Os Gritos de Bellatrix



Os Gritos de Bellatrix





E ela grita novamente.

Já é a terceira vez nesta longas semanas, desde que me colocaram nesta maldita prisão, que acordo de meus sonhos conturbados com os gritos furiosos de Bellatrix Lestrange.

E como a odeio por isso.

Depois de longos anos distantes da minha família, longe daquele desfile banal do sobrenome Black, com seus bruxos de pose real e capa negra, agora sou obrigado a escutá-la berrar alucinada para os dementadores, encerrado no meu inferno particular.

Gostaria que ela gritasse de dor, não de raiva. Gostaria que eles a calassem com seu beijo, porque parece que apenas seu toque não faz nada além de lhe dar energias para continuar gritando e gritando.

Não tenho mais vontade de dormir depois que acordo com sua voz estridente ecoando por meus ouvidos. Provavelmente ela deve ter tentado fugir como sempre faz, sem se cansar e, após ser recapturada, grita de raiva, urra, esperneia, desrespeitando aqueles que se resignaram com seu destino ou que ao menos desejam um bom descanso.

Queria poder fechar minhas mãos ao redor de sua garganta, ouvir su respiração se quebrar juntamente com os ossos de sua coluna. Ah! E como seria maravilhoso o silêncio que se seguiria. Mas, depois de tanto tempo ouvindo sua voz retumbar pelas paredes de pedra, duvido muito que consiga ao menos passar uma noite sem relembrar seu lamento. Sim, porque depois de gritar horas a fio, ela começa a choramingar, caindo num pranto profundo seguido de soluços e lamentações.

Eu a odeio. Odeio tudo que se refira a Bella, principalemnte o fato de ser sangue do meu sangue.

Mas hoje me sinto mais calmo escrevendo neste caderno. Muitos podem pensar no quanto é ilógico que um prisioneiro de alta periculosidade tenha conseguido pena e pergaminhos para registrar suas memórias, mas até mesmo em Azkaban a corrupção não deixa de ter seus meios. Basta uma pequena regalia aos servos que servem a comida e, num dia qualquer, seu prato, parcialmente cheio com o que eles ousam chamar de almoço, é acompanhado da pequena prenda pedida.

E para mim nada podia ser mais valioso do que um caderno para registrar memórias. Àqueles que não passam pelo terror constante de ter dementadores rondando próximos ao seu aposentos, pode parecer meio ilógico alguém ficar feliz com a mísera oportunidade de escrever.

No entanto, esta é a minha salvação. O que me mantém vivo, além, é lógico, do desejo de me vingar de Pettigrew, aquele rato traidor que destruiu toda a esperança fulminante que preenchia os jovens corações de Pontas e Lily. É nestas funestas páginas que registro, quase diariamente, as minhas boas lembranças. Os momentos que me pareceram preciosos com o passar do tempo e é a elas que recorro após ter minhas esperanças e sonhos roubados pelos dementadores, que não se cansam de se alimentar dos prisioneiros por detrás das grades.

Hoje, após ignorar o pequeno prato de com uma papa esverdeada a qual me recuso comer, já que meu estômago não suportaria digerir aquela coisa mal cheirosa, estive relembrando, com água na boca, dos grandes banquetes de Hogwarts. As comemorações, as festas e o maravilhoso pudim de chocolate que eu costumava disputar às colheradas com Pontas, Aluado e Rabicho, rindo alegres e despreocupados, esquecidos do mundo lá fora.

Era sempre tudo tão animado. Ad faces dos meus colegas iluminadas eplas luzes das velas e archotes, e aquele céu mágico sobre nossas cabeças, resplandecendo com nuvens, estrelas, pingos de chuva e flocos de neve.

Queria poder retornar no passado e viver novamente os dias em que eu consegui me sentir feliz por fazer parte da Grifinória, pois ao longo de todos esses anos, ninguém nunca soube através da minha boca o quanto me sinto mal por não ter sido selecionado para a Sonserina. E parece até ser um crime dizer isso agora, sujando as memórias dos bons tempos ao lado dos Marotos. Mas a verdade é que sempre fui a alma de uma cobra no corpo de um leão.

Nas imagens que passam por minha mente, as que ainda não foram arrancadas pela inspiração profunda dos seres malignos que habitam este inferno, eu me recordo o quanto me sentia infeliz com meus míseros onze anos.

Ainda me lembro de um dia em particular, quando as coisas começaram a mudar. Era noite de Halloween, todos riam e se divertiam com as pequenas prendas espalhadas pela mesa, as guloseimas que adoçavam suas bocas e arrancavam sorrisos. Mas eu, Sirius Black, apenas queria poder estar do outro lado do Salão, sentado junto com os estudantes sonserinos, aos quais considerava meus iguais.

Através de pequenas e curtas olhadelas, eu fixava minha atenção na imagem satisfeita de minhas primas Narcisa e Bellatrix Black, ambas destilando seus sorrisos sarcásticos e alisando seus longos cabelos, conversando prazerosamente com seus companheiros de casa. Se pudesse me afogar num mar de inveja já estaria morto. Para mim era injusto permanecer sozinho naquela mesa da Grifinória, rodeado de mestiços e amantes de trouxas, enquanto parte da minha família se divertia com um grupo ao qual eu também deveria fazer parte.

E eu era o excluído. Sentia-me abandonado. Mas, para um Black, admitir isso, seria o mesmo que abrir mão de sua honra e, se houvessem me perguntado, teria dito que nada poderia ser mais divertido do que aquela festa comemorada na minha mais plena solidão.

Foi quando Remo Lupin, pálido como uma alma penada, se sentou ao meu lado e eu pude ouvir sua respiração difícil e entrecortada. Na minha mente xingamentos adversos se seguiram diante da minha má sorte de estar sentado lado a lado com um mestiço, mas, quando virei um pouco a cabeça e pousei meus olhos no seu rosto cansado, carregado com uma estranha expressão e marcado por olheiras, senti pena daquela criatura e, por um longo momento esqueci-me das minhas próprias amarguras para comparar minha sorte com a daquele infeliz bastardo. Sim, porque um Lupin só poderia fazer parte de uma família de perdedores.

No entanto, enquanto comparava minha linhagem com a daquele garoto magricela e começava a me sentir bem com aquele sentimento de superioridade, Remo abriu um pequeno e tímido sorriso para uma garotinha que lhe estendera uma travessa de doces e minha primeira reação foi de incredulidade.

Como, em meio a tantos problemas e dificuldades, em meio a grande vergonha de não fazer parte de uma família importante como eu, um garoto supostamente inferior a mim é capaz de sentir-se feliz ao mesmo tempo em que no meu íntimo tenho vontade de gritar e reclamar de tudo?

E pela primeira vez vi que tinha algo errado nos meus conceitos. Quando desviei os olhos novamente para Bellatrix e Narcisa, vi que aquele sorriso em seus rostos parecia falso e que não chegavam aos olhos, como os do rapazinho ao meu lado.

Foi neste dia que passei a admirar, contra a minha vontade, a força de Remo Lupin.

Mas aquele momento serviu apenas para me enterrar num estado de indignação e eu fechei novamente a cara. Agora não havia nada que pudesse me arrancar deste poço de reclamações, nada, apenas um outro sorriso de Remo, só que agora dirigido claramente a minha pessoa.

- Sirius Black, não? - E depois de tantos anos ainda consigo lembrar do tom jovem e suave de sua voz, de seu olhar inocente e da pequena cicatriz na sua têmpora esquerda, um risco fino e quase invisível.

- Exato! - Respondi entre dentes, tentando parecer o mais desagradável possível, querendo chateá-lo, fazê-lo chorar para me sentir bem, porque, em Grimmauld Place, sempre me sentia melhor depois de maltratar Regulus e vê-lo correr para seu quarto com os olhos repletos de lágrimas.

Todavia o pequeno gesto que se seguiu me desarmou, e o primeiro pensamento que passou por minha cabeça foi o de que aquele garoto idiota não se abalava com a minha frieza e indiferença.

- Prazer, Sirius! Sou Remo Lupin. Dividimos o mesmo dormitório mas nunca tive a oportunidade de me apresentar! - E o choque de ser chamado pelo primeiro nome por um desconhecido ainda ecoava por meu ser quando respondi sem olhá-lo, querendo que ele fosse esmagado por um troll e me esquecesse.

- Não acho que seja realmente um prazer, Lupin. E quanto às oportunidades para a apresentação, saiba que eu preferia que elas nunca tivessem existido. - Mas ao contrário do que eu imaginava quando o encarei para observar seu sorriso desaparecer, ele apenas piscou os olhos por alguns instantes, mantendo firmemente o olhar fixo no meu.

- Não acho que este seja um dos seus melhores dias, Sirius! - Disse por fim, virando o rosto e abocanhando uma pequena porção de algodão-doce. - Mas tenho certeza de que se sentiria melhor com um pedaço de chocolate. - E de uma forma chocante estendeu o braço por sobre a mesa e apanhou um pequeno pacotinho ao qual estendeu na minha direção logo em seguida. - Toma! - Ofereceu com um novo sorriso que me deixou boquiaberto. - Este é um dos meus preferidos, sempre faz com que eu me sinta melhor.

Ainda abobado demais para raciocinar, não pude impedir que minha mão apanhasse aquele pequeno embrulho colorido, vendo a face de Remo expressar felicidade quando novamente focalizou sua atenção na comida. Ele era muito magro para quem comia tanto e, enquanto ele devorava porções de bolo e biscoitos, eu observava encabulado aquele chocolate entre meus dedos.

E depois que eu aceitei aquela pequena oferenda, pareceu que para Remo alguma barreira havia sido quebrada e em poucos instantes me dei conta de que ele me contava um pouco de sua vida, nada muito pessoal, mas o suficiente para tomar liberdade e perguntar sobre a minha família.

- Meu pai adora os programas de televisão trouxa. Sempre que passa algum filme ele deita no sofá com alguns pacotinhos de feijõezinhos de todos os sabores. É muito divertido ter um pai bruxo e uma mãe trouxa. - Ele tomou um gole de suco de abóbora, enquanto eu o olhava incrédulo, e logo em seguida retomou o diálogo com uma pergunta. - Como é a sua família?

Aquilo soaria como uma ofensa se a pergunta tivesse sido feita minutos antes, mas, agora, eu estava letárgico demais para ser rude, embora ainda estivesse surpreso com o fato dele não conhecer a minha família. Os Black eram famosos, até mesmo entre os mestiços.

- Sou um Black - Respondi dando de ombros, como se isso fosse o suficiente.
- O que isso quer dizer? - Ele questionou curioso e acabei me sentindo acanhado ao ver que essa afirmação não significava nada para ele.

No entanto este foi o gancho perfeito para que um pequeno garotinho gordinho se intrometesse na conversa sem ser chamado. Agora as coisas começavam a fugir do meu controle e o que a princípio parecera ser apenas uma conversa qualquer com um colega de turma, se tornava um diálogo com dois grifinórios ao qual desde o início do ano fizera questão de me manter afastado.

- Uma família tradicional bruxa, Remo. - O menino chamado Pedro Pettigrew, como mais tarde descobri, respondeu com um ar de conhecedor das coisas. - Ele provavelmente não sabe o que é uma televisão.

Remo pareceu compreender a situação imediatamente, mas eu não deixaria aquilo por menos. Eu conhecia uma televisão. O lema dos Black era sempre conhecer o inimigo e, assim, os trouxas eram considerados e, embora não fosse por meio dos meus pais que eu colocara os olhos pela primeira vez naquela caixa estranha chamada TV, foi meu tio Alphard que me apresentou o aparelho, com aquelas pessoinhas cabulosas conversando por de trás da tela de vidro.

- Eu sei o que é uma televisão - Retruquei olhando com ódio para Pedro e pude ver que ele apenas meneou a cabeça enquanto mastigava. - Mas prefiro o teatro bruxo. É muito mais criativo do que aquelas imagens idiotas que mudam quando se aperta diferentes botões.

Lupin arregalou os olhos com adoração quando mencionei os teatros bruxos, e logo percebi meu erro. Havia dado corda à conversa e agora aquele idiota se via empenhado em arrancar todas as informações sobre teatro bruxo de mim.

- Você já viu um teatro bruxo? - Exclamou num tom de indagação, a face brilhando de curiosidade. - Eu já li sobre eles e meu pai me contou uma vez sobre uma peça que assistiu em Londres. Sempre quis ir a uma noite de apresentação, mas é muito caro. - E esta última parte foi dita com clara tristeza.

Era óbvio que ele não tinha condições de freqüentar um programa incluído na diversão diária das famílias bruxas mais ricas. Eu já estava praticamente enjoado de freqüentar as grandes casas de teatro acompanhado de meus pais e um Regulus cheio de manhas, e não via porque tamanho interesse em algo tão chato, quer dizer, não mais que a televisão.

- Meus pais são amigos de muitos atores e, durante o mese de dezembro, íamos quase toda semana a uma apresentação. Não tem nada demais, só um pouco de mágica e purpurina. - Falei com descaso vendo que nem isso apagou a chama dos olhos de Remo.

- Minha tia foi uma vez. Ela mora em Amsterdã! - Pettigrew deu sua contribuição ao assunto, e tive vontade esganá-lo. Era incrível como ele continuava comendo e comendo sem parar. - Ela disse que nunca vira roupas tão divinas.

Remo balançou a cabeça em concordância. No canto da boca via-se claramente uma enorme mancha de chocolate, e ele não se cansava de perguntar cada vez mais sobre o bendito teatro, o que, para Pedro, não era nada cansativo já que adorava ser o centro das atenções.

- Eu vi algumas fotografias num livro da biblioteca. Tem uma de um navio. Achei incrível como eles conseguiram retratar um navio no palco do teatro, parecia tão real, até as ondas de mentira se mexiam. - E eu revirei os olhos entediado, guardando o pequeno chocolate que ganhara no bolso e planejando um belo fim para ele. Provavelmente o enfeitiçaria e daria para qualquer bobo só para assisti-lo chorar com os efeitos da minha pequena travessura.

- Ah, mas os cenários são feitos como fotografias, sabe? - Pettigrew explicou largando um pedaço de seu meio pirulito para continuar contando detalhes do teatro. - As figuras se mexem, mas sempre repetem o mesmo movimento. Eles até tentaram fazer algo semelhante aos quadros que tem aqui em Hogwarts, para ter mais dinâmica, como diz minha tia, mas não sei por que não deu certo. Teria ficado realmente fantástico.

Aquilo era ridículo, pensei depois de escutar a enfadonha narrativa do que eu já estava cansado de saber. Era mais do que óbvio o motivo de não se usar pinturas mágicas, e foi com um grande sentimento de sábio que compartilhei o que conhecia.

- Eles não usam pinturas porque elas são imprevisíveis. – Anunciei, vendo que os dois garotinhos me olhavam com expectativa parecendo esponjas incansáveis, arrancando de mim toda a informação que podiam. - Assim como os quadros do castelo, imagine se no meio da apresentação o navio resolve zarpar ou desaparecer? Ao contrário das fotografias as pinturas têm um elo com a mensagem a ser passada, por isso desaparecem ou se modificam.

- Nossa! - Remo exclamou fascinado com minha explicação e tive que me servir de alguma coisa sobre a mesa para não notar sua adoração diante das novidades referente ao teatro bruxo. Eu poderia estar reclamando de tudo aquilo, mas, no fundo, bem lá no fundo, estava gostando de conversar com alguém. Já iriam se fazer meses que ninguém da minha família se dignificava a compartilhar comigo um pouco de sua generosa atenção e eu já estava cansado dos diálogos irônicos e ocasionais que eu tinha com as minhas duas intragáveis primas.

E falando em Bellatrix e Narcisa, naquele exato instante, em que Remo elogiava o quanto eu era bem informado, Bella se levantou da mesa de sua casa e começou a caminhar através do salão. Os passos calculados, a infinita confiança de uma Black e a frieza incomum para uma garota de dezesseis anos. Por alguns instantes, senti-me importante ao notar que ela vinha ter comigo, quem sabe me convidar para integrar o grupinho da Sonserina. No entanto, só de ver o pequeno sorriso escarninho que surgiu no canto dos seus lábios, soube que aquela gentil parcela de sua atenção não seria nada agradável.

- Impossível! O pequeno Sirius já fez amizade! - Ela sibilou com os olhos maliciosos faiscando na direção de Lupin. Por breves momentos imaginei se ele teria a mesma coragem de se apresentar para ela como fizera comigo, mas Bellatrix era muito mais eficiente quando o assunto se tratava de intimidação, e eu pude até ver que Pedro se encolhia por debaixo da sua capa de inverno.

- O que você quer, Bellatrix? - Perguntei por fim, ficando surpreendentemente irritado ao ver a forma que ela tratava os dois garotinhos que não viam mal algum em conversar comigo. Mais tarde eu iria querer me chutar por ter sentido algo tão repulsivo para um sangue-puro, mas naquele momento eu só queria me ver livre dos profundos olhos azuis da minha prima.

- Você recebeu a carta? - Bella foi direto ao assunto, sem rodeios, recusando-se a aproximar mais da mesa ou a olhar para os outros grifinórios que pareciam realmente curiosos com sua presença inesperada.

Quando ela mencionou a carta eu já soube imediatamente do que se tratava. A festa de Natal. Como um bom Black revoltado, eu havia me recusado a passar o Natal em casa. Não queria suportar as lamentações de minha mãe, dizendo o quanto era vergonhoso ter um filho na Grifinória, e seria realmente estafante a repreensão dos outros familiares. A mãe de Bellatrix e Narcisa provavelmente me olharia com aquela cara de pato, assumindo uma careta de desgosto. E talvez até Andie, minha prima favorita, não quisesse mais conversar comigo.

- Eu já avisei para minha mãe que não vou, Bellatrix, estou decidido! - Respondi contrariado, indignado por meus pais terem recorrido à ajuda das minhas primas para me obrigarem a ir para casa. E eu não duvidava nenhum pouco de que Bella fosse capaz de me embarcar a força no trem, porque ela era cruel e eu ainda recordava das inúmeras tardes em que ela se divertia me prendendo no porão de casa.

- Não acho que isso seja uma decisão sua, priminho! - Ela murmurou com displicência e eu soube que aquela visita não era para perguntar se eu mudara de opinião, e sim para dar um aviso. - Esteja pronto no dia do embarque! - Ela completou, adquirindo uma expressão sombria. - Meus tios foram claros quando disseram que era para eu fazê-lo mudar de idéia, e você sabe que eu não costumo hesitar quando tenho ordens a cumprir! - E depois disso abriu um sorriso, vendo que eu mordia o lábio inferior furioso.

Não havia resposta para aquela evidente ameaça. Ela me estuporaria se fosse necessário, e eu sabia que ela esperava poder fazer isso. Bellatrix Black era o ser mais cruel que eu algum dia chegara a conhecer.

Agora meu humor realmente era nulo. Quem poderia se sentir bem depois de escutar algo tão intragável quanto isso? E o que sempre me impressionava era o fato dela conseguir se impor sem elevar a voz, sempre naquela maldita pose de a melhor. Isso porque eu não costumava reparar nos meus gestos diante de um espelho. Aquela era uma característica exclusivamente Black, ao menos fora o que eu pensara até os meus quinze anos.

- Bellatrix Black é sua prima? - A voz de Remo soou próxima e temerosa depois que ela se foi sem olhar para trás, e eu que já estava agradecendo ao silêncio tive vontade mandá-lo ir para o inferno.

Não iria responder, não desta vez, e teria levantando da mesa para me enfurnar no dormitório, mas aquilo seria outra vitória para Bella, e eu não daria a ela este gostinho.

- Eu soube que todos os Black iam para a Sonserina, como os Malfoy! - Pedro disse de repente e, a menção disso, ergui meus olhos fuzilando-o com o olhar. Ele estava tocando numa ferida delicada, e não custaria nada para que eu o machucasse e descarregasse na sua pessoa o ódio que sentia por meus parentes.

- Mas o Sirius é da Grifinória! - Lupin respondeu, parecendo encantado por ter um novo tópico a discutir. Para ele tudo podia ser analisado e resolvido com uma boa conversa, e nada, nem o tempo se mostrou capaz de mudar isso.

- Sim, mas parece que seus pais não ficaram satisfeitos com isso, não? - Pettigrew retrucou sem um mínimo de bom senso, virando-se na minha direção e erguendo as sobrancelhas.

Aquela foi a gota d'água e eu me levantei da mesa com os pulsos cerrados.

- Você não tem o direito de se intrometer na minha vida, Pettigrew! – Sibilei, parecendo surpreendentemente tão malévolo quanto Bella parecera na sua breve presença próxima a mesa.

Vi satisfeito que Pedro arregalou os olhos com medo. Ele sempre tinha medo das minhas explosões, mesmo depois que nos tornamos amigos, e posso imaginar o quanto tremeria se me visse hoje. Mas, ao contrário dele, Remo nunca se abalara com minha fúria e para minha surpresa ele tocou de leve o meu braço, como se pedisse gentilmente para que eu me sentasse.

- Não estamos nos intrometendo na sua vida. - Ele explicou paciente, e eu o fitava incrédulo. Um mestiço havia me tocado. Se isso tivesse acontecido com meus pais Remo seria um ser declarado morto. - E não há mal algum em você ser da Grifinória e eles da Sonserina! - Mas eu podia enumerar os malefícios dessa pequena diferença, no entanto o motivo que ele utilizou para provar que sua idéia era irrefutável, e depois de ouvi-lo tive que me sentar, mais calmo agora. - O que importa é como você é, Sirius. E você é legal. Diferente da sua prima.

E, pela primeira vez na minha vida, alguém tinha me feito um elogio. Quer dizer, eu já recebera elogios quanto a minha beleza, esperteza e outras coisas, mas nunca alguém me dissera que eu era legal e para alguns pode parecer algo idiota, mas, naquele instante, Remo foi um verdadeiro amigo.

Nesta noite, quando o fim do banquete foi anunciado e tivemos que voltar aos dormitórios, Lupin e Pettigrew seguiram ao meu lado, sem que eu pedisse ou desse permissão. Parecia que ambos haviam passado a me considerar um amigo, e eu estava tão sozinho naquele mar vermelho e dourado que não tinha forças para afastá-los, e foi desta forma que minha alma sonserina foi lentamente sendo atraída pelo calor grifinório.

Talvez tenham sido esses pequenos gestos que me fizeram escolher ser contra os ideais de Voldemort, embora ninguém acredite nisso atualmente. Me dói saber que Remo me considere o culpado pela morte dos meus queridos amigos. Mas eu não posso em nenhum momento jogar isso na cara dele. Ele já confiou em mim diversas vezes, o suficiente para uma vida inteira, e acho impossível que essa confiança continue inabalável depois de tantos anos, conhecendo como ele conhece o temperamento Black. Porque eu sou um Black, mesmo tendo sido da Grifinória, mesmo desejando matar neste exato instante minha prima, que recomeçou a gritar seus impropérios para o nada.

Da minha cela eu consigo ouvi-la dizer que o Mestre retornará para buscá-la.

É cansativo prestar atenção ao que ela diz. Sempre a mesma coisa. Parece que não desiste da breve esperança de algum dia tornar a enxergar além dessas grades imundas. Eu, particularmente, já me contentei, embora em diversos momentos, à noite, sinto que irei sufocar com o desejo de escapar e consertar todos os terríveis enganos causados pela traição de Pedro.

Agora que possuímos quase o mesmo destino e que posso até prever o estado de degradação dos nossos corpos cansados daqui a alguns anos, sinto pena dela. O que Bellatrix poderia carregar consigo que fosse capaz de mantê-la viva? Porque está mais do que claro que ela já está começando a enlouquecer. Ela parece dividida entre se mostrar forte e em clamar por ajuda.

É muito estranho o que o desespero pode fazer com uma pessoa, e até eu já me peguei rindo entre dentes das coisas ridículas que ela diz. Mas adoraria que ela dissesse o que acha que deve dizer ao mundo sem gritar. Meus nervos não agüentarão por muito tempo se as palavras dela continuarem indo e voltando através do meu cérebro.

Gostaria de poder dar uma última olhada no seu rosto, mais para ter no que pensar e relembrar, porque aquela pose superior dela com certeza não existe mais. Nunca mais irei vê-la nos seus vestidos de festa, ter de prestar atenção as suas conversas sarcásticas e controladas, muito menos fugir quando ela se juntava a Narcisa para perseguir a mim e Andrômeda, parecendo duas aliadas do capeta, prontas para amedrontar criancinhas.

No final das contas, teremos o mesmo fim. Ela sempre se referiu a mim como um traidor nojento, grifinório estúpido, amante de trouxas, mas não vejo nenhuma diferença agora que estamos os dois presos neste inferno. De certa forma, me sinto mais forte que ela. Ainda não enlouqueci. Não cheguei ao ponto de gritar e atacar os dementadores. No entanto, não sinto mais aquele prazer que existia antes quando descobria ser superior em alguém em alguma coisa. Talvez a loucura seja um bom remédio para não sofrer com o frio desta prisão. E, enquanto termino de escrever este último parágrafo, posso dizer pelos gemidos que se seguem pelo corredor que já é tempo dos dementadores se alimentarem.

A voz de Bella, neste instante, parece morrer lentamente em sua garganta e posso ouvi-la pedir por favor. Eles estão sugando sua vitalidade e eu sei que serei o próximo. Não quero ter minhas boas lembranças roubadas mas não há rota de fuga, só a aceitação. A cada dia me sinto cada vez mais vazio e começo a ter medo de acabar esquecendo os rostos dos meus amigos, de suas risadas, de seus sorrisos.

Ninguém merece estar em Azkaban, nem mesmo Bellatrix. Mas quem sou eu para dizer isso de um Black, já que no nosso sangue sempre correu o veneno da dor, do assassinato e da morte?

Nossa alma é negra, como o nosso nome.

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