Mortes sangrentas.

Mortes sangrentas.



–Pai, você falou que eu poderia tomar sorvete antes de jantar.- A garotinha reclama numa voz esganiçada.


-Ora, querida. – Um senhor de aparência bondosa e cansada sorria do outro lado da mesa.- Não vamos discutir com sua mãe.


-Mas pai, eu..


-Vamos comer o fetuccine todo, que talvez driblamos ela, sim?-O homem deu uma piscadela. A garota enrolou um pouco da massa no garfo com nojo.


-Mas esse macarrão é terrível.E o molho é pior ainda.


-Eu sei, querida, é a receita da vovó, mas se comermos tudo depressa, podemos tomar o sorvete, hã?


-Tá bom.- A garotinha se conforma.- A mamãe já não deveria ter voltado? Ela não só foi atender a campainha?


-Bem lembrado, não é? Eu vou checar. Ela não espera que comamos essa coisa sozinhos, não é?- O senhor passa a mão nos cabelos da menina, bagunçando-os.. –Engula o seu macarrão, eu já retorno.


A garota continuou enrolando o seu macarrão, olhando deprimida para o prato. De repente, ela escuta barulho de coisas sendo quebradas, móveis sendo atirados.


-Pai?- Ela chama.-Pai???? Está tudo bem?.


O barulho de coisas quebrando continuava forte. A garota não sabia se iria para o Hall , ou se fugia para o sótão.


Uma senhora de cabelos negros e compridos apareceu na porta da sala de jantar cambaleando. Suas vestes estavam rasgadas, e seu rosto estava horrivelmente manchado com algo que parecia ser...sangue???


-Mãe?-A garotinha pergunta, assustada.-Mãe, o que est...


-Fica quieta!-Ela tapa a boca da menina com a mão.-Eles  não sabem que você está aqui.-Ela puxa a menina prum pequeno armário.


-Eu preciso que você me escute, e faça tudo o que eu disse.- A mulher fala rapidamente.- Não tenho muito tempo. Você vai se esconder aí dentro, até todo esse barulho acabar. Não faça nenhum ruído, ou eles podem pegar você, ouviu??? Fique quieta. Quando o barulho cessar, vá no nosso quarto e pegue um embrulho dentro da 4ª gaveta da cômoda. Abra o conteúdo e siga estritamente o que está lá dentro, ouviu???


-Mas mãe, o qu...


-Eu não tenho tempo pra lhe explicar!-A mulher responde, com urgência. - Você tem que me prometer que vai fazer o que eu mandei, tudo bem???


A garotinha acena, assustada.


-Eu sinto muito, querida.- E a mulher empurra a garota pra dentro.


[...]


 


Pelas frestas da madeira, ela podia ver a luz do sol. Quando tempo tinha-se passado? Doze, treze horas? Os ruídos tinham cessado há várias horas atrás, mas a garotinha tinha muito medo pra sair.Seria seguro sair do armário?


Seu estômago doía de fome, e ela desejava até o fetuccine nojento da noite passada. Suas pernas estavam dormentes de tanto ficar na mesma posição. Ora, ela tinha que sair pra pegar o pacote, não era?


A garota sai com cuidado e silenciosamente do seu esconderijo. A sala de jantar estava completamente destruída. Os móveis estavam quebrados, como se tivessem sido desmantelados a mão, e tudo estava sujo de pó, sangue e os restos do jantar não-consumido da noite passada.


A menina andava silenciosamente pela casa, com medo de que alguma coisa ainda estivesse lá, enquanto se dirigia rapidamente para as escadas do hall.


Se a sala de jantar estava destruída, nada se comparava ao hall. A porta e as paredes tinham sido demolidas como se fossem pisoteadas. Um grande rombo tinha sido feito em uma das paredes, e a escada parecia que iria ruir a qualquer momento. Ao olhar cautelosamente para o rombo, ela enxerga seus pais.


Mortos.


 Completamente cobertos de sangue. Haviam marcas nos pescoços deles, e nos braços, como se algum animal tivesse-os atacados. Seu pai estava sem uma perna, que ela localizou dentro da lareira. Estampada em uma das paredes sobreviventes, havia um grande desenho em algo semelhante a tinta verde neón de uma caveira com uma cobra no lugar da língua.


Tentando controlar o choro e a náusea que tentavam engolfá-la, ela subiu rapidamente as escadas, torcendo para que ninguém estivesse no andar de cima.


Os quartos estavam praticamente intactos. Quem – ou o quê- tivesse entrado, não se concentrou no andar de cima. A garota entra no quarto dos pais, apavorada, a imagem dos corpos ainda muito fresca em sua mente. O que tinha acontecido? O que iria acontecer com ela?


Contrastando com a atmosfera da casa, podia ver-se da janela acima da cama um imponente nascer do sol. A garota localizou rapidamente o embrulho sobre a comoda , e torcendo para que ninguém viesse para a casa novamente, despejou seu conteúdo na cama, torcendo que ali tivesse informações sobre sua sobrevivência.


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2 de novembro  de 1967


Londres


3:30 A.M.


CRAQUE.


Uma jovem aparentando 20 e poucos anos aparatou no meio do aposento. Seus olhos eram espantosamente verdes, e parecia que não via a luz do sol há muito tempo. Seus cabelos negros e compridos estavam ensopados – assim como ela, que, além de encharcada, estava suja de lama e de sangue.


-Nunca mais...-A garota se atira a um sofá e começa a reclamar com um rapaz franzino que estava deitado em outro sofá vendo TV.- Nunca mais eu assumo seu turno em dias de chuva, ouviu bem? Uma mina inundou e alguns lobos vieram nadando. Sério, nadando pra cima da gente. A próxima vez, você vai, e eu não tou nem aí que tenha um puta jogo de rugby pra você ver. E você ainda me deve uma. Está me ouvindo?


O rapaz não responde.


-JOSH, TU TÁ ME OUVINDO, SEU DESGRAÇADO!?!?- A garota atira uma mochila suja de aspecto pesado, que caiu em cima dele com um barulho alto de metal se chocando com pedra.


-Tá, Sônia, que saco, eu já ouvi!- O rapaz reclama.- Eu tou te devendo uma, beleza! E cadê o resto do povo? Ou você ficou com medinho de alguns lobos? Haha. Fraca.


-Cala a boca.- Sônia responde.- Eu fui embora porque eu não aguentava mais ficar de plantão. Eu não substituí só você essa semana, eu substituí o Kahn  também. O resto do pessoal ficou lá. Você sabe como a Morgana adora uma carnificina. E por falar no Kahn, onde se localiza aquela putinha?


-Reunião suprema do conselho há uma hora atrás. – Josh responde.-  Os Gauthier ligaram há 4 horas atrás. Encontraram  os Saggioro mortos. Uma estimativa de 5 dias e algumas horas, e a menina deles sumiu. Muito sinal de luta, violência,  e a Marca Negra estampada em uma das paredes.


-Voldemort?- Ela pergunta rapidamente.


-Não se sabe ainda. Viktor convocou todo mundo há duas horas atrás. E, graças ao bom Deus, sem armas. Os feitiços de blindagem não estão mais funcionando. A questão é, precisamos achar essa guria rápido. Não precisamos de outro ocorrido assim como a Amelie.
- 5 dias. - Sônia suspira pesadamente. - A essa altura, eu creio que seja mais fácil encontrar o cadáver dela. Pobre garota. Já é muito difícil ver os pais mortos, e ainda enfrentar uma bateria de Maldições Cruciatus.


 


DING-DONG!


-Vai atender.-Sônia manda.


-Vai você.


DING-DONG!


-Vai você que eu tou cansada.


-Chata.- Josh se levanta pra atender a porta.


A única coisa que se via era a escuridão da noite, cortada somente pela chuva intensa.


-Sônia, não tem ning...-Quando estava fechando a porta, um pé pequeno impede da porta fechar totalmente.-Ah, tá, esquece.


Uma garotinha aparentando seus 6 ou 7 anos estava encarapitada na porta, enrolada firmemente numa capa de chuva e carregando uma grande mochila molhada e enlameada. Seus pequenos olhos azuis estavam vermelho-arroxeados.


-Olá, pequenininha.- Josh se ajoelha para encarar a garota.- Você não deveria estar andando por aí, sozinha e num tempo como esse. Está perdida? Onde estão seus pais?...


-Meu nome é Selena Chiara Saggioro.- A garotinha inspira profundamente, e responde.- Peguei um avião sozinha e dois trens, e andei mais 17 km pra chegar aqui. Meus pais estão mortos. Eles deixaram uma carta-testamento e me mandaram procurar Viktor e Sônia Corvinus em Londres, que eles saberiam o que fazer. Eles estão aqui? Eu posso entrar? Eu poderia dormir aqui? Eu não sei pra onde eu vou, e eu andei 17 km...Você não vai me mandar pra outro lugar novo, vai? Eu não quero andar mais.

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