Tonks, Tonks, Tonks...



Cap. 16 - Tonks, Tonks, Tonks...

- Ei, Ninfadora! – gritou Helen Brandon, correndo esbaforida com os longos cabelos loiros cascateando às suas costas.

Tonks pensou no que a garota poderia querer com ela. Quer dizer, falando sério. Helen Brandon era a garota mais popular do terceiro ano. Não popular ao estilo Tonks, que se dava bem com todos, era extrovertida e contava histórias a quem quisesse ouvir, mas sim aquele tipo de garota mais ou menos, sem nada para se orgulhar a não ser o fato de que por acaso nascera bonita. Mas, pensando bem, para alguém como ela – e para a maior parte dos adolescentes de treze anos – aquilo era suficiente. Havia milhões de caras que queriam sair com ela, afinal, e inclusive caras mais velhos, do quinto ano.

E é claro que, sendo tão requisitada, a menina ficara um pouco, sabe, esnobe. Meio metida, se achando melhor que as garotas inteligentes, só porque estas tinham que usar óculos, ou o cabelo era ruim, esse tipo de coisa. Fazendo piadinhas desagradáveis com qualquer um que não fizesse parte do seu círculo de amigos, e, à vezes, até destes. E, normalmente, era nessa hora que Hanna dava uma cortada na garota, ou Tonks fazia um comentário maldoso que a deixava sem resposta.

Não era exatamente quem ela esperava ver correndo em sua direção com um sorriso no rosto e os olhos brilhando de excitação. Não mesmo.

- É Tonks – disse ela, pela milésima vez, por sinal.

- É verdade? – Helen ignorou-a, os olhos arregalados cheios de entusiasmo.

- O quê?

- Sobre você e o Carlinhos. É verdade que vocês estão... – ela baixou a voz teatralmente, cheia de cumplicidade – juntos?

- O quê? – repetiu Tonks, pateticamente – Do que você está falando?- perguntou confusa.

- É o que TODOS estão falando! Eu tinha que vir aqui e escutar da sua própria boca! É verdade mesmo? Vocês se beijaram depois do jogo de quadribol, desse sábado? Por que Tawny disse que viu...

- Com licença, mas eu acho que você está confundindo as coisas...

- Sabe, eu já tinha imaginado – ela continuou como se não tivesse havido nenhuma interrupção – Tipo, vocês andam juntos um bocado, não? Era só questão de tempo até que alguém da escola descobrisse a verdade sobre essa “amizade” de vocês! Mas o que é que a Hanna faz, quando vocês estão juntos?

- Ela não faz nada!

Helen piscou seus grandes olhos azuis, confusa.

- Como assim?

- Ela não faz nada porque nós NÃO ESTAMOS JUNTOS! – exasperou-se Tonks – Fala sério, ele é meu melhor amigo. Seria tão... estranho – ela sacudiu a cabeça com veemência para dar mais fervor e várias mechas roxas voaram na frente de seu rosto. Esse era o problema de usar cabelo comprido – De onde você tirou essa idéia maluca? – riu.

Depois de passado o choque, a idéia era bem engraçada, do seu ponto de vista. Os alunos acreditavam em cada coisa!

- Tawny me contou sobre a “comemoração” de vocês, no fim da partida contra Corvinal. Que vocês ganharam e o time todo estava histérico e então você pulou no colo dele e o beijou na boca! E então, ele se declarou para você e disse que sempre tinha te amado! Foi tão romântico!

Por Merlim! Tawny devia ter uma imaginação muito fértil.

- Aaaah, sim! – ela resolveu entrar na onda – Puxa vida, Tawny descobriu! Mas ela esqueceu da parte em que ele pegou minhas mãos e me jurou amor eterno.

Os olhos da outra se arregalaram ainda mais: “Que lindo!” exclamou. Tonks sentiu pena dela. Ela ainda não estava acostumada com o sarcasmo habitual de suas brincadeiras. E também não tinha culpa de ser, bom... meio burrinha.

- Não. Olha, eu não sei quem a Tawny viu no campo de quadribol, mas com certeza absoluta não fui eu, nem o Carlinhos.

- Não? Mas você disse...

- Eu estava brincando! Eu, Hanna e Carlinhos somos melhores amigos. Nenhum de nós está namorando... nenhum outro de nós – disse, na falta de uma explicação melhor – Sério.

O ar de desapontamento no rosto de Helen era quase digno de pena. Quem a visse poderia jurar que ela recebera a notícia da morte de seu avô ou algo pior. Mas ela tratou de se recuperar logo, pois voltou a sua expressão usual de superioridade em instantes.

- Ah. Ah, certo. Bem, na verdade eu já estava mesmo duvidando disso. Francamente – ela deu uma olhadela rápida em Tonks, da cabeça aos pés – o que ele veria em você? Sem ofensas, querida. Mas se você parasse de fica fazendo bobagens, transformando seu nariz e outras coisas estranhas, e quem sabe esquecesse aquelas piadas sobre Bufadores de Chifre Enrugado, ou sei lá que nome têm, aí quem sabe...

- OK, OK, já entendi.

- Em todo caso, eu vou desmentir esse boato ridículo – ela deu meia volta e a capa, assim como o cabelo, ondularam levemente. Ela usava um perfume muito doce, enjoativo.

- Ei, espere! – chamou Tonks, com uma súbita idéia brilhante – Não diga nada a ninguém. Deixe as fofocas correrem.

Ela ergueu as sobrancelhas, desconfiada.

- Por quê?

- Ora, nada especial – ela deu de ombros – Mas vai ser muito divertido.


---

Quando Tonks e Carlinhos estavam no terceiro ano, mais ou menos, surgira em Hogwarts o boato de que os dois estavam namorando. As fofocas começaram de repente, e não tinham qualquer relação com a realidade, mas ambos sabiam de onde tinham surgido.

Um abraço.

Um simples abraço – entusiasmado, é verdade, e acompanhado por um beijo no rosto, por parte de Ninfadora – causara um imenso tumulto por semanas e semanas, principalmente da massa composta pelas garotas de doze e treze anos, apaixonadas pelo ruivo, talentoso jogador de quadribol. E, um resultado à parte, incontáveis olhares indignados e ciumentos, na direção da pequena desastrada de cabelos coloridos.

Mas a verdade é que nenhum dos dois se importou muito com o que se tornara o principal assunto nos corredores da escola. Nem Hanna, tampouco, parecia ligar para aquela confusão. Ao contrário, os três achavam que todos estavam simplesmente pirando. Tonks e Carlinhos juntos era quase como Snape e o Salgueiro Lutador, ou algo tão improvável quanto. Absolutamente inimaginável para o trio.

Carlinhos era, dentre eles, o que ficava mais constrangido com as piadinhas dos colegas, e os comentários maldosos das meninas, o que não chegava a ser um grande espanto. Meninos de treze anos são muito bobos. Hanna era indiferente a tudo àquela situação, que não dizia respeito a ela. E Tonks, bom, Tonks era um caso a parte.

Tonks achava aquilo infinitamente divertido. Dependendo do seu estado de humor ela ria, e negava, contando que eram apenas bons amigos, e ela sempre demonstrava a afeição que tinha para com as pessoas queridas e, além do mais, eles estavam comemorando uma vitória da equipe de quadribol – muito histericamente, convenhamos – ou, quando queria causar algum tumulto, ou simplesmente queria se divertir, dava apenas um sorrisinho malicioso e soltava: “Ah, sim, vocês não têm idéia! Esse jeito de bonzinho dele é apenas disfarce, garotas! Ele é mesmo o cara mais selvagem com quem já namorei...” ao que todas elas soltavam os habituais gritinhos que seguiam uma informação apetitosa.

Mas a verdade é que, se Carlinhos era ou não selvagem, Tonks nunca poderia responder. Seus sentimentos para com o rapaz eram totalmente fraternais e ela nunca sequer pensara nele como algo mais. Sequer o via mesmo como um “garoto”. Sabia que ele era um garoto, é claro, mas, para ela, ele era apenas “Carlinhos”. Um grande amigo, companheiro para todas as horas, ótimo jogador de quadribol, inteligente e um ótimo aliado na luta contra as regras da escola – sem excederem os limites à ponto de serem expulsos, é claro. Mas era isso. Não era um possível romance. Não era um garoto. Era só Carlinhos.

Depois, é claro, Hanna se mostrou perdidamente apaixonada por ele, e os dois começaram a namorar, no início do último ano. A essa altura, ninguém mais suspeitava de qualquer paixão que Tonks pudesse nutrir por ele, e aceitaram a novidade normalmente. Todos estavam felizes, todos estavam bem. E Ninfadora nunca pôde queixar-se de ser deixada de lado, porque não só eles a chamavam para qualquer programa que tivessem – alguns convites aos quais ela recusara, com o intuito de dar ao casal alguma privacidade – como também quase nunca se beijavam na sua frente – o que poderia ser desconfortável.

De qualquer modo, ela sabia que as coisas entre os dois iam bem – Hanna parecia sentir uma enorme necessidade de narrar cada momento de seus encontros muito detalhadamente quando voltava, mesmo que a outra não aparentasse muito interessada no modo tão único como Carlinhos abrira a porta para ela (sorrindo!!) na saída do bar, ou de como, exatamente, ele descrevera sua roupa (“legal”) e se isso significava apenas “legal” mesmo ou se ele, na verdade, não gostara muito e só estava sendo gentil, então talvez ela devesse ter colocado outro sapato.

As pessoas ficam mesmo muito estranhas quando estão apaixonadas.

Mais para o final do ano letivo, Hanna começara a passar algumas noites fora do dormitório das garotas – e, na única vez que Tonks perguntou-lhe sobre isso, a garota corou loucamente e lhe sorriu, mudando rapidamente de assunto.

Então, dois anos depois, quando a amiga foi morta por um grupo de bruxos das trevas que haviam se livrado de passar a vida mofando em Askaban, o choque fora com certeza terrível. Tonks pedira licença no quartel dos aurores para se ausentar durante alguns dias e mais tarde recuperar o conteúdo que perdera – ainda estava em treinamento – e viajou até a Romênia, onde Carlinhos morava, estudando dragões. Por sorte já tinha ido visitá-lo algumas vezes e não teve problemas em achar seu apartamento, onde se hospedou no sofá da sala por uma semana. Tentou a todo custo consolá-lo, mesmo sabendo que levaria tempo até que ele conseguisse superar a dor. Uma ou duas vezes, conseguiu fazê-lo rir, mas apenas por alguns segundos.

Ainda assim, não se sentiu atraída por ele. Continuava sendo para ela o maior amigo que tivera na vida, nada além disso, e seria estranho pensar nele de outra forma. Deixou o país, sete dias depois, então, com a certeza de que o amigo estava mal, mas ainda assim infinitamente melhor do que quando ela chegara, e de que ia se recuperar plenamente com mais algum tempo.

O rapaz, como previsto, conseguiu deixar a tristeza de lado depois de alguns meses sofridos. As lembranças felizes que passara com Hanna ocupavam sua mente, sim, mas já não sentia dor ao lembrar-se dela. Apenas feliz por ter tido a chance de tê-la em sua vida, mesmo que por pouco tempo. E, ao mesmo tempo, seu afeto por Ninfadora Tonks aumentava cada vez mais, vendo o quão longe ia sua amizade, o quanto ela se esforçava para vê-lo bem e feliz. Ela sempre estaria ali para ele, assim como ele para ajudá-la nos momentos difíceis.

Agora, nessa noite no apartamento de Tonks, ele se perguntou até que ponto seu carinho por ela continuava sendo fraternal. Será que, sem que percebesse havia se apaixonado, sim, pela sua melhor amiga?

“O que está acontecendo?”

- Tonks – ele murmurou com a voz rouca, afastando-se dela apenas alguns centímetros.

- Por favor, Carlinhos – implorou ela, em murmúrios – Eu preciso disso. Não vá embora. Por favor.

- Tonks, pare – disse, agora com mais firmeza – Você não sabe o que está fazendo.

Ela arregalou os olhos e se levantou. Os cabelos castanhos e úmidos caíam em seu rosto de forma desgrenhada dando a ela um ar próximo à insanidade. Ele lutou para encontrar a velha Tonks ali, em algum lugar, mas agora ela parecia mais distante que nunca. Agora ela havia desaparecido completamente.

- O que houve? Você disse... você disse que estaria sempre aqui comigo. E eu preciso de você!

- Eu não quis dizer...!

- O que vai acontecer comigo se você for embora? Olhe só pra mim! Eu estou morrendo. Eu rastejei atrás de Remus o máximo que eu pude, eu me humilhei na frente dele e ele me mandou embora. Você não pode ir! Se você for eu... – sem palavras, ela bateu com força na estante de livros que balançou e caiu. Vários porta-retratos se espatifaram no chão, e um pequeno vaso de flores se estilhaçou. Sua expressão não se alterou – Você não pode me abandonar também – ela gritava, mas não havia vestígio de lágrimas – Eu perdi todo mundo, você não entende? Ninguém mais me quer por perto a não ser que eu seja alegre e divertida, que eu fique fazendo transformações com o meu rosto como um brinquedo idiota... – com outro movimento brusco todo o conteúdo de sua escrivaninha foi ao chão com um estrondo – Você é a única pessoa com quem eu posso contar agora. Você não pode ir embora!

Ele andou até ela quando ela fez menção de quebrar outro objeto próximo. A fúria dava força a Tonks, aparentemente. Foi quase impossível contê-la. Ele segurou-a pelos pulsos e ela se debateu como um animal preso. Gritou com ele, fora de si.

- TONKS, PARE! – gritou, sobrepondo-se aos berros da amiga. Chocada, ela parou, fixando nele os olhar cheio de raiva, cheio de mágoa. Ele ainda a segurava, e tinha que usar tanta força para contê-la que temia machucá-la – O que está acontecendo com você? Está doente!

- Talvez eu esteja – berrou de volta – Eu estou doente e preciso de alguém que me apóie, qual o seu problema?

- Você está ficando louca? Não sou eu que estou demolindo meu quarto! É você quem está com problemas, e está se deixando consumir por eles ao invés de enfrentá-los.

- Ótimo! É isso, claro! Eu sou a doente, louca, obcecada, eu é quem tenho problemas! Por que você não faz o seguinte? Por que não liga agora e reserva uma cama para mim no St. Mungus? Deve haver uma ala para quem perdeu totalmente o juízo, e os amigos ao mesmo tempo!

- Pare de se fazer de vítima! Eu estou aqui, não estou? Eu ainda sou seu amigo, e ainda quero ajudar você! Mas não vou deixá-la fazer a maior besteira da sua vida!

E então, de repente – como se despertasse de um transe – ela piscou seus olhos grandes e negros para ele e uma fração de segundo depois estava chorando desesperadamente. Cobrira o rosto com as mãos e caíra no chão de joelhos, soluçando. A mudança de humor fora tão inesperada que durante algum tempo ele só ficou parado, sem saber o que fazer. Então se ajoelhou à frente dela, e abraçou-a. E ela o abraçou de volta, chorando, sentindo mais do que nunca o quão fraca e ridícula estava sendo deixando-se abalar dessa forma. Aquela era a razão por que chorava. Remus já era algo simbólico em sua depressão. Sentia-se mal e recriminava-se por isso. Era um círculo vicioso.

- Você pode dormir aqui? – perguntou a ele, quando se acalmou. Eram as primeiras palavras pronunciadas em vários minutos. Elas pareceram muito mais altas no silêncio em que o quarto estava, naquele momento.

Ele a ajudou a se levantar.

- Não. É melhor eu ir para casa. Só vou ficar na cidade por uma semana, e mamãe... enfim – ele parecia constrangido. Nunca houvera constrangimentos entre os dois antes, reparou Tonks, com a mínima parte de seu cérebro que continuava funcionando.

– Boa noite.

---

No meio da noite, Remus fitava o fogo crepitando na lareira. Estava em um pequeno apartamento designado pelo próprio Dumbledore, onde podia ficar quando não era recrutado pelos lobisomens. Era pequeno e rústico, mas bastante aconchegante. Ele só precisara levar algumas roupas e um ou dois livros.

Mas embora contasse com uma cama confortável bem ali, no quarto ao lado, e também embora fizesse séculos que ele não tinha uma boa noite de sono, Remus não conseguia dormir. Acendera o fogo e preparara uma xícara de chocolate quente. Tentou ler, mas sua mente hora ou outra se dispersava e ele tinha que ler várias vezes a mesma linha para entender o significado do que estava escrito diante de seus olhos. Desistiu, por fim, contentando-se em observar as chamas dançarem a sua frente, de forma hipnótica, e deixando a cabeça livre.

A única coisa que atravessava sua mente, não muito surpreendente, eram vestígios soltos de momentos que passara com uma garota. Com Ninfadora Tonks. Lembrava de conversas perdidas a altas horas da noite. Lembrava dela, lhe sorrindo quando ele entrava na Ordem, exausto após um dia de trabalho, e do modo como franzia o rosto quando ele a chamava pelo primeiro nome, de sussurros desconexos ao seu ouvido, de seu beijo, do jeito suplicante que ela o procurara na noite anterior. Sentiu um aperto no peito. Imagens do seu rosto, dos cabelos coloridos, mesclavam-se com o fogo diante de seus olhos.

Era um sentimento incomparável o que sentia por aquela mulher. Era algo que ele nunca experimentara antes, como ela conseguia derrubar qualquer barreira que ele criara ao seu redor com um só toque. Como ela o fazia agir impulsiva e instintivamente, esquecer suas preocupações, com apenas um beijo. O controle que tinha sobre ele era quase vergonhoso. Mas aquilo já fora longe demais.

Os tempos tempestuosos pelos quais estavam passando já dificultavam qualquer relacionamento normal. Ninguém sabia se estaria vivo no dia seguinte. Mas ele... ah, sim, o caso dele era algo totalmente à parte. Os riscos que ela corria ao seu lado durariam a vida toda, mesmo se a guerra terminasse. Ela nunca poderia descansar, nunca se sentiria segura.

“Mas ela estava lá. Ela viu seu outro lado, e continuou amando-o”, dizia a voz insistente, esperançosa, dentro dele. “Talvez não seja tão impossível assim. Talvez, possa mesmo dar certo.”

Cale a boca. Nunca vai dar certo.
Como você sabe? Nunca tentou.
Eu simplesmente sei. Ela não merece uma vida como a que terá ao me lado.

Era isso que Remus vinha repetindo já há algum tempo, para todos que lhe perguntavam. E o que continuava a dizer a si mesmo cada vez que uma pontinha de esperança aparecia, ou quando a vontade de estar com ela atingia níveis insuportáveis. Há seis anos atrás ele fizera o que era certo para ele. Mesmo que os outros entendessem aquilo como um ato covarde de sua parte, ele sabia que não era verdade.

Tinha uma razão para nunca se envolver demais com ninguém, mas, naquela época, acabou esquecendo-as por algumas semanas. Por sorte, conseguiu dar a tudo as devidas proporções: nem paixão nem amor jamais o livrariam de sua maldição. Era uma vida dura e solitária, porque passa-la a mais alguém?

Isso é só uma desculpa. Insistiu a vozinha irritante dentro dele. Você tem medo de se envolver e se deixar levar. Você não consegue amar.
É claro que sim. Eu a amo.
Então porque está fazendo-a passar por tudo isso?

Era uma boa pergunta. Por que, se a amava, deixava que sofresse tanto assim? Se iam acabar morrendo na guerra, era melhor que seus últimos momentos fossem passados juntos, felizes. Morreriam com a certeza de que, ao menos uma vez na vida, tinham sido amados. E, se sobrevivessem, Tonks já provara que era adulta o bastante para lidar com sua maldição, sem recriminá-lo, sem fazê-lo sentir inferior. Então porque não podiam ficar juntos?

É para o bem dela, insistiu a razão.
Ou é para o seu próprio bem? Confesse. Você só está fugindo. Tem medo de arriscar e não dar certo.
Cale a boca!

Confuso, apanhou o livro na mesa de cabeceira e tentou se concentrar. Seus pensamentos já não eram mais o lugar seguro que costumavam ser.

Ela te ama. Por que é tão difícil aceitar isso?

Com um suspiro de resignação, ele se levantou, vendo que a noite de sono que planejara tinha se perdido completamente. Pegou o casaco, e vestiu-o, saindo para a noite fria. Uma caminhada talvez fizesse bem a ele.

---

Que grande, enorme, estupenda besteira acabara de fazer. Parabéns, Tonks. Parabéns mesmo. Acabou de arruinar a maior amizade da sua vida. Por que, por que tinha que beijá-lo?

Deitada no seu quarto, olhando para o teto, Tonks tentou imaginar o que o amigo pensava dela agora. Se é que ainda era seu amigo. Talvez tivesse saído dali com a intenção de nunca mais vê-la na vida. Ah, Merlim, como pudera fazer isso? Estava triste, desesperada, sentindo-se rejeitada, precisava de carinho e tudo o mais. Mas mesmo assim. Era Carlinhos, pelo amor de Deus! O que esperava? Que de repente se percebesse perdidamente apaixonada por ele e esquecesse Remus assim, sem mais nem menos? Até parece.

Provavelmente ele estava em casa agora. Devia estar pensando na grande louca que ela era. Devia odiá-la. Talvez, se eles se encontrassem outra vez, ele fosse passar reto por ela e ignorá-la completamente. Ou ele fugiria, com medo que ela se jogasse em cima dele outra vez. E se ele estivesse namorando outra garota? Isso nem tinha ocorrido a ela ainda! Ela não fazia a mínima idéia da extensão dos danos que causara. Só o que faltava era ela ser responsável por uma outra briga de casal

Teria que procurá-lo no dia seguinte, para explicar tudo. Não estava pensando direito quando fizera aquilo, ele teria que entender. Só queria... Ela não tinha bem certeza do que queria. Talvez uma vingança a Remus. Mostrar a ele que, se ele não a queria, havia outros que sim.

Era completamente insano, mas ela não vinha sendo lá a Senhora Racional ultimamente, não é?

---

A mente de Carlinhos ainda estava muito confusa, e ele se decidiu por caminhar um pouco ao invés de voltar à Toca. Os últimos acontecimentos da noite o deixaram com dor de cabeça, mas ele ainda se esforçava para pensar direito e organizar as idéias. Entender o que, afinal, fora aquilo.

Não a parte em que ela o beijara. Isso era fácil de compreender. Ela só estava carente precisava de alguém. Isso não era o que o atordoava. O que queria saber era: por que correspondera? Por que não a impedira logo no início, ao invés de beijá-la do modo que fizera? Fora apenas por impulso. Instinto. Não significava nada – era o que tentava dizer a si mesmo, se convicção. Por que, em uma pequena parte de seu cérebro, estava a verdade pura e simples. Muito mais difícil de aceitar, mas absolutamente mais óbvia e verdadeira: estava apaixonado por Tonks.

No fim, seu lado de amigo falara mais alto, e ele teve que pará-la antes de irem longe demais. Mesmo que parte dele – uma parte grande, vamos admitir – quisesse continuar ali com ela, ele sabia que seria um erro. Ela não o amava e isso estava bem claro. Ele não permitiria que ela cometesse um erro que acabaria com toda a amizade que tinham há anos.

Um sentimento de culpa se apoderou dele. Tonks buscava por consolo e ele era o amigo que devia dá-lo a ela. Não era problema dela qualquer paixão secreta que ele nutrisse por ela. Mas ele se aproveitara de sua fraqueza. Quando finalmente reuniu força de vontade o suficiente para afastar-se dela, já haviam passado a muito de um simples beijo. Ele entreabrira seus lábios e a beijara com vontade, a trouxera para tão perto de si que a sentia inteiramente colada em seu corpo. A primeira vez que refletiu sobre seus atos foi quando estava prestes a desamarrar o roupão que a garota usava. Não colocaria tudo a perder. Ela se sentiria péssima depois. E ele se contentaria em ser seu amigo, como sempre fora.

Começou a nevar. Tonks adorava neve. Carlinhos puxou o casaco mais para cima, a fim e cobrir-lhe o pescoço. Olhou para o relógio em seu braço e viu que já andava há quarenta minutos. Era uma sorte poder aparatar, pois já nem sabia exatamente onde estava. Olhou em volta na espera de reconhecer algum lugar próximo, mas o que viu quase o fez cair no chão, de espanto. Não era possível. Se havia mesmo alguém que controlasse a vida de todos na terra, esse alguém devia estar mesmo se divertindo à custa dele. Devia estar sentado lá em cima, rindo às gargalhadas da sua falta de sorte.

Ali, com uma expressão surpresa, mas agradável, como quem reencontra um velho amigo, andando na sua direção, estava Remus Lupin.

O que ia fazer agora?

*

N/A: Bom, é isso aí. Eu fiquei um tempinho sem atualizar, por que fui viajar e tal, mas aí está. E, sinceramente, eu não gostei muito desse capítulo. Acho que já enjoei da Tonks deprimida, por isso vou tentar pular essa fase o mais rápido possível.
A única coisa que está me empolgando a escrever agora é o Carlinhos. Esse beijo dele com a Tonks ainda vai dar confusão, com certeza - e nem deu pra notar que eu ADORO confusão!
Outra coisa: na maioria das fics a Tonks é sempre a vítima total e completa e eu quis mudar isso um pouco. Então ela está ficando cada vez mais confusa e obcecada, não sei se eu consegui passar isso da forma como eu gostaria. Eu queria que os dois tivessem prós e contras, qualidades e defeitos, e mostrar que a culpa não é só do Remus.

Uau. Depois desse quase-discurso, eu só queria agradecer a todos que comentaram os últimos capítulos. Vocês me dão ânimo para continuar essa fic!
Beijos,
Holly Granger













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