De Mal a Pior



N/A: sim, sim, foi só eu avisar que não ia mais postar por uns tempos, que as idéias começaram a borbulhar, então eu simplesmente TIVE que fazer uma pausa nos estudos (sinceramente, quem se interessa pelas fases da fotossíntese?) e escrever esse capítulo. Estou tentando ao máximo sair da mesmice nessa fase de depressão da Tonks, e estou aberta a qualquer crítica ou segestão, então, comentem!
Beijos a todos que comentaram o último capítulo!

E vamos ao capítulo quinze:

Cap. 15 - De Mal a Pior

Passou-se algum tempo, onde o calor de Agosto começou a se dissipar, e Setembro chegou, arrastando os estudantes de volta à escola, e, Ninfadora Tonks, ao seu novo trabalho em sua carreira de auror. Mudava-se agora para um pequeno quarto na vila de Hogsmeade, assim como mais três colegas, escolhidos especialmente para vigiar Hogwarts.

Durante esses poucos dias, porém, fortes mudanças haviam-se feito presentes. A começar pela aparência de Tonks, antes viva e de cabelos coloridos, agora andava por aí com cabelos castanhos e sem vida, mais magra que o normal, parecendo permanentemente chateada. E, então, quem a conhecesse bem o suficiente, notaria também que sua personalidade anterior, curiosa, animada, divertida, começara a se esvair pouco a pouco, dando lugar a uma garota triste e rabugenta.

Naquela manhã nublada – que, por sinal, refletia perfeitamente seu humor – ela entrava pela primeira vez no aposento minúsculo e mal iluminado que a partir daí seria sua casa. Ela não teria se animado muito mesmo se o lugar fosse bonito e ensolarado, mas, ainda assim, aquilo de certa forma a deprimiu. Havia uma fina camada de poeira sobre o chão e os móveis, o que indicava que já devia estar desocupado havia algum tempo. As cortinas eram beges, sujas, puídas, e a colcha na cama cheirava levemente a mofo. Ia precisar reformar aquele lugar, pensou, com um suspiro.

Andou então até a janela e abriu-a, deixando entrar uns poucos raios de sol. Escancarou as portas do armário e constatou que estes também necessitavam uma limpeza. Conformada com o fato de que passaria seu primeiro dia no povoado ocupada com a faxina, ela puxou as malas para dentro – derrubando-a sem querer no assoalho, onde ela caiu com um baque surdo levantando pequenas nuvens de pó – e olhou em volta, resoluta, por mais uma vez.

Seria impressão sua, ou o mundo tinha resolvido se voltar contra ela?

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- Você não soube? Seis mortes, foi o que me disseram. Encontraram os corpos caídos esta manhã, próximos a um vilarejo escondido mais ao norte. É claro que Greyback não é burro, não é, não os largaria em algum lugar que pudesse denunciar seu esconderijo. Estavam em um estado lastimável, ah, sim. Soube pelo próprio curandeiro Bennet, entende, quiseram levá-los para o St. Mungus para ter certeza de que não havia modo de salvá-los. Sangue para todo o lado, alguns nem foram identificados, tão mutilados estavam os rostos! É claro que nenhum teve nenhuma chance de sobreviver... Ninfadora, você está bem?

- Dawlish – disse ela, trêmula, o rosto estranhamente pálido – Por favor, diga aos outros que tive que sair!

- O qu...?

Mas Tonks já não estava mais ali, corria em disparada para o castelo de Hogwarts, apenas visível àquela distância como uma enorme forma escura contra a neblina. Os pulmões pareciam queimar no peito, e as pernas começaram a cansar, mas ela não se permitiu diminuir o ritmo. Adentrou no castelo, e, sem parar para pensar, subiu as escadarias, não ligando para os olhares espantados que recebeu de um grupo de pequenos alunos do segundo ano, que, pelo visto, acabavam de tomar café da manhã.

Preciso falar com Dumbledore, era a única coisa que tinha em mente. Precisava saber, precisava descobrir o que acontecera realmente, e se ele não estava envolvido. Não, não, seria muito azar, não é? Havia centenas de lobisomens, e Dawlish afirmara que seis haviam sido mortos. Quais as chances de Remus estar entre eles? Quase nenhuma, não é? Mas...

... E se tiverem descoberto que ele era um espião?

O pensamento a atormentou, e, por alguns momentos, sua visão ficou turva, ela se sentiu tonta, se desequilibrou... O som de frascos se quebrando ecoou no corredor deserto.

- ARRE! Olha por onde anda, garota atrapalhada!

Ela ergueu os olhos e viu, parado ali, Severo Snape, olhando-a com a costumeira expressão de desdém no rosto. Ele carregava uma bandeja que, um segundo antes, devia estar cheia de frascos de poções, que agora jaziam partidos, em centenas de minúsculos fragmentos, no chão.

- Ah, Merlim, desculpe – apressou-se a dizer, juntado os pedaços de vidro – Não foi de propósito, eu... Snape, eu preciso falar com Dumbledore.

- Dumbledore se encontra ausente do castelo nesse momento, Ninfadora – disse com visível prazer, notando o pânico na voz dela.

- Ausente? – repetiu, mortificada.

- É, Ninfadora, ausente. Creio que até negações multicoloridas, extremamente desajeitadas, como você, têm capacidade de compreender o que significa, não...? – disse, com um risinho malicioso.

- Snape, é sério. Eu preciso mesmo falar com ele, então, se isso é alguma brincadeira sua, saiba que não tem a menor graça. Por favor, é um assunto urgente!

- Uma emergência, hum? Entendo... – ele estava claramente adorando poder torturá-la. Sempre a detestara quando aluna, a Grifinória metamorfomaga, popular, extrovertida, jogadora de quadribol, cheia de piadinhas e respostas na ponta da língua. A deixara muitas vezes em detenção, mas mais numerosas eram as vezes que ela conseguira escapar com uma história bem contada. Os seus sentimentos para com ela não haviam mudado desde então – E creio que, pelo seu desespero, deve ter algo a ver com o seu querido monstro...!

A mão dela voou para o rosto dele com tanta velocidade que ele não tivera tempo de se defender. Olhou para ela, estupefato, sem fala, encarando os cabelos castanhos e sem vida, os olhos grandes e negros, o rosto cansado tomado pela fúria.

- Não ouse se referir a ele assim, Snape – murmurou ela, em um tom que ele reconheceu ser o que ele próprio às vezes usava com Potter, baixo e letal – Nunca mais. Eu sempre quis azarar você, e vou ter o maior prazer em fazer isso se você não calar a boca antes de dizer algo assim sobre Remus!

- Que comovente... – ele desdenhou, recuperando a fala – Bem, sinto informar, Ninfadora, que o diretor realmente não se encontra em Hogwarts, então trate de descontar a dor da sua rejeição em outra pessoa.

Ele viu que a provocação finalmente surtira efeito. A pouca cor do rosto dela se esvaiu e ela o mirou por mais alguns momentos, antes de passar por ele, sem lhe dizer mais uma palavra.

Talvez, pensou, retomando a caminhada pelos incontáveis corredores do castelo, talvez McGonagall...

Mas não encontrou nenhum dos membros da Ordem pelos corredores, e, aliás, nenhum rosto conhecido exceto o de Harry, com quem só se deu ao luxo de conversar por alguns segundos, para saber se ele recebera alguma notícia sobre Lupin. Voltou, então, para seu pequeno quarto alugado em Hogsmeade, sabendo tão pouco quanto no início, mas decidida a fazer algo. Uma idéia lhe passou pela cabeça, absurda demais para ser posta em ação. Ela se deitou em sua cama e enrolou-se nas cobertas, pensando. Não sentia o menor ânimo para ir trabalhar naquele dia. Pediria para alguém cobrir seu turno, talvez. Ficou ali, em silêncio, totalmente entregue às memórias, sem ter noção das horas. Seu estômago roncava, mas ela achava que não teria forças para se levantar e comprar algo para comer. Então continuou ali, por vezes cochilando, sonhando com lobos, com Snape, rindo maliciosamente enquanto lhe dizia que Remus morrera, e então este virava Dumbledore, que lhe dizia “Mas foi você quem o mandou ir, Ninfadora, eu avisei que ele morreria”, e então, outra vez, o personagem mudava, e lá estava Remus Lupin, que olhava para ela e dizia: “Não. Eu não te amo. Na verdade, resolvi casar com Fenrir Greyback, você quer vir à festa...?”. Acordava, depois, perturbada, e, mais uma vez se perdia em lembranças até ter o rosto lavado por lágrimas, e adormecer de novo...

A certa altura, ela despertou e notou que o quarto já estava escuro. Anoitecera, já, e ela sequer notara. Olhou para o céu, que devia estar estrelado e iluminado pela redonda lua cheia, como na noite anterior... Mas, hoje, a lua era minguante. A maldição devia ter passado. Pensou em como devia estar Remus, preso com milhares de outros homens, possivelmente bem mais selvagens que ele. Devia estar sofrendo. Ou talvez, morto, pensou, sentindo uma fisgada no peito. Ela queria tanto vê-lo...

Levantou-se, de repente, decidida. A idéia insensata que tivera antes já não lhe parecia tão ridícula assim. Puxa, ela precisava se certificar de que estava tudo bem. Não era como se fosse invadir uma caverna cheia de lobisomens transformados e violentos, nem nada disso. Vasculhou o aposento com os olhos e achou sua capa. Vestiu-a depressa e saiu.

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As cavernas ao longe finalmente começaram a se destacar no enorme borrão causado pela neblina. Já conseguia ouvir vozes, embora raras e irreconhecíveis. Mas ele era reservado, lembrou a si mesmo, provavelmente só queria ficar quieto, pensando e não conversar. Ele estava lá, tinha que estar... seus olhos arderam quando novamente lágrimas grossas brotaram e escorreram por sua face. Se ele tivesse morrido...

Ainda era noite, talvez quatro ou cinco da madrugada. Levara muito tempo para descobrir onde era o esconderijo dos lobisomens. Invadira o escritório de Dumbledore, sim, e não se orgulhava disso. Precisara de incontáveis feitiços para desativar toda a segurança posta na sala, mas, graças a Merlim, o treinamento de auror a preparara para a maioria deles. E finalmente, encontrou o que procurava. Algumas cartas endereçadas ao diretor, aparentemente de um outro lobisomem amigo deste, que havia descoberto a região em que os Comensais de Fenrir se escondiam e resolvera compartilhá-la com Dumbledore. Nisso perdera quase quatro horas, mas, enfim, aparatou o mais próximo que ousou do local: ao pé de um morro de capim alto, pedras cheias de musgo, e terra úmida, sem nenhum sinal de civilização por perto. Agora, empenhava-se a chegar ao topo, esperando pelo que encontraria quando encontrasse o lugar exato.

Deu-se conta de que corria, agora, enquanto secava o rosto e obrigava-se a ser forte. Seus passos apressados causavam cada vez mais ruídos na noite silenciosa, e mesmo sabendo que não poderia ser vista, ela não se permitiu parar. A subida era íngreme, e ela tropeçava algumas vezes, o que aumentava o barulho, e lhe tomava cada vez mais tempo, mas ela não se importava. Estava obcecada.

A apenas alguns metros da primeira gruta, então, um farfalhar de folhas na grama alta lhe chamou a atenção. Ela parou, alerta, a mão segurando firmemente a varinha dentro do bolso. Mais adiante, as vozes haviam-se calado. E ela viu, com o coração disparado, um vulto sair do meio dos arbustos, o rosto oculto pela escuridão.

- Ora, ora, ora – disse a voz rouca, como se cada palavra lhe arranhasse a garganta – Parece que temos visitas.

Ela gelou. Reconhecera a voz áspera do homem a sua frente. Parado, encarando-a com os olhos frios e um sorriso malicioso, estava Fenrir Greyback.

Engoliu em seco.

- Hmmm, oi – falou hesitante – Eu vim...

- Sei para que veio – retorquiu ele – Quem a mandou, é o que me pergunto. Dumbledore? O ministro? De qualquer modo, nenhuma proposta que tenha a fazer nos interessa.

- Mas eu...

- Você achou que poderíamos ouvi-la, não? Bom, estava errada, garota burra. Não tenho tempo para ouvir as baboseiras de Dumbledore ou as ameaças do ministério.

- Não foi por isso...

- Não admito bruxos por aqui – rugiu ele –, gente de sangue puro, que se acha melhor do que nós, que sente pena, que sente medo. Nenhum de vocês é diferente, não – ele soltou uma risada rouca e grave – não importa o quanto tentem fingir. Por isso eu passei a vida reunindo todos que, como eu, carregam essa maldição. Nós somos especiais, nós merecemos dominar essa gente fraca que se pensa superior... Todos esses que, como você, menina, merecem apenas a morte – ele saboreou a palavra, a língua passando maliciosamente sobre os lábios finos, a aparência faminta. Tonks ofegou e recuou assustada.

- Não...!

No instante seguinte ela sentiu ser derrubada para trás, o corpo caiu com um baque surdo na terra molhada e fofa, a grama roçou em seu rosto. A cabeça começou a latejar, mas não teve tempo para se preocupar com isso, ele já estava em cima dela, as mãos segurando seu pescoço, fazendo-a sufocar... ela sentiu o hálito dele, quente, se aproximando, fechou os olhos e tentou se soltar... mas não havia saída, ele a mataria agora...

Um jato de luz vermelha atravessou suas pálpebras e o corpo do homem caiu rígido e pesado sobre ela, deixando-a sem ar, mas ela o empurrou para o lado, onde ficou imóvel como uma estátua. Mais além, pálido, as vestes mais rasgadas e amarrotadas do que nunca, os cabelos castanhos cobertos por fios grisalhos, ela avistou Remus. Ele segurava a varinha, ainda em posição de ataque, parecendo este também ter sido petrificado, exatamente para o lugar onde Greyback estivera momentos antes. Agora a encarava como se nunca a tivesse visto antes.

Aparentemente, ele estiva voltando à caverna quando a encontrou. Agora, recuperara os movimentos, e vencia a pequena distância até ela. Quando aceitou o braço dele, para ajudá-la a se levantar, esperou o puxão brusco, talvez impaciente, que mostrasse a insatisfação dele, mas ele a ergueu de maneira quase gentil. Andaram assim por vários minutos, em silêncio. Passada cerca de meia hora, entraram em uma gruta pequena, as cavernas dos lobisomens já desaparecidas na distância. Se antes seu coração disparara, agora, ela sentia que a qualquer momento ele pularia para fora do peito, tão nervosa estava com a situação. Não tinha idéia do que ia ouvir, mas não seria nada bom. Sabia que tinha sido irresponsável, insensata, idiota e tudo o mais. Mas não estava pronta para ouvi-lo dizer isso.

- Tonks – disse ele de repente, dando meia volta para encara-la – você é completamente louca.

Ela não disse nada. Não era uma pergunta.

- O que, diabos, você tinha na cabeça? Vir aqui, no meio da noite, sozinha, com centenas de comensais perigosos a solta. Francamente, nem você, Ninfadora, podia ter uma idéia tão... – ele suspirou, exasperado – E onde você conseguiu a localização, afinal? Dumbledore levou meses para... Mas enfim... Eu não acredito, o que você está fazendo aqui?

- Eu soube dos ataques entre os lobisomens de Fenrir Greyback... pensei que você... Bom, você é um espião e, se eles tivessem descoberto... e Dumbledore não estava em Hogwarts, eu não tinha como saber, mas eu precisava saber, então... Eu sei que fui uma idéia maluca, ridícula, mas...

- Pode ter certeza que foi!

- Eu só estava me preocupando com você! Mesmo que você não me ame mais... Eu precisava ver que você estava bem... Eu não agüento mais! – ela deixou o corpo, cansado, cair de joelhos no chão da gruta. Não queria chorar na frente dele outra vez, mas era impossível controlar. Já estava a meses entregue a depressão, já não era a mesma de antes, e nada que dissessem ou fizessem conseguia fazê-la melhorar. Perdera todo o entusiasmo, a curiosidade, a vontade de viver. Não conseguia mais se transformar. Seu patrono mudara – É tudo sua culpa! – ela o acusou, lembrando-se dos olhares de pena que passara a atrair na Ordem, dos boatos que, ela sabia existir, diziam que ela estava se responsabilizando pela morte de Sirius, ou pior, que era apaixonada por ele – Você não sabe como é...

- Não, Tonks, você não sabe como é! – retrucou – Você acha que é tudo uma grande brincadeira, não é, como se isso fosse acabar e os dois lados fossem apertar as mãos e ficar tudo bem! Mas não é isso que vai acontecer! Há gente morrendo, famílias inteiras sendo destruídas... Talvez você não se lembre como era na primeira vez, era muito criança, mas já pode perfeitamente bem entender agora! Cresça, Ninfadora! É uma guerra! E se tem alguém que pode nos tirar dessa, essa pessoa é Dumbledore! Eu só estou fazendo a minha parte para que nós consigamos vencer. Estou seguindo as ordens dele, e para mim é uma honra...

- Você vai morrer pela honra, então?

Um silêncio perturbador encheu a pequena caverna.

- Há coisas pelas quais vale a pena morrer.

- Mas você não pensa assim quando se trata de coisas boas, não é? Você nunca pensou que há coisas pelas quais se vale à pena viver, também? Elas não são mais importantes? Eu não sou mais importante?

Ele não respondeu. Continuou olhando para ela por um longo tempo, e ela sustentou o olhar. Então ele se abaixou até ficarem ambos na mesma altura e sentou-se ao lado dela, ainda sem dizer uma palavra. Fitou por muito tempo a parede oposta, sem parecer realmente vê-la.

- Eu sinto sua falta – murmurou ela, sem aviso, perto de seu ouvido, fazendo-o voltar a si com uma eficiência incrível, e encará-la como se, pela primeira vez, notasse que ela estava ali.

Era a primeira vez desde que haviam chegado à caverna que seus olhos se encontravam. E ela soube quase imediatamente que ele também sentia sua falta. Estava claro como água. Ele ainda a amava. Tonks pousou lentamente a mão no rosto dele, ainda o observando atentamente. Ele passara por tanta coisa nos últimos meses! Era fácil agora ver mais além de sua aparência externa o quanto ele estava tenso, sofrendo, confuso. Não queria estar ali, não tinha nenhum prazer em vigiar os lobisomens, só queria desistir, poder voltar para casa e dormir uma boa noite de sono, talvez com a mulher que amava. Queria poder acordar no dia seguinte e descobrir que tudo não passara de um sonho ruim. Estava tão perdido quanto ela, mas, ao contrário, conseguia guardar suas emoções para si.

Então, enquanto pensava em tudo o que a estava cruelmente separando dele naquele momento, sem pensar, ela encostou os lábios nos dele. Muito superficialmente, quase não se encostavam. Mas já era o suficiente para despertar nele toda a paixão, todo o desejo, toda a saudade. Sem aviso, puxou-a violentamente para si e a beijou sofregamente. Ela retribuiu com ardor, com urgência, e um suspiro de prazer lhe escapou dos lábios quando ele beijou seu pescoço, as mãos entraram em sua blusa, acariciando-a, e ela desabotoou sua camisa.

- Você me ama – ela sussurrou. Ele não respondeu.

---

Quando o tão desejado e temido beijo de fato se deu, já amanhecia o dia. Porém pouco tempo depois, duas pessoas amarrotadas, sujas, lábios vermelhos e cabelos desarrumados deixavam a gruta sem trocar uma palavra. Uma parecia à beira de lágrimas. A outra, o homem, tentava parecer resignado, decidido a não olhar para a moça que caminhava a passos lentos e arrastados ao seu lado.

Não acontecera muito mais além do que fora narrado, na caverna. Haviam parado antes que qualquer coisa mais séria pudesse acontecer. “Não é certo”, dissera ele, “é melhor voltarmos”. E ela recusou-se a ir, recusou-se a deixá-lo outra vez, argumentou, bateu pé e usou de toda a sua teimosia para impedi-lo de fugir mais uma vez. Mas ele estava resoluto quanto a sua decisão.

Afastou-se dela usando todo o autocontrole que possuía, embora cada fibra do seu ser implorasse por mais um segundo de contato com a pele macia e quente, mesmo que o cheiro dela o inebriasse e o levasse à loucura, ainda que fosse ela a única com quem ele se sentia completo. Ao lado daquela mulher, tão jovem, tão singular, ele sabia que podia abandonar os disfarces e ser apenas ele mesmo, sem mais esconder-se atrás de máscaras de calma e racionalidade; podia se entregar total e completamente e deixar-se levar por seus instintos; esquecer os problemas e as dores que a vida lhe proporcionara desde muito jovem e apenas viver com prazer os momentos em que estavam juntos.

Mas ele abriria mão de sua felicidade, se isso significasse a segurança dela.

Quando estavam saindo, ele observou-a mais atentamente do que em todo o resto do tempo que haviam passado juntos desde que ele a salvara das garras de Greyback. A tristeza e o abandono eram tão claros que ele se questionou silenciosamente se estava fazendo a coisa certa. Não queria fazê-la infeliz. Mas resolveu-se, então, de que ela ficaria bem, e superaria tudo, se parassem de ser ver. Seus encontros reavivariam as lembranças, e tornariam tudo mais difícil de ser enfrentado, portanto ele lhe disse que não queria mais que ela o procurasse: não queria mais vê-la ou falar-lhe, e isso seria o fim definitivo de seu relacionamento.

- Não fará diferença – disse a moça, friamente – Estarei pensando em você.

---

E era o que agora fazia agora Ninfadora Tonks, de volta ao seu quarto, durante um longo banho. Deixava, mais uma vez, a água escorrer como se pudesse levar embora consigo seus problemas. Na verdade, isso não funcionava muito bem. Mas era a única coisa que podia fazer a respeito. Quando desligou o chuveiro, porém, não se sentia muito melhor do que quando entrara. Olhou sua imagem refletida no espelho. Quase não conseguia se reconhecer na mulher fraca que via a sua frente, olhando nos seus olhos. A mulher que a encarava tinha perdido totalmente a confiança em si mesma. Permitira que seus sonhos lhe fossem arrancados e não sabia o que fazer sem eles, desistira de tentar se reerguer, entregara-se de forma completa a depressão, que, como um parasita, parecia ter-se alojado em seu corpo e sugava, pouco a pouco, toda a sua energia. Esse era o seu retrato agora. E ela não agüentava mais ser assim. Não suportava a si mesma.

O parasita sugou mais um grande punhado de sua força. Ela cambaleou. Apoiou-se no balcão da pia até que a visão voltasse a focar nos frascos a sua frente, perfumes, shampoos, cremes coloridos que ela não se lembrava de ter usado desde que se mudara para lá. Quando voltou a ver seu reflexo abatido e anêmico, algo pareceu explodir dentro dela.

A mão fechada bateu com tal força no balcão que três dos coloridos vidros de perfume tremeram e se espatifaram, segundos depois, no piso úmido. A raiva que se tinha assentado dentro dela, parada, descansando durante meses, pareceu repentinamente borbulhar, pronta para entrar em ebulição. Tinha raiva de Remus, que insistia em evitá-la, raiva de Dumbledore, com sua calma inabalável, raiva de Voldemort, um bruxo alienado pelo poder, causador de todas as tragédias por quais passavam agora, de Greyback, um assassino que dia após dia ameaçava a vida do homem que ela amava, de Molly, com seus conselhos e palavras vazias de que tudo daria certo, de Scrimgeour, tentando iludir o mundo bruxo de que tinha tudo sob controle, de Gui e Fleur, com seu relacionamento perfeito, e de qualquer outra pessoa em que pudesse pensar. Mas, principalmente, tinha raiva de si mesma, por ter chegado àquele ponto. Odiou-se por isso. Lágrimas quentes voltaram a surgir em seus olhos e ela enterrou o rosto nas mãos, pronta para romper outra vez em prantos...

- Tonks!

Alguém a chamara do lado de fora da porta. Ela não respondeu, na esperança de que, quem quer que fosse, logo desistisse e fosse embora, abandonando-a a sua depressão.

- Tonks, abra essa porta!

Os gritos agora vinham acompanhados de murros na porta, e ela ergueu lentamente a cabeça – que parecia pesar um milhão de toneladas – tentando reconhecer a voz. Tudo parecia chegar muito lentamente ao cérebro e foi só passado cerca de um minuto que ela finalmente soube a quem pertenciam os berros.

- Ninfadora Tonks, se você não abrir essa porta, eu...

- Carlinhos!

Ela abrira a porta bruscamente e já se via atirada aos braços do rapaz, que cambaleou e por pouco não caiu para trás, surpreso com a aparição tão repentina da amiga. E, se não fosse chocante o suficiente, um milésimo de segundo depois ela já se debulhava em lágrimas, soluçante, em seu ombro, deixando-o completamente sem ação. Para completar seu embaraço a garota estava molhada, vestindo um robe, claramente recém saída de um banho. Mas, escondendo o seu abalo de forma convincente, ele a abraçou forte e enxugou-lhe o rosto, como o bom amigo que vinha sendo já há anos.

Quando chegara à Toca, há dois dias, ouvira uma conversa entre a mãe, Gui e Fleur, sobre o péssimo estado de Ninfadora. As palavras “depressiva”, “fraca” e “desanimada” chegaram entre muitas outras aos seus ouvidos, e a princípio ele não conseguiu encaixá-las no perfil que tinha de sua antiga amiga de escola. Tonks era animada e viva, mesmo grandes injustiças ou desavenças não conseguiam deixá-la brava por muito mais que alguns dias, e era a última pessoa na terra que ele definiria como “fraca”. Agora, no entanto, ele entendia perfeitamente a descrição feita. Admitia que sua “entrada triunfal” o deixara estupefato, mas também não pôde impedir que uma onda de alívio o inundasse por ver que ela ainda estava bem. Impulsiva como sabia que ela era, o medo já começava a invadi-lo quando não ouviu resposta aos seus chamados. Mas ali estava, aparentemente bem, exceto pela tristeza que a consumia a olhos vistos.

- Calma – ele sussurrou, levando-a de volta para dentro do apartamento – Seja lá em que rolo você se meteu dessa vez, Tonksie, tudo vai ficar bem – disse carinhosamente.

- Não vai, não, Carlinhos – soluçou ela, em seu ombro, em um estado que o deixava a beira de pena.

- Claro que sim – ele lhe afagou os cabelos castanhos e úmidos – Vamos encontrar uma solução para o problema e sua vida vai voltar ao normal – garantiu – Não se preocupe, vai ficar tudo certo.

- Não! – ela pressionava o corpo com tanta força contra o dele, como se temesse não poder erguer-se sozinha, as mãos segurando desesperadamente sua camiseta, que ele se perguntou se alguma vez na vida já a vira assim, tão frágil, tão desesperada – Nada vai ficar bem, nunca mais! Porque eu fui burra, Carlinhos, tão burra! Ele me usou de novo, exatamente como quando eu tinha dezesseis anos, e tudo bem, eu era nova e era só uma paixão de férias, mas mesmo assim, ele fez isso de novo, e eu não fiz nada, eu me deixei levar! E então ele simplesmente chega e diz... e diz... – ela parou para tomar fôlego – E ele não me ama! E ele disse que me amava, Carlinhos, e eu acreditei nele, mas era tudo mentira. Depois de tudo aquilo, quer dizer, eu fiquei com ele durante a lua cheia, e Sirius tinha me garantido que isso era um bom sinal, que devia significar que ele realmente gostava de mim, mas no fim...

Ela deixou de fazer sentido. Falava ininterruptamente, parando apenas para respirar ocasionalmente, e um fluxo continuo de palavras desconexas jorrava de sua boca, das quais ele apenas entreouviu “os lobisomens de Greyback”, “uma tarefa ridícula”, “covarde demais para fazer alguma coisa...”

Tonks continuava falando, e falando, uma espécie de paz melancólica invadindo seu corpo a cada novo desabafo, como se estivesse aos poucos se livrando daquele parasita que contaminava seu interior. Mas, quando parava para respirar, tantas outras coisas lhe vinham à mente, que toda a sensação de peso voltava ainda dez vezes pior, e ela sentia que teria de passar semanas falando para colocar tudo para fora.

- Tonks, já chega – a voz firme de Carlinhos lhe disse depois de não menos que quinze minutos – Pare com isso.

- Mas... – ela se afastou dele, sem ação. Achava que, dentre todas as pessoas que conhecia, Carlinhos nunca a julgaria. Ele a deixaria falar tanto o quanto quisesse e a entenderia, e no fim apareceria com uma solução simples e tão óbvia que ela não saberia explicar como não pensara nela antes, e tudo voltaria a caminhar como antes. Mas não. Ele não a entendia, afinal. Os olhos escuros dela se arregalaram ao encarar o rosto decidido do amigo – e seria uma pontada de tristeza que ela vira em seus olhos, quando estes se encontraram?

– Mas eu preciso de você – sussurrou mortificada com a possibilidade de perder o único que ainda restara ao seu lado.

- E eu vou continuar do seu lado, se você se acalmar e parar de sentir pena de si mesma – disse ele, mesmo que se sentisse mal agindo assim diante do desamparo da amiga. Mesmo assim, era para o bem dela, e ele sabia ser este o único modo de ajudá-la a se recuperar. Como uma criança que chora quando a mãe sai de casa, ela não precisava que a embalassem e a confortassem com palavras de pena: isso só fazia com que a criança berrasse ainda mais. Não, o que ela precisava agora era de alguém que desse um basta na situação. Alguém que lhe explicasse que a mãe, afinal, não a abandonara, só saíra por um tempo, para ir ao cabeleireiro talvez, e que voltaria apenas mais tarde, não importando o quando ela se esgoelasse gritando, até perder a voz. E Carlinhos seria essa pessoa. Ele – seu amigo mais antigo – a tiraria do fundo do poço.

- Desculpe – murmurou ela, sentando-se aos pés da cama, ato no qual ele a imitou – Só que eu não sei mais o que fazer. Eu não sou mais... eu mesma, entende? De repente eu pareço depender de outras pessoas para viver, eu que sempre fui tão independente – ela soltou algo entre um riso e um soluço – É como se a velha Tonks nunca tivesse existido.

- Tonksie – ele sorriu e pousou a mão gentilmente no rosto da garota, secando-lhe as últimas lágrimas – Só porque está passando por uma fase ruim, não quer dizer que não seja mais a mesma. Eu ainda posso ver a velha Tonks em você, escondida por baixo dessa dor, sabia? A mesma Tonks com gosto pela vida que eu conheço desde sempre – e, como se lesse seus pensamentos, como se soubesse o que se passava dentro dela, de seu medo de nunca mais voltar a ser como antes, de perder completamente o vínculo com a antiga Tonks, ele acrescentou: - Não se preocupe. Eu vou estar com você, e nós vamos trazê-la de volta à superfície. Juntos. Como sempre resolvemos nossos problemas.

Uma sensação indescritível de alívio e felicidade tomou conta dela. Mesmo que sua vida estivesse de cabeça para baixo, ainda que tudo parecesse errado, ela ainda podia contar com a ajuda de Carlinhos. Ele estava do seu lado, e ainda gostava dela, mesmo vendo seu lado fraco. Uma onda de afeição pelo garoto passou por ela, e por algum tempo ela não foi capaz de expressar nenhuma reação àquelas palavras. Ele ainda a encarava, preocupado, os olhos azuis cravados nos negros, esperando uma resposta, qualquer que fosse. Então, sem que pensasse, um sorriso – o primeiro há muito tempo – se formou em seus lábios. Ele retribuiu, e fez menção de abraçá-la.

E foi então que ela o beijou.

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