Rabicho versus Almofadinhas



A noite estava escura como breu; não havia sequer uma estrela no firmamento. Talvez os deuses soubessem o drama que se desenrolava naquele lugarejo escondido, ou talvez fosse só uma coincidência. Fosse como fosse, havia uma tristeza mal disfarçada no ar. A magia chorava a perda de sua guardiã.

Mas Sirius ainda não sabia de nada disso quando pousou a moto no caminho florido apesar da proximidade do inverno, obra da magia de Lílian. Podia sentir, mas não conseguia acreditar. Mesmo diante das ruínas do casarão que abrigara seus amigos, ele não podia, ou não queria entender o que acontecera.

Uma silhueta gigantesca levantou-se das ruínas com um pequeno embrulho que gemia baixinho em seus braços. Hagrid. Sirius imediatamente desmontou da moto e caminhou até o homem, tendo os olhos levemente embaçados. As poucas luzes acesas da rua atrapalhavam sua visão.

- Hagrid, onde eles estão? Onde eles...

O gigante apenas abaixou a cabeça como resposta e Sirius sentiu o desespero crescer em seu peito. Era mentira. Tinha que ser mentira. Um pesadelo... Dali a pouco ele ia acordar e ia encontrar Tiago deitado na cama ao lado, roncando, enquanto Remo acabava de se arrumar e Pedro tentava se erguer depois de cair da cama pela décima vez. E depois eles desceriam para o salão principal e Lílian estaria lá para gritar com Tiago, e Camille usaria um dos objetos de seu pai para afastá-lo. Susan estaria com seus recortes, Emelina iria para a mesa da corvinal tomar café com Fábio... Tudo estaria bem, na segurança de Hogwarts, sob as vistas de Dumbledore.

- Sirius, o que você está sentindo? Está passando mal? - Hagrid segurou com um único braço o pequeno e com o outro apoiou Sirius, fazendo o rapaz se sentar - Eu sinto muito. Tiago e Lílian, eles não... Eles não sobreviveram. Mas Harry...

Pálido e tremendo, Sirius finalmente se deu conta do embrulho que Hagrid segurava com cuidado.

- Harry? Harry está vivo? Mas... Mas e Voldemort? - ele se levantou, sem conseguir se conter.

Hagrid tremeu involuntariamente a menção do nome tão temido, mas encarou os olhos azuis do rapaz com alegria.

- Ele se foi. Aquele-que-não-deve-ser-nomeado se foi. Graças ao pequeno Harry. Devia se orgulhar do seu afilhado, Sirius. Ele vai ser famoso. vai ficar conhecido como O menino que sobreviveu. Graças a ele, podemos de novo respirar em paz.

Respirar em paz. Ele nunca poderia respirar em paz sabendo que errara com Remo e entregara os melhores amigos nas mãos do mais temido bruxo de todos os tempos. Mas ainda havia Harry. O menino que sobreviveu. O filho de seu melhor amigo. De seu irmão...

- Me dá o Harry, Hagrid. Sou o padrinho dele, vou cuidar dele.

Hagrid meneou a cabeça tristemente.

- Não, Sirius. Dumbledore ordenou que eu levasse Harry para os tios trouxas. Ele quer que a irmã de Lílian cuide dele.

O rapaz quase riu. Harry Potter sendo criado por trouxas? E, pior ainda, pela irmã de Lílian, a que os chamava de aberração, anormais e outras coisas do tipo? Mas ele não pode rir. Subitamente se lembrara de que ninguém sabia que Pedro fora o fiel de segredo dos Potter. Dumbledore achava que ele, Sirius, é que tivera esse encargo. E agora, eles iam achar que ele era um traidor.

E porque não? Um Black, apenas mais um maldito Black. Todos iriam dizer que, assim como a prima Bellatrix, ele era um dos comensais mais fiéis ao Lorde das Trevas. Um seguidor de Voldemort.

- Leve a moto, Hagrid.

O homem olhou-o curioso.

- Mas, e você?

- Não vou precisar mais dela. - Hagrid assentiu e caminhou para a moto, antes, no entanto, que pudesse montar, Sirius correu até ele, segurando-o pelo braço - Deixa eu ver meu afilhado. Uma última vez.

Hagrid assentiu, tirando a manta do rosto do pequeno garoto. Havia um corte na testa dele, mas Harry observou o padrinho com seus grandes olhos verdes, sem lágrimas. Sirius limpou o sangue que se coagulara ao redor do corte e beijou de leve a cabeça do menino, voltando a colocar a manta sobre ele.

Afastando-se, Sirius viu o gigante montar a moto, ligando-a e logo desaparecendo na noite escura. Uma nuvem moveu-se vagarosamente, finalmente revelando a lua cheia em todo o seu esplendor. Em algum lugar, Remo Lupin estava sozinho, enfrentando mais uma de suas dolorosas transformações.

Sirius voltou para as ruínas, revolvendo-as até achar os corpos. Primeiro foi Lílian, facilmente encontrada pelos cabelos flamejantes. Se não fosse pela palidez e por um corte na maçã do rosto, ele poderia dizer que a amiga dormia tranquilamente. Pouco depois, sob uma viga que sustentara quase todo o teto que desabara, ele encontrou Tiago. As lentes dos óculos estavam trincadas e ele conservava no rosto um semblante de desafio e um meio sorriso. No que Tiago pensara antes de morrer? Saberia que Voldemort encontraria seu fim no pequeno Harry?

Com a varinha, ele flutuou o corpo do amigo para junto do de Lílian, consertando o óculos dele e cicatrizando o arranhão dela. Ali estavam eles como foram em vida; juntos. Sirius sentiu um soluço escapar da garganta, mas segurou-se para não chorar. Ele ainda não podia chorar seus mortos. Não enquanto Pedro Pettigrew estivesse em liberdade.

Ele ajoelhou-se ao lado da ruiva e tirou a corrente que ainda pendia em seu pescoço. A pedra branca do pingente pareceu brilhar por alguns instantes, mas foi rápido demais para que ele pudesse ter certeza. Guardando o cordão no bolso, ele começou a caminhar até os limites da cidade, onde poderia aparatar.

Seu faro nunca falhara. Sabia onde encontrar o maldito traidor. Jurara nunca mais pôr os pés naquela rua, mas era preciso. Por uma última vez, ele precisava voltar ao Largo Grimmauld, número doze.


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Bellatrix não estava. Não havia ninguém que pudesse ajudá-lo. Fora um idiota. Nenhum comensal iria ajudá-lo. Não agora que o Lorde se fora. Seria um "salve-se quem puder". Ninguém ia se preocupar com ele.

Mas esse fato não era o mais preocupante para Pedro. Ninguém sabia que ele era o fiel de segredo dos Potter, exceto Sirius. E Sirius não seria clemente. Sirius ia matá-lo. Mas se ele simplesmente sumisse, poderiam ir atrás dele. E, pior do que a morte, Pedro seria mandado para Azkaban.

Talvez a morte fosse a saída. Não nas mãos de Sirius, certamente. E nem nas próprias mãos. Era covarde demais para tentar suicídio. Não... A morte era a saída que Pedro precisava. Mas não a morte real. Ele lembrou-se de um livro que lera há muito tempo, esquecido no Profeta Diário, na seção de achados e perdidos. O protagonista forjava sua morte. E depois de tudo esquecido, voltava como um vencedor.

Pedro não teve muito tempo para pensar nos detalhes de seu "plano". Porque Sirius, com os olhos azuis brilhando sinistramente, aparatara diante do casarão.

- Ora, ora, ora... Se não é meu velho e querido amigo Rabicho? E então, rato? Satisfeito? SATISFEITO, MALDITO?!

Pessoas pararam para observar a discussão. Pedro começou a tremer. Tinha que dar um jeito de incriminar Sirius. Ninguém poderia acreditar no Black traidor. Ou iriam atrás dele. Pedro fez sua varinha escorregar do bolso para sua mão, escondida nas costas. Todo aquele povo... Os trouxas seriam testemunhas perfeitas.

Os olhos de Sirius se estreitaram ao ver o supremo esforço que Pedro fazia para vencer o medo e falar. A face vermelha e confusa dele contrastavam com os olhinhos rápidos, que iam da multidão que começava a se formar para o moreno.

- Assassino.

Sirius sentiu um choque percorrer seu corpo ao ouvir essa palavra saída da boca de Pedro. Mas em vez de retrucar, o moreno só conseguiu rir, uma risada sem alegria, fria, quase mecânica.

- Talvez eu seja, Rabicho. Por ter confiado em VOCÊ!

Pedro deu um meio sorriso misturado com soluços fingidos. O amigo tinha caído em sua armadilha.

- Lílian e Tiago, Sirius! Como é que você pôde?

Sirius fechou os olhos por alguns instantes, estendendo a varinha para a frente. Ele era inocente. Mas também era culpado. Deixara de acreditar em Remo, que nunca fizera nada que pudesse justificar sua desconfiança. Quando os reabriu, as orbes azuis se paralisaram nos lábios de Rabicho um segundo antes de uma enorme explosão ocorrer.

Ele viu a forma humana de Pedro através da fumaça, encolhendo até tornar-se um ridículo ratinho inofensivo, que logo correu dali. A rua estava quase que completamente destruída, havia corpos ensanguentados no chão, gritos desencontrados... Mas nada daquilo importava. Uma garoa fina começou a cair enquanto Sirius se deixava cair no chão, rindo como louco.

E foi dessa maneira que o Esquadrão de Execução das Leis da Magia o encontrou, diante de uma cratera e da capa de bruxo de Pedro Pettigrew, completamente ensangüentada.

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