Acordo de Paz



— CAPÍTULO CATORZE —
Acordo de Paz




O dia mal amanhecera quando Hermione acordou no domingo. Na verdade, ela concluiu que só conseguira dormir algumas horas por causa do cansaço de ter dançado muito e da grande quantidade de cervejas amanteigadas que bebera na noite anterior. Foi até o banheiro e deparou-se com uma versão terrível do que tinha sido algumas horas antes: o vestido amassado, a maquiagem borrada e espalhada pelo rosto e os cabelos já totalmente crespos, alguns ainda presos no que fora um coque. Ela chorara no colo de Gina até bem tarde, e a amiga já tinha caído no sono abraçando-a quando ela resolveu ir deitar em sua própria cama, sem se dar o trabalho de trocar de roupa.
Agora, encarando seu reflexo, não havia nada que ela mais quisesse do que tomar um banho e lavar aquela sujeira, as lágrimas e todo o resto. A noite toda fora um desastre, que terminara em seu ápice; a discussão com Rony. Queria mergulhar na água da banheira para lavar-se de tudo aquilo, e foi o que fez, ou pelo menos tentou.
Depois do banho e de vestir-se, Hermione foi para a sala comunal, que estava deserta, e atirou-se em uma poltrona perto da lareira. Batidinhas insistentes na janela a informaram de que alguém mais acordara cedo; e ela tinha uma leve desconfiança de quem era: Vítor Krum. Estava certa, afinal. A carta que ele mandara pela pobre coruja, que parecia prestes a congelar, dizia o seguinte:

“Hermione
Dormiu bem? Espero não ter acordado você com a coruja, mas me acordei pensando em você e num impulso comecei a escrever este bilhete...
Você ainda não me convenceu a não fazer perguntas, então espero que esteja disposta a conversar hoje sobre o que tinha de errado com você ontem. Eu gostaria muito de ajudá-la.
Você é uma garota muito especial... Beijos
V.K."


O primeiro impulso de Hermione foi perguntar-se o que será que ele queria dizer com "conversar hoje". Odiou a idéia de que, ao beijá-lo na noite anterior, podia ter assumido um compromisso de continuar a vê-lo. A letra dele era feia, o pergaminho era áspero, o sotaque dele era irritante. Em suma, se ela ficasse sabendo que ele voltaria para a Bulgária naquela mesma tarde, não ficaria nem um pouco chateada.
Dobrou o bilhete de qualquer jeito e enfiou no bolso da calça, e foi realmente um alívio que Bichento aparecesse naquele momento para enroscar-se no seu colo, porque ela estava sentindo uma súbita vontade de abraçar qualquer coisa que se diferenciasse bastante de Vítor Krum.
Passou-se o tempo sem que ela percebesse, talvez ela tivesse até cochilado em alguns momentos, abraçada a Bichento, mas o fato é que pessoas começaram a aparecer por ali, sonolentas, saindo pelo buraco do retrato para tomar café, depois voltando para atirar-se nos sofás e poltronas preguiçosamente, os bocejos como parte dos diálogos de todos.
— Já tomou café, imagino — disse a voz de alguém.
Hermione levantou os olhos e viu Rony em pé ao seu lado. Seu coração deu um solavanco, e ela sentiu o impacto da discussão que tinham tido na noite anterior como se tivesse ocorrido no instante anterior àquele. Com um pouco de imaginação, até enxergava uma das bochechas dele mais vermelha do que a outra, como se ela recém tivesse lhe dado aquele tapa. Arrependia-se levemente, mas ele merecera; dissera que ela tinha se comportado "como uma qualquer".
— Tomou ou não? — perguntou ele, impaciente.
— Por que você se importa?
— Porque eu acho que devíamos conversar, entrar num acordo depois do que aconteceu ontem. Achei que podíamos tomar café juntos. — ele disse isso tudo bem rápido e sem olhá-la, como uma criança obrigada pela mãe a pedir desculpas ao irmão mais novo. As orelhas dele ficaram escarlates para a próxima frase que ia dizer: — A não ser, é claro, que já tenha marcado de tomar café com o seu noivo.
— Eu não tenho noivo. — Hermione disse, num tom de calma, tranqüilidade e casualidade que surpreendeu até a ela mesma. Não olhava para ele tampouco, concentrando-se inteiramente na carícia que fazia atrás das orelhas de um Bichento muito satisfeito.
— Escuta aqui, não fui eu que dei um tapa na sua cara; você é que deveria estar querendo pedir desculpas! — Rony saltou, retomando a indignação da discussão.
Hermione sentiu um prazer sádico ao perceber a facilidade que tinha para tirá-lo do sério. Levantou-se com calma, Bichento seguro no colo, evitando um sorriso que queria escapar-lhe dos lábios e por fim olhou-o nos olhos, dizendo calmamente:
— Pensei ter ouvido você dizer que não doeu.
O rosto dele se contraiu numa careta raivosa.
— A única pessoa que eu vi você estapear além de mim foi Malfoy, e eu fiquei ofendido ao ser posto em pé de igualdade com ele.
Aquele comentário deixou Hermione momentaneamente sem ação. A afirmação dele era verdadeira, mas certamente os dois não estavam em pé de igualdade. Rony e Malfoy? De jeito nenhum! O tapa em Malfoy tinha sido fruto de puro ódio, por ele ter ofendido Hagrid. Já o tapa em Rony era o tapa de uma pessoa muito magoada com alguém de quem gostava muito. Era totalmente diferente.
— Você está abordando a questão pelo ângulo errado — disse, suspirando.
— O que quer dizer?
— Eu quero dizer que eu não dei um tapa em você em vão. Admita que também se excedeu, e por mim, estamos em paz.
Os dois encararam-se por um instante, e Hermione sentiu seu rosto corar contra sua vontade. Se fosse seguir seu impulso mais íntimo, atiraria-se nos braços de Rony em um abraço apertado, choraria e imploraria pelo seu perdão. Mas segurou-se.
— Tá bom. — foi a resposta sem emoção dele. — Vou tomar café.
E ele deu as costas, saindo em seguida pelo buraco do retrato em passos lentos. Hermione ficou ali, contendo ímpetos de correr atrás dele. Poucos segundos depois, Harry apareceu.
— Acabou de acordar, Mione? — ele perguntou, o olhar parecia um pouco preocupado, provavelmente por causa da discussão cujo final ele presenciara.
— É — mentiu ela, sem saber direito o motivo.
— Vamos tomar café, então.
Ela hesitou, receando ver Krum no salão principal, mas acabou indo. Para seu alívio, o búlgaro não estava lá, em seu canto habitual na mesa da Sonserina. Ela e Harry sentaram-se ao lado de Rony, que pareceu um pouco surpreso de vê-la ali embaixo. Ao olhar para ele, ela pensou em dizer alguma coisa do tipo "eu ia vir mas você não me esperou", mas o silêncio que se instaurara entre os três era tão denso que parecia inquebrável. O que Harry provou não ser verdade no instante seguinte.
— Temos coisas a lhe contar, Mione — foi o que ele disse. — Mas é melhor deixarmos para falar na sala comunal, não é, Rony?
— É, acho melhor — Rony disse, mordendo um pedaço enorme de pão.
Harry alternava olhares entre os dois, ligeiramente ansioso, provavelmente tentando decifrar qual era o estado da relação deles depois do abalo que sofrera na noite anterior. Hermione decidiu que não comentaria nada; se Rony quisesse contar do "acordo", o problema era dele.
Logo depois do café os três subiram apressados e sentaram-se a um canto da sala comunal. Bichento voltou para o colo de Hermione, e parecia aborrecido por ela ter se ausentado.
— Tá, digam logo o que têm para me contar. — ela disse, ansiosa.
— Bem, — começou Harry. — ouvimos sem querer Hagrid conversando com Madame Maxime, e ele contou a ela que era meio gigante, filho de mãe giganta e pai normal. Perguntou de que lado ela tinha herdado e ela se enfureceu, disse que não tinha parentes gigantes, que tinha ossos graúdos.
Hermione não ficou tão surpresa quando os garotos deviam ter julgado que ficaria.
— Imaginei que devia ser algo assim — disse, com displicência. — Claro que ele não poderia ser todo gigante, porque os gigantes têm uns seis metros, mas francamente, isso é um preconceito idiota, como o que sofrem os lobisomens. Os gigantes não devem ser todos ruins. É muita cegueira, não acham?
Dizia-se que os gigantes eram violentos, selvagens e que gostavam de matar. Hermione nunca estivera em frente a um, mas se pudesse tomar Hagrid como base, nunca pensaria que eram cruéis como se dizia. Hagrid era uma das pessoas mais sensíveis, a seu próprio modo, que ela já conhecera.

Hermione entediou-se rapidamente com o marasmo daquele domingo. Enquanto Rony e Harry jogavam, ora xadrez de bruxo ora snap explosivo, ela resolveu ir à biblioteca procurar algum livro interessante para ler. Nem bem começou a andar entre as prateleiras, encontrou a última pessoa que desejaria encontrar naquele momento.
— Está fugindo de mim, Herm-on-nini? — Vítor Krum perguntou.
Ela forçou um sorriso para sobrepor a surpresa.
— Como assim? Por que você diz isso?
— Não vi focê no café da manhã, nem no almoço... Fim aqui prrocurrar, focê deve terr esquecido que eu costumava esperrá-la aqui.
— E por que eu haveria de querer fugir de você? — Hermione perguntou, franzindo o cenho com uma certa impaciência. — Demos azar de irmos comer em horas diferentes, não é?
Ele sorriu, sem graça.
— Me desculpe. Fiquei pensando se focê não terria ficado chateada com alguma coisa...
“Com várias coisas, mas coisas que não têm a ver com você”, ela pensou.
— Não, é claro que não. — disse, ansiosa em acabar com aquele mal-estar.
Sorrindo mais abertamente agora, ele abraçou-a carinhosamente. Depois, antes que ela pudesse impedi-lo, ele a beijou. Na noite anterior, ela estivera tão transtornada que mal sentira, mas agora, sóbria e mais tranqüila, não pôde deixar de reparar como o beijo dele era bom, especialmente porque cada movimento era cuidadoso e carinhoso. Quando ele soltou-a, ela estava um tanto atordoada.
— Espere, — sussurrou, tentando recuperar o fôlego. — não podemos ficar fazendo isso aqui, entre as prateleiras da biblioteca, não é?
Ele riu, e agarrou-a pela mão.
— Então fenha.
Quando passaram pela mal-humorada bibliotecária, ela perguntou, com uma certa surpresa:
— Não vai levar nada, srta. Granger?
— Non — Krum respondeu, radiante. — Eu é que fou levá-la.
E saiu correndo com Hermione pelos corredores, ela sem ação sendo puxada por ele, até que parou-o no meio de um lance de escadas.
— Espere aí, Vítor... — ofegou. — Não acha... que está indo um pouco rápido demais?
— Ah, me desculpe — ele disse, passando a andar mais devagar.
Hermione fechou os olhos, contendo um impulso quase irresistível de chamá-lo de idiota por não ter entendido o que ela quisera dizer. Ele acabou arrastando-a para os jardins, em frente ao navio de Durmstrang, e beijou-a mais uma vez, derrubando-a na grama e fazendo-a rolar pelo chão.
— Vítor... Está me sujando toda... — reclamou, tentando escapar do abraço forte dele enquanto suas roupas enchiam-se de grama.
Ele ficou rindo e largou-a, os dois ficaram estendidos lado a lado na grama, a contemplar o céu azul, as nuvens e o vento carregando folhas e mais folhas. Estava incrivelmente frio, e os pedacinhos de grama que Hermione removia dos braços e das pernas pareciam pequenos estilhaços de gelo.
— Desculpe o mau jeito... — Krum disse de repente. — É que focê.... Focê representa uma coisa tão nova e diferrente na minha vida... Essa escola... Hogwarrts é tão incrrível, se pudesse, eu virria parra cá. Gosto muito mais daqui do que de Durmstrang. E focê...
— E eu, — ela disse, forçando uma risada. — eu preciso voltar lá para dentro, porque você não faz idéia da quantidade de deveres que eu tenho para fazer.
Ela se levantou e ele fez o mesmo em seguida.
— Nos falamos, enton. — ele disse, sorrindo, antes de um beijo rápido nos lábios de Hermione.
Ela forçou um último sorriso e correu de volta para o castelo, sentindo-se completamente confusa. Era certo que não gostava de Vítor, não como ele parecia gostar dela. Mas ela era obrigada a admitir que era bom sentir-se adorada como ele fazia com que ela se sentisse. Não conseguia, no entanto, evitar a idéia de que o melhor sentimento que tinha em relação a ele era a satisfação de ver Rony morto de ciúmes quando seu ex-ídolo era mencionado.


O primeiro dia de aula do novo trimestre guardava uma grande surpresa para Hermione, Rony e Harry. Depois de uma aula tediosa de Herbologia, eles andaram em direção à cabana de Hagrid para a aula de Trato das Criaturas Mágicas, mas encontraram lá outra pessoa.
— Eu sou a profa. Grubbly-Plank, substituta temporária na disciplina de Trato das Criaturas Mágicas. — disse uma bruxa de cabelos grisalhos curtos e um queixo grande e saliente.
— Onde está Hagrid? — Harry perguntou.
— Não estava se sentindo bem — respondeu a professora, secamente.
Hermione e os garotos entreolharam-se; o que poderia haver de errado com Hagrid para não ter aparecido para a aula? Neste momento chegaram os alunos da Sonserina, que não demonstraram surpresa em ver outra pessoa no lugar de Hagrid, pelo contrário; pareciam bastante satisfeitos.
— Sigam-me — disse a profa. Grubbly-Plank, fazendo sinal para a classe.
Um tanto contrafeitos, Hermione, Rony e Harry seguiram junto com os colegas.
— As cortinas da cabana estão fechadas — Hermione ouviu Rony murmurar.
A professora liderou-os pela orla da floresta até onde estava amarrado um lindo unicórnio branco, que Hermione boquiabriu-se de ver. Grubbly-Plank explicou que os unicórnios preferiam a aproximação das garotas à dos garotos, e chamou as meninas à frente. Em algum tempo, já estavam todas ao redor do animal, a acariciá-lo. Hermione sentia-se feliz por não ter que alimentar explosivins, embora estivesse preocupada com a ausência de Hagrid. Quando voltavam ao castelo para almoçar, ela comentou:
— Eu não sabia a metade das coisas que a profa. Grubbly-Plank ensinou sobre os unicórnios...
— Olhe isso! — Harry interrompeu-a, ríspido, atirando um jornal para ela.
O título da matéria era “O Maior Erro de Dumbledore”, e o conteúdo era a pior junção das características de Hagrid, dez vezes pioradas. A matéria dava ênfase à descendência de gigante que ele tinha, o que poderia arrasar sua carreira como professor. Alguns alunos prestavam depoimentos na matéria, como Draco Malfoy dizendo “todos odiamos Hagrid”. A jornalista responsável era Rita Skeeter.
— Como ela pode ter descoberto isso? — Hermione perguntou, boquiaberta. — Será que escutou a conversa de Hagrid e Madame Maxime no baile?
— Nós a teríamos visto por lá — disse Harry.
— Talvez ela tenha uma capa de invisibilidade — Rony sugeriu.
— Esta noite — Harry decretou — vamos visitar Hagrid, dizer que o queremos de volta. — depois virou-se para Hermione com um olhar incisivo — Você quer ele de volta, não quer?
— Não posso fingir que não gostei de ter uma aula boa de Trato das Criaturas Mágicas para variar — começou ela a responder com sinceridade, mas Harry lançou-lhe um olhar tão furioso que ela antecipou sua conclusão — mas é claro que quero Hagrid de volta!
As aulas de Hagrid eram ruins, e os três concordavam nisso, mas a amizade de Hagrid era infinitamente mais importante. Hermione tinha plena consciência disso; ela mesma dava mais importância a Hagrid do que os outros dois podiam imaginar.
Naquela noite, então, os três desceram até a cabana de Hagrid depois do jantar. Bateram e chamaram pelo amigo insistentemente durante cerca de dez minutos, sem resposta. Hermione não imaginara que Hagrid deixaria de atendê-los.
— Ele não acha que nos importamos com o fato de ele ser meio gigante, não é? — disse, quando voltavam frustrados ao castelo.
Porém, aparentemente, ele achava que se importavam. Além de não atendê-los naquela noite, Hagrid não foi visto pelos três em lugar algum da escola durante o resto da semana.

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