Liberdade



Depois daquele dia, tanto Snape quanto Hermione tinham mudado de comportamento. Aquela constante aproximação entre os dois acabara. Voltavam a ser dois estranhos e se constrangiam facilmente com a presença do outro. Snape tinha cedido seu quarto para Hermione, enquanto ele voltou a dormir no velho armazém próximo à cozinha. Fazia algum tempo que não tinham aulas e o professor passava a maior parte do tempo fora do castelo.

Sentindo-se extremamente sozinha e até mesmo um pouco abandonada, Hermione foi até o corujal numa tarde cinzenta e gelada. Sentiu o vento bater em seu rosto e lembrou-se dos tempos em que era totalmente livre, mas não ficou feliz. Aquilo era como uma memória distante de algo que nunca mais aconteceria, e talvez ela nem quisesse que realmente acontecesse. Será que era realmente livre?

Espantando essa dúvidas de sua cabeça, Hermione aproximou-se de sua coruja e a acariciou. Não demorou muito para ela perceber que o animal trazia uma carta amarrada em sua pata. A garota desprendeu o papel amassado e hesitou um pouco antes de abri-lo. Há tanto tempo deixara de receber mensagens de seus amigos que achava aquilo tudo um pouco estranho. Não tinha vindo ao corujal antes por medo de Snape, achando que ele ficaria bravo de saber que ela estava ajudando seus inimigos. E agora ela não sabia se realmente queria ajudá-los. Estava dividida entre seus amigos da vida inteira e o receio de trair seu professor.

Logo uma expressão decidida tomou seu rosto e ela abriu a carta. Não importava o que estava sentindo e se estava confusa, aqueles eram seus amigos, sua vida, e eles precisavam dela mais do que nunca.


“Mione,

Cara, onde é que você se meteu? Não temos notícias suas há um tempão!

Harry estava preocupado e me encheu pra escrever essa carta, mas eu já disse pra ele que está tudo bem. Que mal poderia acontecer com você aí no castelo?

Enfim, a gente tá seguindo aquela última pista que você mandou, mas ainda não encontramos nada. Na verdade isso está parecendo mais uma viagem de férias, a gente até foi dar uma volta na praia ontem! Bom, se você souber de mais alguma coisa, avisa a gente. E vê se dá um sinal de vida!


Rony”




Hermione terminou de ler a carta sentindo as lágrimas começarem a escorrer por sua face. Não compreendia exatamente o motivo de sua tristeza, já que os amigos estavam bem. Muitíssimo bem, pra falar a verdade. E a carta era como todas as outras que recebera de Rony ou Harry durante toda sua vida. Animada e... infantil.

Ela sentou-se no peitoril da grande janela de pedra, segurando a carta com força. Sentiu então um vazio sufocante dentro de seu peito. Um vazio que refletia toda sua vida e tudo que significava para seus amigos e para o mundo bruxo. Estava sozinha, e não era por causa da condição de prisioneira que viva naquele castelo, mas sempre esteve só, mesmo quando o lugar era cheio de gente. Durante as aulas, durante as festas no Salão Comunal, ou nas partidas de quadribol, até mesmo nos momentos de perigo que passara. Esteve sozinha. Assim como estava agora.

Ela ergueu a cabeça para respirar melhor e deparou-se com o recém-chegado Severo Snape, que a observava com uma expressão indescritível, uma mistura de pena com constrangimento. Quando ele percebeu que ela tinha visto-o, aproximou-se cautelosamente da garota e ficou de frente para ela. Apontou para o papel amassado em suas mãos e tentou falar o mais cordialmente possível.

- Más notícias?

Hermione voltou a abaixar a cabeça e seu choro recomeçou ainda mais forte. Snape olhou para o teto e suspirou, reconhecendo que tinha tocado no assunto de uma forma um tanto indiscreta. Sentou-se ao lado dela determinado a desfazer a bobagem que tinha feito.

- Desculpe... Mas não gosto de vê-la chorando e queria saber o que aconteceu.

Ele engoliu em seco. Bom, talvez estivesse sendo terno demais agora, mas a frase fez algum efeito, pois ela olhou para ele e esboçou um breve sorriso.

- Não foi nada – disse ela, voltando a olhar para o chão.

Snape observou mais uma vez a carta que estava amassada em sua mão. Não queria ser indiscreto, mas sabia que ela não diria nada se ele não perguntasse.

- Essa carta é dos seus amigos?

Ela concordou com a cabeça e limpou as lágrimas que encharcavam seu rosto, enquanto o choro diminuía.

- Eles estão precisando de você?

Hermione ficou quieta, parando até mesmo de soluçar. Não entendia como ele conseguia perguntar exatamente o que ela não queria responder. Um silêncio tomou o corujal e Snape desejou não ter dito nada mais uma vez, porém resolveu que era hora de fazer algo pela garota.

Ajoelhou-se na frente dela e ergueu a cabeça da garota com a ponta de seu dedo frio, fazendo um tremendo esforço para não sair correndo e se esconder para sempre nas masmorras.

- Escute... Se você quiser, pode ir. Vá e ajude seus amigos.

Ela encarou-o franzindo a testa. Jamais esperava ser libertada, pelo menos não tão cedo e sem ter pedido.

- Eu sei que eles não são nada sem você, portanto está livre para ir até eles e ajudá-los.

Snape quebrou o contato visual com Hermione e olhou para o chão, tentando não deixar que as lágrimas deixassem seus olhos. Estava botando seu plano em jogo, sua promessa, sua missão. Tudo isso por uma garotinha sangue-ruim que tivera a ousadia de cruzar seu caminho quando ele menos podia encontrar alguém. Mas não era por esse motivo que a libertação de Hermione o entristecia... era pelo fato de que, uma vez fora daquele castelo, nunca mais poderia vê-la.

- Eu não vou a lugar nenhum.

Hermione olhava decidida para o professor. Cruzou os braços e ficou esperando que ele se recompusesse, pois o homem estava um tanto abalado. Snape finalmente ergueu a cabeça e tentou assumir sua antiga frieza, mas fracassou por não conseguir conter a alegria de continuar convivendo com aquela garota todos os dias.

- Tem certeza? – perguntou Snape com a voz trêmula.

- Absoluta. Trato é trato, e eu só deixo esse castelo no fim do outono.

- Olha, você não precisa seguir o trato só porque...

- Sei que não preciso, mas eu quero.

O silêncio imperou novamente, mas dessa vez era menos tenso. Os dois se olhavam de uma forma nova, fixa e verdadeira. E, pela primeira vez, riram juntos por estarem gozando de uma confiança incondicional que acabara de nascer entre aquela aluna e seu professor.

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