O casamento de Camille



Sirius observou o convite do casamento com intenso desagrado. Fora o próprio Astíanax, a coruja de Camille, quem o trouxera, há quase um mês. Desde então, quase todos os dias ele pescava o envelope salmon de debaixo das várias outras cartas e o olhava demoradamente antes de sair para o trabalho.

Camille ia casar dali há uma semana. Uma semana. E ele perdera não só a batalha, como também a guerra. Ela ia se casar com Edgar. Edgar, seu colega de trabalho. Só lhe restava se conformar...

- Droga!

Ele jogou o convite na lareira, observando-o se consumir pelo fogo, até que só restassem cinzas. Jogando uma capa sobre os ombros, Sirius saiu de casa para seguir pro trabalho, olhando para o sol radiante que estava lá fora, embora algumas nuvens vagassem pelo céu. Como o céu acima de sua cabeça podia estar tão bonito quando ele estava revoltado? Aquilo não era justo.

- O mundo não gira ao seu redor, Sirius.

O moreno virou-se surpreso, encontrando Susan, que, como sempre àquela hora da manhã, estava sobre sua bicicleta.

- Como?

- Você estava se perguntando em voz alta porque o dia está tão bonito quando você está revoltado. Mas, como eu disse, o mundo não gira ao seu redor. É engraçado como você e o Tiago sempre tiveram esse pequeno defeito...

- Obrigado pela observação, Susan. - ele disse irritado, dando as costas a ela.

A moça apenas sorriu, seguindo-o com sua bicicleta, até emparelhar com ele.

- Pelo que vejo, um milagre acaba de acontecer. É a primeira vez que eu vejo você de mau-humor. Isso é estranho, sabia?

- Acho que eu tenho motivos suficientes para estar de mau-humor, afinal, hoje de tarde vou ter aula com a Dawlish, o que significa que vou, para variar, apanhar dela; meus melhores amigos estão afastados e, para completar, Camille vai casar semana que vem. Ou seja, não há motivos para eu estar pulando de alegria.

- Talvez não haja motivos para você sair pulando por aí, Sirius. - Susan disse repentinamente séria - Mas só saber que continua vivo já deveria ser suficiente para manter seu bom humor. Aliás, antes que eu me esqueça, Miranda Dawlish foi assassinada essa noite.

Sirius parou imediatamente, olhando-a espantado.

- Como disse?

- Onde você estava ontem? Houve um ataque perto da Academia de Aurores. Foram assassinados dois aprendizes e a professora de defesa trouxa, Miranda Dawlish. Como os dois alunos que morreram eram de influentes famílias puro-sangue, dessa vez, o ministério não conseguiu abafar o caso. Todas as manchetes de jornal estão falando sobre isso.

O rapaz abaixou a cabeça, envergonhado. Tinha passado a noite anterior num bar. Era sua noite de folga, mas Moody provavelmente tentara contato com ele. Três mortos... Ele sentiu uma mão pousar sobre seu ombro e virou-se para Susan, que sorria tristemente para ele.

- Desculpe dar a notícia dessa forma, eu acho que acabei me exaltando um pouco.

- Não, Su, você tem razão. Eu sou um idiota.

Ela abriu a boca, como se fosse falar alguma coisa, mas acabou ficando calada. Lentamente as nuvens que Sirius observara quando saiu de casa foram crescendo, se avolumando, logo escondendo o sol. Uma garoa fina começou a cair.

- Chuva de verão. Bem, Sirius, parece que os céus decidiram concordar com você... - o moreno sorriu levemente e ela voltou a se encarapitar na bicicleta - Eu tenho que ir. Hoje vai ser um longo dia se trabalho. Você já está indo para o Ministério?

- Eu vou passar na casa do Tiago para ver se está tudo em ordem e depois aparatar pra lá.

- Boa sorte. - ela desejou, despedindo-se.

Logo a italianinha desapareceu numa curva e Sirius ficou sozinho sob a chuva que começava a engrossar. Dawlish estava morta e o filho dela agora era órfão de pai e mãe. Quantos outros não estariam na mesma situação?

Mecanicamente ele se dirigiu para o casarão que Tiago comprara pouco depois de se formar. Estava tudo em seu devido lugar, apenas a falta dos donos parecia deixar o lugar tristonho. Sirius balançou a cabeça. Casas não são seres, não podem se entristecer... ou talvez ele não devesse duvidar disso, já que vivia num mundo de bruxos...

Finalmente ele aparatou para o Ministério, que parecia a própria imagem do caos. Pessoas corriam por todos os lados carregando pilhas de papéis, corujas davam rasantes pelo teto, um senhor tentava acalmar uma criança que chorava histericamente junto ao elevador... Para onde quer que olhasse, tudo parecia uma bagunça.

Rapidamente ele se dirigiu ao seu andar pelas escadas, tentando imaginar uma maneira de ajudar um pouco a arrumar aquela confusão. No terceiro andar ele já ouvia os gritos de Moody. Respirando fundo, ele afinal entrou em seu departamento. E se ele achava que a entrada do ministério estava um caos, certamente não havia palavras para classificar a situação do quartel-general de aurores.

Sirius entrou em seu cubículo, notando pelo menos dez corujas empoleiradas em sua mesa, que a esta altura já estava cheia de titica. Respirando fundo ele saiu recolhendo os pergaminhos que elas traziam e quando finalmente a última coruja deixou o lugar, ele pode limpar tudo e se sentar.

Três mensagens de Moody, uma de Frank, duas de Edgar, quatro correspondências oficiais e um pergaminho de Tiago. Ele começou pela carta do amigo, que parecia até um telegrama: "Estamos na França. Nos deseje sorte." As cartas de Moody falavam sobre o ataque, convocavam os aurores e davam instruções de segurança. Frank escrevera para perguntar se ele estava bem, assim como Edgar, que também aproveitou para convidá-lo de novo para o casamento.

Sirius jogou essas cartas no lixo e voltou-se para as correspondências oficiais. A primeira admitia o estado de guerra, finalmente. A segunda era sobre a nomeação de Barthô Crouch para a chefia do Departamento de execução das leis da magia. Mas a última era a mais importante. Crouch permitira que os aurores usassem as maldições imperdoáveis em comensais. Nesse momento Alastor Moody, com uma aparência extremamente cansada, apareceu na entrada do cubículo.

- Onde você estava ontem à noite? Procurei você até quase três da manhã.

- Eu saí. Precisava desanuviar a cabeça.

Moody sorriu, o que fez o moreno se surpreender um pouco.

- Sente falta do Potter? É uma bela amizade a de vocês. Mas ele está cumprindo com suas responsabilidades e você também deveria cumprir com as suas.

- Vai me dar um sermão, Olho-Tonto?

- Não, Black. Você não é mais uma criança e também não tinha como adivinhar o que aconteceria. Mas não são tempos muito bons para sair vagando por aí de noite, ainda mais considerando que a sua família não vê com bons olhos a vida que você escolheu e nós sabemos perfeitamente bem de que lado estão os Black nessa guerra, não é mesmo?

- Tudo bem, Moody. - o moreno olhou distraído para uma coruja que passava pela sua porta e levantou-se num pulo - Peraí! É isso!

- Como? - o velho auror olhou-o assombrado.

- Essas corujas... Fazem sujeira demais e acho que de bagunça aqui, basta a que os comensais estão fazendo. Podíamos substituir as corujas por aviõezinhos de papel!

Moody observou com estranheza o ex-aluno por alguns instantes antes de sair do cubículo.

- É uma bela idéia. Espero que seja criativo desse jeito no meio de uma batalha.

Sirius sorriu, assentindo. Antes de sair, Moody virou-se uma última vez para ele.

- E, antes que eu me esqueça, Black, Vigilância Constante!



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Camille observou com carinho sua velha coruja negra, Astíanax, enquanto Pucky, o elfo doméstico que cuidava dela desde pequena, ajeitava cuidadosamente o longo vestido que, no dia seguinte, a loira usaria em seu casamento. Uma batida suave na porta fê-la levantar a cabeça.

- Entre.

A porta se abriu, deixando passar um velho senhor segurando um pergaminho.

- Sua madrinha lhe mandou uma carta.

Ela estendeu a mão, recebendo um pergaminho do pai, sorrindo ao ver a letra pequena da querida madrinha.

- Sempre se pode contar com Miriam Potter para alegrar a todos. - o velho Dearborn observou com carinho - Camille, eu sei que está triste porque sua mãe não está mais aqui, mas, pense bem, hoje é véspera do seu casamento, deveria ser uma noite feliz.

- Eu sei, papai. Mas não há como não sentir saudades dela. Faz cinco anos que ela morreu, e meu único consolo é que ela se foi sem ver onde você e o Edgar estão se metendo.

- Camille, já conversamos sobre isso. Você não acha que vamos realmente ficar parados enquanto o mundo desaba a nossa volta, não é? Seja como for, eu quero que esse meu futuro neto que está aí tenha dias mais felizes que os nossos e para isso, precisamos lutar agora.

A loira assentiu com um sorriso triste, acariciando a barriga que começava a despontar.

- Tudo bem, papai. Eu vou dormir agora. Obrigada por tudo.

Ele beijou de leve a testa da filha e voltou-se para a porta.

- Durma bem, Camille. Amanhã vai ser um longo dia.



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Remo entrou pelos portões de Hogwarts cheio de pergaminhos sob o braço, um leve sorriso nos lábios. Sempre era um enorme prazer estar novamente no castelo. Ele caminhou calmamente pelos corredores, na direção do escritório de Dumbledore, a quem deveria entregar aqueles papéis.

Tão distraído ele ia que, quando uma morena passou correndo por ali, ele só foi percebê-la quando a cabeça dela bateu com violência em seu estômago. Os dois caíram sentados no chão, ele quase sem ar, ela acariciando a cabeça, os papéis todos espalhados pelo chão.

- NINFADORA! O que foi que eu lhe disse sobre correr pelo castelo?!

- Desculpe, mamãe! - ela respondeu, levantando-se e olhando para o "obstáculo" em que batera no caminho e empalidecendo ao perceber quem era.

Uma mulher surgiu no corredor de onde a garota viera. Os cabelos negros e os olhos azuis não deixavam dúvidas sobre a linhagem de Andrômeda Black, ou melhor, Tonks.

- Desculpe pela minha filha. - a mulher disse, enquanto recolhia alguns papéis para entregá-los a Remo - Ela costuma fazer muita confusão por onde passa.

Remo assentiu, sem tirar os olhos da garota, que catava os pergaminhos do chão para não ter que encará-lo.

- Você é a prima do Sirius, Andrômeda, não? - ele perguntou educadamente para Andrômeda.

- Sou, porque? - ela perguntou curiosa.

- Eu sou amigo dele. Remo Lupin.

- Aluado? - ela perguntou com um sorriso - Sirius já me falou muito sobre você. Ninfadora, venha conhecer...

- Eu já conheço ele, mamãe. - ela respondeu sem se virar - E, por favor, não me chame de Ninfadora.

Andrômeda suspirou antes de virar-se novamente para Remo.

- Imagino que esteja aqui para ver Dumbledore?

Ele assentiu.

- Eu preciso entregar esses papéis para ele.

- Ele está na sala de Transfiguração com McGonnagal. Estávamos justamente conversando com ele e... - a mulher bateu na própria testa - Céus, esqueci minha bolsa! Ninfadora, espere aqui, eu já volto.

- Não me chame de Ninfa... Esquece. - a morena respirou fundo quando sua mãe desapareceu no corredor.

- Parece que você tem a quem puxar, não? - Remo observou quando ela lhe entregou os últimos pergaminhos que estavam no chão.

- É verdade. - ela respondeu simplesmente - Está aqui por causa da Ordem?

- Como? - ele perguntou assustado.

- Por causa do meu dom, Dumbledore decidiu me colocar sob a proteção da Ordem. Ele acha que eu posso estar em perigo se alguém descobrir que além de ser filha de um trouxa, eu sou uma metamorfomaga.

Remo assentiu, observando os olhos dela agora que Tonks finalmente levantara a cabeça para ele. Dessa vez eles estavam tão azuis quanto os de Sirius e Andrômeda. Sem perceber o que estava fazendo, Remo se inclinou levemente, roçando os lábios da garota, que o observava surpresa. Mal ele se endireitou, a mãe da garota ressurgiu.

- Bem, Lupin, foi um prazer conhecê-lo. Vamos, Ninfadora.

Dessa vez a garota não se deu ao trabalho de contestar o nome, apenas seguiu a mãe em silêncio, sem entender o que acontecera. Remo observou ela desaparecer antes de seguir pelo corredor que o levaria até Dumbledore.



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Hestia e Marlene entraram no quarto em que Camille acabava de se arrumar. Os cabelos loiros da noiva estavam presos numa trança, enfeitados por uma guirlanda de flores.

- Muita gente não veio. - Hestia observou enquanto aproximava-se da amiga para ajeitar o vestido.

- O pessoal está em missões ou então com medo de sair de casa. - Marlene completou - Sirius não está lá.

- Eu já esperava isso. - Camille respondeu - Edgar e meu pai tinham me avisado. Quanto a Sirius, ele não ia querer assistir sua "derrota".

As duas sorriram e voltaram-se para a porta.

- É, Mille, você deixou o garanhão de Hogwarts de quatro... E agora vai se casar com o certinho Bones. Poderosa, não?

- Hestia, poupe-me dos comentários edificantes de última hora, sim?

- Desculpe. - a moça respondeu, ainda sorrindo - Bem, boa sorte.

As duas já estavam saindo quando Marlene colocou a cabeça na porta.

- Mille, eu sei que é de praxe a noiva chegar atrasada, mas será que você não pode andar logo? Eu estou morrendo de fome.

Camille riu.

- Pode ir, sua gulosa, eu não vou demorar.



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Susan desligou a televisão, raspando o fundo da panela de doce que tinha feito há pouco. Deixando a vasilha na cozinha, ela voltou a pilha de jornais que estivera recortando nos últimos dias, cheias de manchetes temíveis como "ataque a Oxford", "descoberto mais um caso de traição dentro do Ministério", "mais três famílias tradicionais completamente dizimadas essa noite" entre outras coisas do tipo.

Ela suspirou, pegando seu velho álbum de recortes. A escalada de ataques de comensais nos últimos anos era realmente aterrorizante. Não era à toa que o mundo bruxo estava de pernas para o ar, arriscando-se muitas vezes a serem descobertos pelos trouxas.

- Maldita guerra. - ela praguejou baixinho, antes de voltar ao trabalho.

Um envelope salmon caiu do meio de mais uma pilha de papéis recortados quando ela os puxou para jogar no lixo. A morena apanhou-o do chão, já aberto, encontrando o convite do casamento de Camille Dearborn e Edgar Bones.

- É hoje... - ela disse para si mesma, passando os dedos pelas letras douradas.

Nesse instante a campainha tocou e Susan sentiu o coração acelerar, sabendo exatamente quem era. Não sabia explicar como, mas sempre que ele estava por perto, ela sabia. Rapidamente ela largou o envelope no meio dos recortes, fechando o álbum, e se levantou, caminhando até a porta. E lá estava Sirius parado, encostado ao umbral, olhando-a tristemente.

- Sirius? Mas o quê...

Antes que Susan pudesse acabar de articular sua frase, o moreno entrou fechando a porta e praticamente caindo sobre ela. Susan sentiu nitidamente o cheiro de álcool, logo descobrindo que o amigo estava bêbado. Ela o abraçou maternalmente enquanto o encaminhava para o sofá.

- Sirius? - ela tentou de novo.

O homem ergueu a cabeça do colo dela e Susan percebeu, com um aperto no coração, que havia lágrimas nos olhos azuis dele.

- O casamento de Camille é daqui a meia hora.

- Eu sei. - ela respondeu com pesar - Encontrei a Camille ontem, ela queria saber notícias da Lily.

- Eu sou ridículo, não? - Sirius deu uma risada que mais parecia um soluço - Nunca pensei que chegaria o dia em que eu choraria por uma mulher.

- Você se acostumou a fazer chorar. - Susan respondeu tristemente.

Ele observou a moça por alguns instantes. Distraidamente, ela começou a fazer cafuné nele.

- Eu fiz você chorar também, não foi, Susan?

Ela piscou os olhos por alguns instantes, surpresa. Sim, chorara muitas vezes por causa do moreno, mas jamais revelaria o que sentia por ele. Sem que ela se desse conta, Sirius endireitara o corpo, aproximando-se ainda mais dela. Susan só saiu de seus pensamentos quando sentiu os lábios do rapaz colados aos seus.

Ele a abraçou com cuidado, sentindo-a tremer sob seu beijo. Por alguns instantes eles estiveram assim até que a morena se separou, levantando-se, o rosto extremamente vermelho. Sirius estava bêbado, ele gostava de Camille e a situação sairia de seu controle se continuasse por muito tempo. Susan caminhou de um lado para o outro, sob o olhar observador de Sirius, encostando-se à porta de seu quarto.

- Sirius, eu...

Ele levantou-se, caminhando até ela, colocando o dedo sobre os lábios para silenciá-la.

- Por favor, Su... Cuida de mim...

Os olhos dela alargaram-se em choque, mas suas últimas resistências se foram quando ele voltou a enlaçá-la pela cintura, levantando-a a alguns centímetros do chão enquanto a beijava. Susan sentiu a porta do quarto se abrir sob seu corpo e Sirius caminhar para dentro do quarto escuro, cerrando-a novamente.

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