Sozinho



N/T: Tradução da fic “Never Alone, Never Again”, da autora Bored Beyond Belief. Capítulo 1/42.




Harry estava sentado próximo à janela coberta de tábuas, encarando a lua…

‘A lua cheia está morrendo’, pensou, enquanto lembrava do Professor Lupin e observava o céu à noite.

Ele sentia muita falta dos amigos. Desejava estar com o padrinho naquele momento. Harry se preocupava com ele a todo instante, e sorriu de forma cansada ao perceber quão protetor ele poderia ser quando se tratava do padrinho. Ele passara por tantas coisas por tantos anos…

Harry fechou os olhos enquanto pensava em Sirius. Gostava de imaginá-lo na sala de estar do Professor Lupin, sentado em frente à lareira, enquanto brincavam um com o outro. Eles tinham muitos anos para pôr em dia. Imaginava-os correndo juntos, de forma alegre, cachorro e lobo – respectivamente – através de uma floresta sob a lua cheia. Os Marotos de volta à ação. Livres.

Harry abriu os olhos abruptamente, surpreendido por um som próximo a ele. Edwiges se encontrava sobre o peitoril da janela, com a cabeça entre as barras e bicando insistentemente no vidro, tentando atrair a atenção do garoto de dentro do quarto. Harry suspirou, estremecendo quando suas costelas se manifestaram contra o movimento repentino.

Esta era a terceira vez em várias semanas que ela aparecia com uma mensagem, mas – considerando que os Dursley agora o tinham efetivamente aprisionado dentro de seu quarto – não havia nada que pudesse fazer.

“Me desculpe, Edwiges. Eles cobriram as janelas com tábuas. Eu não posso abrir”, Harry sussurrou um pouco mais alto.

Edwiges piou e ergueu a cabeça, como se tentasse ver Harry através das pequenas brechas entre as tábuas. Harry deu um leve sorriso diante do gesto. Ainda que não pudesse ter a coruja com ele, sentia-se agradecido pela companhia. Edwiges passara toda a noite anterior ali, e, muito provavelmente, o faria mais uma vez, indo embora com a mensagem apenas quando amanhecesse.

Harry esperava terminar o verão dentro daquele quarto. Era reconfortante ouvir Edwiges, saber que ela se importava. Os Dursley não o tinham forçado a voltar para o armário sob as escadas… ainda. Porém, ele começara a suspeitar de que talvez acabasse lá antes das aulas recomeçarem. E então, ele não mais veria a coruja.

Harry retornou o olhar para o céu enevoado. Estava ligeiramente nublado, suavizando os contornos da lua. Distraidamente, pressionou sua mão contra a testa, usando a pressão para tentar aliviar a dor sempre crescente da cicatriz em forma de raio. Seu legado. Fechou os olhos, tonto por alguns instantes. Ele já não dormia mais do que duas horas por noite há semanas. A falta de sono – e de comida – agora o faziam sentir-se tão fraco quanto um filhotinho. Harry mal conseguia ficar em pé sem tremer e, agora, os sonhos vinham quase todas as noites.

Harry inspirou fundo, trêmulo, ignorando o suor que começara a cobrir seu rosto e suas costas com os movimentos repentinos. Não queria pensar sobre os sonhos; veria todos eles muito em breve. Voldemort estava agindo, e Harry não precisava que O Profeta Diário lhe dissesse isso. Ele testemunhava tudo. Trouxas e bruxos; famílias inteiras morrendo. E Harry assistindo. Não conseguia mais reunir forças para chorar, mas sabia que, toda vez que via alguém sendo morto e torturado, ele morria por dentro. Afinal, fora o seu sangue que permitira que Voldemort ficasse tão forte.

Harry fechou os olhos e apoiou a cabeça na parede atrás de si. Ouvia Edwiges continuar a piar e arrulhar baixinho, e poderia jurar que ela estava tentando tranqüilizá-lo de alguma forma. Sorriu suavemente com isso. A companhia dela o fazia sentir-se menos solitário.

As coisas não iam bem desde o seu quarto ano em Hogwarts. Os Dursley sabiam guardar rancor, Harry admitiu com uma careta, mas havia algo mais… algo mais sinistro. Em sua mente, Harry nunca se questionara se os Dursley o amavam. Claro que não o faziam, e aproveitaram todas as oportunidades disponíveis enquanto ele crescia para lembrá-lo disso. Contudo, de alguma forma… Válter ultrapassara alguma espécie de linha em algum lugar – e Harry não poderia determinar como ou quando aquilo acontecera, mas acontecera.

Talvez a dieta de Duda tivesse sido o início, Harry refletiu. Harry sempre temera Válter. No passado, ele certamente nunca vira problemas em bater no garoto. Entretanto, Harry nunca antes temera por sua vida com eles. E agora, estava começando a fazê-lo. Aliás, suas costelas doloridas eram um constante lembrete da raiva de Válter, assim como todas as outras feridas e cortes que ele começara a acumular. No passado, os Dursley haviam detestado Harry, mas ainda precisavam do garoto para cuidar de todos os trabalhos domésticos que eles mesmos eram muito preguiçosos para fazer. Neste ano, porém, eles não se importaram.

Válter contratara uma companhia de jardinagem para cuidar de seu gramado, e Petúnia agora preparava todas as refeições da família, desde que Duda se livrara de sua dieta por todo o verão. Harry suspeitava que Duda não houvesse sido realmente liberado pela nutricionista da escola. Era muito mais provável que Petúnia não agüentasse mais continuar a torturar seu filho com a “cruel” dieta que a escola tentara impor.

Uma diarista vinha uma vez na semana e arrumava todos os quartos, menos o de Harry. Certas vezes, Harry tinha de suprimir o impulso de bater na porta e pedir ajuda enquanto a ouvia limpar o corredor do lado de fora de seu quarto. Porém, ele sabia… Harry já aprendera que ninguém estava vindo. Ninguém viria. Ele apenas encontraria mais problemas do que estava preparado para lidar, e simplesmente não tinha mais energias de reserva.

Tudo que precisava fazer era chegar ao final daquele verão. Quando não aparecesse para o início das aulas, alguém viria. Ele apenas precisava agüentar até lá.

Edwiges mais uma vez bicou insistentemente na janela. Harry se assustou. Ele devia estar começando a adormecer. ‘Péssima idéia’, pensou consigo mesmo. Obrigou-se a acordar e espiou o lado de fora, encarando os olhos preocupados da coruja.

“Me desculpe, eu devo ter me distraído”, ele sussurrou de forma tranqüilizadora. Edwiges começou a ficar irritada e piou com mais insistência. Harry franziu a testa.

“O que foi?”, perguntou a ela. A coruja saltou para o lado do peitoril e olhou para o gramado abaixo.

Por alguns instantes, ele não viu nada. Então, deu um sobressalto ao perceber que uma das sombras se movera. Calafrios subiram por sua espinha e sentiu sua pele começar a formigar. Os olhos de Harry se arregalaram aterrorizados, enquanto ele se levantava e comprimia o rosto contra a brecha. Sim, a sombra se movera. E havia outra. E outra. O coração de Harry estava na garganta. Sua varinha estava no andar de baixo, dentro do armário sob a escada. Ele tinha de pegá-la.

Observou as sombras enquanto se aproximavam da casa. Elas usavam vestes bruxas e pareciam sussurrar entre si. Não havia dúvidas de que arrombariam o lugar. Harry tentou determinar o que fazer. Deveria acordar os Dursley e tentar persuadi-los a abrir a porta? Isso lhe daria uma chance? Sim e não. Válter talvez abrisse a porta, mas seria para bater nele por tê-los acordado. E se as sombras fossem Comensais da Morte, como Harry suspeitava, os Dursley seriam mortos, com ou sem a cooperação deles. Por mais que Harry os odiasse, não os queria mortos.

Então estava sozinho. E Válter colocara cadeados na porta de Harry. Ele tentara, por duas semanas, abrir as fechaduras, mas não tinha nada duro ou fino o bastante para fazê-lo. Válter o ouvira tentando certa noite, e Harry, desde então, não mais tentara. Não conseguia pensar em qualquer outro jeito de pegar sua varinha.

Seus olhos se ajustaram à escuridão. Olhando todo o quarto, encontrou, em um dos cantos, um abajur de chão quebrado. Era o mais próximo de uma arma que não cortasse que poderia encontrar. Havia uma pequena mesa no meio da haste do abajur de chão, usada para colocar bebidas, e Harry decidiu que aquilo também o ajudaria a colocar o objeto sobre o seu ombro. A base do abajur, apesar de não tão impressionante quanto um taco de baseball seria, serviria.

Arrancou a parte de cima do abajur e arrastou a haste consigo, para ficar atrás da porta, pronto para bater com o objeto no intruso assim que a porta fosse aberta.

Ouviu a porta da cozinha no andar de baixo e ficou atento, quase ofegando de medo, enquanto os degraus da escada rangiam sob o peso dos intrusos. Harry podia ouvir sussurros agora, apesar de não poder discernir as palavras. Levantou fracamente o abajur de chão sobre a sua cabeça, seus braços tremendo com o esforço. Esperava que eles não fossem se demorar muito no corredor.

“Alorromora”, sussurrou suavemente a voz de um homem. A porta se abriu e, enquanto a figura dava um passo para dentro, Harry desceu o abajur com força.

“Harry?”, a voz de Sirius sussurrou urgentemente.

Ah, não! Harry mudou o trajeto do abajur no último segundo, a base pesada do objeto não acertando a cabeça de Sirius por pouco.

“Sirius!”, Harry falou, enquanto o homem se afastava com um salto, surpreso.

“Você o achou?”, Remo Lupin perguntou, enquanto também adentrava o quarto de Harry.

“Você me deu um susto enorme!”, Harry sussurrou ferozmente, quase gargalhando de alívio. Uma terceira figura entrou no quarto.

“Todos ainda estão dormindo”, Arthur Weasley falou, vindo logo depois do Professor Lupin. Harry não acendera as luzes, então todos estavam parados em meio à escuridão. Ele sentia-se tremer agora que toda a adrenalina passara.

“E vão permanecer assim também. Eu coloquei um Feitiço do Sono neles. Nós podemos conversar normalmente”, o Professor Lupin disse.

“Então acendam as luzes para que eu possa ver o que Harry quase usou para me bater até a morte”, Sirius disse, tentando soar alegre, apesar de Harry poder ouvir claramente a preocupação na voz dele.

“Lumos”, Arthur Weasley murmurou, e os três fitaram Harry em choque.

“Hm, oi”, Harry disse e sorriu fracamente.

O garoto deixara o abajur de lado, e agora tinha de procurá-lo e agarrá-lo para se manter de pé. Olhou de um rosto para o outro, tentando ler o que eles estampavam.

“Oh, Merlin”, Sirius disse, e Harry observou enquanto os olhos do homem se enchiam de lágrimas. “O que eles fizeram com você?”, ele perguntou, enquanto se aproximava de Harry.

Harry tentou sorrir novamente, dizer algo que os tranqüilizasse, mas conhecia o olhar que eles carregavam. Ele não se olhara em um espelho por um bom tempo e, pelas expressões dos outros, não deveria parecer bem. E não queria pensar em como o quarto provavelmente deveria cheirar para eles.

Remo e Arthur haviam começado a olhar todo o quarto, juntando as peças do quebra-cabeças que fora o verão de Harry. Por mais de um mês, o garoto morara neste quarto. Arthur começou a comprimir o maxilar e ficar vermelho.

“Onde estão suas coisas?”, ele perguntou, a intensidade surpreendendo Harry, que nunca vira este lado de Arthur Weasley. Por um instante, achou que fosse dirigida a ele.

“Dentro do armário embaixo da escada”, Harry respondeu.

O Sr. Weasley assentiu e saiu do quarto a passos largos.

Sirius estava agora parado exatamente em frente a Harry, incerto sobre como se aproximar. Harry percebeu a hesitação dele e se dirigiu até o homem para abraçá-lo, alívio e gratidão quase o engolindo. Alguém viera. Alguém sentira sua falta e viera até ele.

Sirius aceitou a iniciativa de Harry avidamente, tomando-o em seus braços e abraçando-o com força. Com muita força, na verdade, pois as costelas do garoto liberaram ondas de dor que o fizeram ofegar, e manchas dançaram em frente aos seus olhos.

“Harry?”, Sirius chamou, imediatamente o soltando, mas ainda segurando seus ombros enquanto o encarava nos olhos. “O que foi?”, ele perguntou, o rosto contorcido em preocupação.

“Me desculpa. Minhas costelas”, Harry disse enquanto se esforçava para recuperar o fôlego. Suas pernas cederam e Harry observou o chão saltar de encontro a ele. ‘Oh, minha nossa’, ele pensou distraidamente e sentiu Sirius pegá-lo.

“Eu peguei o malão dele”, Arthur Weasley avisou do andar de baixo.

“Há mais alguma coisa que você quer levar, Harry?”, Remo Lupin perguntou, seu rosto ilegível enquanto olhava para o garoto, que descansava nos braços de Sirius.

Harry ainda estava tendo problemas em recuperar a respiração, mas conseguiu falar, ofegando: “Tábuas do assoalho. Embaixo da cama”. Depois, seus olhos se fecharam, seu corpo se tornou mole e ele desmaiou.





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