Saint-Germain



O grande castelo estava silencioso e mesmo o eco dos passos dos dois parecia se perder entre aquelas antigas paredes. Lílian andava automaticamente, seus pensamentos pareciam muito longe dali, como sempre. Tiago apenas observava a ruiva, sabendo que ela conservava aquela atitude para mantê-lo afastado, mas estava tão alerta quanto ele. Quase podia sentir a ansiedade que emanava dela, pois era a mesma que o dominava.

- Como vamos encontrá-lo? - a voz dela quebrou o silêncio - Fantasmas não têm auras, eu não posso senti-lo.

- Meu avô contava sobre o fantasma de Saint-Germain vagando numa sala de espelhos. Mas o velho nunca disse como chegar a ela ou coisa do tipo. Temos que procurar. O único problema é que esse castelo é tão grande e quase tão antigo quanto Hogwarts. Deve haver milhares de passagens secretas onde fantasmas podem se esconder.

- E só podemos procurar de noite, o castelo fica cheio de turistas durante o dia.

- Podemos passar a vida inteira procurando sem nada encontrar. - Tiago falou com pesar.

Lílian caminhou até ele, parando diante do rapaz, sem ousar aproximar-se mais. Gostaria de poder abraçá-lo e consolar o moreno, mas não podia fazê-lo.

- Onde está seu espírito maroto, Pontas? - ela perguntou com um sorriso, estendendo a ele um olhar triste.

Tiago não pode reprimir o riso e assentiu. Ela tinha razão, não podia esquecer quem era. Eles superariam mais aquela dificuldade, nem que ele tivesse que botar o castelo abaixo com sua varinha.

- Vamos começar então. Preste atenção em tapeçarias, estátuas, quadros, enfim, qualquer coisa suspeita. Vamos nos separar, assim vamos mais rápido. Se encontramos alguma coisa...

- Eu saberei se você encontrar alguma coisa. E acredito que você também.

Ele estreitou os olhos mas não perguntou nada. Os dois se separaram, mas a noite se passou sem que nada encontrassem. O dia já amanhecia quando os dois se reencontraram no saguão do castelo. Cansados, eles aparataram de volta para a pousada em que estavam hospedados. Lílian voltou a se transformar num pássaro, entrando em sua gaiola e escondendo a cabeça sobre a asa. Não tinham conseguido dois quartos, era alta temporada. E Lílian não queria se arriscar a dormir em sua forma humana com Tiago e seus ímpetos de "quebrar o jejum". Não se pode confiar mesmo em homens, ela pensou antes de adormecer, profundamente cansada.

Tiago observou-a por alguns instantes com carinho. Não faltava muito agora... Finalmente ele se trocou, fechando as cortinas para bloquear o sol, deitando-se para mergulhar num sono sem sonhos.



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O tear rodava com velocidade enquanto entre os dedos dela os fios se sucediam, formando os complicados desenhos que enfeitariam a tapeçaria. Ela só parava para tirar do rosto os pucos fios negros que escapavam da bem feita trança que caía ao longo de suas costas. Pousada junto a lareira, o pássaro que servia de olhos para Lílian naquele estranho sonho observava.

Helena, sentada ao tear, tinha os olhos verdes perdidos no nada. A tapeçaria estava quase pronta e com um vôo rápido, Lílian empoleirou-se no tear, observando o desenho à sua frente. Um círculo de oito pilares de pedras era banhado pela luz clara do luar. Diante de sete pilares havia uma sombra e preso à pedra do pilar mais alto, estava um homem, tendo aos seus pés um símbolo do dragão. Era um belo desenho, sem dúvida.

A morena continuava a tecer quando, fora das paredes do salão, uma tempestade começou. Aos poucos a lareira se apagou e o lugar foi mergulhado na penumbra. Apenas os raios que cortavam os céus conseguiam rasgar um pouco a atmosfera sombria do salão. Mas Helena não parecia se importar com isso, ela continuava a tecer, os olhos verdes sinistramente brilhantes por entre as sombras.

O movimento do tear era a única coisa que quebrava o silêncio quase opressor, mas Lílian tinha a impressão de que havia mais ruídos escondidos naquela sala. Concentrando-se, ela percebeu que vozes abafadas sussurravam à sua volta.

- Você deve matá-lo... Deve abrir a passagem... Siga o Destino...

- Caronte, deixe o caminho livre para Caronte, deixe que ele lhe traga as almas perdidas... Deixe que ele traga o Desespero...

- Abra a passagem... Liberte-os... É seu dever... É seu Desejo...

- O poder do sacrifício lhe pertence... Deve usá-lo... Deve se deixar levar pelo Delírio...


Lílian sentiu-se tonta com aquelas vozes sussurrantes e abaixou a cabeça para o chão, tentando tomar ar. Mas o que viu gelou seu coração. O salão tinha desaparecido e Helena continuava a fiar absorta no meio de um lago de sangue.

- Lily? Lily, acorda. - soou a voz de Tiago, distante.

Como se saindo de um mergulho, a consciência da ruiva despertou e ela abriu os olhos assustada, piscando-os para encarar Tiago através de sua "prisão". Ele abriu a portinhola da gaiola, dando espaço para a pequena ave passar e voltar ao seu corpo humano.

- Que horas são? - ela perguntou passando as mãos sobre o rosto, as lembranças do sonho ainda muito nítidas.

- Dez horas. - ele respondeu, observando o céu escuro e a lua encoberta - Dormiu bem?

- Sim. - ela respondeu simplesmente. Já tinha dormido antes na forma animaga e nunca achara isso desconfortável.

- Eu juro que nunca vou conseguir como um pássaro consegue dormir empoleirado... - ele caminhou até um móvel onde uma bandeja permanecia, cheia de algo fumegante. Uma sopa - Eu trouxe pra você.

- Você já jantou? - ela perguntou, sentando-se.

- Já. Eu acordei às seis e dei uma volta pelo povoado, aproveitei para comer alguma coisa. Tem uns doces pra você naquela sacola ali. - ele apontou para uma sacola vermelha - Não sei o que é, mas é muito gostoso.

Ela sorriu à lembrança dele e logo acabou com a sopa, guardando os doces no casaco, disposta a experimentá-los mais tarde. A lua já ia alta no céu quando eles aparataram para o castelo escuro, no mesmo saguão do dia anterior. Novamente eles se separaram e Tiago enveredou por um corredor que acabava numa longa escadaria. Antes de subir experimentou com a varinha cada vão existente ali, até mesmo entre os degraus. Mas nada conseguiu.

O andar superior estava silencioso como um túmulo e Tiago não gostou muito de fazer essa comparação. Acostumara-se com os fantasmas na escola, mas isso não significava que gostaria de entrar num mausoléu, cova ou coisa do tipo. Talvez o conde estivesse escondido num lugar desses de propósito... Bem, ele não tinha muita escolha.

Aos corredores se sucediam as portas e os salões e o moreno se pegou perguntando porque tantos cômodos. Hogwarts era uma escola, tinha que ter quartos para os alunos e salas de aula suficientes para tudo. Mas aquele castelo servira de morada para alguém e Tiago duvidava que o dono daquele lugar algum dia tivesse convidados suficientes para preencher todos os quartos que encontrara em seu caminho.

Quase duas horas de caminhada e nada de muito interessante. Certo, ele tinha encontrado meia dúzia de passagens secretas, mas nada de muito importante. A maioria ligava quartos ou desembocava em jardins. Ele tentou imaginar se aquelas passagens eram rotas de fuga ou serviam para amantes escondidos...

Ele já estava voltando por um longo corredor que terminava num quarto suntuosamente decorado quando notou uma porta entreaberta. Ele não tinha visto aquela porta na ida. Ou será que tinha? Cuidadosamente, ele empurrou a porta, revelando um grande salão nobre, cheio de espelhos. No teto estava uma representação de um combate entre anjos que quase lhe deu calafrios. Através do vidros das muitas sacadas, ele podia enxergar um belo jardim e o céu estrelado, assim como as luzes da pequena vila em que eles estavam hospedados.

Tiago percorreu o salão com os olhos, lembrando-se das histórias que seu avô contava. Aquele era o lugar! Mas onde estava Saint-Germain? Através das lentes dos óculos, os olhos dele se deteram sobre uma velha tapeçaria sobre a lareira.

- Lugar estranho para isso... - ele observou para si mesmo com um sorriso, aproximando-se.

Um puxão foi o suficiente para arrancar o tecido, revelando um espelho completamente rachado, embora nem um caco faltasse.

- Tiago?

O moreno voltou-se para Lílian, que estava parada à porta, observando-o. Ele largou a tapeçaria no chão, voltando o olhar curioso para o espelho.

- Lily, vem cá. - ele observou ela aproximar-se o suficiente para ver o que ele apontava - O que acha que é isso?

Ela olhou para as bordas rachadas com atenção por alguns instantes. Parecia apenas um espelho rachado. Estreitado os olhos, ela percebeu algo diferente. Passando por Tiago, ela ergueu a mão, tocando as rachaduras com delicadeza, traçando com os dedos um desenho. Logo as bordas do espelho estavam manchadas com o sangue dela, mas Lílian não parecia perceber. Havia sangue coagulado no espelho e o rastro dele a guiava.

Finalmente ela pareceu acordar, levando o dedo a boca, soltando um gemido no processo. Tiago aproximou-se, mas ela deu um passo para trás.

- Olhe. - ela apontou para o espelho - É um mosaico.

Tiago observou o contorno de um dragão brilhar, levemente avermelhado. A lareira moveu-se silenciosamente, revelando uma passagem escura. Ele se adiantou, passando pela lareira. Assim que seus pés tocaram o chão, várias tochas se acenderam, mostrando uma sala cheia de livros e objetos estranhos.

O moreno se afastou para dar passagem a Lílian. A ruiva observou a sala com atenção, pousando seus olhos verdes sobre uma mesa quase escondida pelos vários pergaminhos que se atulhavam ali. Sentado à mesa estava um homem de cabelos negros e olhos escuros, vestido em elegantes vestes azul-petróleo. A pele perolada brilhava com a luz dos archotes.

- Saint-Germain. - ela balbuciou.

O fantasma levantou-se, deslizando sobre as pedras, olhando para o casal com curiosidade, especialmente para a jovem ruiva. Ele sorriu, parando diante dela.

- Nunca pensei que voltaria a ver um dos Antigos... Você é extremamente parecida com Helena. Tem a mesma aura de conforto, contrastando com a alma em conflito. Eu não consigo entender como a presença dela e a sua também podem ser tão acolhedoras quando estão sempre em meio ao pesar...

- Você é Saint-Germain? - Tiago perguntou baixo.

- Sim. E você é um de meus descendentes. A sala dos espelhos só pode ser encontrada por alguém do meu sangue. Mas são poucos que percebem o mosaico da lareira. - ele completou, voltando-se para Lílian novamente - Você é muito inteligente, menina.

Ela estreitou os olhos perigosamente. Não era uma menina. Ia completar vinte e um anos dali a dois meses! Tentando controlar o despeito, ela ergueu a cabeça para ele.

- Foi você quem amaldiçoou Helena. - não era uma pergunta, mas uma afirmação - Assim como Voldemort fez comigo. Mas ela conseguiu se livrar da Thanatus. Pode nos dizer como?

- Depende. - o fantasma disse, brincando com uma varinha nas mãos muito brancas.

Tiago bufou.

- Não dá pra você simplesmente dizer o que devemos fazer e...

- Faz muitos anos desde que tive alguém com quem conversar. Se quiserem saber de alguma coisa, terão que me dar esse prazer. - Saint-Germain respondeu sério - Agora, vocês já sabem quem eu sou, mas também devem se apresentar. Qual é o seu nome, guardiã?

- Lílian Evans. - a ruiva respondeu em voz baixa.

- E meu caro descendente...

- Tiago Potter.

O fantasma voltou-se para Lílian.

- Ele é seu sentinela?

A ruiva estreitou os olhos por alguns instantes, como se tentasse se lembrar de algo muito importante. Por fim, ela acabou assentindo.

- Entendo agora porque têm as auras tão próximas... - ele disse com um sorriso triste.

- Como? - Tiago interrompeu-o.

- Nunca lhes explicaram sobre a relação entre guardião e sentinela? - ao ver os dois menearem a cabeça, ele suspirou - Ora, isso é realmente uma surpresa...

- O que quer dizer? - Lílian perguntou.

- Minha menina, a ligação que tem com meu descendente é algo único no mundo. Os magos como Helena costumavam-na chamar "Cérbero". Mas estou começando muito avançado, tenho que ir aos poucos. Sentem-se por favor.

Tiago bufou mais uma vez, impaciente. Mas não podia fazer nada, Saint-Germain deixara muito claro quem comandava os rumos da conversa. Cruzando os braços, o moreno obedeceu, esperando o quu viria a seguir.

- O Inferno, ou Hades, é um dos muitos universos paralelos ao nosso. A Antiga Magia surgiu lá. Não sei se já ouviram falar em profecias apocalípticas...

- Toda religião tem uma dessas. - Lílian respondeu - Você está falando do Ragnarock.

- Exato. Como eu dizia, a Antiga Magia surgiu no Hades, em meio às guerras entre as hostes de anjos e arcanjos. Ou pelo menos é como nomeamos os seres que lá vivem. Sobre essa guerra, pouco ou nada posso lhes dizer, o que complica um pouco essa história...

- Então pule essa parte. - sugeriu Tiago.

Saint-Germain pareceu considerar a proposta por alguns instantes.

- Pois muito bem, para simplificar, vamos dizer apenas que a Antiga Magia surgiu do Nada. Mas ela era tão poderosa e estava de tal modo impregnada nas coisas e nos seres que acabou por se espalhar entre os outros universos. Pode-se dizer que a Antiga Magia é algo consciente, de modo que ela quis proteger tudo o que vira naqueles outros mundos dos combates absurdos de seu próprio mundo.

- Eu já li algo sobre isso. - Lílian observou.

- Lily, existe algo sobre o qual você não tenha lido? - Tiago perguntou com exasperação.

Ela o olhou séria e estava pronta para responder quando Saint-Germain voltou a falar.

- Assim com em nosso mundo, vários outros possuem guardiães. Eles foram escolhidos, por assim dizer, detendo todo o imenso poder da Antiga Magia com a condição de protegerem Caronte, a ponte entre o mundo sombrio e os outros que o circundam.

Lílian lembrou-se de seu sonho.

- Você quer dizer que os elementais existem para proteger o portal, "Caronte". - ela resumiu.

- Não. Nem todos os elementais têm poder suficiente para abrir uma brecha grande o suficiente para que alguma coisa passe entre os mundos. Os Antigos chamavam de Perséfone aqueles que realmente tinham poder para tanto. Acredito que já saibam que a Antiga Magia está muito ligada à emoção. Havia o temor de que, sob alguma emoção de momento, um desses guardiães acabasse por abrir a passagem, transformando nosso mundo na imagem do Caos. Para evitar isso, os elementais costumavam ser muito reclusos. Ele viviam como eremitas, escondidos do mundo, pouco usando de seus poderes. Mas isso foi só no começo...

- O que aconteceu? - Tiago perguntou.

- Os elementais decidiram VIVER e não vegetar como tinham feito por séculos. Porque deveriam se esconder, era o que eles sempre se perguntavam. Mas para viverem como queriam, eles precisavam dividir seu fardo com alguém. Era a única maneira de eles suportarem seu poder sem enlouquecer. E eles fizeram um feitiço, o "Cérbero"... Nomearam sentinelas, pessoas que estavam sempre por perto, sempre os servindo... Eles queriam escravos para sofrerem por eles. Mas não contavam com um pequeno "efeito colateral". Não contavam com a possibilidade de a ligação entre eles e seus sentinelas se tornasse mais profunda do que queriam.

Lílian tentou absorver aquelas informações em silêncio, mas Tiago não partecia concordar com ela.

- Está querendo dizer que tudo o que sentimos um pelo outro é resultado dessa ligação? - ele estava visivelmente irritado.

- Em parte, meu caro descendente. Mas o que há entre vocês não é pura e simplesmente um truque de magia. Vocês emanam a mesma aura, diria até que têm as mesmas sensações às vezes... Nao, Tiago, a ligação entre vocês é muito maior do que Cérbero. Assim era também entre Hades e Helena...

- Como os conheceu? - agora Lílian não podia refrear a curiosidade.

- Eu fui atacado por eles. - o fantasma pareceu se perder num emaranhado de recordações - Eu viajava da Inglaterra para a França num navio que foi atacado por piratas. Hades era o capitão deles.

Os olhos verdes de Lílian brilharam em compreensão. Já tivera sonhos com isso, mas achava que eram apenas pesadelos...

- Isso é mentira. - ela murmurou, com a voz sem firmeza, enquanto acariciava o pingente que lhe pendia do pescoço.

- Acredita mesmo que Helena e Hades eram pessoas puras e ingênuas só porque lhe mostraram seu sofrer? Não nego que aquilo que você sabe é verdade, mas só contaram a parte da história que interessava a eles. A tripulação do navio em que eu viajava foi dizimada e eu só fui poupado porque era um bruxo e muito diverti Helena com os "ridículos fogos" de minha varinha. Ela sempre viajava com Hades e às vezes até tomava parte nos ataques. Algum tempo depois eles me venderam como escravo. Mas eu consegui fugir e jurei que me vingaria.

- A típica história da vingança... Até crianças fazem às pazes, porque os homens têm que estar sempre brigando? - a ruiva perguntou para si mesma - Peraí... Como de um escravo você passou a conde?

- Ele fez alguns truques de magia para a corte francesa e o rei acabou por recebê-lo como amigo. - Tiago respondeu, nada orgulhoso - O rei o tornou rico e nobre.

- E eu o aconselhei a instituir a Inquisição. Ela estava se espalhando por toda a Europa e eu ajudei nisso. A idéia era simples: queimávamos os sentinelas como bruxos e os guardiães enlouqueciam de dor. Era mais fácil capturá-los depois disso. Eles não reagiam, nem mesmo quando o fogo estava consumindo seus corpos. Por via das dúvidas, costumávamos usar fogo mágico. Mas eles nunca tentaram lutar. Se eu soubesse como as coisas iam fugir do controle...

- Mas Hades e Helena, você...

- Hades era o sentinela dela, e ambos eram muito espertos. Eu não podia pegá-los, eles sempre me escapavam como água. Acabei então descobrindo que me apaixonara pela maldita maga. Mas eu jamais poderia tê-la. Por isso jurei que, se ela não era minha, também não seria de mais ninguém.

- Então você amaldiçoou Helena. - Lílian completou.

- Sim. Eu me enfiei nos estudos e acabei por descobrir a Thanatus. Era perfeito, eu estaria satisfazendo todos os meus anseios com aquela maldição. Foram dez anos de pesquisa e mais cinco de perseguição até que eu pudesse encurralá-la e jogar meu feitiço.

- Mas ela conseguiu reverter a maldição. Como? - Tiago perguntou, ansioso. Estivera esperando por aquele ponto por duas horas.

- Eu não sei.

- Como assim não sabe?! - Lílian levantou-se abalada.

- Eu estava cego de ódio, não me importava com nada desde que pudesse separar aqueles dois. Hopkins me avisou que Helena estava livre novamente e eu desafiei Hades para um duelo antes que eles pudessem se reencontrar. Consegui golpeá-lo, mas pelo que eu ouvi, Helena acabou salvando a vida de seu sentinela... Pouco tempo depois eu fui assassinado por ordem dela.

- Mas você tem que ter uma dica... - Tiago disse decepcionado - Qualquer coisa!

Saint-Germain pareceu refletir por alguns instantes.

- Há um nome. Hopkins disse que ela ajudara Helena, mas antes que eu pudesse me vingar ou acordar para a besteira que estava fazendo, ela foi assassinada por causa de seus irmãos. Lady Glamis, esse é o nome dela.

- Glamis? Há um castelo na Escócia com esse nome, palco de uma das histórias de Shakespeare... Mas eu não me lembro de haver uma Lady Glamis... - Lílian observou em voz baixa.

- Não é uma lembrança muito boa, eu imagino... Lady Glamis foi condenada à fogueira por bruxaria. A questão é que todos no conselho que a jugaram eram bruxos comprados pelo Rei Jaime, que tinha um atrito com os irmãos dessa senhora. Depois de queimada, seu fantasma passou a habitar o castelo. Os juízes que a condenaram também se tornaram fantasmas e se reúnem na capela do castelo para pedir perdão todas as noites. Mas ela nunca perdoa...

O silêncio tomou conta do aposento e o fantasma voltou a se sentar junto à mesa, parecendo ter esquecido que tinha visitas. Tiago e Lílian se entreolharam, sabendo que a conversa tinha terminado. Eles levantaram-se, deixando a passagem. De volta ao salão dos espelhos, a lareira voltou ao seu lugar e Tiago fez um movimento com a varinha de modo que a tapeçaria que arrancara voltasse ao seu lugar.

Lílian já saíra do salão quando ele terminou de arrumar o tecido, seguindo-a. Ele fechou a porta cuidadosamente, e quando voltou-se para a parede após alguns passos, ela tinha desaparecido. Os dois seguiram pelo corredor até um salão de chá. A ruiva parara de andar e ele a observou com atenção.

- Lily?

Sem responder, ela arremessou ao chão um jogo de porcelana que certamente fora feito no século passado. O barulho ecoou por todo o castelo e Tiago perguntou-se se não havia guardas por ali por perto. Mas nada parecia se mover ali.

- Porque você insiste, Tiago? - ela perguntou sem se voltar pra ele - Você vai desperdiçar toda a sua vida andando de um lado para o outro do mundo, atrás de fantasmas que nada podem fazer? Passar dias tendo alguma esperança para em seguida elas sumirem no nada?

- Eu já disse que não vou desistir, Lily. Não foi dessa vez, mas não significa que nunca encontraremos como reverter essa maldição. Eu não acho que procurar essa Lady Glamis ou quem mais tivermos que ver seja um desperdício. Não quando estou com você.

A ruiva suspirou, voltando-se para ele com os olhos molhados.

- Reparo. - ela disse estendendo a varinha para os cacos no chão.

Eles aparataram com um estalo e assim que se viram no quarto da pousada, ela começou a arrumar a pequena valise com roupas dos dois. Tiago aproximou-se da janela, observando o céu que começava a clarear.

- Próxima parada... Escócia. - ele disse para si mesmo, confiante.

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