A Captura do Castelo



Capítulo Cinco – “A Captura do Castelo”


“Men said he saw strange visions


Which none beside might see;


And that strange sounds were in his ears


Which none might hear but he.


A woman fair and stately,


But pale as are the dead,


Oft through the watches of the night


Sat spinning by his bed.”






***

Antes do Natal, Harry e Hermione esperavam em King’s Cross, ansiosos, pela chegada do Expresso de Hogwarts. Harry não via a filha desde o dia em que fora chamado a Hogwarts por Dumbledore, e Hermione não a encontrava desde antes de ela partir para a escola.

A garotinha saiu do trem em meio a um grande número de estudantes que voltava para casa para passar as festas de fim de ano com a família. Ela vestia uma roupa trouxa e estava com os longos cabelos lisos soltos, caindo sobre o rosto. Harry a abraçou com força quando ela se aproximou; demorou-se por alguns segundos antes que a largasse e permitisse que Hermione fizesse o mesmo.

Os olhos de Leahnny brilhavam por encontrar os pais e seu rosto exibia um sorriso, tornando suas feições tão diferentes das apresentadas ao pai quando este a encontrara em Hogwarts.

– Como vai, meu amor? – Harry perguntou depois que a esposa largara Leahnny de volta no chão.

– Tudo bem – respondeu a garotinha, sorrindo e entregando a bagagem para o pai. – Podemos ir?

– Não quer se despedir dos seus amigos? – Harry notara que ela saíra sozinha do trem e que sequer olhara para trás.

– Não – ela disse, pegando a mão do pai. – Vamos para casa.

– Vamos – assentiu Harry, após trocar um olhar com a esposa e lembrar-se do que ela dissera sobre Leahnny não estar conseguindo fazer muitos amigos em Hogwarts.



***

A garotinha nada falou quando seus pais contaram sobre a nova casa e, durante a viagem de avião até Roma, conversou pouco, a maior parte das vezes trocando algumas palavras apenas com a mãe.

Já era passado das oito horas da noite quando os três chegaram em casa. Leahnny observou atentamente o lugar, mas não comentou sobre ele. Harry e Hermione haviam decidido não interrogá-la sobre Artes das Trevas logo no primeiro dia. Seria melhor que ela se acostumasse com o fato de estar novamente em casa – na nova casa.

Harry levou a bagagem da filha até o quarto dela e voltou para a sala. Hermione aprontava um jantar rápido na cozinha e Leahnny estava no sofá, distraída, folheando um livro trouxa que encontrara na estante. Harry sentou-se ao lado dela e ficou observando o livro que estava no colo da filha.

– O que você está lendo? – ele perguntou depois de aproximadamente dez minutos, quando a filha levantou os olhos e o encarou com curiosidade.

– “A captura do castelo” – Leahnny mostrou-lhe a capa.

– Hum… – Harry continuou quando a filha baixou os olhos: – É uma história muito boa essa…

– É uma história de trouxas.

– E…? – Harry não entendera por que a filha falara tão agressivamente.

– Custava ter um livro sobre bruxos em casa? Ah, não, mas para que isso, se podemos viver homenageando a ascendência suja da mamãe?

– Leahnny! – Harry levantou-se e elevou a voz para adverti-la.

– Desculpe, papai – ela continuou, seu tom de voz não demonstrando arrependimento algum. – Esqueci que você também morava com trouxas, não é? Pelo menos isso foi o que os outros disseram, JÁ QUE VOCÊ NÃO ME DISSE NADA!

– Minha vida com meus tios não lhe interessaria – Harry disse, fazendo o possível para controlar-se.

– Como sua fama não me interessaria, até porque, ela não me afeta de maneira alguma! Como o fato de você ter matado Você-Sabe-Quem—

– Voldemort – corrigiu Harry imediatamente, mas Leahnny não prestou atenção.

–… não me interessa. Talvez o fato de que eu seja bruxa também não me interesse!

– Nós não falamos nada para protegê-la, minha filha – ele falou com a voz mais calma que conseguiu.

– Me proteger? De quem? De Você-Sabe-Quem? Dos Comensais da Morte? Deve ser deles mesmo, já que você não conseguiu derrotar todos, não foi?

– Quis protegê-la dos Comensais, filha, mas não foi por causa deles que fiz isso. Não expus você ao mundo bruxo não para protegê-la de alguém, mas sim, de alguma coisa. Queria que a idiotice e a hipocrisia que acontecem ao meu redor não acontecessem perto de você. Não queria que você saísse na rua e as pessoas apontassem em sua direção só porque “é a filha do Harry Potter”.

– E, pra isso, resolveram vir para o meio do nada, onde não devem existir outros bruxos em um raio de um milhão de quilômetros!

– Não foi por isso que viemos para a Itália, mas foi por isso que nos afastamos do mundo bruxo.

– Se afastaram do mundo bruxo? Com a mamãe passando três meses sabe-se Deus onde, fazendo pesquisa, vocês se afastaram do mundo bruxo?

– A pesquisa dela é muito importante para nós.

– E por que seria isto? Por acaso alguém da sua família foi afetado pela Cruciatus? – Leahnny perguntou, deixando Harry admirado por ela saber sobre a pesquisa da mãe e a Maldição. – Deve ser alguém que eu não conheço, não é? Espere! Eu não conheço ninguém da sua família mesmo! Não, não deve ser isso… – Leahnny mudou de idéia ao olhar para o pai. – A pesquisa deve ser importante porque ela é paga para isso, não é? Porque, já que você não trabalha, alguém tem que trabalhar nessa casa!

Leahnny foi para o quarto e bateu a porta. Harry sentou-se novamente no sofá, apoiou os cotovelos sobre os joelhos, enfiou as mãos nos cabelos e fechou os olhos, exausto. A filha o levara ao limite, ainda que ele tivesse tentado esconder isso até de si mesmo. Ela lhe dissera algumas verdades que eram tão cruéis que ele lutava cada dia para esquecê-las.

Foi quando Harry percebeu que seu plano falhara. Não conseguira proteger Leahnny dos inconvenientes de ser filha de Harry Potter. Não conseguira mantê-la longe do orgulho. Não conseguira evitar que ela deixasse de ser a garotinha doce que ele estava vendo crescer.

Agora, via uma menina muito diferente daquela que se despedira em King’s Cross, três meses atrás. Deparava-se com uma garota que praticava Artes das Trevas, que ameaçava professores e que desafiava o próprio pai. Uma verdadeira sonserina, como Rony apontara.

A mão que encostou suavemente em seu rosto tirou-o dos pensamentos e o fez abrir os olhos. Hermione estava ajoelhada à sua frente, mirando-o com preocupação.

– Leah está certa, sabe… – ele falou com tristeza. – Ela não conheceu minha família. Eu também não conheci…

– Nós somos a sua família, Harry.

Sem que ele esperasse, Hermione o envolveu em um abraço. Harry agradeceu por isso – mesmo que o tivesse feito sem palavras; não sabia quanto tempo mais conseguiria continuar encarando a esposa, lembrando-se de que falhara.




***

Às cinco e meia da manhã, Hermione despertou com a respiração pesada e sobressaltada do marido. Não queria acordá-lo, mas quando viu Harry mexer-se nervosamente na cama – provavelmente por causa de um pesadelo –, soube que esta era a atitude certa a ser tomada.

– Harry… – ela o chamou baixinho, sem querer assustá-lo.

– Amor? – murmurou ele, ainda de olhos fechados, sua respiração voltando um pouco ao normal.

– Você estava tendo um pesadelo?

Harry sentou-se devagar na cama e abriu os olhos para poder observar a esposa, que ainda estava deitada.

– Não foi… não foi nada. Que horas são? – ele perguntou, esfregando os olhos e procurando os óculos.

– Passou das cinco e meia da manhã.

Quando viu que Harry virava as costas para ela e colocava as pernas para fora da cama, resolveu acrescentar:

“ Você vai se levantar?”

– Vou dar uma caminhada lá fora.

– Mas ainda está escuro… – protestou Hermione.

– Eu sei. Fique dormindo, eu a chamo quando voltar.

– Ok – concordou ela, já fechando os olhos novamente.

Harry deu um beijo na testa da esposa e saiu. Hermione ficou na cama até as oito da manhã, quando ouviu algum movimento no lado de fora e decidiu levantar para ver se era Harry chegando.

Depois de pegar uma xícara de café quente que Harry deixara na cafeteira, Hermione abriu a porta que dava para os fundos de casa – de onde vinha o barulho.

– Harry? Entre, está muito frio! O que está fazendo? – ela perguntou, esquentando as mãos na xícara e pensando seriamente em voltar para dentro para colocar mais um casaco.

Harry soltou por completo a árvore de dois metros que arrastava, deixando-a cair no chão. Por cima dela, encarou a esposa, que ainda estava em pé no batente da porta, encolhendo-se de frio.

– A nossa árvore de Natal – indicou ele, sorrindo.

– Você passou duas horas e meia tentando cortar uma árvore? – admirou-se Hermione.

– Bom, não demorei duas horas e meia para cortá-la… – Harry contava, enquanto procurava alguma coisa no chão, junto à parede da casa. – Demorei uma hora e meia procurando a árvore certa… e o tronco é fino, então não deu muito trabalho.

– Aham… E o resto do tempo?

– Tive que trazer a árvore até aqui e preparar o café para você.

– Muito obrigada, Sr. Potter – ela retribuiu o sorriso. – agora pode fazer o favor de entrar? Só de vê-lo aí fora já estou ficando com frio.

– Tenho que achar um vaso ou uma lata grande para encher de terra e dar suporte ao pinheirinho.

– Isso é um pinheirinho?

– Uma Araucária, na verdade, mas já devia saber disso, Granger.

– Se você diz… bem, eu não acho que tenha algum vaso por aqui…

– É, notei… – repentinamente, Harry comemorou: – AHÁ!

– Que foi?

– Sabia que tinha de achar em algum lugar – disse ele, erguendo uma lata alta e quadrada.

– O que é isso?

– Uma lata da tinta que foi usada para pintar a casa.

– Você não espera colocar essa lata ridícula na minha sala, não é, Potter? – Hermione fez pose de furiosa, mas Harry mal notou e continuou sorrindo.

– É só pintar ela ou forrar com alguma coisa – declarou ele, enchendo a lata com terra usando uma colher para jardinagem.

– Você não toma jeito… arrume o pinheiro e entre, antes que o café esfrie.

– Ele não vai esfriar; por isso que eu já deixei na cafeteira… a não ser que alguém a tenha desligado… – Harry olhou diretamente para a xícara de Hermione.

– Eu não mexi em nada! – Hermione defendeu-se, mas não demorou muito a entrar, fechar a porta e correr para religar a cafeteira.




***

Harry entrou na cozinha, não muito tempo depois, carregando a árvore de Natal já no vaso. Leahnny, que estava ali conversando com a mãe e demonstrando ao máximo seu mau-humor, sequer olhou quando o pai passou para levar a árvore para a sala.

– Leah, querida, por que não ajuda seu pai a colocar os enfeites na árvore? – sugeriu Hermione.

– Tanto faz – Leahnny resmungou, mas obedeceu a mãe, não querendo passar o resto da manhã ouvindo a mesma ordem.

A garotinha entrou na sala e encontrou o pai fazendo os últimos ajustes no suporte da árvore. Sem falar nada, ela foi até as caixas com os enfeites que estavam em um canto da sala, pegou alguns e começou a pendurar na árvore.

– Espere, Leah, preciso colocar os pisca-piscas primeiro.

Ela recuou, sem dizer uma palavra, nem ao menos para contestar o pai. Sentou e ficou esperando Harry arrumar as luzinhas na árvore. Somente quando ele terminou que ela ousou se aproximar novamente.

– Quer que eu ajude? – ofereceu Harry, depois de um tempo.

Leahnny balançou a cabeça, mas, mesmo com a negativa, ele começou a pendurar algumas bolas onde a garotinha não alcançava. Eles fizeram uma pausa ao meio-dia, mas ela continuou sem trocar qualquer palavra com o pai durante todo o almoço. Hermione observava Harry atentamente e com ele trocava alguns gestos simples de afeição, mas não interferiu, em momento algum, na discussão com a filha.

– Você deveria colocar mais algumas bolas desse lado aqui – apontou Harry quando eles recomeçaram –, esse outro lado já tem bastante.

Mais uma vez, Leahnny o fez sem falar nada, e assim foi pelo resto da tarde. Harry tentando fazê-la falar alguma coisa e Leahnny não abrindo a boca nem para respirar. O “pinheirinho” era, na verdade, grande, e somente no final do dia eles terminaram de decorá-lo.

Apesar da insistência de Hermione, Harry foi dormir sem comer nada, pela segunda noite seguida. Sua esposa ficara na sala por boa parte da noite, examinando alguns dos livros que McGonagall lhe dera antes do término da pesquisa. Leahnny também se trancara cedo em seu quarto, onde começara a fazer os deveres de Poções e de Defesa Contra Artes das Trevas.

Quando Hermione fora para o quarto, deitara e adormecera, não notara que o marido estava mergulhado em um pesadelo. A respiração dele indicava que ele apenas dormia, então Hermione não se preocupou com isso.

Quisera Harry que ela tivesse se preocupado.

Ele estava novamente encurralado no sonho. Estava sozinho, embora pudesse ouvir vozes, passos, ruídos… Uma porta foi fechada. Alguém se aproximava, embora estivesse envolto pelas sombras e Harry não pudesse identificar quem era. Sua visão estava embaçada, como se estivesse sem os óculos. Ele não conseguia distinguir o lugar em que estava… seria a mansão em Grimmauld Place? Não, o lugar não parecia ser tão pequeno. Talvez o Ministério da Magia, ou Hogwarts.

Não reconheceu de imediato o homem que tocou seu ombro, no entanto, virara-se imediatamente, sobressaltado. Seu coração pulou uma batida e a respiração tornou-se errática. Aquela pessoa de olhos negros o intimidava em silêncio, ameaçava sua mente, e Harry receava que não conseguisse resistir, por mais forte que fosse, por mais que tivesse conseguido resistir a Voldemort.

Sua cabeça foi ficando confusa e começou a doer, mas seus sentidos aguçaram-se e permitiram que visse melhor o mundo ao seu redor. O homem à sua frente não tinha feições joviais e Harry não o reconheceu, embora aqueles olhos negros pudessem revelar mais do que esperava. Não tentou legilimência. Não tinha nem ao menos uma varinha em mãos, ao contrário da pessoa que o encarava.

O estranho estava armado e apontava para Harry a varinha. Ele não deveria temer, era apenas um sonho; sua mente não conseguia assimilar isso, não conseguia perceber que nada daquilo era real. No momento em que a porta foi aberta novamente, alguém entrou por ela. Estava longe de Harry, e a escuridão não permitiu que ele dissesse se era um garoto ou uma garota, ou, muito menos, adivinhasse a idade da pessoa.

Tudo o que ouviu foi a ameaça que o estranho fez à pessoa recém-chegada. Em segundos, gritos encheram os ouvidos de Harry e fizeram a dor em sua cabeça aumentar. A pessoa, ainda próxima à porta e sob controle do estranho, caíra no chão. Harry sequer cogitou a possibilidade de tentar se aproximar, de tentar entender o que acontecia. Tudo que queria era sair dali ou conseguir ajuda, porque sabia que, sozinho, não venceria o perpetrador daquela Maldição Imperdoável.

Ao olhar para o estranho, notou que não adiantaria pedir ajuda. As pessoas não acreditariam nele. Hermione sempre dissera que era mentira, que tudo estava bem e que a pessoa à sua frente estava morta. Dumbledore não se importara realmente com ela durante todo esse tempo, mas Harry… Harry precisava fazê-lo. Harry precisava tirar essa pessoa de sua mente, de seus sonhos, de sua vida. Precisava esquecer do que vira um dia; precisava concentrar-se no que vivia agora, e não em um passado que deveria estar morto.

O estranho passou a ignorar a pessoa caída e voltou completamente sua atenção para Harry. Ele estremeceu. Sabia do que a pessoa a sua frente era capaz. Sabia que estava sem escapatória, que ficar ali e enfrentá-lo não era uma questão de escolha. Ele precisava de uma varinha… ele precisava de uma varinha…, era tudo em que Harry conseguia pensar; era em conseguir uma arma para lutar contra a pessoa que o ameaçava.

Sua mente lesada não permitiu que se lembrasse do poder que tinha de fazer mágica sem varinha. Talvez o estranho não tivesse permitido que ele lembrasse, dominando-o por completo como estava. Harry tentou fechar os olhos, mas era praticamente inútil essa tentativa de bloquear e de lutar contra o homem à sua frente.

Se ao menos a dor que sentia em seu peito pudesse bater contra as paredes e falar, sair da garganta e fazer um escarcéu… Se essa dor pudesse fazê-lo gritar, chamando aqueles que estavam indiferentes ao seu lado… Quem sabe assim, e somente assim, ele pudesse sair da escuridão em que se havia afundado. O estranho estava vencendo e suas forças exauriam-se, enquanto ele tentava desesperadamente pensar em alguma forma de defesa.




***
A voz desesperada de Harry a acordara. Hermione virou-se para o marido e o viu respirando em agonia. Tentou chamá-lo, mas foi em vão. Harry sequer notara sua presença. Precisava acordá-lo, tirá-lo daquele sonho. Chamou novamente pelo nome dele, dessa vez elevando mais a voz, mas novamente foi inútil, o grito de Harry excedeu o seu.
A reação imediata de Hermione foi correr até o banheiro e buscar um copo d‘água. Não queria acordá-lo bruscamente, por isso molhou a primeira ponta do lençol que alcançou e encostou-a no rosto do marido. A testa dele estava suada e a boca entreaberta, murmurando palavras que, mesmo que Hermione pudesse ter ouvido, não compreenderia.

– Harry! Harry! – Hermione colocara as mãos na face dele, continuando a chamá-lo com urgência.

Seu marido continuava sem responder, sem dar indícios de que recobraria a consciência em algum momento próximo. Ela desejava que ele não estivesse com as pálpebras cerradas, para que pudesse olhar nos olhos dele e tentar entender o que acontecia. Hermione continuou murmurando o nome do marido, aproximando dele o próprio rosto, prestando atenção na respiração difícil de Harry, temendo que ela se tornasse cada vez mais rarefeita.

Do lado de fora do quarto, Leahnny ouvia tudo, sem coragem para entrar. Tampouco ela sabia o que fazer em uma hora como essa, e acreditava que tudo que conseguiria seria incomodar mais ainda os pais com sua presença e piorar a situação. Resolveu ficar em silêncio, apreensiva com cada movimento que poderia ouvir pela porta, prestando atenção a cada palavra da mãe, ainda que ela não falasse algo muito diferente de “Harry, acorde”.

Algumas vezes, ela segurou a vontade de entrar no quarto e tentar ajudar, mas não faria isso. Ela não tinha coragem. Não era como aqueles grifinórios, que se arriscavam por qualquer coisa; ela era uma sonserina e não estava disposta a ser culpada se algo de ruim acontecesse com o seu pai. Se houvesse algo que ela pudesse fazer, com certeza a mãe já a teria chamado.

Hermione nem pensara em acordar a filha, sem contar que duvidava que uma garotinha de onze anos pudesse ser de muita ajuda. Talvez se chamasse Lupin, Dumbledore, madame Pomfrey, qualquer outra pessoa… mas ela não podia fazer isso. Não podia deixar Harry sozinho. Precisava ficar ao lado dele, por mais difícil que fosse estar impedida de fazer alguma coisa para mudar a situação.

Respirou fundo, tentando acalmar-se. Estava nervosa demais e, obviamente, em nada isso o ajudaria. Afastou-se do rosto do marido e, com as próprias mãos, envolveu as de Harry. Mais uma vez, encheu os pulmões de ar, notando que Harry começara a reagir, que sua respiração já não estava mais tão anormal e que ele não mais murmurava palavras incoerentes.




***

Ele conseguia resistir. Por mais que aquele estranho o impedisse de desviar o olhar, Harry estava tendo sucesso em bloquear a mente. Aos poucos, tudo estava ficando vazio. A sala ao seu redor, as imagens que via, a sua mente. Tudo passava a ser vazio e frio.
Algo detinha suas mãos, mas Harry tinha certeza de que não era o estranho que ainda o acompanhava. Ele estava ocupado demais tentando descobrir como Harry estava resistindo para pensar em alguma abordagem física.

Harry não vira a Dama Branca dessa vez. Pudera sentir sua presença, algo que o confortava e o guiava, mas não conseguia falar com ela. O que era vazio passara a ser negro. Escuro como a noite, mas não tão frio quanto um dementador. Não, não estava frio, não era isso que ele sentia… era algo diferente, como uma pressão externa que sobrepujava seu corpo, que fazia com que seus sentidos se confundissem e seu corpo inteiro doesse, como se estivesse sendo esmagado.

Caiu no chão, e o estranho que o acompanhava não mais importava. Apertava, com todas as forças que possuía nas mãos, algo invisível que, inexplicavelmente, lhe trouxe conforto imediato. Era a mão de Hermione, mesmo que ele não soubesse disso naquele momento. Sua esposa estava ao seu lado, dando-lhe forças. Ela o impediu de mergulhar na escuridão no momento em que perdeu os sentidos.




***

A porta abriu-se devagarzinho, como se um leve vento tivesse soprado. O rosto de Leahnny Granger apareceu hesitante na fresta da porta do quarto dos pais.

Hermione ainda estava acordada, deitada ao lado de Harry. Apesar do cansaço, a apreensão não permitira que ela adormecesse. Seu corpo estava relaxado sobre a cama, embora sua mente permanecesse atenta a cada movimento realizado dentre as quatro paredes que a cercavam.

Assim que viu o rostinho da filha à porta, Hermione soltou uma das mãos, que estavam enlaçadas pelas de Harry, e sentou-se de mau jeito na cama.

– Pode entrar, querida – permitiu, seu rosto formando um fraco sorriso sobre a face exausta.

A garotinha atravessou o quarto e parou ao pé da cama, sem encostar no móvel. Encarou a face adormecida do pai por alguns longos segundos, depois voltou à mão com um olhar interrogativo. Hermione preferiu esperar que a filha falasse.

– Como está o papai? – Leahnny perguntou, com a voz assustada.

– Ele só teve um sonho ruim – Hermione começou a explicar, estendendo o braço livre para convidá-la a subir na cama. – Acho que ele está só dormindo agora.

– Eu ouvi… – Leahnny disse, insegura, enquanto ajeitava-se na cama, em um espaço vago entre os pais. – Eu acordei quando papai estava gritando.

– Sinto muito, querida – disse Hermione, usando a mão esquerda para afagar os cabelos da filha, enquanto a direita era fortemente presa por Harry. – Você podia ter vindo aqui antes.

– Por que ele ainda não acordou?

– Não sei, Leah – declarou Hermione, com tristeza na voz.

Foi ela quem percebeu os primeiros movimentos que Harry fez antes de acordar. A mão dele parou de apertá-la com força como fazia desde que cessara os gritos. A respiração demonstrava que seu marido deixava o estado de repouso e que não deveria demorar a voltar a si.

Com os dois braços livres, ela pôde virar-se melhor e deitar-se novamente, a ponto de seu rosto e o do marido estarem frente a frente. Ela mexeu suavemente nas mechas de cabelo negro mais próximas dos olhos verdes, que permaneciam escondidos sob as pálpebras.

Ele respirou fundo algumas vezes antes de abrir os olhos somente o suficiente para que pudesse ver quem estava à sua frente. Hermione sorriu, parou de acariciar os cabelos do marido e tomou novamente a mão dele na sua.

– Bom dia – ela murmurou, quando Harry fechou os olhos por alguns segundos.

– Papai acordou? – Leahnny sentou-se na cama e virou-se para os pais.

– Oi, querida… – Harry tomou conhecimento da presença da filha e sorriu por ela demonstrar preocupação mesmo depois da forma como agira no dia anterior. – Sim, acordei.

– Hum… – ela resmungou, mirando o pai.

– Não vai me dar um beijo de bom dia, Leah? – arriscou ele, sentando na cama.

– Sim, papai – disse ela, obedecendo receosamente.

– Que carinha é essa? – perguntou ele, ainda com a filha nos braços.

– Deve ser sono – interveio Hermione.

Leahnny confirmou com a cabeça e baixou os olhos.

“Volte para sua cama, filha. Ainda é cedo, durma mais um pouco”, completou Hermione, sorrindo para a garotinha.

Ela ainda deu mais uma olhada na direção do pai e levantou-se devagar, saindo do quarto em seguida. Ainda estava um pouco assustada. Nunca vira o pai agir daquele jeito.

No quarto, Hermione acariciou o rosto do marido e, depois de ver Leahnny fechar a porta, perguntou com a voz doce:

– Pesadelo?

– Acordei vocês, não foi? – Harry suspirou.

– Quer conversar?

– Eu vi Æthelind torturando alguém. Eu acho que era ele, não sei…

– Torturando Alana?

– Não consegui ver quem era, e Æthelind estava muito poderoso, ele me atacou… ele estava mais poderoso que Voldemort…

– Mais poderoso que Voldemort? Mas como…

– Faz muitos anos, Mione. Ele teve tempo suficiente para se fortalecer, para… Ele era um dos bruxos mais próximos de Riddle, sabia o que e como fazer.

– Mas ele está morto, Harry. Ou você acha que Dumbledore não saberia se fosse o contrário?

– Faz sentido, Hermione. Todo esse tempo Dumbledore o seguia…

– E por que não o segue mais?

– Eles perderam as pistas… – Harry imediatamente se lembrou de uma conversa que tivera dias antes –… perderam as pistas porque Æthelind voltou.

– Foi só um sonho, amor. Você não está ligado a Æthelind como estava a Voldemort.

– Mas eu o vi! Aquele dia no trem…

– No trem? Como assim? – perguntou Hermione, confusa.

– Não comentei com você porque não queria estragar nossa viagem e nem tinha absoluta certeza, mas… esse pesadelo foi a confirmação de que não só ele está vivo, como também está agindo contra Dumbledore. E mais: ele sabe onde estamos. Alguém deve ter contado a ele.

– Harry, aquele mulher que nos atacou não poderia ser ele…

– O sujeito que estava com ela na noite anterior, no restaurante – ele respondeu, os pensamentos passando acelerados por sua mente, enquanto tentava ligar um fato ao outro.

– E a mulher, quem era?

– Não sei, talvez alguma seguidora dele.

– Acha que ele já tem seguidores? – Hermione levantou-se e perguntou com uma expressão séria no rosto.

– Sim, seria impossível agir sozinho.

– Vamos avisar Dumbledore? – ela deu voz à decisão mais sensata que passou por sua cabeça.

– Devíamos falar com Rony…

– Por que Rony? – perguntou ela.

– Ele disse que estava atrás de um bruxo… por Dumbledore… e que tinha perdido todas as pistas… só pode ser Æthelind.

– Sei – disse ela.

– Mas ainda precisamos conversar com a Leah – disse Harry, correndo a mão pelos cabelos. – É tanta coisa ao mesmo tempo… e eu que achei que teríamos uma vida normal depois de Voldemort… depois de onze anos…

– Nós teremos uma vida normal, querido. Só vamos tentar aos poucos, ‘tá bem? Agora, não quero que você se preocupe com Æthelind, pelo menos por enquanto. Quando falarmos com Dumbledore, pensaremos nisso.

– É, acho que você tem razão – disse Harry, cansado, não querendo estender a discussão.

– Não quer tentar dormir de novo?

– Você deveria fazer isso, Mione. Deve estar acordada há um bom tempo.

– Tudo bem, eu perdi o sono – justificou ela.

– Eu a assustei de verdade, não?

– Fiz de tudo para acordá-lo, você estava completamente… – Hermione disse, tentando achar alguma justificativa, alguma desculpa, algum jeito de fazer Harry perdoá-la por tê-lo deixado preso por tanto tempo no pesadelo.

– A culpa é toda minha – ele abraçou a esposa, tentando distraí-la da culpa que ela sentia.

– Ninguém o está culpando de nada, amor. Vamos, durma – disse ela quando o soltou.

Harry deitou-se outra vez e fechou os olhos. Em silêncio, Hermione mexia gentilmente no cabelo do marido. Já sonolento, depois de alguns minutos, ele falou sem abrir os olhos:

– Obrigado por ter ficado do meu lado, amor. Você me ajudou a sair do pesadelo.




***

Depois de ver o marido adormecer, Hermione levantou-se e foi até a sala para terminar a análise de um livro que começara a ler na noite anterior. Com Harry e Leahnny ainda na cama, ela preferiu atrasar o café da manhã. Estava com fome por causa da noite passada em claro, mas, com o copo de leite gelado que tomara durante a leitura, conseguira enganar o estômago por algumas horas.

No meio da manhã, Leahnny entrou na sala ainda de pijamas e envolta por um pesado casaco que ultrapassava seus joelhos. Hermione levantou os olhos, que estavam distraídos com as anotações, e viu a filha bocejar demoradamente enquanto se aproximava da mesa.

– Oi, querida! – cumprimentou Hermione, retirando os pergaminhos que estavam na cadeira à sua direita para que Leahnny pudesse sentar.

– Oi, mamãe. Papai ainda está na cama? – perguntou a garotinha, tomando o lugar.

– Está – Hermione respondeu, desta vez sem preocupação alguma na voz. – Você quer comer alguma coisa?

– Não estou com fome. O que você está fazendo? – Leahnny perguntou, curiosa.

– Estou dando uma olhada em alguns livros que a Professora McGonagall me passou. Ela pediu que eu desse algumas sugestões para o próximo projeto de pesquisa.

– Você vai ficar longe de novo?

– Não, querida – respondeu Hermione imediatamente, ao ver a expressão triste que se formou no rosto da filha. – Dessa vez não vou estar… er… diretamente envolvida na pesquisa. Vou ser mais como uma conselheira.

– Hum… você e papai vão ficar aqui depois que eu voltar para a escola?

– Provavelmente. Essa é a nossa casa agora, querida.

– Eu sei, só que… – Leahnny baixou a cabeça e passou a mirar os pergaminhos espalhados pelo canto da mesa.

– O que foi? – Hermione largou a pena que ainda segurava e cobriu a mão de Leahnny com a sua.

– É meio longe de tudo, aqui…

– Bom, isso pode ser legal, filha… Você não gostou do lago?

– É bonito… mas achei que iríamos ficar no Reino Unido… achei que o papai iria querer ficar perto dos amigos, principalmente agora que o Sr. Weasley voltou.

– O Sr. Weasley? – Hermione estranhou. – Ah, sim, você quer dizer o Rony… O que você sabe sobre ele, querida?

– Papai nos apresentou em Hogwarts.

– É, ele me contou que foi visitá-la na escola.

– Só porque Dumbledore chamou ele – Leahnny murmurou.

– Você não acha que o Diretor fez a coisa certa?

– Eu não sei… papai não tem idéia do que acontece na escola… eu preferia que tivessem chamado você.

– Harry estava mais perto de Hogwarts, querida, mas se ele não sabe o que está acontecendo, por que você não explica para ele?

– Ele iria brigar comigo…

– Como é que você sabe se você não tentou?

– Ele não gosta de sonserinos.

– Quem colocou isso na sua cabeça?

Leahnny não respondeu e tampouco se atreveu a encarar a mãe.

“Seus colegas disseram isso, querida?”, Hermione insistiu. “Leah?”

– Não.

– Então quem foi?

– Professores…

Hermione levantou-se, ligeiramente irritada, mas conteve o tom de voz antes de se dirigir à filha.

– Que tipo de professor diz uma coisa dessas para uma criança?

– Snape e… Malfoy.

– Ah, só podia! – exclamou Hermione. – Você prefere acreditar neles à sua mãe?

Leahnny encolheu-se na cadeira, assustada, antes de murmurar:

– D… desculpe, ma… mãe.

– Não precisa pedir desculpas.

– Você está gritando comigo…

– Não estou gritando, e nem é com você – disse Hermione, abrandando a voz.

– Eu vou ver se o papai já acordou – Leahnny levantou-se e saiu logo da sala.

A garotinha entrou no quarto caminhando na ponta dos pés. Viu o pai sob as cobertas, dormindo serenamente. Foi até a janela, abriu a grossa cortina e deixou que a claridade entrasse. Harry mexeu-se sem ao menos abrir os olhos.

Contornando a cama, Leahnny aproximou-se e deu-lhe um beijo no rosto. Novamente, Harry apenas se remexeu, sem acordar completamente. Ela ficou esperando o pai demonstrar qualquer sinal de que despertara, e como isso não aconteceu, repetiu o gesto de beijá-lo, dessa vez, na testa.

Harry sorriu, respirou fundo e murmurou:

– Já vou, Mione… fecha a cortina, amor…

Ainda olhando o pai, Leahnny não conseguiu conter o riso. Em poucos segundos, estava gargalhando, fazendo Harry finalmente abrir os olhos, vê-la e juntar-se a ela, rindo com gosto.

– Achou que era a mamãe, é?

– Hum, você me enganou direitinho, querida.

– Levanta, pai! – disse ela, puxando as cobertas.

– É muito cedo, Leah…

– Mas você tem que cozinhar hoje, papai…

– Nah, eu não vou cozinhar hoje, eu sempre cozinho. Sua mãe está de pé, não? Então ela que aproveite e faça o almoço, eu não vou levantar agora...

– Eu já levantei faz tempo e você vai levantar também! – a garotinha protestou.

– Levantou e ficou fazendo o quê?

– Conversando com a mamãe.

– Hum… – ele a observou com cuidado – ‘tá bem, eu levanto… pode ir agora.

– Mas você vai dormir de novo!

– Quem disse?

– Eu te conheço, papai.

– E se eu prometer? – Harry tentou negociar.

– Nada disso.

– Ah, ele já tinha acordado, filha? – perguntou Hermione, entrando no quarto.

– Já sim, mamãe – disse Leahnny, sorrindo e dando as costas para o pai.

– Oi, amor – Harry disse, ainda cheio de preguiça.

– Não vai se levantar?

– Eu faço tanta falta assim que têm que vir as duas para me chamar?

– Falta mesmo você não faz, mas precisamos de alguém para cozinhar.

– E a Leah não pode fazer isso? – Harry perguntou, puxando a filha para cima da cama e fazendo cócegas nela.

– Eu tô de férias, pai! – a garotinha respondeu, quando ela finalmente conseguiu parar de rir e respirar direito.

– E eu não tenho férias, não? Eu tive um trabalhão para conseguir aquele pinheirinho, sabia?

– Isso foi ontem!

– Hum… – Harry pensou –, mas, ainda assim, deu mais trabalho do que simplesmente pendurar as bolinhas como você fez.

– Não, não, não! – Leahnny protestou mais uma vez, puxando o pai pela mão. – Levanta, pai!

– Leah, ele já vai levantar. Vamos voltar para a sala, filha – disse Hermione.

A garotinha largou a mão de Harry, cruzou os braços um pouco e olhou séria para o pai, decidindo então apontar para ele.

– Você tem dez minutos para sair dessa cama! – ordenou ela, saindo do quarto logo em seguida, sem olhar para trás.

Depois de sorrir para Hermione e vê-la sair, Harry levantou-se, trocou de roupa e foi para a cozinha. Entediada pelo silêncio da sala, onde a mãe lia alguns pergaminhos, Leahnny resolveu ajudar o pai, nem que fosse para incomodá-lo, enquanto o assistia preparando o almoço.

– Quer me ajudar? – convidou ele, quando ela chegou à cozinha.

– Posso, papai?

– Pegue as coisas para mim – disse Harry, cortando com cuidado o filé que estava na tábua sobre a pia.

Leahnny apanhou uma panela e colocou sobre a mesa, ao lado de alguns temperos e de uma travessa de vidro. Abaixou-se para apanhar o óleo, levou-o até a pia, ao lado do fogão, e disse:

– Seria bem mais fácil se eu pudesse usar magia…

– Aham… mas, como você não pode fazer mágica fora de Hogwarts…

– Mas, pai, o Ministério nem iria saber… sem contar que eu já fazia antes de ir pra escola e eles nem reclamavam.

– Fazia alguns feitiços involuntários e, assim mesmo, só depois de saber que iria para Hogwarts, Leah. Isso é comum, por causa da ansiedade.

– Eu já fazia antes de saber que iria para Hogwarts.

– É mesmo? – Harry parou com o que fazia para encarar a filha. – Que tipo de magia, Leah?

– Feitiços de levitação… feitiços convocatórios…

– Com o quê?

– Com o controle remoto da televisão – Leahnny riu, sem perceber a seriedade com que o pai a encarava.

– Leah, um feitiço convocatório não é qualquer coisa que se aprenda da noite para o dia… como você conseguiu?

– Ah… – a garotinha ficou encabulada. – Estava em um livro da mamãe.

– E você aprendeu tudo o que estava nos livros dela? O que mais você sabe fazer?

– Não, claro que não aprendi tudo… São muitos nomes, muitos feitiços, para falar a verdade. Nem sei como vocês conseguem decorar tudo…

– Ninguém decora tudo – disse Harry e, depois de um sorriso, acrescentou: – Tudo bem, ninguém exceto a sua mãe… mas quando é que você pegou aqueles livros?

– Desculpa, papai – pediu ela, envergonhada – eu achei que vocês não queriam… que não iriam gostar se descobrissem que sou uma bruxa…

– Leah, você não tem idéia de como ficamos felizes quando soubemos… e nunca brigaríamos por você ser alguma coisa que você não pode mudar.

– Mas me odiariam por isso! Assim como você me odeia por eu ser sonserina…

– Eu não odeio você, filha. Muito menos por ser sonserina… estou orgulhoso por você ter ido para Hogwarts, por ter uma filha bruxa…

– Mas não está orgulhoso, por eu não ter ficado na Grifinória.

– Por que eu não estaria, querida? – Harry ajoelhou-se na frente da filha, para que o rosto dela estivesse ao nível do seu. – A sonserina pode não ser a minha Casa, mas…

– Lá só tem bruxos das trevas – Leahnny tocou no assunto que o pai estivera evitando durante toda a conversa.

Harry respirou fundo antes de usar o único argumento possível para rebater a afirmação da filha.

– Tem bruxos das trevas nas outras casas também.

– Menos na Grifinória…

Ele observou a filha e encontrou os olhos dela ansiando por uma resposta, uma contestação. Talvez, por ela praticar Artes das Trevas, se sentisse tão isolada dos colegas; dos próprios sonserinos. Ou então, talvez tudo que Leahnny quisesse era ouvir do pai a confirmação de que ele estava orgulhoso e que ele não sabia realmente de nada.

Harry, é claro, não poderia cogitar nenhum desses pensamentos. O que se passara por sua mente era que ele deveria mesmo conversar com ela. Não havia melhor oportunidade do que a presente, e ele conseguiria - precisava conseguir – explicar para ela o que passara durante tanto tempo. Quem sabe daquela forma ela entendesse.

– Por que não vamos conversar na sala, querida? – ele convidou, tomando-a pela mão e saindo da cozinha.

Hermione notou que Harry e Leahnny entravam na sala, mas preferiu ficar em silêncio, fingindo estar concentrada em um dos pergaminhos. Não queria interferir até descobrir por que Harry voltara e trouxera a filha pela mão.

Pai e filha acomodaram-se nos sofás, Harry agradecendo silenciosamente pela esposa tê-los ignorado. Apesar de Hermione conhecer toda a história, ele preferiria que ela não percebesse a reação dele ao contá-la; ter a filha observando-o já era o suficiente. Leahnny não falou nada, esperando o pai começar alguma resposta.

– Certo… você disse… – Harry começou, de repente muito nervoso -… que não conhecia minha família…

– É… – disse Leahnny, incerta, ao mesmo tempo surpresa por vê-lo retomar o assunto de uma discussão anterior.

– Acontece que… eu não tenho família… além de você e Hermione, quero dizer… – continuou Harry, enquanto Leahnny o deixava cada vez mais nervoso com um simples olhar – ...eu fui criado pelos meus parentes trouxas, porque meus pais morreram, você deve saber… mas os Dursley não eram minha família. Eles nunca contaram nada sobre eu ser bruxo, sobre Hogwarts ou sobre a magia. No início, até me trancavam em um armário embaixo da escada… talvez eu não merecesse um quarto mesmo…

Leah apenas desviou o olhar para o outro canto da sala, onde Hermione continuava aparentemente concentrada nos pergaminhos, embora, de tempos em tempos, seus olhos mirassem o marido de relance.

– Só depois que recebi a carta de Hogwarts que as coisas mudaram um pouco. Eles tinham medo do Hagrid, acho eu, pelo menos no início. Eu tive de passar três anos em Hogwarts para poder descobrir que tinha um padrinho… alguém que meus pais escolheram para cuidar de mim se algo acontecesse, assim como escolhemos o Lupin para você… o nome dele era Sirius… – Harry parou por apenas alguns segundos –… Sirius Black. Ele era amigo dos meus pais, de Lupin… e de Pedro Pettigrew.

– Você não sabia que tinha um padrinho, papai?

– Meus tios trouxas nunca me disseram nada. Acho que nem eles sabiam… e os bruxos também não me contaram… acharam que eu não gostaria de ouvir que meu padrinho tinha sido condenado a Azkaban por ter entregue meus pais a Voldemort.

– Nossa, ele… ele fez isso?

– Não, não foi ele. Foi aquele rato do Pedro Pettigrew. Ele matou meus pais e condenou Sirius a viver doze anos em Azkaban. E ele era da Grifinória…

– Hum. E esse… Sirius… ele morreu em Azkaban?

– Não, ele conseguiu escapar. Eu o encontrei na noite em que encurralamos Pettigrew. Nós iríamos provar a inocência do eu padrinho… eu iria… deixar os Dursley e morar com ele.

– E o que aconteceu?

– Houve um incidente e Pettigrew fugiu… nós só o prendemos novamente alguns anos depois, mas já era tarde… Sirius já tinha morrido.

– Isso é tão…

– Tão? – insistiu Harry, sem encarar Leahnny.

– Triste, pai.

– Eu sei… desculpe, filha, eu não queria…

– É por isso que você nunca me contou?

– Eu não gosto de…

“Relembrar”, Harry pensou, mas não pronunciou em voz alta. Sentindo suas mãos um pouco trêmulas, ele terminou:

–… falar sobre isso.

– Vamos voltar para a cozinha e terminar o almoço? – a garotinha disse ao levantar.

– Está com fome, é?

– Aham.

– Ouça, querida – Hermione interveio pela primeira vez, levantando-se da mesa e aproximando-se –, por que nós não terminamos o almoço, assim não damos trabalho ao papai?

– ‘tá bom – disse Leahnny. – Você já terminou, mãe?

– Já. Vá na frente, Leah, daqui a pouco eu vou.

– Aham – respondeu a garotinha, indo para a cozinha.

Harry ergueu os olhos cansados e viu que Hermione estava bem perto dele.

– Obrigado – ele murmurou.

– Você foi corajoso ao contar isso a ela, meu amor.

– Hum.

– Mas não pense mais no assunto, não quero vê-lo deprimido – disse ela, sorrindo.

Ele assentiu com a cabeça e a esposa foi para a cozinha, deixando-o sozinho com seus pensamentos.




***

Algumas horas depois do almoço, Hermione espalhou novamente as coisas sobre a mesa e recomeçou os estudos. Leahnny estava no quarto, fazendo os deveres de Hogwarts, e Harry resolveu não incomodá-la, embora não tirasse da cabeça que precisava conversar com a filha sobre os incidentes envolvendo Artes das Trevas ocorridos na escola.

Ele queria ficar sozinho. Decidira fechar-se no quarto, em silêncio. Atirou-se na cama de bruços, enterrando a cabeça no travesseiro e fechando os olhos, em uma tentativa de limpar sua mente; queria esquecer todos aqueles pensamentos tristes que não saíam da cabeça. Hermione notara que ele ficara abatido depois daquela conversa. Ele nem ao menos tentara esconder isso durante o almoço. Se não poderia agir normalmente com sua própria família, então de que adiantava tê-los por perto? E ele precisava de Hermione e de Leahnny por perto, não poderia simplesmente afastá-las.

A única família que ele conseguira ter, e agora ele estava deixando se separar… Leahnny estava praticando Artes das Trevas e, exatamente como Dumbledore fizera com Alana, ele permanecia calado. Leah parecia saber o que é certo, mas simplesmente não se importava com o que o pai ou a mãe dissessem. Ela estava se distanciando aos poucos, por mais que isso não parecesse verdade nos últimos dias. Harry sentia como se estivesse perdendo-a, por mais que tentasse explicar as coisas para a garotinha. Deveria ser apenas uma questão de dias até ela voltar para Hogwarts e estar novamente sob influência dos professores sonserinos.

E Hermione… ela não demoraria muito a se afastar também. Ele comprara a casa ali e a trouxera para a Itália, porém estava certo de que logo ela inventaria outra pesquisa e iria embora. Agora mesmo, com ele e com a filha por perto, ela já estava afundada em pergaminhos e livros. Não que ele esperasse menos de Hermione Granger, mas nem por isso deixava de sentir-se sozinho.

Sentia-se sozinho porque era bem isso que estava acontecendo: ele estava ficando cada vez mais solitário. E Leahnny tinha razão, eles estavam no meio do nada. Não que isso fizesse muita diferença, já que até mesmo em outros lugares, cercado de pessoas, ele conseguia sentir-se assim.

Talvez suas suspeitas estivessem corretas. Talvez ele realmente fosse o culpado por toda a solidão e separação a sua volta. Acabara de confirmar que não era um bom pai, pois não conseguira ao menos manter a compostura diante da filha e começara a falar de assuntos que deveriam estar, há muito tempo, mortos em sua mente. Quanto a ser um bom marido, bem, isso ele nem precisaria investigar. Era óbvio que Hermione continuava com ele apenas por pena. Por que mais estaria na sala, pesquisando, mesmo sabendo que ele agonizava no quarto?

Ele não queria pena, só queria alguém que o amasse e que não ficasse se escondendo atrás dos livros quando ele precisava conversar. Por que ela não o deixava e acabava de uma vez com isso? Por que ela aceitara voltar com ele, para começo de conversa?

– Amor? – ele ouviu alguém chamá-lo baixinho, quando uma mão tocou-lhe gentilmente os cabelos. – Você está chorando?

– Não – ele respondeu, embora sua voz embargada entregasse a mentira.

– Harry… – ela sussurrou no ouvido dele –… não fica assim, querido, por favor. Se for por causa do que você conversou com a Leahnny… isso já foi há muito tempo, já passamos por isso.

– Não é por causa da Leah – Harry virou-se de costas sobre o colchão. – Por que você não vai embora, Hermione?

– Ir embora? Por que eu iria embora?

– Por que você quer ficar? Nós nem estamos mais juntos…

– Não estamos mais juntos? Do que você está falando? Harry, o que está acontecendo?

– Não, não estamos mais juntos, Hermione! Não consegue perceber isso? Eu passei a tarde nesse quarto, mas que diferença isso faz? Contanto que você esteja bem atulhada naquela pilha de livros comidos pelas traças, você não se importa com mais nada!

– Querido… não, eu não fiz isso. Eu vim aqui ver se você precisava de mim… está tudo bem, mas não posso vê-lo assim novamente. Eu não sei por que você está pensando assim, realmente não sei… Talvez esteja triste por lembrar do Sirius ou dos seus pais, mas, Harry, por favor, não acredite nessas idéias malucas que você está tendo. Eu estou aqui porque o amo, eu vim aqui para tentar ajudar…

– Eu sei… – ele murmurou o mais alto que sua voz permitiu.

– Amor… – chamou Hermione, ao ver que o marido encolhera-se na cama, usando as mãos para cobrir o rosto.

– Eu sei…

Ela envolveu os braços ao redor do marido, embora ele ainda não mostrasse o rosto.

“Eu sei…”, ele murmurou mais uma vez. “Desculpa…”




***

Leahnny passou a tarde fazendo os deveres de Hogwarts, trancada no quarto. Abriu os livros logo depois do almoço e concentrou-se em uma extensa redação de Trato das Criaturas Mágicas. Quando terminou, com a mão doendo de tanto escrever, soltou o ar que mantivera preso nos pulmões enquanto escrevia as últimas linhas de uma só vez. Prendeu os cabelos, esticou os braços e resolveu dar uma volta pelo jardim para relaxar, antes de começar a responder as cinqüenta questões sobre Feitiços que a Professora Clearwater dera como lição.

Harry levantou-se da cama já recomposto. Foi ao guarda-roupa, pegou um casaco e saiu do quarto, sem olhar para a esposa que há pouco o consolava. Hermione o seguiu um pouco apreensiva, e quando percebeu que não diria nada, perguntou:

– Aonde você vai? – perguntou ela.

– Por que não vamos ver como está a Leah?

– É, acho uma ótima idéia – disse Hermione, sorrindo.

Quando bateu de leve na porta, notou que estava encostada. Entrou devagar, esperando ver o rosto curioso da filha, mas o quarto estava vazio. Hermione também entrou no quarto, lançou ao marido um olhar interrogativo e ouviu Harry perguntar:

– Você sabe aonde ela foi?

– Provavelmente dar uma volta, deve estar cansada… – comentou Hermione, mostrando a redação que ficara sobre a escrivaninha.

Harry pegou o pergaminho que a filha completara algum tempo antes e correu os olhos pela explicação sobre unicórnios. Ao terminar, viu que Hermione segurava um outro pergaminho. Ela começou a lê-lo em voz alta, chamando a atenção de Harry.

“Cara Leahnny,

É um prazer saber que as coisas estão indo bem na Itália. Enquanto aqui, o Ministério ainda não tem pista alguma sobre os culpados pelo incidente na Inglaterra. Acredito que você não tenha notícias do mundo bruxo, mas posso adiantar que as coisas estão correndo bem. Você ficará feliz em saber dos detalhes quando voltar.

Fora isso, tudo continua o mesmo em Hogwarts. Dumbledore continua, como sempre, muito ocupado com alguns membros da antiga Ordem da Fênix. Acho que por isso ele ainda não avaliou o pedido que seus pais fizeram para que você saísse da Sonserina.

Devo dizer que seria muito bom vê-la na Corvinal, mas imagino que eles a queiram na Grifinória. É claro que ainda há a possibilidade de Dumbledore não aceitar o pedido… talvez se alguém falasse sobre isso com ele, mas eu não posso me aproximar muito, você sabe… de qualquer forma, o que conta é o que você quer.

Um amigo me contou como você está próxima da sua mãe, Leahnny. Pode ser algo favorável isso, ter a mãe por perto, não é? Fico feliz que saiba o que fazer quanto a isso. Confio em você, Leahnny.

Aguardo notícias.

Alexander Rhaity”

Quando Hermione começara, Harry achara que a carta fora enviada por algum colega da escola, mas no decorrer da leitura, não pôde deixar de afastar esse pensamento – dificilmente uma criança de onze anos saberia dos movimentos de Dumbledore e, menos ainda, de uma carta que Harry enviara ao diretor.

Hermione leu as últimas linhas já preocupada em lembrar de todas as perguntas que rondavam sua mente. Pousou o pergaminho sobre a escrivaninha e virou-se para o marido, que a encarava, confuso.

– Quem é Alexander Rhaity? – perguntou ele.



***

Próximo capítulo: “Um jantar entre amigos”: Harry e Hermione levam a pirralha, er... Leahnny para uma visitinha ao Lupin... bem.. esse capítulo, o 6 e o 7 eram, originalmente, um capítulo enorme que eu dividi em três, então estão diretamente ligados, acredito eu, mais do que o resto da história. Espero que vocês gostem... e COMENTEM!

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.