Visões do Presente



N/T: Tradução de “Never Alone, Never Again”, de Bored Beyond Belief. Capítulo 6/42.




Um turbilhão de sombras escuras e acinzentadas pressionava o rosto de Harry, sussurrando gentilmente em seus ouvidos, enquanto o toque de dedos irreais, porém quase tangíveis, acariciava seu rosto.

“Harry”, as vozes sem rosto murmuravam, “vingue-se por nós”, elas imploravam, sem tom aumentando em um coro de raiva e aflição. Logo, seus gritos lamentosos tornaram-se dolorosos de ouvir. Harry ergueu as mãos e cobriu os ouvidos com força, mas não foi capaz de amortecer aqueles sons.

Desesperado, começou a gritar também, implorando para que as vozes aquietassem. Não sabia como ajudá-las! Talvez fosse o “Menino-Que-Sobreviveu”, mas certamente não sabia como o fizera ou sequer se conseguiria sobreviver novamente!

Abruptamente, estabeleceu-se o silêncio. Harry piscou enquanto seus olhos tentavam ajustar-se à luz repentina. Agora ele conseguia ver demais.

Olhando ao redor, percebeu que estava a um canto de uma minúscula sala. O aposento não possuía muitas janelas ou luzes, mas, ainda assim, conseguia passar-lhe a sensação de conforto e acolhimento. Um xale de lã de estranhas cores, que parecia cerzido a mão, estava estendido sobre um sofá surrado. Ao lado do móvel gasto, um abajur de pé fora coberto por outro xale, este vermelho-sangue e diáfano com uma franja da mesma cor, suavizando a luz da lâmpada que iluminava o âmbito.

No meio da sala, uma mesa de centro, de madeira escura, encontrava-se despedaçada sobre o chão, duas pernas quebradas e o centro partido ao meio, as duas metades cheias de mossas nas pontas, como se o pequeno móvel tivesse sido sobrecarregado por um peso muito maior do que era capaz de suportar e, por isso, cedido. Uma bandeja de jantar, coberta por estilhaços de porcelana quebrada e chá derramado, encontrava-se sobre o tapete puído.

Uma mulher já mais velha encontrava-se no chão, ofegando. Possuía um longo cabelo prateado que provavelmente estivera antes preso em um coque, mas que estava agora espalhado sobre seus ombros de forma bagunçada. Seus olhos estavam fechados, as pálpebras comprimidas com força pela dor, mas ela não estava inconsciente.

Uma grande quantidade de fotos bruxas estava sobre as prateleiras ao redor da sala, também preenchidas por livros, vários objetos de pouco valor e, também, fotos trouxas. Algumas das fotografias deveriam estar, antes, à mostra sobre a mesa de centro, pois agora se encontravam espalhadas ao redor da senhora no chão. Rostos sorridentes, alheios aos eventos que se desenrolavam ao seu redor, acenavam alegremente para Harry e aquele que agredira a mulher.

Uma poltrona reclinável estava tombada em um outro canto distante do âmbito – provavelmente, onde a senhora estivera sentada antes de a sala ser destruída. Um cesto cheio de linhas de lã coloridas estava de cabeça para baixo, algumas das bolas coloridas desenroladas sobre o chão, assemelhando-se a teias de aranha coloridas.

O ambiente encontrava-se sombriamente silencioso. O único som audível era o da respiração dificultosa da mulher.

Não haviam sido apenas os Comensais da Morte a atacar aquele lugar. Era o próprio Voldemort que se encontrava parado à frente da sua vítima no chão, observando-a de onde estava de forma superior. Harry não sabia quem mais estivera na casa, mas, de repente, gritos distantes, seguidos de risadas cruéis, deixaram-lhe claro que a mulher não estivera sozinha.

Quem mais estava ali?

Lágrimas escorreram pelo rosto da senhora e o corpo dela estremeceu com soluços suprimidos enquanto ouvia os gritos vindos do corredor. Era a voz de um homem. Harry queria sentar ao lado daquela envelhecida mulher, abraçá-la; queria poder afastar Voldemort, atacar os Comensais que estavam dentro dos outros cômodos, fazer alguma coisa. Qualquer coisa.

Quantos estavam dentro da pequena casa? Quem mais estava com ela? Harry tentou dar um passo à frente, tentou alcançar sua varinha, mas é claro que não a encontrou. Ela nunca estava ali. Ele não estava ali, porém, ao mesmo tempo, estava.

Crucio”, Voldemort pronunciou com uma suave satisfação, e a mulher arqueou-se dolorosamente para trás, gritando de agonia. Harry sentiu a maldição atravessar sua cicatriz repentinamente e também correr por todo seu corpo. Seus membros pareceram pegar fogo e sentiu como, em vez de sangue, vidro corresse por suas veias.

Quando doía daquela forma, Harry necessitava de toda a sua força de vontade para não deixar que a escuridão o tomasse, pois sabia que, caso deixasse, talvez não mais acordasse – e então, seria obrigado a ficar ali e testemunhar tudo. Veria o que seria feito à pobre mulher e quem mais estava naquele pequeno chalé. Ele não agüentaria ficar. Não novamente. Ela parecia tão gentil, exatamente como uma avó seria…

Também ofegando, Harry, sabendo que soluçava de dor, deitou-se ao lado dela no chão, desejando estar em qualquer outro lugar, menos aquele. Desejando que ela e seu companheiro também estivessem longe dali.

Crucio”, Voldemort disse mais uma vez, após uma breve pausa. Ele não fez perguntas; não estava buscando nada. O que ele queria… já conseguira. Um pouco de diversão para aquela noite. Harry sentiu seu corpo convulsionar e contrair-se dolorosamente junto a ela, e os gritos que tentava conter até então finalmente deixaram sua garganta.

Como poderia ajudá-la? Não podia sequer ajudar a si mesmo. Quais eram suas chances de lutar contra tudo aquilo?

Finalmente, a dor começou a esmorecer, e Harry se deu conta de que haviam sido libertados da maldição. Voldemort aproximou-se, observando cruelmente a mulher e parecendo saborear sua dor, seus dedos remexendo a varinha em sua mão inconscientemente. O bruxo mostrava um leve sorriso de prazer em seu rosto, o que fez Harry sentir-se nauseado e vil, como se fosse um participante involuntário daquele ato obsceno.

Harry sabia que não poderia agüentar por muito mais tempo. Afastou os olhos daquele monstro acima de seu corpo e voltou-se para a mulher ao seu lado, percebendo que estavam tão próximos que seus narizes quase se tocavam. Sangue escorria da boca dela, e a respiração era ainda mais ruidosa e inconstante. De forma lenta e exausta, a velha senhora abriu os olhos, arregalando-os ao aparentemente ver o garoto ao seu lado.

Os gritos vindos do outro cômodo haviam parado, substituídos por vozes excitadas que pareciam aproximar-se da sala de estar. Quem quer que tivesse estado na outra sala, naquele momento, encontrava-se provavelmente morto. Harry sentiu-se ser atraído para os olhos azul-claro da senhora, agora avermelhados e embaçados pela dor.

“Ah, criança…”, ela sussurrou, sua voz tão abatida que ninguém mais ouviu além do garoto ao seu lado, “… acorde.”

Os olhos de Harry abriram e arregalaram-se abruptamente ao sentir mãos em seus ombros e rosto. As palmas de suas mãos ardiam, mas não podia cerrar os punhos, pois se deu conta de que as mãos de Remo Lupin seguravam as suas. A Sra. Weasley afagava sua testa, afastando seu escuro cabelo para trás enquanto tentava acordá-lo com palavras de acalanto, como se estivesse alheia ao fato de Rony estar gritando ao seu lado.

“Harry, acorde!”, o ruivo pedia freneticamente, sacudindo o amigo com força, não mais preocupado com os ferimentos. Naquele momento, estava desesperado e a única coisa em que pensava era dar fim ao sonho de Harry.

O garoto de olhos verdes tentou inclinar-se para frente. Ele precisava sair dali, fugir. Um fantasma da dor que sentira ainda se espalhava por seus membros, e mãos seguravam-no à cama.

Sua mente, então, começou a registrar o que via e ouvia. Ele estava de volta à Toca, junto aos Weasley. Sirius e Remo estavam ali. Olhou ao redor por alguns instantes. Onde estava Sirius? Ele estava bem? Sentiu seus olhos se fecharem enquanto tentava recuperar o fôlego e acalmar seu coração, que batia desenfreadamente. Estava de volta à Toca. Ele estava a salvo…

Harry viu os olhos da senhora ao fechar os seus e teve de suprimir um soluço. Sua cicatriz ainda ardia, apesar de não tanto quanto antes. Então era aquilo. Aquele era o fim. A velha mulher não sobreviveria a mais uma onda de dor induzida pela Maldição Cruciatus.

Abruptamente, a dor em sua cicatriz desapareceu, e ele parou de debater-se contra as mãos que o seguravam, deixando-se engolir por uma onda de tristeza e aflição. As mãos também relaxaram sobre seu corpo enquanto todos dentro do quarto esperavam para ver o que aconteceria em seguida. Harry não se moveu enquanto lutava contra os sentimentos que o subjugariam caso não tentasse acalmar-se; caso não tentasse afastar-se do que vira. Ela parecera tão gentil…

“Harry?”, Rony chamou-o de forma hesitante. Seus amigos… ‘Segure-se a esse pensamento!’, sua mente aconselhou. Tentou mover seus lábios de forma a pronunciar algumas palavras, mas descobriu que sua voz parecia ter desaparecido.

“Rony”, conseguiu, por fim, dizer em uma voz rouca e cansada. Remo apertou sua mão de forma tranqüilizadora, enquanto a Sra. Weasley soluçava ao beijar a testa do garoto carinhosamente. “Seja bem-vindo de volta, Harry”, a mulher sussurrou, ainda acariciando sua testa. Rony libertou os ombros do amigo abruptamente, suspirando de alívio.

Harry retraiu-se ao sentir suas costelas enviando lampejos de dor após seus esforços para controlar a respiração. Enquanto tentava abrir os olhos mais uma vez, seus óculos foram posicionados em seu rosto com facilidade. ‘Rony ou a Sra. Weasley devem ter colocado’, pensou consigo mesmo.

Suas pálpebras por fim se abriram, e ele engoliu com dificuldade enquanto observava o ambiente. Estava no quarto de Rony. Não se lembrava de ter ido até lá. Alguém provavelmente o carregara. O Sr. e a Sra. Weasley estavam ali, assim como Rony e Remo, mas… onde estava Sirius?

“Ron, onde Sirius está?”, Harry perguntou com uma preocupação repentina. O ruivo franziu a testa diante da pergunta, e Harry assustou-se diante da expressão sombria que lampejou no rosto do Professor Lupin.

“Eu…”, o garoto ruivo tentou responder.

“Eu estou bem aqui, Harry”, a voz de Sirius o interrompeu, deixando que Harry suspirasse de forma aliviada ao notar que ao menos os Weasley, Remo e o padrinho estavam bem.

O homem de cabelos negros adentrou o quarto a passos largos, levando consigo um pequeno frasco preenchido com um líquido azul, o qual ele pousou sobre o criado-mudo ao lado da cama do afilhado. Em seguida, ajoelhou-se ao lado do garoto.

Harry percebeu a mesma expressão de antes passar pelo rosto de Lupin mais uma vez, assim como a silenciosa troca de palavras que pareceu ocorrer entre ele e Sirius. Logo em seguida, suas pálpebras se fecharam.

“Harry?”, Professor Lupin o chamou.

“Sim, Professor?”, respondeu fracamente, já sentindo o sono voltar a tomá-lo. O pavor, porém, forçou seus olhos a abrirem-se mais uma vez. Ele não dormiria novamente!

“Harry, por favor, me chame de Remo”, ele pediu gentilmente, o que fez o garoto sorrir ansiosamente e assentir de leve, deixando que a sensação de normalidade que era estar n’A Toca o envolvesse e acalmasse. Nada de ruim aconteceria ali. Ele não mais estava com os Dursley. A Sra. Weasley estava afastando os cabelos de sua testa carinhosamente, deixando-o apreciar a gentileza do toque dela e como seus dedos pareciam refrescar sua pele quente.

Harry sentia-se tão grato por aqueles pequenos gestos de conforto que um nó formou-se em sua garganta ao lembrar-se da velha senhora do chalé. Ele sequer sabia o nome dela…

“Harry, como você está se sentindo?”, o Professor Lu… Remo perguntou. Harry suprimiu a vontade de gritar e chorar e discutir. Aquilo era o que queria fazer. Havia uma lição que ele parecia destinado a aprender várias e várias vezes: a lição de saber conformar-se com a sua incapacidade de ajudar os outros. Aquela sensação de impotência fazia-o ter vontade de quebrar coisas e esconder-se sob os lençóis e implorar para que tudo aquilo acabasse.

“Minha cicatriz não está doendo tanto, mas as minhas costelas sim, e…”, começou, tentando avaliar o que estava sentindo sem preocupar todos. Harry sabia que não estava bem. Suas mãos tremiam violentamente sob as de Remo, e dera-se conta de que rasgara a pele das mesmas com suas unhas, enterrando-as nas palmas ao cerrar os punhos com força.

‘Ao menos, ela não está mais sentindo dor…’, pensou tristemente.

“Sim?”, Remo induziu-o a continuar.

“Eu sinto como se… estivesse queimando… debaixo da minha pele”, ele sussurrou, relutante a admitir aquele fato. Sirius inspirou longa e audivelmente, enquanto seus olhos azuis observavam os esverdeados e quase desfocados do afilhado. Harry sentiu lágrimas escorrerem por suas bochechas, mas seu coração parecia doer demais para que soluçasse. Tais lágrimas pareciam cair por conta própria, independentemente do que ele queria.

Fechou seus olhos de forma cansada, mas então os forçou a abrirem novamente. Ninguém perguntara sobre o sonho, e sentia-se extremamente grato por aquele fato. Não conseguiria recontá-lo. Não ainda. Talvez à luz do dia, com o barulho dos gêmeos enfurecendo a Sra. Weasley. Talvez conseguisse passá-lo para o papel, com o intuito de entregá-lo a Dumbledore, ao som dos gracejos de Rony e Hermione enquanto eles estivessem jogando xadrez, ou conversando sobre algo que a garota lera em algum livro.

“Você precisa descansar, Harry”, Sirius disse gentilmente, seu rosto próximo ao do afilhado, sua presença um calor reconfortante para o corpo ainda trêmulo de Harry. Os dentes do garoto ainda tremiam, assim como suas costelas ainda doíam. Remo apertou uma de suas mãos novamente, outro gesto de conforto que ele acolheu sem hesitar.

“Eu quero, mas… não posso”, Harry admitiu. Rony gentilmente pousou uma de suas mãos sobre o ombro do amigo, o que o fez sorrir fracamente para o ruivo. “Eu só não quero sonhar de novo”, explicou de forma cansada.

As expressões de Sirius e Remo pareciam inescrutáveis. O Sr. Weasley – que se encontrava ao lado de Harry, mas que se mantivera a uma certa distância, permitindo que Rony e os outros tivessem melhor acesso ao garoto – comprimiu os lábios em um gesto silencioso que demonstrava sua solidariedade. Eu também não gostaria, era o que sua expressão dizia.

“Eu trouxe um pouco de poção para que você durma sem sonhar, Harry. Nada mais de sonhos essa noite”, Sirius tranqüilizou-o, destampando o frasco que estivera no criado-mudo. O homem tentou dar o recipiente de vidro a Harry, porém, acabou por mudar de idéia e postar seus dedos na nuca do afilhado, erguendo sua cabeça do travesseiro gentilmente para ajudá-lo a engolir o líquido azulado de forma mais confortável.

“Beba tudo, Harry”, disse, e Harry assim o fez, grato pela sensação morna e pacífica que o envolveu e o fez dormir novamente antes mesmo que pudesse ser recolocado na cama. Ignorou a pequena voz em sua mente que sussurrava como seria bom se ele nunca mais acordasse. Então, todos os pensamentos deixaram-no, insignificantes, permitindo que soltasse um suspiro de alívio antes de adormecer.




N/T: Esse capítulo é para a moça Ana Luiza, que aparentemente vem acompanhando a fic e me surpreendeu ao deixar reviews. Esse é o meu agradecimento pelos comentários, senhorita. Obrigada! ;)

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