, mas na verdade Quirrel estava ao seu lado, de costas para os alunos, então presumivelmente Voldemort – que já o possuía – estaria de frente para Harry naquele momento, até a impressão forte dele estar realmente dentro do seu corpo, no átrio do Ministério.
Contou sobre as aulas com Snape, sobre como era difícil eliminar a raiva que sentia do professor, tornando mais difícil esvaziar a mente, e até as desconfianças de Rony. Entretanto, relembrando tudo e expondo em voz alta pela primeira vez, percebia detalhes de cada situação que antes lhe escapavam, e até mesmo sua ingênua reação, fazendo exatamente o que Voldemort quisera que fizesse, para conseguir a profecia.
Quando terminou, exatamente como acontecera ao relatar a morte de Cedrico, sentiu-se estranhamente mais leve, e olhou para Antonio, que tinha uma expressão séria. Mas este lhe sorriu, tranqüilizador, e fechou os olhos por alguns minutos.
Ao abri-los novamente, eles pareciam diferentes. Maiores e mais vivos. Ele respirou profundamente, depois disse a Harry.
- Em primeiro lugar, você precisa aprender a meditação. Meditação não é tentar ir pra outro mundo sabe-se lá onde fica. É poder avaliar os próprios sentimentos e pensamentos, afim de conhecê-los e identificá-los como seus. Só conhecendo a você mesmo, poderá saber quando sua mente estiver invadida por sentimentos e pensamentos estranhos. É o que Sarah estará ensinando para seus colegas nos próximos meses, mas é imprescindível, pelos motivos que você já conhece muito bem, que você se adiante nessa... matéria.
- Certo. – Harry tentou refrear a curiosidade, mas acabou perguntando – Você consegue penetrar até a mente de quem já é... oclumente?
Antonio sorriu tristemente, e pareceu refletir muito, antes de responder.
- Inicialmente, sim. Se ele ainda não viu motivos para estar em guarda comigo, consigo entrever alguma coisa, mas posso ser imediatamente barrado, por mais sutil que tenha sido minha penetração, dependendo do grau que esta pessoa já alcançou. Foi o que aconteceu com você, aquele dia. Você ainda não domina a Oclumência, mas sua sensibilidade já desenvolveu um alarme, diferente da dor específica na cicatriz, porque você já sabe que Voldemort não representa o único risco.
- Entendo... mas, em outros momentos, pude perceber o que Sarah sentia, por exemplo.
Antonio o fitou preocupado.
- Isso quer dizer que minha irmã está mais vulnerável do que pensei. Voltar a Hogwarts pode não ter sido uma boa idéia... Entretanto, o que interessa é o que você me conta sobre você mesmo. É como se você tivesse estabelecido conosco, porque nós permitimos, conscientemente ou não, um canal de comunicação. Você deve ter isso de uma forma mais tênue com seus amigos, e isso pode ser aprimorado. Mas o fato de ter essa percepção espontânea a nosso respeito significa que já progrediu um ponto além. Você já sabe que o contato visual é importante, e instintivamente explora isso, já notei. Mas meu objetivo não é ensiná-lo a ser um legilimente, embora pareça já ser um talento latente. Meu compromisso é torná-lo um bom oclumente, se possível, tão bom quanto eu, ou minha irmã.
- Por que ela nos disse que deixou Snape perceber suas armas? – Harry não se conteve
- Porque – ele tinha uma expressão triste – ela se descontrolou emocionalmente. E as emoções sem controle se tornam portas abertas para nossa mente, que qualquer um pode aprender a atravessar. Mas, você já viveu isso, anteriormente. Por isso, sabe o estrago que podem causar.
Forçado a concordar com ele, Harry começou a refletir no descontrole que a raiva de Snape lhe causava, fazendo-o se sentir cansado, sem forças. Queria muito perguntar sobre Snape e Sarah, mas não teve coragem. Era um assunto muito íntimo.
- Bem, chega por hoje, ou vão mandar uma patrulha de salvamento atrás de nós. Já é quase hora do almoço! – Antonio se levantou, sorrindo.
Sem acreditar que ficara ali a manhã inteira, Harry se levantou também e o seguiu até a saída. Do lado de fora da carroça, uma cena inusitada. Rodeada por várias alunas e alguns tímidos alunos, entre eles Rony e Neville, Sarah tocava e cantava canções que eram pequenas histórias, algumas engraçadas, outras melancólicas. Ela sorriu para o irmão, que sentou-se ao seu lado para cantar com ela, causando um reboliço entre as garotas.
Sentando-se ao lado de Hermione e Rony, Harry observava o grupo um a um, sorrindo ao ver a expressão de algumas das meninas. Encarou Rony, que lhe fez uma careta de nojo, e os dois desataram a rir, incapazes de se conter. Hermione olhou para o alto, balançando a cabeça, aparentemente imune ao impacto que ele causava sobre as colegas.
- Acho que ela deve se lembrar do Lockhart – comentou Rony, tentando conter o riso – E não quer mais saber de homens mais velhos.
Hermione, que ouvira, lançou-lhe um daqueles olhares tão fulminantes quanto os da Prof. McGonagall e se levantou, pedindo licença a Sarah e indo embora.
- O que foi que eu fiz desta vez? – Rony indagou, aturdido, para logo em seguida sair correndo atrás dela.
Harry sorriu. Aqueles dois não tinham jeito mesmo... Quando é que iriam se acertar?

As semanas foram passando, setembro logo chegou ao fim sem novidades entre os professores de defesa e de poções, como se ambos tivessem firmado um pacto. Snape aparecia de repente, pelo menos uma vez por semana, só uma vez na aula da turma de Harry. Permanecia ao fundo da sala, em silêncio, observando o progresso da turma nos exercícios que Sarah sugeria. Esta, por sua vez, incentivara os membros da AD a demonstrarem suas habilidades, e os transformara em uma espécie de monitores especiais, cada um responsável por um pequeno grupo de treinamento das azarações, às quais uma parte da aula era dedicada.
Nas primeiras séries, mais prejudicadas pela instabilidade dos professores dos dois últimos anos, ela ministrava o programa normal, embora introduzisse aos poucos as noções sobre vigilância da mente. Tornara-se costume dos alunos, agora que ela já se ambientara mais, procurá-la no sábado sempre que o tempo estava bom, apenas para usufruir de sua companhia, e a rodinha em frente à sua carroça logo cresceu. Eram tardes alegres, que pareciam aliviar o peso dos dias difíceis que todos atravessavam, pois notícias terríveis chegavam de fora da escola.
A Ordem da Fênix trabalhava mais do que nunca, agora com novos membros, mas os contatos de Harry com seus amigos da Ordem eram pequenos, até por medida de segurança. O Profeta Diário vinha sempre recheado de notícias, muitas delas com a assinatura e o tom inconfundível de Rita Skeeter, que voltara à ativa se vangloriando de ter sido a repórter que divulgou a verdade, ou seja, a autora da entrevista com Harry, “o menino que sobrevivera”.

Quando chegou o primeiro fim de semana de visita a Hogsmeade, para alegria de todos sem chuva, Sarah comentou que teriam uma surpresa no povoado. Efetivamente, seus companheiros de tribo estavam por lá, juntamente com seu charmoso irmão, e as alunas de Hogwarts estavam mais eufóricas do que o normal com a ida ao povoado. Os ciganos se apresentavam na praça, e os irmãos McGonagall, vestidos a caráter, dançavam irradiando energia e sedução.
Mas a surpresa para Harry não ficou por aí. Tonks e Lupin estavam por lá, aproveitaram a oportunidade para vê-lo e aos outros. Lupin parecia exasperado com Tonks, por algum motivo.
Na alegria geral deste reencontro, algo sério e também estranho chamou a atenção de Harry. Como se tivesse desenvolvido um radar para o professor de poções, percebeu-o a certa distância, apreciando a dança no meio da praça com uma expressão indefinível. Estava escondido e quieto, encostado em uma árvore, sua sombra protegendo-o da visão dos demais. Fazendo de tudo para não ser notado, Harry se aproximou cuidadosamente. Queria tentar decifrar sua expressão, mas o que viu foi quase assustador. Snape parecia... sofrer, enquanto seus olhos acompanhavam cada gesto de Sarah como se a quisesse absorver. Involuntariamente, Harry o comparou a um dementador, tentando sugar a alma da pessoa. Este súbito pensamento o desnorteou de tal forma, que Snape percebeu sua presença. Fitou-o com um rancor imenso, mas Harry retribuiu seu olhar o mais serenamente possível, tentando dar a entender que não percebera nada estranho, que se aproximara por acaso.
Mas não conseguiu saber se foi feliz, pois Snape se afastou bruscamente, tomando o caminho de volta para Hogwarts, a capa se enfunando às suas costas.
Então, Harry tomou uma decisão, Antonio ou a própria Sarah teriam que lhe contar o que acontecera antes, quando eram alunos de Hogwarts... e de Snape. Aquela expressão do professor denunciava coisas terríveis...


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