Confraternizando Com o Inimigo



— CAPÍTULO TREZE —
Confraternizando Com o Inimigo




Hermione sentou-se a uma mesa afastada, onde ninguém pudesse vê-la, e chorou por alguns minutos com a cabeça afundada nos dois braços, até que uma mão tocou seu ombro.
— Herm-on-nini! — disse Krum. — O que aconteceu?
Ela levantou a cabeça e olhou-o, enxugando o rosto, sem conseguir dizer nada. Ele pousou as duas cervejas amanteigadas que trazia sobre a mesa e puxou uma cadeira ao lado dela. — Alguém fez alcuma coisa com focê?
“Meu amigo fez isso comigo”, ela pensou amargamente. Amigo? Que tipo de amigo era aquele? Ela queria voltar lá e esbofetear Rony com toda a sua força, talvez até fazer o nariz dele sangrar como o de Krum na final da Copa Mundial.
— Não foi nada... Deixe para lá, por favor.
— Eu sei quem foi. Eu fi aquele itiota discutindo com focê. Aquele do cabelo verrmelho. Quem é?
— Era meu amigo... Eu pensava que era. Por incrível que pareça!
Uma lágrima desceu lentamente pelo rosto dela. Krum enxugou-a delicadamente.
— Não chorre mais, focê estava tão feliz quando estáfamos dançando... Fou lá acabar com aquele desgraçado!
— Não! — ela pediu, segurando-o pelo braço.
Ele acariciou o rosto dela com as costas da mão. Ela desejou que ele e o resto do salão principal se desintegrassem, pois não havia nada que ela mais quisesse no mundo do que chorar sozinha. Ele estendeu a ela uma das garrafas de cerveja amanteigada, que ela pegou e começou a tomar com vontade.
Ao sentir o gosto da cerveja amanteigada, Hermione não pôde evitar a lembrança da primeira vez que provara a bebida; tinha sido no ano anterior em Hogsmeade, com Rony. Sentindo ódio do garoto por ele ter se encantado pela dona do bar, ela virara a caneca inteira muito rápido. Fazia o mesmo agora com a garrafa, mas como não era mais a primeira vez, não teve o mesmo efeito que tivera um ano antes, quando ela e Rony tinham passado o resto da tarde rindo dos maiores motivos de suas desavenças.
Hermione ficou agradecida por Krum não ter dito mais nada, contentando-se em esperar que ela se acalmasse, sentado ao seu lado.
— Desculpe, Vítor. Estou estragando a sua noite, não é? — disse com desânimo.
Krum tomou sua mão entre as dele.
— Clarro que non. Fenha dançar, fai se sentirr melhorr.
Ela acompanhou-o, de início um tanto contrafeita, mas depois de algum tempo e mais algumas cervejas amanteigadas, enquanto pulavam ao som das Esquisitonas, ela sentiu-se muito melhor. Gina e Neville pulavam perto, e Fred e Angelina dançavam tão espalhafatosamente que pareciam prestes a acertar alguém sem querer.
Começou uma música calma, e refizeram-se os casais para dançar. Hermione atirou os dois braços ao redor do pescoço de Krum, que com uma das mãos envolveu-a firmemente pela cintura e com a outra pôs-se a acariciar sua nuca. Ela acomodou o rosto no ombro dele e fechou os olhos, movendo-se devagar junto com ele.
Mesmo que a música estivesse alta, a voz de Rony sobrepunha-se dentro de sua cabeça, repetindo as coisas horríveis que ele dissera. “Ele está usando você”, “suponho que tenham juntado as cabeças naquelas sessõezinhas íntimas na biblioteca”. As lágrimas voltaram a brotar dos olhos dela. Rony não sabia de nada! Krum estava ali, abraçando-a, lhe emprestara o casaco, a levara até a enfermeira quando achou que ela não estava bem... Não tinha outro interesse que não fosse por ela!
Aquele garoto cujo rosto estava estampado em cartazes pelo acampamento dos bruxos na Copa Mundial, cujo nome era repetido por uma torcida de cerca de cem mil bruxos; aquele garoto que era o maior ídolo de quadribol da Bulgária, que era o aluno favorito do diretor de Durmstrang, que tinha garotas interessadas por ele sem nem ao menos o conhecerem; aquele garoto estava ali, abraçando-a com carinho, querendo saber se alguém tinha feito algo contra ela ou se ela estava sentindo frio.
Enquanto isso, um garoto que ela conhecia havia três anos e que se dizia seu amigo estava mais preocupado em criticar cada passo seu, apenas para depreciá-la, pelo simples prazer de vencê-la numa discussão, de apontar como ela tinha defeitos ou deixava de ter qualidades. Além disso, ele parecia estar sempre disposto a aceitar o menor motivo para deixar de falar com ela; realmente, ele não demonstrava se importar muito com ela.
Já ela... Havia poucas pessoas no mundo com quem ela se importasse tanto quanto se importava com Rony. Ele figurava entre as pessoas mais importantes de sua vida, entre as pessoas de que mais gostava e as por quem faria qualquer coisa. Mais do que isso; Gina estava certa, pois ela o amava. Nunca tivera tanta consciência disso como tinha agora, aninhada nos braços de Krum, lembrando dolorosamente como Rony nunca a abraçara; todas as vezes que já tinham se abraçado, a atitude tinha partido dela.
Nada fazia sentido para ela naquele momento, pois aquela linda decoração do salão principal, o lindo vestido que usava e até a poção alisante não tinham o menor propósito para alguém que estivesse se sentindo tão miserável quanto ela. Nada daquilo teria a menor importância se ela estivesse feliz; passaria os olhos por tudo sem enxergar nada. Mas agora, ali, chorando, ela não conseguia parar de pensar no desperdício que era olhar para as paredes cobertas de gelo por trás de lentes de lágrimas. Odiava Rony com todas as suas forças. Odiava gostar tanto dele.
A música terminou e deu lugar a outra agitada. Hermione não se moveu, porém. Continuou ali, os braços ao redor do pescoço de Krum, os olhos fechados escondendo algumas lágrimas que ainda não tinham caído para umedecer o ombro das vestes dele.
— Herm-on-nini... Querr sentarr um pouco?
Ela não respondeu. Não queria falar com ele. Não queria falar com ninguém nem pensar em nada. Mantinha os olhos fechados e o que escutava lhe escapava sem ser registrado. Krum afastou-a, obrigando-a a mudar de posição. Ela abriu os olhos e forçou um sorriso. Ele pareceu convencido de que estava tudo bem com ela, e abraçou-a forte.
No momento seguinte, Krum beijou demoradamente sua bochecha, acariciando sua nuca com uma das mãos e apertando-a pela cintura com a outra. Hermione não ofereceu resistência. Ele escorregou os lábios da bochecha até a boca dela, e ela deixou que ele a beijasse. Depois do beijo, ainda permaneceram abraçados no meio da platéia que pulava alucinada, até que Krum a puxou pela mão e a levou para sentar-se a uma mesa. Ele estava definitivamente mais feliz agora. Ela, não.
— Quero mais uma cerveja amanteigada — ela disse, com displicência.
— Non acha que já bebeu o bastante?
Ela não respondeu; encarou-o por alguns instantes e depois baixou os olhos. Ele se aproximou. — Focê non está bem. Me diga o que há...
— Nada. Quero dançar.
Ela levantou-se, puxando Krum com força pela mão de volta para a pista de dança. Pediu a ele que não fizesse mais perguntas, e então os dois puseram-se novamente a pular com a platéia. Alternavam momentos em que dançavam com momentos em que sentavam para se beijar. Hermione não deixava que ele fizesse perguntas, não queria responder nada. Queria convencer-se de que estava realmente se divertindo. De vez em quando procurava Rony pelo salão, mas não tornou a vê-lo durante o baile.
A festa acabou à meia-noite, e Hermione não soube se achou bom ou ruim. Krum parecia muito triste enquanto andavam de mãos dadas ao longo do salão principal em direção ao saguão. Ele beijou sua mão carinhosamente antes de sair em direção ao lago, dizendo:
— Poa noite, Herm-on-nini.
— Boa noite.
Rony e Harry passavam por ali em direção às escadas, e ela desejou saber onde tinham estado durante a noite inteira. Dirigiu a Rony um olhar cheio de ódio, que ele retribuiu com sua pior careta de nojo. Ela adiantou-se para passar na frente deles, subindo a escada com pressa.
— Ei, Harry! — chamou Cedrico. Ele estava com Cho, e Harry não pareceu muito feliz em se aproximar deles. Por que as pessoas tinham que gostar umas das outras?
Hermione continuou subindo, sem ouvir os passos de Harry e Rony atrás de si; mas logo depois Rony se aproximou, sozinho. Ele pareceu acelerar o passo para alcançá-la. Ela ouviu-o dizer, no tom mais desagradável possível:
— E aí, se divertiu?
— Sim. Você? — ela perguntou, virando a cabeça para trás para encará-lo.
— Depende se você acha divertido passar a noite inteira observando uma pessoa ser ridiculamente usada.
— Você está se referindo a mim?
— Quem mais?
— E por acaso você não tem nada melhor para fazer do que passar a noite inteira me observando?
— Ah, claro que eu não passei a noite inteira observando você; senão teria partido para cima daquele cabeça de abóbora.
— E por que você teria feito isso?
— Porque eu nunca vi alguém enrolar você desse jeito! É ridículo o jeito como ele convenceu você de que...
— É ridículo o jeito como você duvida que alguém possa se interessar por mim! O que é? Qual é o meu problema, que me torna tão detestável?
— Ora, não seja ridícula. Mas se Vítor Krum se aproxima de você assim, de repente, sem nem conhecê-la, sabendo com quem você anda, de quem é amiga... Com sua inteligência, você devia desconfiar!
— Desconfiar de quê, Ronald? Em dias ele se mostrou mais preocupado comigo do que você fez em três anos! Eu deveria desconfiar de você! Deveria desconfiar que você na realidade não suporta a minha presença, e só vê alguma utilidade em me ter como amiga na hora de fazer os deveres! Garanto que se arrepende até hoje de ter me salvado daquele trasgo no primeiro ano!
— Eu nunca disse isso! — retrucou ele, escandalizado.
— Mas do jeito que você age, nem precisa!
— Você está desviando do assunto; está torcendo as coisas, procurando um jeito de justificar os seus atos!
— Não estou, tudo isto é o mesmo assunto, não é? Não tem nada a ver com Harry; tem a ver com você! Evidentemente, há algum motivo que faz com que você odeie a idéia de eu ter ido com Krum ao baile. Agora me diga, eu tenho o direito de saber; me diga que motivo é esse!
Rony ficou visivelmente desconcertado, e demorou algum tempo até conseguir balbuciar:
— Você continua... Está procurando um jeito de me culpar, você sempre arranja um jeito de me culpar pelas burradas que faz!
— E que burradas são essas, hein? Você está julgando a minha vida, procurando onde eu errei e acertei? Por que não olha para a sua? Vai achar bastante distração, eu lhe garanto!
A esta altura, já estavam no corredor, andando em direção ao retrato da mulher gorda, Hermione à frente, olhando para trás para discutir com Rony, que vinha logo atrás batendo os pés no chão de raiva conforme discutiam.
— Quer fazer o favor de voltar ao assunto? — berrou Rony, depois, sem baixar a voz, dirigiu-se à mulher gorda: — Luzes encantadas!
— E qual é o assunto? — Hermione perguntou, entrando atrás dele na sala comunal.
— A sua traição a Harry!
— A minha traição a Harry? Harry disse lá embaixo que não se importava de eu ter vindo com Krum. Ele não se importa, só você se importa. Agora me diga, por quê? Você ainda não me respondeu por quê!
— Ora, Hermione. Harry disse isso porque já está feito. Você pensou em perguntar se ele se importava, antes?
— E VOCÊ! Você pensou em Harry quando convidou Fleur Delacour? Se ela tivesse aceitado você iria com ela, ou não?
— I-isso foi... foi um ato impensado, e você sabe muito bem disso. — ele balbuciou.
— Não, eu não sei! Eu não sei mais de nada sobre você! Por que está fazendo isso comigo? Pensei que você fosse meu amigo!
— Eu era... sou... Sou amigo de uma Hermione que não... que não... faz isso.
— Isso o quê? — ela gritou, o mais alto que sua garganta era capaz. — Diga, se tem coragem!
— Se deixar ser usada, como uma qualquer! — ele berrou, em resposta.
Hermione explodiu. Não podia suportar aquilo; sua mão moveu-se rápida e pesadamente em direção ao rosto de Rony, produzindo um estalo seco. A bochecha que ela atingira com o tapa ficou mais vermelha ainda do que a raiva já a tinha tingido.
— Como se atreve? — ela choramingou baixinho, deixando as lágrimas dominarem-na.
Rony ficou sem ação por alguns instantes, depois disse, desdenhoso:
— Da próxima vez, chame Vitinho para defendê-la; isso não doeu nem um pouco!
— Eu deveria, mas não vou pedir que ele suje as mãos em você. — ela retrucou, tentando conter as lágrimas.
— Ah é? E quando vai ser o casamento? Vai convidar Harry para padrinho? Ou eu?
— Eu nunca convidaria você!
— E eu nunca aceitaria; continuaria sendo leal a Harry como sempre fui!
— Sempre? Você não desconfiou dele quando o nome dele saiu do cálice de fogo? Eu fui a única a acreditar que ele não tinha se inscrito!
— Mas depois o apunhalou pelas costas, foi isso o que você fez! Garanto que gostou de se sentir importante esta noite, a sra. Vítor Krum! Pena que Dumbledore proibiu Rita Skeeter de entrar no castelo, senão você poderia aparecer com ele na capa do Profeta Diário!
— Cale essa boca, seu idiota!
— Acabaram os seus argumentos, é? Nem sabe mais o que dizer para se defender! Entendeu que não há justificativa para o que você fez!
Harry apareceu pelo buraco do retrato, e só então Hermione percebeu que além dele havia uma pequena platéia observando o espetáculo. Ela olhou para Rony, a roupa amassada, o cabelo bagunçado e o rosto muito vermelho, um pouco mais intensamente na bochecha que ela golpeara. Ela poderia jurar que havia um brilho lacrimoso nos olhos dele.
Se Harry não se importava, por que ele se importaria? Por que estava ali, naquele estado de nervos, acusando-a de um crime que não existia? Parecia ele o “apunhalado”. E será que não era? Será que ele não estava sentindo o coração apertado, como ela imaginara que sentiria ao vê-lo com outra garota?
— Se você não gosta, então sabe a solução, não sabe? — berrou, o ódio queimando-a por dentro.
— Ah é? E qual é, então? — ele berrou de volta.
— Na próxima vez que houver um baile, me convide antes que outro garoto faça isso, e não como último recurso! — vociferou, e teve a certeza de que era o ponto final da discussão.
Rony ficou ali, mexendo a boca sem emitir som algum, completamente desorientado. Ela sentiu uma sensação remota de satisfação, pois não havia dúvidas de que acertara em cheio. E nem de que vencera a discussão, afinal de contas. Deu as costas e subiu batendo os pés e chorando, ainda dominada pela raiva, em direção ao dormitório, mas não para o das quartanistas. Entrou no das garotas do terceiro ano e atirou-se na cama de Gina, que abraçou-a esperando que se acalmasse do choro convulsivo.
— Você ouviu? — Hermione murmurou com dificuldade por causa dos soluços.
— Claro, como a torre inteira. — Gina soltou um risinho. — Agora toda a Grifinória sabe que Rony ficou louco de ciúmes de você com Krum.
Hermione sorriu por entre as lágrimas.

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