Sem julgamento



Remo fechou os olhos, enquanto as palavras do juiz de paz penetravam em seus ouvidos sem que maior atenção ele lhes desse. A pesada placa de mármore que selaria o túmulo estava no chão e os dois caixões estavam sendo baixados para a cova. Muito longe do cemitério onde Lílian e Tiago estavam sendo enterrados, saía a sentença de Sirius Black.

- Eu, Bartolomeu Crouch,...

- Que descansem em paz, esses que deram a vida para proteger aquilo que tinham de mais importante.

As palavras se confundiam em sua mente. Remo não tinha dúvidas de que estava ouvindo o que Sirius ouvia naquele momento, no salão vazio do tribunal de paredes de pedra. O lobisomem podia ouvir uma terceira voz se sobrepor àquelas que já ouvia; a voz de Dumbledore, no dia anterior, após a captura de Sirius. Até ali, ele estivera na ignorância do que havia acontecido com os amigos nos últimos dias da lua cheia.

- Eles estão mortos, Remo. Eu sinto muito.

- ...juiz do Supremo Tribunal Bruxo...

- A morte desses nossos amigos não foi em vão. Eles lutaram bravamente, e lutaram pelo mais sublime dos sentimentos: o amor.

Pedro, Lílian e Tiago mortos. E Sirius... Sirius era um traidor. Remo jamais seria capaz de supor tal coisa. Nunca conseguiria admitir que Sirius traíra os marotos. Mas ele traíra. E agora, daqueles amigos sempre tão próximos, só restava ele. O último maroto.

- ...diante de todas as provas apresentadas e do testemunho de Alvo Dumbledore, diretor da escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts...

Dumbledore não estava no enterro de seus pupilos mais queridos. Havia muito com que se preocupar. Voldemort se fora, mas ainda havia os comensais, seus seguidores. No entanto, a cerimônia, que ele acreditara estar quase vazia já que, dos amigos dos Potter, poucos agora restavam, estava cheia; havia quase uma multidão no cemitério para prestar as últimas homenagens ao casal.

Os Potter... Eles se tornariam lendas no mundo mágico, pais de Harry Potter, o-menino-que-sobreviveu. Haveria alguém ali capaz de contar a verdadeira história dos dois? Ou eles seriam imortalizados simplesmente pela consequências de todos os seus atos? Saberiam quanto sofrimento, quantas alegrias, quando poder existia na história de Lílian e Tiago?

- E foi graças a esse amor que seu filho está vivo. E, mais do que isso. Harry Potter, o-menino-que-sobreviveu, foi capaz de derrotar o mais temível bruxo que conhecemos em muito tempo... Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Devemos agradecer o sacrifício que eles fizeram por seu filho e que, por conseqüência, trouxe paz a todo o mundo mágico.

- Sirius Black culpado por traição ao Ministério e à sociedade bruxa, assim como pelo assassinato de treze trouxas, de Pedro Pettigrew...

Era a hora do último adeus. Estava sozinho, como nunca imaginara que estaria. Nunca, nem em seus pesadelos mais terríveis, poderia prever aquilo. Estava orgulhoso de Pedro, que no último instante, provara ser um herói. Orgulhoso do pequeno Harry, graças a quem podiam todos respirar novamente tranqüilos. Mas havia nódoas que ele preferia esquecer nesse presente... Sirius...

- ...e de Lílian e Tiago Potter.

Sirius permanceu impassível enquanto ouvia sua sentença. Ninguém acreditaria na verdade, não havia porque tentar de novo... Pedro fizera um bom trabalho. Estava vivo... e livre. O mesmo não se podia dizer dele próprio. Perdera a liberdade. Estava vivo, mas que espécie de vida teria em Azkaban? Seria melhor que o matassem de uma vez.

- Como tal, eu o condeno à prisão perpétua em Azkaban, sem direito a apelação. Seção encerrada.

O moreno quase riu. Aquilo não era um julgamento, como ele poderia apelar? E a quem poderia apelar? As únicas pessoas que acreditariam nele estavam mortas. E, naquele exato instante, os corpos de ambos estavam sendo enterrados.

Ele foi levado de volta à cela que ocupava desde o dia anterior. Na manhã seguinte, ele seria levado para Azkaban. Sirius fechou os olhos, lembrando-se da sensação que tivera da primeira vez que vira um dementador. Não era uma lembrança muito boa... Não quando envolvia sua doce e querida mãzinha...

As horas se passaram sem que ele se desse conta disso. A cela voltou a se abrir e Sirius se perguntou se já vinham levá-lo. Mas, em vez de guardas, quem entrou na cela foi um rapaz de cabelos e olhos claros, alguém que ele conhecia muito bem. Remo Lupin.

Os dois se encararam estranhamente. Por alguns instantes, Sirius pensou em contar toda a verdade para o amigo. Mas logo descartou essa idéia. Ele não acreditara nem em Tiago quando esse afirmara que Remo não poderia ser um traidor, porque Remo agora acreditaria nele? Que direito ele tinha de afirmar que era inocente para aquele que julgara culpado por tanto tempo?

Além disso, Sirius não tinha muita certeza se era inocente. Por sua estupidez, entregara os amigos para Pedro. Ele deveria ter aceitado ser o fiel. Se fosse pego, mesmo a morte não o impediria de continuar guardando o segredo. Porque fora tão impulsivo? Pedro jamais suportaria as torturas que poderiam lhe infligir... Mas, isso não teria muita importância, afinal, Rabicho era um traidor desde muito antes de ter os amigos nas mãos. Graças a ele, Voldemort soubera da Ordem e de seus membros.

- Tiago e Lílian foram enterrados hoje à tarde.

A voz do outro saiu rouca, muito diferente do tom sempre calmo de Aluado. Sirius virou-se para o pequeno quadrado que pretensamente chamavam de janela. Começava a escurecer. O silêncio se instalou entre eles e Remo se pegou perguntando porque estava ali. O que realmente queria? Ouvir do próprio Sirius a verdade? Ouvir da boca dele que traíra os amigos? E se Sirius dissesse que era inocente? Ele acreditaria?

Talvez ele simplesmente quisesse ver o amigo. Sentir, uma última vez que não estava sozinho. Que havia alguém em quem confiava o suficiente para dividir seu maior segredo. Mas Remo agora entendia que preferia não ter vindo. Preferia ter mantido na memória a imagem de um Sirius sem mácula, o amigo divertido e fiel... Ali ele via um homem de olhos tristes e culpados. Culpa...

- Como está Harry? - Sirius perguntou sem se voltar para ele.

Remo observou o rapaz com cuidado. Porque ele se importaria com Harry? O garoto estava órfão por causa dele. Teria algum plano também para o afilhado?

Céus, o que estava pensando?! Sirius não faria isso! Nesse momento, Remo percebeu que nunca poderia acreditar totalmente que o amigo os traíra.

- Dumbledore disse que ele está bem. Está com os tios.

Uma risada que mais se assemelhava a um latido saiu da garganta de Sirius.

- Então ele também vai ter sua própria prisão... A irmã de Lílian nunca foi um exemplo de tolerância. - Sirius tirou algo do bolso, erguendo a mão para Remo - Pode guardar isso? Acho que vai estar mais seguro com você.

Remo estreitou os olhos mas aceitou a cordão, que logo reconheceu como o mesmo que Lílian sempre carregava. O que faria ele com Sirius? Achava o rapaz que com ele teria o mesmo poder da guardiã? Não, se fosse assim, Sirius não estaria entregando a ele.

- Há mais alguma coisa que você queira? - Remo perguntou, fazendo força para a voz sair.

Sirius refletiu por alguns instantes.

- Há uma caixinha... Está no meu quarto. Um gravador. É a única coisa que quero levar comigo.

Remo assentiu. Mais um pesado silêncio instalou-se entre eles. Não havia nada mais a ser dito. Sirius voltou a observar o céu e Remo virou-se para ir embora. Antes no entanto, que pudesse sair da cela, ouviu um mumúrio triste.

- Eu sinto muito...

Rapidamente ele deixou a cela. Os aurores fizeram algums perguntas antes de deixarem ele ir embora. Ele aparatou na sala do casarão em que Sirius morara. Logo encontrou a caixinha que ele pedira. Voltou ao ministério e pediu a um dos guardas que entregasse o objeto a Sirius. Não tinha mais coragem de encará-lo.

Estava saindo do prédio do Ministério pela segunda vez quando uma auror o parou. Ele conhecia a mulher de vista. A esposa do jornalista Lovegood. Ela vira o cordão. Vira o brilho que o pingente emitia através do bolso da capa de Remo. E quando soube de quem Remo o recebera, ela o confiscou.

- Pode ser um objeto das trevas. Se estava com Black, ele pode ter...

- Minha senhora, eu já lhe disse, esse cordão não era de Sirius. Ele perteceu a Lílian. Deixe que eu o leve a Dumbledore, ele poderá entregar ao verdadeiro dono.

- Não posso, Lupin. O pingente pode ter sido inofensivo enquanto esteve com a senhora Potter. Mas Black pode ter usado magia negra para preparar uma armadilha para o pequeno Potter. O cordão será levado para o Departamento de Mistérios. E não argumente mais, ou eu terei que predê-lo também como cúmplice do Black.

Remo respirou fundo enquanto a mulher sumia pelos corredores do Ministério. Talvez ela tivesse razão afinal. Sirius os traíra. Entregara o melhor amigo nas mãos do maldito Lorde das Trevas. Como poderia confiar novamente nele?

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