A cerimônia



Harry nunca vira um dia passar tão rapidamente, e tantas pessoas reclamando o quanto o tempo era curto. Na verdade, ele logo descobriu, toda a agitação era desnecessária, pois naquela noite teria lugar apenas a primeira parte da cerimônia: Snape compareceria diante do pai de Sarah, perante toda a tribo ali representada, para pedir formalmente a sua mão, ocasião em que, Antonio comentara em tom de brincadeira que quase levara o noivo a um colapso em meio ao almoço, o pai poderia recusar o pedido, se não visse vantagens no casamento.
Em vista disso, foi um Severo Snape de rosto impassível, aparentando uma excessiva e inexistente calma, pois por dentro fervia de ansiedade e receio, como se ainda tivesse quinze anos, que apareceu diante de todos naquela noite, os ciganos com seus trajes coloridos, os estudantes, professores e funcionários de Hogwarts com suas vestes impecáveis, para pedir a mão de Sarah Miranda McGonagall em casamento, tendo ao lado um sorridente Dumbledore no papel de seu padrinho, já que não restava qualquer outro membro vivo da família Snape.
E foi um Liam McGonagall ligeiramente emocionado que lhe concedeu a filha em casamento. Então, após uma série de cumprimentos formais, a que os ciganos pareciam achar enorme graça, todos se puseram a dançar para festejar, enquanto a lenha na fogueira crepitava alegremente e o céu estrelado parecia querer cooperar com a felicidade geral. Mas, para desapontamento principalmente dos jovens alunos que, desavisados, achavam que não havia nada mais, o patriarca da tribo anunciou o casamento para a noite seguinte.

Todos dançaram à volta da fogueira por longas horas, num prenúncio do que seria o dia seguinte, mas a noiva se retirou para sua carroça, sozinha. Algumas amigas a acompanharam até sua porta, como uma armada feminina, da qual Tonks, Gina e Hermione foram convidadas a participar, completamente entrosadas com o grupo alegre de ciganas.
Hermione e Gina já haviam constatado, ligeiramente chocadas, durante a tarde, a verdade das afirmações do velho McGonagall. Muitas das amigas de Sarah já tinham um ou dois filhos pelo menos, correndo pelo acampamento, enquanto muitas jovens da mesma idade que elas, falavam de seus maridos e filhos que estavam por vir. Todas usavam na cabeça lindos e coloridos lenços de seda, como os que Sarah usara em seu primeiro dia em Hogwarts. Isso não passou despercebido a Hermione, já que a professora usara todos esses meses as vestes de Hogwarts mas, mesmo agora, entre os seus e vestindo novamente apenas as saias e blusas rodadas e coloridas, mantinha os cabelos soltos, caindo em cascata sobre os ombros, sem nenhum enfeite ou proteção.
- É que o lenço é usado pelas mulheres casadas, como a aliança entre os trouxas. É uma... marca e uma prova de sua fidelidade ao marido – ela lhe explicara durante o “chá” que as meninas haviam montado, com a participação da maior parte das alunas a lhe trazer os presentes mais inusitados e também das ciganas que haviam se divertido trazendo também presentes e mimos, pois era comum entre os ciganos oferecerem à noiva utensílios e outras coisas que seriam úteis à sua nova vida, como parte de seu dote – Quando cheguei aqui, era um hábito tolo, como meu pai falou, mas que me fazia sentir mais segura. Minhas amigas haviam aprendido a respeitar minha posição, já que eu escolhera um noivo fora da tribo e, portanto, imaginaram que nosso compromisso fora firmado de forma diferente. Quando cheguei, no entanto, temi que Snape imaginasse outra coisa, pois não sabia o que ele conhecia de nossos costumes, então o guardei. Mas, amanhã voltarei a usá-lo, apesar de não ser...
Ela se interrompera, os olhos marejados de lágrimas, e Tonks interferira, dizendo que ela não ia querer que Snape a visse com olhos inchados como os de uma sapa, ao que Gina completara, bem-humorada:
- É... você não quer ficar parecida com a Umbridge, quer?
Mas Hermione sentira algo mais em seu semblante, uma tristeza indefinida. Assim que teve oportunidade, comentou com Antonio que desfilava, para desapontamento de muitas alunas, ao lado de sua esposa cigana, uma jovem muito bonita de olhos esverdeados.
- Não se preocupe. – ele lhe deu uma piscadela marota – Já está tudo certo, você vai ver.

Sarah ainda lhes mostrara, antes do chá, um presente que Snape lhe mandara na noite anterior: a foto publicada no Planeta Diário, colocada em uma rica moldura. Só que, ao contrário do jornal, agora ele sorria ao fitar a noiva, e ambos sorriam felizes para as alunas que os contemplavam, admiradas. No canto da foto, uma inscrição brilhante em sua caligrafia firme e rápida: “Amar você me faz melhor” .

A maioria dos alunos se recolheu hesitante, mas a certeza de que a festa verdadeira aconteceria na noite seguinte os consolou. Assim, logo tudo era silêncio nos terrenos de Hogwarts, embora alguns murmúrios e risos se fizessem ouvir nos dormitórios femininos.
O dia seguinte amanheceu com um inacreditável sol de primavera, sem qualquer sinal de chuva ou vento forte, como se a natureza também quisesse participar da festa. Preocupada,porque seria noite de lua cheia, Tonks a todo momento perguntava a Lupin se ele tomara a poção nos horários corretos, ao que ele assentia, risonho.
- Não se preocupe tanto! – Sirius caçoara – Se ele estiver às voltas com as pulgas, eu danço com você. A menos que Antonio me apresente à garota que prometeu e, é claro, à família dela também.
Todos haviam rido, mas, intimamente, Harry esperava que seu padrinho realmente encontrasse alguém para si.
Sem a imposição do baile de inverno, os pares haviam se formado com mais naturalidade. Desta vez, Harry nem tivera tempo de pensar em Cho, ainda namorando o Miguel, ou qualquer outra garota, pois Gina, num gesto corajoso, se adiantara e o convidara para acompanhá-la ao casamento. Rony, mais do que depressa, temendo a esparrela da outra vez, convidara Hermione, que aceitou, com um sorriso encabulado.
E, embora não fosse uma festa tão formal quanto o baile, ao cair da tarde, todos envergavam vestes a rigor e belos vestidos, contrastando com os trajes coloridos dos ciganos, mas formando uma única atmosfera de alegria e união, no acampamento todo enfeitado por bandeirolas, faixas e flores que brilhavam e rodavam. Da portaria principal até o acampamento, os arbustos pareciam cheios de estrelas, e fadinhas espertas sobrevoavam todo o jardim. Em volta da fogueira, alguns ciganos dançavam, enquanto os músicos pareciam extrair a alma de seus instrumentos. Quando chegou a hora, porém, todos se aquietaram, silenciosos.
Snape, estava ainda mais imponente trajando vestes negras em que o único colorido era o emblema de Hogwarts, parecia sério em demasia, perante o colorido geral, mas Harry não esperara dele nenhuma extravagância, com certeza, como a camisa de cetim amarelo limão de Sirius. A lua apareceria mais tarde esta noite, portanto, Lupin ainda posava tranqüilo ao lado de Tonks, que segurava sua mão com força e tentava não chorar. Mas murmurara alguma coisa em seu ouvido, que o fizera fitá-la quase com raiva, e Harry o ouviu dizer claramente: “Não me venha de novo com essa história da Mary!” Outros membros da Ordem haviam chegado durante a tarde, como os Weasley – e, é claro, os gêmeos com renovado estoque de fogos – Moody e Quim, entre outros. Todos com suas melhores e mais festivas vestes.
Os McGonagalls usavam seus trajes escoceses, dando um toque ainda mais pitoresco, e Dumbledore vestia sua mais extravagante veste azul salpicada de estrelas que pareciam se mover pelo tecido.
Harry observava-os, ligeiramente divertido, no silêncio que envolvera a todos, até que Sarah apareceu, à porta de sua barraca, e seu pai foi ao seu encontro. Estava linda, as saias coloridas e amplas, pulseiras e brincos dourados. Suas roupas eram salpicadas de pequeninas pedras preciosas, contornando flores e arabescos, e cintilando à luz da fogueira. Mas seus olhos brilhavam mais que qualquer estrela, e Snape não foi o único a pensar que não podia haver mulher mais linda. Seu pai, trêmulo, a conduzira pela mão até o centro da roda, dançando suavemente com ela enquanto um violino tocava, dolente. Depois, levou-a até Dumbledore, que bailou desajeitadamente por alguns minutos, mas sem se importar com isso. Afinal, chegando à conclusão que já fizera o noivo sofrer em demasia, colocou entre as suas as mãos da jovem.
Os dois se fitaram por um longo momento, antes de serem conduzidos quase que sem o perceberem até o patriarca da tribo que já os aguardava, ladeado por seu pai e padrinhos. Então, teve início uma longa preleção que aluno nenhum de Hogwarts jamais ouvira, sobre o papel do homem e da mulher no casamento, a fidelidade aos compromissos assumidos e a harmonia e respeito que deveriam reinar. Embora o tom fosse considerado por alguns, principalmente as garotas, levemente machista e antiquado, um sem número de pares de mãos se apertaram e permaneceram unidos durante o discurso. Quando o patriarca terminou e um punhal de prata lhe foi trazido, alguns gritinhos de excitação e medo precisaram ser abafados, enquanto o ritual de sangue unia o casal.
Então, Snape fez algo que surpreendeu a todos e emocionou sobremaneira o velho McGonagall, enquanto Antonio sorria para Hermione e Harry de forma significativa: tirou do interior de suas vestes um longo lenço de seda, em um tom muito suave de verde com fios de prata.
- Ele vai dar a ela um lenço com as cores da Sonserina! – Rony exclamou.
- Não – Hermione retrucou – São as cores da Sonserina, realmente... Mas acho que... Ah, meu Deus!
Intrigados ainda mais com seus comentários, os amigos observaram o casal. Snape, com movimentos trêmulos que nunca imaginaram ver, alheio à emoção de McGonagall e de vários outros presentes, envolvia os cabelos de Sarah no lenço verde e prata, de cujas contas pendiam pequeninas meias-luas de prata.
- Para nos unir para sempre – ele dizia em seu ouvido – como sinal de nossa união, fidelidade e amor, eu lhe devolvo, como prometi, o lenço de sua mãe.
Ao mesmo tempo que Sarah o fitava, os olhos cheios de lágrimas, seu pai exclamava, comovendo a todos:
- Por Merlim, não é possível! É o lenço de Tânia! Nós não o encontramos com ela, pensamos nas piores possibilidades. E ele o tinha guardado, esse tempo todo! Mas como... sabia o que fazer?
- Eu disse a ele – Antonio contou, com a voz embargada – quando estive aqui, no mês passado. Disse-lhe que precisava dar a ela um lenço, pois o anel era um sinal que os ciganos não reconheciam. Então, ele me disse que tinha o lenço perfeito pra isso, que eu ficasse tranqüilo e apenas lhe contasse como e quando fazer.

Mas os músicos já iniciavam sua melodia alegre e vibrante, e foi um Snape vacilante nos passos, mas feliz, que acompanhou sua recém declarada esposa por todo o espaço à volta da fogueira, até que todos os presentes, animados, começaram a acompanhá-los.
Quando eles se cansaram de dançar e rir com os outros, enquanto os gêmeos gastavam todo o seu estoque de fogos a pipocar pelo céu, devagarinho se encaminharam para a carroça de Sarah, também toda enfeitada. Apenas dois casais, Harry e Gina, Rony e Hermione, de mãos dadas e sorrisos felizes que denunciavam um sentimento de “missão cumprida”, acompanharam com o olhar os recém-casados, até que o véu da porta se fechou, desta vez sem que Sarah esquecesse de trancá-lo com sua magia.
De repente, um zunzum insistente atraiu a atenção de Hermione. Luna se aproximava, com o sorriso sonhador de sempre.
- Vejam “quem” eu encontrei! – ela abriu as mãos que conservava em concha, e um besouro voou de dentro delas.
Um minuto depois, uma Rita Skeeter de sorriso pálido os fitava, ajeitando o penteado com ar displicente.
- Ninguém disse que a cerimônia seria fechada para a imprensa... – ela se justificou.
- Então, por que veio “disfarçada”? – Hermione indagou, maldosamente – Olha lá, hein? Se você escrever alguma bobagem, vai conhecer mais do que a fama de nosso querido professor de poções!

Sem a presença dos noivos, a festa não perdeu nem brilho nem animação. Todos dançavam, todos riam, todos se divertiam entre brindes de vinho e cerveja amanteigada, e a noite já ia longe quando Lupin, transformado em um pacato lobo cinzento, se viu acompanhado por Sirius no curioso ritual canino de uivar para a lua, observados por uma divertida Tonks e um exasperado Moody.
No acampamento, a fogueira quase se apagara. Enquanto um último músico solitário tocava sua melodia, como que para embalar o sono dos demais, McGonagall e Dumbledore permaneciam de pé na entrada principal, observando a tudo em silêncio, até que o diretor perguntou:
- Que tal me acompanhar numa boa dose de um velho uísque de fogo, no meu escritório?
- Seria muito bom... – Liam McGonagall respondeu de modo vago, enquanto olhava para a carroça da filha.
- Vamos, homem. – Dumbledore riu – Você já fez a sua parte. Muito bem feita, por sinal. Estive de olho neles, por você, esses anos todos e posso garantir que agora tudo vai voltar a ser o que deveria ter sido, desde o início.
- Você tem razão. Aliás, como sempre! Vamos logo ver este uísque! Tem certeza de que é autêntico?
E o silêncio tomou conta de Hogwarts, finalmente.

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