Última estrela



Selene se deixou cair no sofá enquanto lia a carta de Emelina. Desde a morte de Susan, ela mudara-se para os Estados Unidos, de onde controlava os passos da banda que criara, "As esquisitonas". Fora a maneira que encontrara para se proteger da dor. Mas, aparentemente, esse sentimento não queria deixar de persegui-la.

Lílian e Tiago mortos... Assim como tantos outros. E Sirius... Sirius um traidor... Pedro, um herói... Alguma coisa ali não estava certa. Simplesmente não podia acreditar nas palavras borradas das lágrimas de Emelina Vance. Daquela alegre turma da Grifinória para a qual as Black Sabath fizeram sua primeira apresentação, restavam vivos ela, Emelina, Alice, Frank, Remo e Sirius... Mas Sirius os traíra...

Ela se levantou, caminhando até a janela de onde podia ver as luzes de Nova York. Talvez fosse hora de esquecer o passado, deixando-o descansar junto aos fantasmas... Gostaria de ser capaz disso. Escolhera o auto exílo. Não voltaria a Londres. Nunca mais...


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Ela guardou o porta-retrato onde um casal sorria alegremente em sua bolsa, acabando de amarrar as sapatilhas ao redor de seus pés. Prendeu os cabelos dourados numa trança e levantou-se, fazendo um aceno com a varinha. Os botões da radiola se mexeram sozinhos e uma música suave começou a tocar.

Após aquecer-se brevemente, Emelina começou a dançar. O teatro estava vazio, mas tanto fazia para ela que estivesse assim, ou com uma platéia numerosa. A única pessoa que importava a ela naquele espetáculo já não poderia assisti-la.

As horas se passaram, a música acabou, mas ela não deixou de dançar. Talvez, se esgotasse o corpo, pudesse deixar de pensar por algum tempo. Pudesse deixar de lembrar... O suor escorria pelo rosto jovem, e era com dificuldade que ela se movimentava agora; seus membros não pareciam querer obedecê-la.

Palmas soaram, quebrando o silêncio tão necessário a alma da loirinha. Emelina imediatamente parou, encontrando os olhos claros do responsável pelo teatro, um velhinho trouxa chamado John Milton, com quem, por diversas vezes, entrara em longos debates sobre Shakespeare enquanto Fábio esperava pacientemente lá fora, sob um guarda-chuva. Fábio...

- Senhorita Vance, raras vezes vi uma apresentação tão perfeita.

Ela deu um meio sorriso.

- Obrigada, senhor Milton.

- Infelizmente, já é hora de fechar o teatro. Você passou a tarde ensaiando. Deve voltar para casa, tenho certeza que tem alguém a esperá-la.

Ela apenas acenou a cabeça, sem responder. O velhinho não sabia... Ele conhecera Fábio e como ela jamais retirara a aliança do dedo talvez ele pensasse... Meneando a cabeça, ela tomou nos braços a pequena mochila, encaminhando-se para o vestiário, de onde pouco tempo depois saiu, pronta para ir para casa. A noite a recebeu fora do teatro. Era madrugada quando ela parou o carro diante do prédio em que morava.

O apartamento estava silencioso, como sempre. Mesmo quando ela acendeu as luzes e começou a remexer na cozinha, procurando alguma coisa para comer, o lugar parecia estranhamente vazio. Talvez a casa, como sua dona, tivesse afinal se resignado com a melancolia.

Emelina caminhou até a pequena sacada, abraçando um pote de sorvete. A lua já tinha quase que totalmente sumido. Pouquíssimas estrelas ousavam se revelar. Mas o brilho de uma delas chamou a atenção da loira. Provavelmente, aquela era a estrela mais brilhante do céu, a única que importava, recortada contra o céu escuro.

Ela suspirou. Não tinha vontade de contar estrelas. Fizera isso dezenas de vezes, em épocas mais felizes que aquela. E a simples lembrança desse fato doía. Emelina voltou a entrar no apartamento, fechando as cortinas para não ter que olhar o céu. E que as estrelas descansassem em paz.


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Severo sentou-se à escrivaninha de professor. Acabara de estar com Dumbledore. Apesar do Lorde ter desaparecido, seus seguidores ainda eram muitos, e naquela noite, eles tinham feito mais vítimas.

Bellatrix... Ela fora pega afinal. Mas os aurores tinham chegado muito tarde para salvar os "brinquedinhos" dela. Frank e Alice Longbottom tinham sido removidos para o St. Mungus, mas provavelmente, não voltariam a sair de lá.

Fechando os olhos, ele ainda podia ouvir os gritos da velha senhora, sua primeira vítima, a mãe de Lílian Potter. Talvez Alice e Frank tivessem gritado daquela maneira também antes de se calarem para sempre, tendo a loucura como sua única proteção...


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Silêncio... Um som de muitos significados. Alegria, raiva, frustração, dor... Remorso. Ele os traíra. Machucara-os, fizera eles sofrerem... E, por fim, matara-os. Seus amigos. Poderia considerá-los ainda amigos? Que direito tinha ele, um traidor, de usar essa palavra?

Tiago, que sempre o defendera. Lílian, com seu sorriso sincero, sempre pronta a ajudar, mesmo quando não suportava os marotos. Sirius... Sirius, o amigo de todas as horas... Matara os dois primeiros. E entregara o último a Azkaban. E o que era Azkaban, se não algo pior do que a morte?

Pedro encolheu-se mais na escura toca em que se abrigara, enquanto o gotejar incessante dos esgotos espalhava seu odor fétido por todas aquelas tubulações. Todos lá em cima acreditavam que ele era um herói. Ele olhou para a pata, onde um dedo faltava.

Sua mãe agora estava sozinha. Mas, pelo menos, ela tinha o consolo de ter um filho herói. Morto, mas herói. Do que adiantava ser um herói estando-se morto? Jamais conseguiria entender a lógica da guerra.

Aos poucos, a luz do dia começou a irromper através do bueiro. Pedro voltou a sua caminhada. Ele, Rabicho dos marotos, era agora Rabicho de Voldemort. Mesmo que seu mestre tivesse desaparecido, Pedro estava marcado, para sempre, como um seguidor do Lorde das Trevas. Sua traição fora profunda demais para que pudesse fugir dela.

Escolhera um lado. Só o que podia fazer agora era esperar. Um dia, seu "mestre" voltaria. Um dia... Sim, um dia ele estaria novamente, frente a frente com seus amigos. Quem sabe no céu... Ou no Inferno.

Finalmente cansou-se de caminhar e decidiu sair dos esgotos. O sol acabava de nascer, mas uma última estrela ainda teimava em não se despedir dos céus. Pedro levantou a cabeça, observando as construções do lugar onde saíra. Algumas eram, certamente, bruxas, ou simplesmente não se sustentariam em pé.

Ele escolheu a mais torta delas, de onde gritos de criança podiam ser ouvidos. Poderia ser um bichinho de estimação de uma criança bruxa até o Lorde das Trevas retornar. Ali, pelo menos, ele estaria bem informado do que acontecia no seu mundo. Ele parou no jardim. Uma placa estava fincada no chão, pintada em cores alegres. A Toca.


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O cemitério estava silencioso. Apenas dois vultos em pé observavam um grande túmulo de mármore, onde, numa foto, um casal sorria.

- Adeus, guardiã. Adeus, sentinela. - sussurrou uma voz feminina - Às portas do inferno estiveram por diversas vezes, e sempre manteram, apesar de tudo a sanidade. O livro do Destino passou mais uma página de sua história, mas seus nomes não serão esquecidos. Não por nós, Perpétuos.

- O último pilar da Antiga magia. Tua essência está agora na chave, junto às dezenas de outros que vieram antes de ti. - a voz mais grave de homem se sobrepôs na noite - Haverá alguém digno de envergar novamente o manto de guardião das portas do Hades?

Muito distante dali, um estranho pingente de cristal branco brilhou, como se aquela pulsação pudesse responder à pergunta do homem.

- A profecia... Jamais te esqueças da profecia...


Eis, meu amor, no céu
A última estrela
Passaram-se as horas
Foram-se a juventude
E os dias alegres e despreocupados
Que passamos sob ela

Passaram-se também os anos
E com eles, os rostos amigos
As longas noites de silenciosa vigília
As dores inconfessadas

Eis, meu amor, no céu
A derradeira estrela
Aquela que nos iluminou
Entre beijos intermináveis
E suaves juras de amor

A mesma que assistiu impassível
As discussões em alto brado
As explosões de fúria
Que sempre acabavam antes do fim
Sufocadas entre nossos braços.

Eis, meu amor,
Que nossa vida inteira se passou
Mais rápido do que poderíamos querer.

Ah, olhos brilhantes... quem me dera mais uma vez
repousar neles meu olhar cansado...

Brilha agora apenas a estrela
A última, a derradeira, a eterna e imutável estrela
Que nossos sonhos viu nascer na infância
E que os acalentou até esse último momento.


FIM

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