Chegada da neve



Mais alguns dias chegaram e se foram, trazendo consigo as já conhecidas sensações de outono. Para Hermione e Snape, isso significava uma inconsciente alegria, pois os dois estavam vivendo em harmonia desde o acontecimento do corujal. A garota tentava não pensar mais em seus amigos. Onde quer que eles estivessem, sabia que estavam bem sem ela. Snape, por sua vez, delegava seus afazeres para poder ficar a maior parte do tempo com sua aluna, mesmo não dando mais aulas para ela.

Porém, o mestre sabia que aquilo não podia ficar assim para sempre. Foi quando as últimas folhas das árvores caíram e o castelo ficou insuportavelmente frio que ele juntou toda coragem que lhe restava para entrar na biblioteca, onde se encontrava Hermione.

Ela ergueu a cabeça e sorriu levemente ao notar a presença de Snape. Ele continuou sério, tendo sempre em mente a gravidade do assunto que gostaria de tratar com ela. Sentou-se de frente para a garota e esperou que ela fechasse o livro que lia para começar a falar.

- Precisamos conversar.

Hermione se endireitou na cadeira e inclinou-se um pouco para frente, observando Snape atentamente. Ele colocou a mão no bolso da capa e retirou dele uma folha marrom e seca, colocando-a sobre a mesa. Olhou novamente para sua aluna, que o encarava com uma expressão de dúvida.

- Existem muitas outras iguais a esta nos gramados do jardim.

Ela riu, achando que tudo aquilo não passava de uma brincadeira. Vendo que Snape permaneceu sério, voltou ao normal novamente.

- Por outro lado, nas árvores não resta nenhuma.

Começando a compreender o que o professor queria dizer com tudo aquilo, ela se levantou e foi até a janela da biblioteca. Encostou-se na parede próxima e olhou para o horizonte, percebendo pela primeira vez como o céu estava cinzento. Ao olhar para baixo, notou também que o gramado já não era mais verde: estava com uma leve camada branca formada pelos primeiros flocos de neve da estação.

- Já é inverno... – disse Hermione, mais para ela mesma do que para qualquer outra pessoa.

- Sim. O outono acabou e, com ele, acaba nossa dívida.

Snape também estava de pé, mas manteve-se próximo à mesa. Hermione virou-se para encará-lo, parecendo furiosa.

- Não temos dívida nenhuma. Estou aqui porque quero e você sabe disso.

Ele ouvia isso de cabeça baixa, pois não podia encarar aquela garota. Sabia que ela estava certa, mas tinha medo de amolecer e fazer alguma besteira antes de dizer a ela o que precisava falar.

- Eu gostaria que fosse assim tão simples, mas não é.

Hermione notou que a questão não deveria mais estar em torno dela ir ao encontro de seus amigos ou não, mas provavelmente se tratava de alguma coisa muito mais séria. Aproximou-se lentamente de Snape, tentando fazer com que ele erguesse a cabeça, pois sabia que só poderia entender completamente o que ele queria lhe dizer se olhasse naqueles olhos tão cúmplices.

- Eu tenho que ir embora – disse Snape, mantendo-se cabisbaixo.

Ele estava tão vulnerável naquele momento, mas não queria que ela percebesse. Hermione continuava olhando para ele em vão, esperando que ele dissesse mais alguma coisa. Logo chegou à conclusão de que teria que perguntar o que quisesse saber.

- Por que? Está cansado de mim? Estou atrapalhando alguma coisa? Se for isso, eu que devo ir!

Aquilo foi demais para Snape, que olhou para a garota e não pôde mais reter as lágrimas que deixavam seus olhos. Hermione também estava chocada pela última frase do professor e chorava silenciosamente. Num movimento único, os dois atiraram-se um contra o outro e se abraçaram ternamente.

- Claro que não é por causa de você. Não quero que você pense nisso nunca mais! Mas gostaria que você entendesse que eu tenho uma missão a cumprir e não posso abandoná-la... Muitas pessoas dependem de mim agora.

Continuaram abraçados fortemente, um chorando no ombro do outro.

- Eu vou com você.

Snape sentiu o choro aumentar. Era tudo que ele queria ouvir, mas exatamente aquilo que ele temia escutar. Rompeu o abraço para olhar Hermione nos olhos, segurando o queixo trêmulo da garota.

- Não posso deixar que você vá.

E agora que os dois se olhavam, ela podia compreender que existia mais envolta dessa negação do que o perigo da guerra em si.

- Isso... Isso é por causa do lado em que você está? O lado de... Voldemort?

Não queria ter feito essa pergunta, assim como Snape não queria escutá-la, mas, desde o primeiro encontro, ambos sabiam que um dia ela viria à tona. E Hermione afastou-se um pouco mais depois de falar, hesitando sobre essa situação. Será que poderia trocar de lado nessa guerra só por causa de um homem?

- Ouça bem o que eu vou lhe dizer e não se esqueça de nada – começou Snape, com aquela velha voz grave que há tempos não saia de sua boca. – Esse é um assunto delicado que necessitaria de muita conversa, o que não será possível por ser muito perigoso nos tempos atuais. A única coisa que te digo é que vai ficar tudo bem e peço que confie em mim. Sempre.

Hermione ouvia tudo atentamente, sentindo o dedo frio de Snape em seu rosto quente de tanto chorar. Por fim, achou o pedido dele irrelevante. Sempre iria confiar nele, mesmo se ele não tivesse dito nada, mesmo sabendo que ele era um assassino e que talvez estivesse do lado inimigo na guerra. Mas o que era o lado inimigo, afinal? Ela estava realmente de algum lado? Não tinha mais certeza do sentido desse combate, já que seu envolvimento nele era inútil. Agora via um motivo para ficar de fora de tudo isso, tentando evitar um sofrimento maior.

E mais uma vez ela percebeu que não precisava dizer nada, pois bastava um olhar para que eles selassem esse pacto de confiança em tempos tão difíceis.

- Amanhã cedo eu vou partir. Você deve deixar o castelo logo depois e ir para um lugar seguro. A partir de amanhã, a situação vai ficar muito pior do que está agora.

Hermione balançou a cabeça positivamente, apesar de querer gritar que não ia deixá-lo e o acompanharia onde quer que ele fosse. Porém, sabia que ele não deixaria que ela fizesse essa loucura, então resolveu esconder esse desejo o melhor que pode, fingindo acatar as ordens dele.

Mas Snape já conhecia a garota bem o suficiente para saber o que se passava em sua cabeça. Doía muito fazer o que estava fazendo, mas doía ainda mais imaginar a garota seguindo-o no meio do fogo cruzado. Discretamente, ele empunhou sua varinha e fez um feitiço não-verbal que a paralisou subitamente, envolvendo-a com várias cordas.

- Desculpe, mas é para seu bem.

Ele colocou a mão no bolso interno de sua capa e retirou dela um pequeno frasco contendo um líquido púrpura borbulhante. Aproximou-se de Hermione tentando manter a calma, mas sua mão tremia. Provavelmente seria a última vez que falaria com ela antes de se despedir, portanto estava bem nervoso.

- O que é isso? O que você está fazendo? – perguntou ela que, apesar de parecer amedrontada, não de debatia.

Gentilmente, Snape passou o braço pela cintura da garota e a empurrou até a parede. Destampou o frasco que continha a poção e começou a aproximá-lo da boca dela, mas Hermione parecia calma novamente.

- Isso é uma poção do sono, não é? – perguntou.

Ele não disse nada. Ficou olhando para ela sem piscar, mesmo sabendo que ela poderia descobrir muita coisa com esse contato visual.

- Você quer que eu esteja dormindo quando for embora porque sabe que vou tentar te seguir.

Snape desviou o olhar para o chão e passou as mãos pelos cabelos. Era o bastante para ele. Aquela garota sabia tudo, tudo que se passava por sua cabeça sem ele precisar abrir a boca.

- Como você sabe que isso não é um veneno? – perguntou ele, num tom desesperado.

Esperava que Hermione se assustasse e se calasse depois disso, assim ele poderia terminar esse trabalho desagradável de uma vez. Mas ela continuou serena, olhando para ele brandamente.

- Não sei o que é, mas confio em você. Sempre.

Os dois ficaram em silêncio por poucos estantes. Snape ofegava, Hermione apenas o olhava daquele jeito estranhamente calmo. E então a garota sentiu as cordas se afrouxarem e o professor se aproximar dela como nunca havia feito antes.

Quando as cordas que prendiam Hermione atingiram o chão, os braços de Snape já envolviam a cintura da garota com firmeza e desespero, enquanto seus lábios encostavam nos dela num misto de desespero com medo. Mas ela o abraçou e correspondeu o beijo intensamente, tentando fazer com que ele entendesse que não havia o que temer.

Se separaram alguns segundos depois. Com um sentimento de culpa e saudade antecipada, Snape segurou o rosto de Hermione delicadamente e fez com que ela bebesse a poção. Não teve grandes dificuldades, pois ela colaborou. E, antes que caísse em sono profundo, sorriu uma última vez para aquele homem que ela confiava acima de qualquer outro.

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