Soluções Temporárias



N/T: Tradução de “Never Alone, Never Again”, de Bored Beyond Belief. Capítulo 7/42.




Harry remexeu-se na cama. Podia ouvir sons abafados vindos de longe, talvez de outro âmbito, assim como os ruídos de alguém respirando ao seu lado. Um nariz gelado acariciou sua bochecha, surpreendendo-o e fazendo-o abrir os olhos. Virando sua cabeça de lado, Harry encontrou os olhos carinhosos e preocupados de Snuffles. Sorriu enquanto o cachorro facilmente se transformava em Sirius.

“Bom dia”, o homem disse com um grande sorriso, automaticamente postando os óculos de armação escura sobre o nariz do afilhado.

“Bom dia”, Harry respondeu, sonolento, e bocejou, mas encolheu-se logo em seguida, já aguardando a dor agora familiar provocada por suas costelas, que o haviam atormentado por várias noites. Porém, a dor não veio. Inspirando fundo, sequer sentiu vontade de tossir.

“Melhor?”, Sirius perguntou, observando as reações do afilhado. Harry experimentou sentar-se na cama, odiando a forma como seus membros pareciam sempre tremer ultimamente, e percebeu que o padrinho também estava notando seus tremores. O homem mais velho inclinou-se para frente e ajustou os travesseiros, ajudando o garoto a sentar-se de forma mais confortável.

Assim que o fez, Harry inspirou fundo mais uma vez, apreciando o fato de poder fazê-lo, e assentiu em resposta à pergunta do padrinho.

“Eu me sinto bem melhor agora”, complementou, começando a lembrar-se vagamente de ter sido acordado para comer um pouco e tomar água e a poção, e de depois ter retornado ao sono sem sonhos. Franziu a testa pouco depois. “Por quanto tempo eu dormi?”, perguntou, ao que o padrinho sorriu.

“Três dias”, Sirius respondeu, assentindo quando o afilhado arregalou os olhos. “Madame Pomfrey decidiu que seria bom mantê-lo sob o efeito da poção por algum tempo para acabar com os seus pesadelos. Pelo menos, até que se descubra uma solução definitiva.”

“Uma solução definitiva?”, Harry repetiu. Sentia-se descansado agora como há muito tempo não se sentia, apesar de ainda tremer muito. O que havia de errado com a poção?

Diante da expressão confusa do afilhado, Sirius suspirou, explicando relutantemente: “A Poção para Dormir Sem Sonhar vicia rapidamente, Harry. Você só vai poder tomá-la por mais dois dias antes que nós tenhamos de achar outra opção. Uma que dure por uma semana, pelo menos.”

“Nós não poderíamos alternar os dias? Usá-la em uma noite e, na outra, não?”, Harry perguntou, curioso, ainda sonolento e com medo de mais pesadelos. Não sabia quanto mais poderia suportar…

“Desculpe, Harry, mas não. Ela fica armazenada no seu corpo. Precisaríamos de pelo menos uma semana para retirá-la do seu organismo superficialmente. Bem, ao menos foi isso o que Madame Pomfrey disse. Para usá-la a longo prazo, você talvez tenha até que demorar mais entre as doses, porque a poção poderia se estabelecer nos seus órgãos e causar efeitos colaterais”, Sirius respondeu.

“Efeitos colaterais?”, o garoto repetiu.

“Nada com que se preocupar”, o homem desviou. “Agora, nós precisamos controlar seus pesadelos”, enfatizou.

“Desculpe”, Harry murmurou em resposta, sentindo-se desconfortável enquanto lembranças dos pesadelos passados retornavam de forma confusa e repentina.

“Harry,” Sirius começou enquanto segurava os ombros do afilhado com força, surpreendendo-o, “não faça isso”, continuou em um tom firme. “Não pense sobre isso”, repetiu, o que fez Harry perceber que o padrinho reconhecera sua expressão. “Você acha que consegue andar?”, o homem voltou a falar, dessa vez em um tom mais suave, com um pequeno sorriso no rosto.

Ignorando o fato de que começara a suar ao fazê-lo, Harry aproximou-se de um dos lados da cama rapidamente, enquanto Sirius afastava suas cobertas. Fracamente, movimentou as pernas e pousou os pés no chão, sorrindo.

“Eu talvez precise de alguma ajuda, mas sim”, respondeu, de repente ansioso por se ver capaz de andar livremente e sem dor. Já fazia um bom tempo desde a última vez que pudera fazê-lo. No ritmo em que haviam estado as coisas com os Dursley, Harry não se surpreenderia se desenvolvesse algum tipo de claustrofobia aguda. A idéia o fez bufar, surpreendendo Sirius, que lhe estendera uma das vestes de Rony ao perceber seus calafrios.

“O que foi?”, o padrinho perguntou com um sorriso curioso.

“Eu apenas estava pensando em como vai ser bom não ser confinado no meu próprio quarto”, Harry respondeu. Em seguida, observou enquanto uma variedade de emoções passava rapidamente pelo rosto de Sirius. Por fim, a preocupação tomou conta de toda a expressão do homem.

“Você não vai voltar”, Sirius falou enquanto encarava profundamente os olhos do afilhado, que apenas assentiu.

“Eu sei. Dumbledore colocou feitiços fortes o bastante sobre A Toca, por isso eu vou poder ficar aqui até o final das férias”, respondeu, franzindo a testa. Lembrava-se daquela conversa.

Sirius, porém, balançou a cabeça negativamente. “Não. Você nunca mais vai voltar para lá”, disse.

Aquelas palavras imobilizaram Harry, tantos sentimentos diferentes tomando-o que não sabia ao certo o que sentir ou dizer. “O que você quer dizer?”, sussurrou por fim.

“Quero dizer que você vai ficar com os Weasley ou… quando eu for libertado… comigo”, Sirius continuou. Como resposta, Harry, por alguns instantes, encarou-o com um olhar perscrutador, em busca de algo, antes de fechar os olhos ao ser preenchido por aquela sensação familiar de ser um fardo.

“Harry!”, Sirius chamou-o com veemência, agarrando-o pelos braços. O garoto ofegou de dor, fazendo com que os olhos do padrinho se arregalassem de surpresa. “O quê? O que foi?!”, inquiriu-o com um ar desesperado. Harry arrancou seu braço bruscamente das mãos de Sirius.

“Desculpe,” o garoto sussurrou, “é só que ele nunca ficou completamente curado”, continuou, envolvendo o braço machucado com cuidado e descansando-o contra o próprio peito.

Sirius congelou ao dar-se conta do que Harry falava. O braço direito do afilhado. Mais especificamente, a curva do cotovelo, onde Pettigrew havia-o cortado. Harry não chegou a ver a grande quantidade de emoções que obscureceu a expressão do padrinho antes que a preocupação voltasse a estabelecer-se.

“As poções de Pomfrey não curaram a ferida?”, perguntou por fim, surpreso e momentaneamente distraído da conversa anterior.

Harry balançou a cabeça. “Ela cicatrizou e tudo o mais, mas ainda é sensível ao toque e parece abrir com facilidade”, respondeu.

“Eu não…”, Sirius começou, horrorizado com a possibilidade de ter acidentalmente machucado o afilhado e reaberto a ferida. O garoto, porém, negou veementemente com a cabeça.

“Não, está tudo bem. Só sensível”, explicou, tentando sorrir de forma tranqüilizadora. Sirius, porém, suspirou, notando que Harry ficava cada vez mais pálido a cada instante que continuava de pé à sua frente. Inadvertidamente, tomou o afilhado nos braços e estendeu uma das mãos para pegar um dos lençóis sobre a cama.

“Ei…”, Harry protestou.

“Bem, eu tenho alguns assuntos que precisam ser discutidos, mas vou tentar ser breve, porque eu sei que os Weasley estão ansiosos para vê-lo. Antes de tudo, você não é um fardo e nunca foi. O fato de você pensar assim, Harry, é apenas mais uma razão para que nunca mais tenha que ficar com os Dursley novamente. Você é um ótimo garoto com um grande coração. É amável, gentil e atencioso. Eu não posso imaginar o que passa pela sua cabeça quando pensa que seria um problema para nós. Hm, você conheceu os gêmeos, não foi?”, Sirius perguntou gentilmente, porém com um olhar bem-humorado.

Harry sorriu. Sim, podia imaginar por que a maioria dos adultos acharia os gêmeos mais trabalhosos do que ele. Porém, seu sorriso vacilou ao lembrar-se do verdadeiro motivo por que tinha medo de ficar com as pessoas que amava.

“Sirius,” Harry começou, hesitante, “eu… se eu ficasse com você ou Rony… eu colocaria vocês em perigo”, finalizou. Sirius balançou a cabeça, pronto para retorquir, mas sobressaltou-se ao ouvir outra voz atrás de si.

“Eu gostaria de usar um pouco de lógica para corrigir o que acabou de dizer, Harry”, Remo disse de onde estava, apoiado contra o batente da porta. Parecia ter ouvido ao menos parte da conversa. Harry observou curiosamente enquanto o professor adentrava o quarto, fechado a porta às suas costas.

Lupin aproximou-se de Harry, que ainda estava deitado no colo de Sirius, envolto pelos braços do padrinho como uma criança, e arrumou os lençóis de forma mais aconchegante ao redor do garoto, que tinha de admitir que ainda sentia frio.

“Lógica?”, Sirius perguntou, divertido. O Professor Lupin certamente estava na casa.

“Você é amigo de Rony, assim como de todos os outros Weasley, e é afilhado de Sirius. Essas conexões os colocam em perigo, é verdade, mas…”, Remo disse, erguendo uma mão para interromper quaisquer que fossem as próximas palavras de Harry, que abrira a boca para falar.

“Os Weasley já são adversários de Voldemort. Eles sempre foram, e sempre serão. Isso também os coloca em perigo, mesmo que eles o conheçam ou não. Sirius aqui também é um inimigo de Voldemort, aconteça o que acontecer, assim como eu. Nós estamos sob ameaça constante e assim estaremos até que ele finalmente seja derrotado de uma vez por todas”, ele continuou, enquanto o outro homem o observava de sobrancelhas erguidas.

“Você é o único ser humano que já enfrentou Voldemort e sobreviveu a todas as vezes em que isso aconteceu, não é verdade?”, Remo inquiriu, esperando até que Harry assentisse. O garoto estava prestes a discutir sobre a semântica daquela pergunta, porém o homem novamente ergueu a mão para impedi-lo.

“Verdade ou mentira, Harry?”, insistiu o mais velho.

“Verdade”, Harry murmurou, obviamente ainda querendo protestar.

“Então, você não acha que seria melhor que eles o tivessem aqui para protegê-los? Se alguém nos atacasse, você poderia fazer alguma coisa em vez de descobrir por meio d’O Profeta Diário no dia seguinte”, Remo continuou. O garoto encarou o ex-professor com olhos assombrados por lembranças.

“Eu não pude proteger Cedrico”, ele sussurrou. Diante da resposta, Sirius emitiu um som de engasgo e abraçou o afilhado com mais força contra seu peito, enquanto Remo empalidecia e seus olhos se arregalavam.

Harry não chegou a ver o olhar trocado entre os dois homens, porém sentiu quando Sirius aproximou-o mais de seu próprio corpo, permitindo que descansasse sua cabeça no peito do padrinho de forma cansada. O que poderiam responder àquilo?

“Harry já acordou? Ah!”, Rony exclamou ao irromper no quarto, vendo o amigo nos braços de Sirius e notando as expressões pesarosas dos dois homens mais velhos. Franziu o cenho por alguns instantes, porém sorriu logo em seguida ao perceber que os olhos de Harry estavam abertos, espionando-o por cima do ombro do padrinho.

“Bom dia!”, disse alegremente, ao que o outro garoto sorriu gentilmente. O entusiasmo de Rony era sempre contagiante. “Bem, por que vocês estão parados aqui? Mamãe está mandando que venham tomar café”, o ruivo continuou enquanto revirava os olhos.

“Melhor não irritar a mulher, Sirius”, Remo repreendeu-o de leve.

“Definitivamente, você não precisa repetir”, o homem respondeu, e Harry suspeitou de que o padrinho falava por experiência própria.

Enquanto desciam as escadas, Rony seguia logo após Harry e Sirius. “Como você está se sentindo?”, perguntou ao amigo.

“Melhor”, ele respondeu.

“Eu espero que você esteja com fome”, Rony comentou.

“Por quê?”, perguntou Harry, sabendo que definitivamente não estava e não muito ansioso por ser forçado a fazê-lo. Semanas atrás, teria aceitado alegremente a oferta de uma refeição grande, mas, naquele momento… qualquer tipo de comida simplesmente não lhe soava atraente.

Pela sua expressão, Rony provavelmente percebeu o que o amigo pensava, pois suas feições adquiriram um ar solidário.

“Eu acho que minha mãe tomou como um objetivo pessoal fazê-lo engordar pelo menos uns quatro quilos. Eu a ouvi conversando com papai sobre isso. Ela acha que você é tão pequeno porque está desnutrido”, o ruivo explicou.

Harry viu o olhar de Remo enquanto continuavam a descer. Aparentemente, a Sra. Weasley não era a única a pensar daquela forma, ao que ele gemeu interiormente.

“Como está o tempo hoje?”, decidiu perguntar, mudando de assunto abruptamente.

“Tempo perfeito para Quadribol. Ensolarado e quente. Por que não vamos lá fora depois do café?”, Rony sugeriu. Harry sabia que não estava em condições de voar em uma vassoura, ou sequer andar mais do que alguns metros de uma só vez, mas a idéia de sair um pouco da casa soava maravilhosa.

Houvera um tempo em que os Dursley costumavam usar qualquer tipo de desculpa para mantê-lo trancado no quarto ou fazendo tarefas domésticas, mas, desde o semestre anterior, não fora capaz de sair de casa mais do que algumas poucas vezes.

Harry sobressaltou-se ao perceber que Rony continuara a falar e voltou a prestar atenção no que o amigo dizia.

“Eu vou mandar uma coruja para Hermione pedindo para que venha ficar conosco até que a gente volte para Hogwarts”, o ruivo dizia com um sorriso contente. Harry sentiu um pequeno lampejo de culpa, pois fora provavelmente graças ao seu estado de saúde que haviam estendido o convite. Normalmente, eles apenas se encontravam com Hermione no Beco Diagonal, pouco antes de o ano letivo recomeçar.

“Ei, não comece a pensar besteiras sobre o que eu disse, Harry”, Rony advertiu com a testa franzida, interpretando corretamente o silêncio do amigo. “Os pais de Hermione vão viajar por duas semanas para comemorar o 15º aniversário de casados, e ela ficaria com uma tia. Mamãe descobriu e insistiu para que ela viesse para cá. Merlin, Harry, você está ficando paranóico!”, o ruivo continuou, sacudindo a cabeça dramaticamente.

Harry corou, envergonhado ao perceber como fora presunçoso ao pensar aquilo, e olhou em direção ao térreo da casa para ver quem mais estava por ali, não chegando a ouvir o suspiro de alívio de Remo ou a ver o sinal positivo que Sirius enviou para o ruivo com os polegares, junto com um grande sorriso. Rony sorriu abertamente diante do elogio silencioso dos dois marotos, sua expressão retornando ao normal pouco depois, antes que Harry se virasse para ele novamente.

Sirius apertou os lençóis um pouco mais ao redor do afilhado ao senti-lo tremer mais do que antes, e Harry fechou os olhos por alguns instantes, preparando-se para o quase caos que era a família Weasley. Sentia-se ansioso por vê-los e, ao mesmo tempo, temia fazê-lo. A companhia deles seria uma distração bem-vinda. Faria todo o possível para manter sua mente alheia às últimas palavras daquela senhora. Elas ainda ecoavam em sua cabeça…

“Ah, criança, acorde”, ela dissera. Harry gostaria de poder fazer aquilo, e que tudo não tivesse passado de um pesadelo. Não seus amigos ou Hogwarts, mas sim Voldemort…

Se pudesse, esqueceria Voldemort com prazer.




Próximo Capítulo: Um pouco de descanso, enfim… ou não? Uma visita um tanto inesperada trás consigo perguntas, aborrecimentos e más notícias. Junto a Voldemort, novas ameaças rondam os pensamentos da Ordem: o Ministério da Magia e os Aurores. Serão eles capazes de fazer o que Sirius tanto teme?

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