Morpheus



- Su, você tem certeza de que não tem ninguém dentro dessa caixa?

Susan respirou fundo pela terceira vez, deixando seus recortes para voltar a sala, onde Sirius brincava com o controle da televisão.

- Sirius, dê uma olhada no tamanho dessa caixa. Você acha que seria capaz de se espremer aí dentro?

- Talvez com alguma mágica...

- Trouxas não sabem magia, Sirius. - ela respondeu divertida.

- Mas como é que eles estão aí dentro então?

- Eles não estão aí dentro. É algo meio complicado para explicar, principalmente porque eu sou uma completa leiga no assunto. Você devia ter feito Estudo de Trouxas.

- Tiago fez. Ele achou que assim poderia entender como funciona a cabeça da Lily. Receio que até hoje ele não tenha conseguido desvendar esse mistério...

Susan sorriu, deixando-se cair no sofá, no colo dele. Sirius a abraçou pela cintura, ainda olhando pensativamente para a televisão. Ela encostou a cabeça ao peito dele, pensando em como tudo aquilo era... estranho. Há um mês ela o estava aconselhando sobre Camille e agora, ali estavam os dois, juntos.

Mas ninguém sabia que Sirius Black agora passava as noites no apartamento de Susan Timms. Durante o dia, no trabalho, eles mal se viam, e quando isso acontecia se tratavam apenas como colegas. Ela não sabia exatamente classificar a relação dos dois e não tentara perguntar a Sirius se eles eram namorados, amigos, amantes ou seja lá como se queira chamar. Mas a verdade é que estava pouco se importando com esses meros detalhes.

Nesse momento uma suave pancada na vidraça chamou a atenção dos dois. Susan levantou-se, abrindo a janela, deixando Apolo entregar um pergaminho antes de sair voando novamente rumo a escuridão.

- Lílian vai ter uma bela surpresa quando voltar. - Sirius observou a noite, enquanto ela lia a carta da amiga - A coruja dela e Apolo estão se dando muito bem... Bem demais, na verdade.

- Eles estão voltando. - a italiana disse após acabar de ler - Não foi dessa vez, mas Tiago disse que eles agora têm uma boa pista. O navio deles deve chegar daqui a três dias, e ele pediu que não avisássemos a ninguém, pois vão descansar dois dias na casa deles e depois seguir para a Escócia, de carro.

- Porque eles não aparatam? - Sirius perguntou, fechando a janela.

- Não é uma distância desprezível para que eles possam aparatar, Sirius. Além disso, sempre existe o risco de serem vistos por trouxas.

O moreno assentiu, espreguiçando-se. Ela desligou a televisão, voltando à cozinha, onde deixara seu àlbum de recortes. Sirius a seguiu, observando por cima do ombro dela as fotos do jornal. Diante de um corredor cheio de selas, quinze pessoas se abraçavam.

- Eu estava na missão que libertou esses prisioneiros. - Sirius observou - A maior parte deles eram trouxas. Mesmo tendo sindo obliviados, acho que nunca se esquecerão do que aconteceu.

- Acho que preferia morrer a ser prisioneira de Voldemort. - Susan respondeu com tristeza - Não deve ser muito agradável morar num lugar desses. Tenho certeza que o comensais são capazes de infernizar a vida desse pessoal mais do que os dementadores de Azkaban.

Ele a segurou pelo queixo com delicadeza.

- Você tem escolhas mais agradáveis para fazer do que essas, Su. Não pense nisso. Já basta o que temos de ver no dia-a-dia. Pelo menos por hora, vamos fazer de conta que não tem nenhum assassino louco à solta pelo mundo, que estamos de volta aos nossos tempos de escola, sem preocupações que não sejam as peças que vamos pregar amanhã ou as provas que estão chegando.

Susan sorriu, deixando-se aconchegar nos braços dele.

- Ou seja, vamos todos nos entregar aos braços de Morfeu. - a moça disse, fechando os olhos.

- Porque não: "vamos todos nos entregar nos braços de Sirius Black"? Quer me deixar com ciúmes, Su? - ele perguntou divertido.

- Você se acha o melhor, não é? - ela perguntou tentando segurar o riso - Você está com ciúmes do 'Deus dos sonhos'? O que você fazia nas aulas do prof. Binns? Ah, perdão, nas aulas dele você estava justamente no braços de Morfeu...

- Eu ainda acho que eu personifico os sonhos muito melhor do que esse Morfeu. - ele a pegou no colo - Ou você prefere ele a mim?

Susan abraçou o pescoço dele enquanto caminhavam na penumbra da sala.

- O que você acha? - ela perguntou com a voz rouca - Um bruxo mitológico ou você? Nossa, essa é muito difícil...

- Assim você magoa meu coração... - Sirius respondeu com um sorriso maroto, abrindo a porta do quarto dela - Vamos então ser mais lógicos: quer que eu te deixe aqui sonhando com Morfeu ou...

- Acho que eu prefiro a segunda opção. - ela respondeu, colando os lábios aos dele.



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Lá fora a neve caía calmamente, quase como se dançasse ao mesmo ritmo ditado pela canção que agora preenchia o quarto. Ela colocou os braços ao redor do pescoço dele gentilmente e ele a puxou mais pra perto pela cintura. Lentamente, Tiago abriu o primeiro dos quatro laços do corpete. Ela sabia o que viria a seguir, mas não fez nenhuma objeção quando sentiu os lábios dele sobre os seus.

Ele escorregou para o pescoço dela e Lílian sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Era a primeira vez que se entregava completamente nos braços do namorado. O disco na vitrola acabou no exato instante em que ele a deitava na cama. Mas antes que qualquer coisa pudesse acontecer, a cena se desvaneceu numa luz dourada.

O sol. Ela estava diante da janela do quarto deles. Tiago a "raptara" da casa de sua irmã no dia anterior e lá estava ela agora, observando o nascer de mais um dia de verão. Ele acordou ao sentir que estava sozinho e a observou por alguns instantes antes de se levantar. Lílian só o percebeu quando ele beijou calmamente o ombro dela, ao mesmo tempo em que a envolvia com seus braços.

Ela se deixou encostar ao peito dele, sorrindo. Ele começou a brincar com o cabelo dela, fazendo pequenos cachos entre seus dedos. Os dois poderiam passar toda a manhã desse jeito, só aproveitando a proximidade um do outro. Nesse momento a porta do quarto se abriu, dando passagem para Sirius, que usava um chapéu pontudo de festa de criança. Tiago jogou um travesseiro no amigo, rindo, assim como Lílian.

A lembrança mergulhou na penumbra e agora eles estavam no chalé de Gideão, diante do fogo. Mas nem aquela lareira era capaz de cortar o frio da montanha. Ele estava confortavelmente sentado no sofá, dando a clara impressão de que não pensava em sair dali tão cedo, enquanto ela o olhava irritada. Aquele era o primeiro encontro dos dois desde que ele a encarara sabendo a verdade.

- Eu já disse que não vou. - ele respondeu com a voz firme - Eu amo você, mais do qualquer palavra tola possa dizer. Não me interessa se você quer ou não entender o que isso significa. Eu não vou deixar você jogar fora todos esses anos juntos, todo o meu esforço desde o terceiro ano para te conquistar... Não importa o quanto eu tenha de esperar, eu sei; eu tenho certeza de que um dia tudo isso terá alguma compensação.

- Você é um tolo por ter tantas esperanças.

- Eu não me importo com isso. Pode me chamar do que quiser, pode dizer o que lhe passar pela cabeça, pode tentar me magoar de todas as maneiras... Eu não vou me afastar. A propósito, eu vou dormir nesse sofá essa noite, só que esqueci de trazer um travesseiro e alguns cobertores... Poderia me emprestar o seu?

- Você é impossível! - ela respondeu irritada.

- Como se você fosse muito diferente de mim nesse sentido...

- Pois muito bem, fique aí no sofá. - ela respondeu, entrando no quarto e jogando para ele um travesseiro e uma coberta - Mas não se atreva a se aproximar. Se eu perceber que está a menos de três metros de mim, eu estuporo você.

- Com prazer. - ele respondeu, recolhendo o travesseiro com um sorriso. O travesseiro cheirava a lavanda, o mesmo perfume dela...


Tudo ficou escuro novamente e ela sentiu a presença dele próxima. Muito próxima na verdade. Com um pouco de dificuldade, ela abriu os olhos verdes, encontrando Tiago sentado na cama, olhando para ela. Lá fora, o mar batia contra o casco do navio e o vento frio que entrava pela escotilha acordou-a por completo.

Ela não precisava perguntar para saber o que o trouxera ali. Pelo olhar dele podia adivinhar que Tiago tivera exatamente o mesmo sonho que ela. Depois do que Saint-Germain dissera sobre a ligação, mais do que nunca eles sabiam o que se passava na mente um do outro. Tiago sorriu um sorriso triste e ela se sentou na cama.

- Eu gostaria de esganar o responsável por esses sonhos. - ela disse por fim, quebrando o silêncio pesado.

- Não posso dizer o mesmo que você. - ele respondeu - Eles são a única coisa boa que têm acontecido nesses últimos tempos.

Lílian desviou o olhar para o céu, mas sabia que Tiago continuava a observá-la. Sentia a intensidade do olhar dele. Gostaria de ter forças para mandá-lo embora, dizer que estavam se arriscando demais... Mas apenas a presença dele era suficiente para fazê-la esquecer, tudo parecia perder o sentido diante do que sentia.

- Vamos chegar amanhã. No domingo estaremos no castelo de Glamis. - ele levantou-se.

- Tiago?

Ele parou diante da porta que ligava a cabine dela a dele. Lílian estava vermelha e por algum motivo ele lembrou-se de uma noite de lua cheia, numa detenção à beira do lago.

- Eu também te amo.

Ele sorriu.

- Isso está ficando muito piegas... É melhor eu ir antes que eu me meta debaixo desse lençol.

Lílian observou o rapaz desaparecer e voltou a se deitar.

- Tudo vai acabar bem. - ela disse para si mesma, sorrindo.



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Estava quente, embora já estivessem quase no final do verão. Sirius estava na sala de estar da casa dos amigos, esperando pacientemente a chegada deles. Da cozinha, vinha o som de pratos se entrechocando.

Dois suaves estalos foram ouvidos no vestíbulo e pouco depois surgiram Tiago e Lílian. Susan colocou a cabeça para fora da cozinha, observando os recém-chegados. Tiago continuava o mesmo, embora algo estivesse diferente em seu olhar. Aqueles seis meses de separação forçada tinham amadurecido o rapaz. E Lílian... Merlin, nunca vira a amiga daquele jeito. A ruiva estava pálida, abatida, o corpo quase perdido nas vestes negras de bruxa. Apenas o rosto dela estava descoberto e mesmo com ela sorrndo, Susan podia perceber a sombra de tristeza nos olhos verdes.

- Estava com saudades, Pontas. - Sirius disse, abraçando o amigo, no que foi calorosamente retribuído - E de você também, ruivinha.

Ela apenas assentiu a cabeça e virou-se para Susan, que desamarrava da cintura um avental que fôra branco até aquela manhã.

- O que está fazendo aqui, Susan? - ela perguntou com um tom levemente surpreso.

- Eu conversei com ela antes de falar com Tiago. - Sirius esclareceu - Desculpa, eu esqueci de te contar.

- Não faz mal. - Lílian sorriu - Armaram u complô contra a "pimentinha", não é? Acho que devo agradecer.

- Agradeça depois. - Sirius também sorriu para a amiga - De preferência com um daqueles almoços suculentos que você sabe fazer.

- Como você sobreviveu sem a gente pra te alimentar, cachorrão? - Tiago perguntou sorridente, largando-se no sofá.

- A Su cuidou de mim, me deu ração e tudo o mais. - ele respondeu, piscando o olho para a morena.

Susan sorriu, assentindo e Lílian notou a troca de olhares entre os dois amigos. Segurando o riso, a ruiva foi para a cozinha, seguindo o cheiro gostoso que vinha de lá.

- Caneloni. - Susan disse logo atrás dela - Lembra que você ficou enchendo o saco da nona pra ela revelar os "segredos de família" do molho?

Lílian assentiu. As duas estavam agora na cozinha, longe dos ouvidos dos rapazes. Lílian observou o forno por alguns instantes, tentando não deixar a amiga notar que era para ela que olhava.

- Você está com Sirius.

Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Susan voltou-se surpresa para a amiga.

- Como sabe?

- Os sinais são inconfundíveis. As trocas de olhares, o ar sonhador, os suspiros dissimulados... Eu sempre soube que você gostava dele.

- Sabia? Eu achava...

- ...que eu não tinha notado por causa dos meus próprios problemas, ou, em outras palavras, por causa de - Lílian imitou uma careta, seguida de uma vozinha de falsete - "Tiago Potter, aquele cretino presunçoso"? Su, eu sou sua irmãzinha, lógico que eu percebi. Mas achei melhor não comentar nada, já que você não parecia muito disposta a conversar sobre o assunto. Então, vocês estão namorando?

- Errr... Sim. Quer dizer, não. Ou melhor, não exatamente.

Lílian arqueou a sobrancelha.

- Ou sim ou não, Su. Dá pra explicar?

- É uma longa história... - Susan bateu na própria testa - Ai, eu quase me esqueci... Vem comigo, eu tenho uma coisa pra te mostrar.

Susan fez menção de pegá-la pela mão, mas Lílian deu um passo para trás.

- Vá na frente. - a ruiva disse gentilmente - Eu vou estar te seguindo.

A morena assentiu e elas passaram despercebidas pelos rapazes, subindo as escadas que levavam ao primeiro andar. Susan parou diante da porta do sótão, de onde chegavam braulhos muito estranhos.

- O que estão criando no meu sótão, Susan? - Lílian perguntou, cruzando os braços.

- Não fui eu quem coloquei eles aí. Mas veja por si mesma.

Ela abriu a porta do sótão e Lílian logo percebeu sombras recortadas contra a penumbra. Em cima de um velho baú onde estavam guardadas as vestes de Hogwarts, havia um ninho. Deméter, a coruja cinzenta de Lílian envolvia carinhosamente três filhotes com a asa, enquanto Apolo, que pertencia a Sirius, olhava a prole, orgulhoso.

Lílian aproximou-se do ninho com cuidado, sem desviar dos olhos amarelos de sua coruja. Quando fugira do casarão, depois de ter sido amaldiçoada, ela deixou a corujaaos cuidados de Tiago. Lílian sabia que, de alguma forma, Deméter entendia o que acontecera e não se aproximaria da dona até que fosse seguro.

- Vocês já deram nomes a elas? - Lílian perguntou.

- Sirius as chama de Piu 1, 2 e 3. É meio idiota, mas ele é o dono do pai...

- Típico... Eu vou batizar os três, só que mais tarde. Agora eu não estou muito criativa para isso...

As duas desceram novamente, encontrando Tiago e Sirius discutindo acaloradamente sobre a última partida de quadribol dos Chudley Canions. Meneando a cabeça, elas passaram novamente à cozinha, onde Lílian preparou a mesa enquanto Susan dava os últimos retoques no almoço.

Apesar de tudo o que já acontecera, aquele parecia um dia festivo. Os quatro almoçaram conversando animadamente, como na época em que nada tinha acontecido. Já era tarde quando Sirius e Susan se despediram. Lílian deixou Tiago lavando os pratos e subiu para tomar um banho, indo em seguida para o quarto de hóspedes. Ela já estava deitada quando o moreno surgiu na porta.

- O carro já está pronto. Se você estiver descansada, podemos partir até amanhã mesmo.

- Eu partiria agora mesmo se não precisasse dormir um pouco. - Lílian respondeu, observando o rosto de Tiago.

- Bem, boa noite, Lily. Durma bem.

- Boa noite pra você também. Até amanhã.

Ele assentiu, saindo do quarto e logo ela adormeceu profundamente.

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