Sobre sobreviver



A noite londrina sempre a fascinara com seus grandes letreiros de néon, seus pubs e gente estranha. Quando pequena, costumava pedir ao pai, quando ele saía para alguma expedição, que ele a levasse à cidade. Lílian adorava quando o carro rodava por aquelas ruas cheias de luz e, mesmo tendo mais de vinte anos, continuava com o hábito infantil de olhar embasbacada para tudo, como se fosse a primeira vez que entrava na grande capital.

Tiago apenas sorria em silêncio, observando a namorada pelo canto dos olhos enquanto ela pressionava o nariz contra o vidro. Lílian dormira durante toda a viagem, só acordado um pouco antes de entrarem na cidade. Finalmente eles chegaram em casa, num bairro perto do centro, embora fosse um lugar bem tranquilo.

A casa estava miraculosamente limpa. Provavelmente Sirius providenciara isso. Internamente, Tiago dava graças a Merlin, porque se chegassem lá e encontrassem a casa cheia de poeira, conhecendo as alergias de Lílian, provavelmente passariam a noite na faxina. E ele definitivamente tinha coisas bem mais interessantes em mente para aquela noite...

Lílian largou a pequena sacola de viagem no sofá e, cantarolando, subiu as escadas. Tudo o que queria agora era se livrar daquela roupa suja de sangue e tomar um banho quente e bem longo. Tiago sabia que ela ainda estava perturbada com tudo o que acontecera na noite anterior, mas que não queria demonstrar isso. E, se ela não queria, então ele também não tocaria no assunto.

Ele observou a escada por alguns instantes antes de ouvir o próprio estômago roncar. Tinham lanchado na estrada, mas isso agora parecia ter acontecido a séculos. Tiago suspirou, entrando na cozinha. Definitivamente, ele era um desastre naquele lugar, sempre que tentava fazer alguma coisa para agradar a ruiva acabava explodindo o forno ou coisas do tipo.

- Talvez uns sanduíches não sejam tão difíceis afinal... - Tiago abriu a geladeira. Estava abastecida, graças a Sirius também. O que ele faria sem o amigo? - Vejamos: queijo, tomate, picles, salsicha, presunto, hambúrguer, ketchup, maionese, pão, manteiga, cebola...

Enquanto falava, o moreno ia tirando todos os ingredientes de seu super-ultra-mega-hiper sanduíche. Certa vez, Lílian perguntara, impressionada com o tanto que ele comia, se em vez de estômago havia um buraco negro na barriga dele. Ela certamente nunca prestara atenção nos lanchinhos de Pedro...

No banheiro, Lílian sentiu a água quente correr por seu corpo, sorrindo. Aqueles últimos seis meses pareciam muito distantes, embora até a noite anterior ainda estivesse sobre a maldição. Aparentemente, a ruiva desenvolvera um bloqueio em relação a tudo o que tinha acontecido. Porque, se começasse a pensar em tudo o que acontecera, em seus sonhos e delírios, acabaria pulando na frente de um ônibus.

Ela perdeu a noção da hora debaixo do chuveiro. Nem mesmo seus dedos engilhados pareciam fazer acordar de que já estava há tempo demais naquele banho. O vapor da água quente enchera o banheiro, a ponto de ensopar as roupas limpas que tinha deixado para se trocar. Provavelmente Lílian teria passado a noite no banho se não fosse um par de braços puxando-a para um abraço.

- Tiago? - ela perguntou, virando-se para ele, tentando controlar o riso - O que pensa que está fazendo?

- Eu estava esperando para tomar banho, mas depois de duas horas de espera, decidi ver se alguém estava tentando morrer afogada...

- Tão engraçadinho... - ela disse ironicamente, afastando-se - Bem, eu vou deixá-lo à vontade para tomar seu banho, Vossa Excelência.

Ela estava quase saindo do box enfumaçado quando Tiago a segurou pelo braço, quase encostando os lábios ao ouvido dela.

- E quem disse que eu quero só tomar banho? - ele sorriu marotamente ao ver a careta dela.

- Eu detesto quando você ri desse jeito... - a ruiva comentou.

- Essa é uma das maiores mentiras que você já disse na vida. - ele respondeu antes de beijá-la.



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Snape sempre detestara Londres. Detestava lugares cheios de gente, detestava a música alegre que sempre vinha abafada de algum pub à sua passagem... Na verdade, o único lugar em que se sentia à vontade era a masmorra silenciosa em que preparava suas poções para os estoques dos comensais.

Ele caminhou lentamente, como se procurasse algo no meio daquela multidão de jovens que riam e dançavam no meio da rua. Provavelmente bêbados. Fechando a cara mais ainda (se é que isso ainda era possível), ele atravessou a avenida que o separava da entrada do Caldeirão Furado.

O bar estava quase vazio. Mas também era tarde. E os tempos para os bruxos não eram tão bons quanto para os trouxas do outro lado da rua. Além de Tom, havia apenas dois clientes. O primeiro era um rapaz, talvez um pouco mais novo que Severo, tendo diante de si pelo menos cinco garrafas de Uísque de Fogo vazias.

E, numa mesa afastada, os olhos brilhando na direção dele, estava Dorcas Meadowes. Ele caminhou até a mesa dela, sentando-se de frente para a morena. Em pouco ela lembrava a prisioneira que ele deixara fugir há alguns meses. A pele rosada, os cabelos bem cuidados... Tudo muito diferente. Exceto pelo olhar dela. O olhar de tristeza e... Severo não poderia dizer com exatidão o que havia no brilho dos olhos de Dorcas.

- Porque me chamou aqui? - ele perguntou finalmente.

- Eu tenho uma dívida com você, Severo Snape.

- Eu nunca pensei em cobrar essa dívida, senhorita.

Ela sorriu.

- Me chame de Dorcas.

- Porque está sendo tão gentil? - ele agora a olhava curioso.

- Precisamos de ajuda. E eu sei que você também precisa. Você não é mau, Severo.

O rapaz imediatamente percebeu o que ela estava tentando dizer, e levantou-se.

- É tarde demais para arrependimentos. - ele respondeu, virando-se para ir embora.

- Nunca é tarde demais, Severo. E quando perceber isso, me procure.

Ele não respondeu, apenas saiu do bar, aparatando assim que se viu longe de olhares curiosos. Dorcas continuou sentada, olhando para o lugar vazio à sua frente.

- Eu não vou desistir tão fácil, Severo. - ela sussurrou baixinho para si mesma - Vou salvá-lo desse inferno nem que tenha que morrer para isso.



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O relógio marcava duas e quarenta e cinco da madrugada. Deitado de lado, um braço em volta da cintura da namorada, Tiago observava Lílian dormir. Como era bom tê-la de novo entre seus braços, sentir o calor do corpo dela, o cheiro de lavanda que parecia envolvê-la sempre...

Ela mexeu-se levemente, abrindo os olhos preguiçosamente para notar que o moreno continuava acordado. Ele sorriu para ela antes de roubar um selinho dela. Lílian aproximou-se, encostando a cabeça no peito dele, sentindo o coração do rapaz bater como louco com a proximidade.

- Lily?

- Sim, Tiago? - ela respondeu com a voz doce, erguendo a cabeça, fixando os olhos intensamente verdes nos dele.

- Nunca mais se afaste de mim. Nunca mais... Por favor.

- Tiago...

- Eu não suportaria, Lily. Não suportaria perdê-la. Não suportaria sobreviver a você. Prometa que nunca mais vai se afastar de mim.

A ruiva passou a ponta dos dedos pelo rosto do rapaz e ele fechou os olhos, apreciando a carícia. Calmamente, ele levou a mão dela aos lábios, beijando-a.

- Eu sei que pode ser egoísta da minha parte, mas eu não quero ter que chorar sua perda. Eu não sobreviveria a isso, Lily. Eu te amo demais para deixar que se vá.

Os olhos verdes dela brilharam com as lágrimas e ela se aconchegou um pouco mais ao corpo do rapaz.

- Eu também não suportaria mais viver sem você, Tiago. Por mais absurdo que seja dizer isso, eu gosto até da sua arrogância, das nossas discussões... - ela sorriu - Eu também te amo. Mais do que jamais pude imaginar. E vou amar sempre.

O moreno sorriu, beijando o alto da cabeça dela antes de se levantar.

- Lily, onde você deixou as roupas sujas?

Ela o observou aturdida. Certamente não ouvira direito.

- Como?

- As roupas sujas?

- No cesto do banheiro. - ela respondeu, sem entender o que diabos estava acontecendo.

Tiago sumiu no banheiro. Ela sentou-se na cama, abraçando os joelhos, os olhos seguindo-o Depois de remexer em sua capa, o rapaz voltou ao quarto, ajoelhando-se ao pé da cama, oferecendo a ela uma caixinha que ela já conhecia de outras situações.

- Lílian Evans... Você aceita se casar comigo?

Lílian sentiu-se tentada a gargalhar. A cena era realmente ridícula... Ela sentada na cama, segurando o lençol sobre o corpo nu e Tiago, de joelhos, com uma cueca samba-canção de vassourinhas que voavam ininterruptamente, segurando uma aliança que ela rejeitara nos últimos cinco anos, pedindo-a em casamento. E isso depois dele tê-la abandonado a cama para mexer nas roupas sujas.

- Tiago, eu...

- Não ouse recusar dessa vez ou eu arranco você daí e vamos atrás de um juiz de paz nesse instante.

- Belos trajes para os noivos, não? - ela perguntou, tentando parecer séria.

- Bem, eu estou lhe dando uma escolha. É sim ou... sim. Só depende de você casar com um cara de cueca de vassourinhas ou com alguém em vestes de gala... por cima das vassourinhas, é lógico.

Lílian não conseguiu mais segurar a risada. Tiago, com a cara (fingida) de alguém muito ofendido, subiu na cama, logo alcançando a ruiva, que começava a chorar de rir.

- Lily, isso não é hora para crise de risos.

- Eu...hahaha...Eu sei... - ela disse, sem conseguir se controlar.

Tiago sorriu malevolamente.

- Pois muito bem, eu vou dar um motivo para esse riso escandaloso.

Lílian tentou desviar, ainda sem parar de rir.

- Não, Tiago, isso não é justo, você não pode fazer isso comigo, eu...hahahaha... Tiago, não...

O moreno agora estava fazendo cócegas na ruiva, que se contorcia de tanto rir ao mesmo tempo que tentava fugir dele.

- Estou esperando minha resposta.

- Haha...Ti...hahaha...Tiago, por favor...

- Eu só paro quando responder.

- SIM, EU ACEITO ME CASAR COM VOCÊ, TIAGO POTTER!

Ela gritou isso com todas as forças e Tiago imediatamente parou, segurando a mão dela com delicadeza, colocando o delicado anel no dedo dela.

- Sirius tinha razão, com você, só tomando atitudes drásticas...

Ela sorriu, pegando a varinha. Um aro dourado apareceu no dedo de Tiago.

- Se eu vou ter que usar coleira, você também vai usar. É bom que todos saibam que você tenha dona. Especialmente as amigas do Sirius.

- Nossa, nunca pensei que viveria suficiente para ver a sua face possessiva... - ele respondeu ironicamente.

Lílian apenas riu, jogando-se nos braços dele. Nunca mais conseguiriam separá-los. Nunca mais...

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