Expresso Hogsmeade-Londres

Expresso Hogsmeade-Londres



Capítulo 9. Expresso Hogsmeade-Londres


::Andy::


- Pensei que você ia sair com Longbottom! - Marlene não se conteve, apontando para Davis, que olhava atônito para nós.


Estávamos todos parados no meio do corredor - eu, Lílian, Aine e Marlene, com nossas capas de viagem e cheias de mochilas e cestas de comida, e Héstia e Davis, com os uniformes desalinhados, provavelmente saídos de uma seção de agarramentos atrás de alguma armadura.


- Fale baixo - sussurrei com urgência. Aine estava tão vermelha que temi que ela perdesse o fôlego e desmaiasse, sem ar. Sorri para ela para mostrar que estava tudo bem, embora não me sentisse nada bem. Era tarde para recuar agora.


- O que é isso? - Héstia fitou nossas mochilas, sorrindo maliciosamente.


- Estamos fugindo - falou Lílian como se fosse uma coisa sem a menor importância.


Jones correu os olhos, parando brevemente em cada uma de nós, depois fixou-se em Lílian.


- Fala sério?


- Claro - e Lily sacou a varinha. - E se fizer algum barulho juro que receberá algo bem pior que aquela fotografia.


As duas trocaram olhares desafiadores por alguns momentos, até que Héstia compreendeu que Lílian não hesitaria e que Davis não poderia ajudá-la. Ele estava meio que paralisado, olhando para Lílian de um jeito apavorado, provavelmente lembrando da última vez que mexera com uma de nós, quando Lily lhe deu uma boa dose de furúnculos numa região do corpo muito bem escolhida, em se tratando de um jogador de quadribol.


- Por que eu me importaria se vocês fugissem? - Héstia murchou. - Seria ótimo para mim. Boa viagem, divirtam-se.


Marlene acenou para nós e seguimos nosso caminho, passando pelos dois sem falar mais nada. Ela virou o rosto para Davis, mirando-o com uma raiva descomunal, depois empinou o nariz e nos seguiu.


Héstia continuou parada, nos observando pelas costas. Lílian tirou o mapa falso do bolso interno da capa e deixou-o cair displicentemente antes de descermos um lance de escadas.


Ao chegarmos às portas de carvalho do átrio, Lílian parou se virando para nós e falou:


- Estamos prontas. Nada mais pode nos deter.


- Estou com medo - balbuciou Aine.


Marlene tentava manter a pose de forte, mas, ante a expressão de Aine, ela não resistiu e a abraçou. E abracei as duas e Lílian me seguiu. Ficamos alguns instantes assim, tomando coragem.


Então nos separamos, contemplamos umas às outras, cada uma com os olhos brilhando de expectativa, respiramos fundo e empurramos juntas um dos lados da porta, que se entreabriu com um rangido alto. Saímos todas por um espaço mínimo e avançamos pelas escadas ladeadas por enormes javalis de pedra, como quatro fantasmas andando na calada da noite.


- Foi muito fácil - murmurou Marlene assim que iniciamos nossa caminhada pela estradinha que nos levaria a Hogsmeade.


Estávamos todas tentando parecer mais corajosas do que nos sentíamos, andando depressa com medo que as outras desistissem.


Chegamos à estação com muitos minutos de antecedência e, vendo tudo ali deserto, nos sentamos num pequeno lance de escadas. Ninguém tinha muito o que falar, de modo que as conversas rapidamente morreram e ficamos em silêncio, mirando a noite sombria ao nosso redor. Vindos da Casa dos Gritos, visível no alto de um penhasco bem diante da estação, podíamos ouvir uivos assustadores e barulhos de madeira sendo partida.


- Não se preocupe, Aine, deve ser uma noitada de fantasmas - murmurei, me lembrando que os fantasmas do porão da mansão Black tinham o costume de fazer sons como aqueles nas noites de festa.


Foi quando Marlene começou a rir, tão súbita e inexplicavelmente que todas trocamos olhares de dúvida.


- Por que está rindo? - perguntei.


- Estava pensando - respondeu Marlene, entre risadinhas abafadas - na Jones... Quando o Black descobrir o que fizemos, vai sair perguntando e ela não vai resistir. Vai entregar o mapa falso a ele e vão sair procurando a gente na direção errada...


- Ela não vai se controlar – concordei, esboçando um sorriso nervoso. – É capaz de estar nos delatando agora mesmo.


- E daí? - indagou Aine. - Não era o que queríamos que acontecesse?


Marlene olhou para Lílian e ela pareceu entender.


- Black vai pensar que ela fez de propósito, que ajudou em nosso plano - explicou.


- Vai ser engraçado - falei, me juntando ao riso contido de Marlene.


- Ou não - completou Aine, nos fitando com temor. - Imagina o que ele vai fazer quando descobrir. Pode querer se vingar dela...


Um silêncio pesado caiu sobre nós e trocamos olhares apreensivos.


- Talvez seja melhor voltarmos - sugeriu Lílian.


- Voltar? - Marlene se levantou. - Voltar para onde? Não podemos, vamos nos denunciar. Se continuarmos, temos uma boa chance de retornar sem que ninguém perceba, se a Jones manter o bico fechado, mas voltar agora seria o mesmo que se entregar!


Ninguém disse nada em contrário. Nem mesmo Lílian. Permanecemos em silêncio até a chegada do trem, que surgiu na estação agitando nossos cabelos. Embarcamos depressa e ocupamos uma cabine bem no fim do terceiro vagão.


Colocamos nossas coisas no bagageiro e, num suspiro cansado, nos deixamos cair nos bancos, eu e Lily de frente para Aine e Marlene. Com um solavanco, o trem da linha da meia noite Hogsmeade-Londres partiu e Marlene sorriu para todas nós dizendo baixinho:


- Conseguimos!


- Eu tinha certeza que conseguiríamos - falei.


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::Lílian::


A confiança se espalhou por todas nós. Nossa viagem estava começando para valer!


Na excitação de sair do castelo sem sermos notadas, nenhuma de nós tinha percebido o quanto nos sentíamos cansadas. A tensão fora suficiente para nos esgotar completamente e o fato de ser já de madrugada tornava impossível manter os olhos abertos. A sensação de estarmos realmente fugindo, pondo quilômetros e quilômetros entre nós e Hogwarts, deixou-nos caladas por um longo tempo, absortas em nós mesmas, até que, uma a uma, fomos todas caindo no sono.


Por volta da uma e meia da manhã, eu era a única que permanecia acordada, com o incômodo peso de Andrômeda dormindo apoiada no meu ombro. Experimentava uma sensação que nunca tinha tido em toda a minha vida: liberdade. Isso era meio estranho porque eu nunca tinha me sentido presa ou reprimida. As regras, em casa e na escola, eram vistas por mim como uma boa maneira de manter tudo em ordem e garantir que todos fossem respeitados. Ainda assim, cometendo o que poderia ser o maior erro da minha vida até aquele momento, não consegui me sentir menos que feliz e satisfeita. Era como se, pela primeira vez, eu estivesse tomando as rédeas do meu próprio destino.


Meus olhos correram por minhas três amigas. Aine arriara no banco e dormia encolhida como um gato, com a cabeça apoiada nas pernas de Marlene. Era provavelmente a que ficara mais ansiosa com tudo que nos acontecera naquele dia. Parecia uma boneca de pano, totalmente vulnerável e dependente de nós. Acho que cada uma de nós via alguma coisa de si mesma na nossa pequena Aine. Por isso sempre estávamos querendo protegê-la.


Marlene, numa completa exaustão física e emocional, apenas recostara a cabeça com os olhos fechados e respirava calmamente, alheia aos solavancos do trem. Andy já estava deixando meu braço dormente. Eu só podia esperar que ela não babasse em mim, mas não tive coragem de mexer com ela.


Quilômetros e quilômetros se estendiam entre nós e o nosso destino na Escócia. O cansaço adiado pela ansiedade começava a dominar meus braços e pernas, mas não minha mente, que continuava a mil. Apesar da hora e do cansaço, eu me sentia incapaz de dormir. Olhei para o relógio no pulso de Andy. Em poucas horas, todos no castelo estariam se levantando para um novo dia e descobririam que tínhamos sumido.


- Lily, pare de olhar para nós com essa cara, não consigo dormir assim... - resmungou Marlene de olhos fechados.


Eu devo ter pulado alguns centímetros na cadeira de susto e, quando dei por mim, Aine me observava com os enormes olhos azuis completamente abertos.


- Nós vamos ser presas, Lily? - ela perguntou num fio de voz.


- O quê?


- Vamos ser presas quando descobrirem que fugimos da escola? - ela explicou.


- Claro que não, Aine - garanti. - No máximo ganharemos algumas detenções, nada de grave. Afinal, somos todas maiores de idade.


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::Sírius::


- Ruiva. Você viu, era ruiva! - Tiago se atirou na cama de dossel, ficando sentado de braços cruzados, mirando inquisidoramente a mim e a Pedro.


- E daí? Existem ruivas por aí que não têm o nome Lílian Evans, sabia? - resmunguei, exausto, puxando o cobertor até o queixo, decidido a ter umas boas horas de sono descente após aquela madrugada agitada.


Tiago levantou da cama e ficou parado diante da janela, voltada precisamente para o leste. O céu cinzento lá fora começava a se iluminar.


- Era ela, eu sei - ele insistiu.


- Sim, seu coração te disse, agora trate de dormir que você está é com o cérebro afetado pela falta de descanso - falei, atirando o travesseiro naquela cara de palerma desconsolado que ele fazia.


Francamente, era uma vergonha para nossa reputação o que Lílian Evans fazia com o meu amigo. Onde já se viu um Maroto se arrastando humildemente aos pés de uma chata como ela? Ok, uma chata com cabelos ruivos muito atraentes e olhos verdes bem encantadores, mas ainda assim uma chata. E ele olhando para ela daquele jeito vidrado, disposto a dar um braço e o que mais precisasse por um simples sorriso dela que não fosse de ironia.


- Acontece que se era a Lily, então quer dizer que ela está fugindo do nosso encontro.


- Nosso encontro? Temos um encontro com alguém? - perguntou Pedro, emergindo bobamente do travesseiro para pegar a conversa no meio.


- Não vocês, estou falando do meu encontro com a Lílian.


- Lílian Evans? - indagou Rabicho, com os olhos semicerrados.


- Conhecemos outra Lílian? - falei, impaciente. - Quer saber, Pontas, problema dela se quer fugir. Ela que perde. Sai dessa, fica com outra garota, aposto que tem um monte que faria qualquer coisa para receber um convite seu. Parta para outra.


Tiago voltou para a cama e ficou mirando o vazio com aquele jeito idiota de poeta traído. Era quase como se a perspectiva de Lílian Evans ter novamente o dispensado pudesse lha causar uma dor física. Patético. Parecia até uma menininha que tinha levado um fora. Teria sido bom se o Remo estivesse ali, mas provavelmente só o veríamos bem mais tarde, depois que a enfermeira da escola tivesse tempo de virá-lo do avesso fazendo os exames pós-lua cheia e curar todos os ferimentos que ele sempre arranjava em suas transformações mensais.


Mas, se realmente tínhamos visto a cabeleira vermelha de Lílian Evans embarcando no trem em Hogsmeade como insistia Tiago, então aquela ruivinha tinha se metido numa bela encrenca.

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