Os Gêmeos que Sobreviveram



Londres. Um dia aparentemente normal, nuvens no céu, famílias despertando para a rotina. Em uma casa em Little Whinging, Surrey , mais especificamente o número 4 e ao Sul de Londres uma família comum se preparava para um dia aparentemente comum.


O pai, Válter Dursley, trabalhava em uma firma de brocas. Ao se levantar escolheu a gravata mais sem graça de seu armário para trabalhar, despediu-se de sua esposa e tentou dar um beijo de despedida no filho gordo e hiperativo, mas não conseguiu, então simplesmente saiu.


Enquanto Válter dirigia despreocupado para o trabalho, Petúnia, sua esposa, começou as tarefas de uma dona de casa comum: fez o café para seu filho de um ano, mimou os chiliques repetitivos dele que jogava o cereal nas paredes e esticou o pescoço extremamente grande (ao contrário do pescoço do marido, que era curto e quase inexistente) por cima do muro para expiar a vida alheia. Cozinhou, passou, limpou a casa e ficou o tempo todo esperando pela volta de seu marido. Nada além.


Alheio a tudo, estava Duda Dursley o pirralho de um ano tão gordo que mal cabia na cadeirinha de bebê aprendera desde esta idade a ser mimado e exigir as coisas das pessoas, por isso, as palavras "não", "nunca" e "agora" já faziam parte de seu restrito vocabulário.


Voltemos agora o foco a Válter. Logo após sair de casa ele se deparou com um gato preto assentado no muro, mas não deu muita atenção. Oras, era apenas um gato, nada além disso.


Pegou seu carro e foi dirigindo pela cidade. Tudo bem que ele não considerava nada de mais no fato de um gato fitar tão fixamente uma placa que poderia estar a lendo, mas certas coisas não passam despercebidas nem mesmo aos olhos de trouxas como ele.


Enquanto o carro parou em um congestionamento, Válter tamborilava distraidamente o volante quando viu um senhor estranho passar pela rua. Estranho do tipo muito estranho: usava uma longa capa verde limão, um chapéu pontudo púrpura e cantava alegremente uma música que falava de hipogrifos.


Neste instante, o estômago de Válter afundou. Aquele cara... Não, mas não podia ser! Válter continuou com a pulga atrás da orelha, mas lentamente se convenceu de que aquele cara devia ser louco, ou estava voltando tarde demais de uma festa à fantasia que varara a noite. Só isso.


Acalme-se Válter, não é nada demais, não tem nada a ver com a irmã estranha da sua esposa... Acalme-se...


Irmã estranha? Já chegaremos lá caros leitores, mas antes, peço que segurem sua curiosidade e me permitam terminar de relatar os outros feitos interessantes ocorridos com Válter durante o dia.


Depois de, com certo esforço, superar o choque do maluco de verde e roxo, Válter decidiu a concentrar-se apenas no trabalho e em nada mais. Talvez ele tivesse de fato conseguido se, o tempo todo, corujas não passassem atrás dele, na janela, fazendo um enorme escarcéu. Quando ele olhou para fora e viu a nuvem das aves em plena luz do dia, passou a ter dificuldades em se concentrar nas brocas. Resolveu comprar uma rosquinha do outro lado da rua, o açúcar sempre ajuda a relaxar de acordo com ele.


Saiu da padaria já pensando em enterrar os dentes naquela montanha de açúcar e gordura, como se ele já não fosse gordo o bastante, quando foi detido por palavras soltas ditas por mais retardatários da festa a fantasia:


- Harry e Ashley Potter, os que sobreviveram.


- Parece que Tiago e Lílian não resistiram, mas como os gêmeos... São apenas crianças, um ano cada!


Válter deixou a rosquinha cair a meio caminho da boca.


Atravessou a rua correndo subiu as escadas para seu escritório, berrou que não queria ser incomodado para sua secretária, fechou a porta, largou-se no divã e respirou fundo.


Agora ele não tinha mais dúvidas sobre o envolvimento de gente daquela laia nos acontecimentos recentes, mas, com a respiração ofegante, o rosto suado e o desespero estampado na cara, refletiu sobre o assunto: como aquilo poderia afetá-los? De maneira alguma, era a resposta. Respirou bem fundo e voltou ao trabalho, tendo muito mais dificuldade em se concentrar do que quando começara.


Ao fim da tarde, Válter voltava para casa questionando se deveria ou não falar com Petúnia sobre o assunto. Tentava a todo custo se convencer de que não seria necessário, mas quanto mais o tempo passava, mais esta lhe era a única saída possível.


Mesmo assim, ao parar o carro na garagem, descer e entrar em casa ele decidiu dar tempo ao tempo. Parecia que tudo ia se acertar normalmente, até o meteorologista anunciar que ao invés de temporal, choveram corujas e estrelas durante o dia. Válter remexeu-se na cadeira, inquieto,


- Tudo bem, querido? – perguntou Petúnia.


- Ah... Bem... Sabe aquela sua irmã?


- Hum... Que tem ela? – Petúnia estava visivelmente irritada com a menção à irmã, uma vez que geralmente fingiam que ela não existia.


- Ela não tem filhos, tem?


Petúnia sentia-se cada vez mais inquieta à curiosidade repentina do marido. Respondia às suas perguntas a contragosto:


- Gêmeos. Um menino e uma menina, na idade do Duda.


- Ah, é mesmo. Ernesto e Jaqueline, certo?


- Harry e Ashley. Nomes muito feios, combinam com a espécie.


Válter sentiu o estômago afundar, mas decidiu não fazer mais perguntas à respeito. Tentou parecer normal durante o fim do dia, e quando todos foram se deitar ele ficou um bom tempo olhando para a janela e se perguntando como aquilo poderia atingi-los, mas desistiu. Simplesmente rendeu-se ao cansaço e apagou.


Horas mais tarde, na alta madrugada, um vulto surgiu repentinamente na escuridão. O homem era alto, magro e muito velho. A idade era acentuada pelas rugas e os longos cabelos e barbas brancos. Com longos, refiro-me a um tamanho que chegasse aos quadris do homem. Usava vestes e um chapéu pontudo púrpura, botas pretas de fivelas e oclinhos de meia-lua cobrindo orbes azuis. Tirou um isqueiro de prata do bolso e o acendeu.


Tal isqueiro misterioso chupou a luz do poste mais próximo, deixando-o na escuridão. Ele repetiu o ato quantas vezes precisou até que a rua estivesse imersa na escuridão.


O nome deste homem era um tanto quanto comprido, então resumiremos para Alvo Dumbledore, é tudo o que basta agora. Mais conhecido como Professor Dumbledore, era o diretor de... Bem, diretor de uma escola, é tudo o que direi. Ele caminhou pela rua escura por um tempo e parou em frente a um número. Então reparou em um gato preto que pulou do muro da casa que ele observara e de repente começou a se transformar em uma pessoa.


- Minerva McGonagall... – o professor disse para si mesmo e para a pessoa que surgira no lugar do gato. – Por que será que não estou surpreso em lhe ver aqui?


- Talvez porque eu sou a única com bom senso para acompanhar o repercurtimento das notícias no mundo dos trouxas, e venho lhe informar, não são nada boas! Será que todos perderam o juízo? Milhares de corujas o tempo todo, em plena luz do dia e chuvas de estrelas cadentes? Ah, muito cômico se no dia em que ele se foi os trouxas descobrem a nossa existência.


Enquanto McGonagall dialogava, Dumbledore tirou uma varinha das vestes e fez um gesto com ela. Logo dois sorvetes de limão vieram flutuando do final da rua até ele.


- Ah, é tão ruim que não se possa conjurar comida... – Dumbledore disse tristonho. Em seguida virou-se para McGonagall: - Aceita?


- O que... É isso? É de comer? – ela perguntou encarando as casquinhas confusas.


- Sim, e são deliciosas.


- Não obrigada. Mas aceitaria respostas.


- Então pergunte.


De repente o rosto severo da professora de coque no cabelo e ar severo se desfez em uma expressão de tristeza.


- É verdade o que dizem? Lílian e Tiago... Eles morreram... Não, claro que não! Como poderiam estar mortos?


- Sinto muito. É uma perda enorme para todo o mundo, mas o que nós perdemos é insignificante se comparado ao que os gêmeos perderam.


- Então, além disto, também é verdade que Harry e Ashley sobreviveram? Mas como? São tão pequenos...


- Sim é verdade, e eu não sei como aconteceu, acreditaria em um milagre.


- Oh céus... E onde os bebezinhos estão agora?


- Com Hagrid. Vai trazê-los para cá.


- Para cá? Esta casa? – ela apontou para a casa dos Dursley. – Esta?


- É a única família que os resta.


- Bem... Espero que pelo menos Hagrid não se demore...


Algumas horas antes, este mesmo diretor de barbas brancas conversava com um homem com o dobro do tamanho de um homem normal (não só em altura mas para os lados também), cabelos e barbas grandes,selvagens e embaraçados e um casaco enorme cheio de bolsos grandes o bastante para conter dois pares de sapato 46 cada um.


Apesar da aparência agressiva, Rúbeo Hagrid era extremamente dócil, a não ser pelo seu inocente apreço por criaturas perigosas, como dragões.


- O senhor queria me ver, diretor.


- Sim. É sobre os Potter...


- Ah... A diretor! – o homem caiu no choro e Dumbledore teve que se por nas pontas dos pés para alcançar as costas dele e o acalmar com um meio abraço reconfortante.


- Eu sei Hagrid, eu sei, mas os bebês estão lá. Não quero curiosos em volta deles, precisam de paz, e um lar.


- Ah, o senhor podia deixá-lo morando comigo! Eu cuidaria muito bem deles, Canino é extremamente inofensivo apesar da aparência agressiva e...


- Não. Eles vão crescer com a família que lhes resta. – Dumbledore rabiscou o endereço dos Dursley em um pergaminho e entregou a Hagrid. – Quero que você, por favor, busque as crianças e leve para este endereço.


- Tudo bem... Seria uma honra, senhor. – e Hagrid deixou o escritório, rumando dali para o antigo esconderijo de um amigo, Sirius.


Sirius, como era de se esperar, não estava lá, mas a moto estava. Aquela moto era a única coisa que ocultaria um meio gigante de mais de dois metros de altura acima das nuvens sem despencar com o peso.


Hagrid deu a partida na moto voadora e logo cortava o ar acima das nuvens cinzentas, indo em direção ao antigo vilarejo de Godric's Hollow. Não conseguiu conter as lágrimas, tinha grande apreço por Tiago e Lílian e pensar em ver os corpos deles não era nem um pouco animador. Esperava sinceramente que o Ministério tivesse cuidado de tirá-los de lá, pois não agüentaria a cena.


De fato, ele não agüentaria. Quando pousou a moto na vila e seguiu no chão até a casa, o que viu foi muito menos do que corpos, mas foi o bastante para que ele se desfizesse em um choro compulsivo com urros tão altos que toda a Inglaterra devia estar ouvindo: a casa estava completamente destruída no segundo andar, havia um buraco na parede e faltava parte do chão.


Hagrid sentiu que ia desabar. Pelo visto a Ordem tinha levado os corpos, e não o Ministério. Ah, pensou Hagrid O Ministério teria dado muita repercução se tivesse tirado os corpos, mas parece que a Ordem não levou os bebês. Dumbledore deve ter dito que eu vinha buscá-los. Grande homem, o Dumbledore! Grande homem!


Contendo o choro e os espasmos de tristeza pelo corpo, Hagrid adentrou a casa. Parte das escadas fora destruída, então ele teve que descer, pegar a moto e chegar ao patamar superior voando. Parou a moto no meio do quarto dos bebês pela abertura na parede, desceu e foi até o berço.


Haviam dois bebês lá dentro. O primeiro, mas na frente, tinha olhos verdes, cabelos negros bem curtinhos, chorava e tinha uma cicatriz em forma de raio no meio da testa. A garota se parecia com o irmão em tudo: cabelo, olhos, até o nariz e a cor da pele, e até no choro. A única diferença é que não havia cicatriz. Hagrid percebera que a cicatriz de Harry devia ser o local onde ele fora atingido, e Ashley não tinha uma porque o bruxo se fora antes de atacar a garotinha.


Meio confuso, leitores? Explicações nos capítulos seguintes.


Mas de volta ao presente, Hagrid colocara cuidadosamente cada um dos bebês (que eram menores que as suas mãos) em um dos bolsos internos do casaco. Dirigira bem mais lentamente na volta, e quando sobrevoavam uma cidade no meio do caminho até o endereço que Dumbledore lhe dera, os bebês adormeceram.


Dumbledore olhou para o alto poucos minutos depois. Um ronco baixo que parecia vir do céu foi aumentando, junto com uma luz intensa. Hagrid pousou a moto na rua e a desligou, contendo as lágrimas. Pegou os bebês, um em cada mão e passou a Dumbledore.


- Tão... Pequeninos... – e Hagrid caiu no choro sendo acalmado por McGonagall. Enquanto isso, Dumbledore colocou os gêmeos em uma cesta que ele conjurara, os aquecendo da melhor forma possível em um cobertor e deixou uma carta por cima. Devolveu a luz aos postes com o isqueiro e depois disso, McGonagall e Dumbledore desapareceram da mesma forma como ele surgira, e Hagrid foi embora na moto voadora.


Mesmo que agora o silêncio reinasse na rua, mesmo que a quietude e tudo o mais pairasse, isto era apenas ali, pois em tantos outros lugares do mundo pessoas comemoravam:


- Ele se foi! Três vivas a Harry e Ashley, os gêmeos que sobreviveram!


 

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